EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO: APROXIMAÇÕES ENTRE

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EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO: APROXIMAÇÕES ENTRE
CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E ENSINO DE BIOLOGIA
Kharem Cristine dos Santos Silva 1- UEPA
Sinaida Maria Vasconcelos de Castro2- UEPA
Bianca Venturieri 3- UEPA
Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente estudo foi desenvolvido na Feira do mercado do Ver-o-Peso, em Belém do Pará,
mais especificamente na área em que se concentram comerciantes que trabalham com a
produção e venda de alimentos prontos para o consumo, o Ver-o-Peso foi escolhido para o
estudo em questão por ser um importante ponto turístico do estado do Pará e também na
região Norte do Brasil, local onde transitam muitas pessoas todos os dias, sendo desta maneira
uma rica fonte para um estudo de natureza etnobiologica. O estudo realizado em duas etapas,
alcançando cada uma delas um quantitativo diferente de sujeitos. A primeira etapa esteve
relacionada a definição do perfil sócio-econômico dos sujeitos, totalizando 69 indivíduos, 47
do sexo feminino e 22 do sexo masculino, tendo utilizado como instrumento da investigação
nesta etapa um questionário com perguntas diretas. Na segunda etapa foram entrevistados 15
indivíduos, correspondendo a 10% do universo amostral de 156 boxes. Este trabalho teve
como objetivo investigar os saberes etnobiológicos dos comerciantes de refeição da feira do
Ver-o-Peso sobre doenças transmitidas por alimentos (DTAs) causadas por bactérias. Os
dados indicam que os feirantes não estabelecem associação da doença a um agente etiológico
específico, apontando o alimento como causa e não o vetor de doença, associando tais
patologias à falta de cuidados direta ou indiretamente do manipulador ou da má utilização ds
utensílios de cozinha. O reconhecimento da importância dos cuidados com a higiene durante
o processo de manipulação dos alimentos indica uma consciência sobre os riscos e
consequentemente cuidados envolvidos com a comercialização dos seus produtos.
Palavras-chave: Etnobiologia. DTAs. Ver-o-Peso.
1
Graduada em Ciências Naturais- Biologia – Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail:
[email protected].
2
Doutora em Educação – PUC - Rio. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e do
Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Líder do Grupo de Pesquisa Ciência, Tecnologia, Meio
ambiente e educação não-formal. E-mail: [email protected]
3
Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento - UFPA. Professora Assistente da Universidade do Estado do
Pará (UEPA). E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
13684
Introdução
De acordo com o Ministério da Saúde, com base em informações do Sistema Nacional
de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmitidas por Alimentos (SNVE-DTA) as
doenças transmitidas por alimentos DTAs têm aumentado ao longo dos anos, influenciadas
por variados fatores tais como: o crescente aumento das populações; a existência de grupos
populacionais vulneráveis ou mais expostos; o processo de urbanização desordenado e a
necessidade de produção de alimentos em grande escala.
Estudos realizados por Marchi et al (2011) no Brasil, entre 1999 e 2008, demonstram
que foram notificados 6.062 surtos de DTAs. Neste período 117.330 brasileiros adoeceram
decorrentes de surtos de DTAs dos quais 64 foram a óbito. No estado do Pará, dados da
Secretaria do Estado de Saúde SESPA demonstram que no ano de 2008 foram registrados no
18 casos de infecção por Salmonella sp. relacionados ao consumo de açaí e outros alimentos.
Diante dessa realidade evidencia-se a importância da realização de estudos que
busquem conhecer os saberes etnobiológicos sobre bactérias e as doenças por elas causadas,
que os trabalhadores que manipulam alimentos possuem, pois partindo desse conhecimento
podem ser propostas estratégias e ferramentas para otimizar a educação e o conhecimento,
visando o bem estar não somente das pessoas que trabalham na comercialização, mas também
da população de forma geral, pois sabemos que o comercio de alimentos local afeta de forma
direta e indireta setores da economia formal e informal.
Em Belém do Pará o mercado do Ver-o-Peso, se apresenta como um reconhecido
ponto turístico nacional e referência sócio-cultural da população paraense, onde diariamente
são comercializadas milhares de refeições, atendendo pessoas de idades, gênero e origens
diferentes, constituindo um ambiente propício para estudos cuja intenção seja investigar
saberes relacionados a saúde, alimentação e cultura, motivo pelo qual, essa que é maior feira
livre da América Latina foi eleita como campo de estudo da presente pesquisa.
Partindo desses pressupostos a pesquisa foi desenvolvida buscando responder o
seguinte questionamento: Quais os conhecimentos que os trabalhadores do mercado de
alimentos do Ver-o-Peso têm sobre doenças transmitidas por alimentos (DTAs) causadas por
bactérias, sua origem e formas de transmissão? A partir desse questionamento foram
estabelecidos objetivos como: investigar os saberes etnobiológicos dos comerciantes de
refeição da feira do Ver-o-Peso sobre doenças transmitidas por alimentos (DTAs) causadas
por bactérias na cidade de Belém-PA Brasil.
13685
Etnobiologia e Doenças transmitidas por alimentos
Esta seção abordará as bases teóricas que deram sustentação a presente pesquisa,
discutindo temas: cultura, etnobiologia, doenças transmitidas por alimentos (DTAs) e DTAs
bacterianas.
Cultura e Etnobiologia
A cultura humana nos fornece subsídios para vários estudos dentro das ciências tais
como: antropologia, sociologia, biologia, etc. segundo Laraia (2009) a cultura é um termo
sintetizado por Taylor (1832-1917) no vocábulo inglês culture, tomado em seu amplo sentido
etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de
uma sociedade.
Na busca pelo conhecimento de si e do mundo que o cerca, os grupos sociais
estabelecem princípios, crenças, hábitos e atitudes relacionados às mais diversas esferas da
vida dos indivíduos. Como exemplo podemos citar a influência cultural no que se refere aos
fenômenos biológicos, como é o caso da associação estabelecida entre os sintomas de mal
estar físico e a ingestão combinada de alimentos. Por outro lado, práticas e crenças
culturalmente estabelecidas se apresentam como possibilidade de curar doenças, reais ou
imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé do doente na eficácia do remédio ou no
poder dos agentes culturais (LARAIA, 2009, p. 77).
Diante desta interface entre os saberes populares e conhecimento científico, na busca
por entender como o mundo é percebido, conhecido e classificado por diversas culturas
humanas, com base na antropologia cognitiva, surgem as etnociências, entre elas a
etnolobiogia.
Segundo Darrell Posey (1945, apud RIBEIRO, 1986, p. 36) no livro Suma Etnológica
Brasileira cunhou uma definição clássica para a Etnobiologia, conceituando-a como sendo o
“estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a
respeito da biologia”. E, partindo das diversas formas do homem se relacionar com os
recursos naturais e da existência de diferentes ramos da Biologia, a Etnobiologia também se
ramificou em disciplinas como a Etnobotânica, Etnofarmacologia, Etnoentomologia, Etnoornitologia, Etnopedologia, Etnotaxionomia e outras.
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Estudos etnobiológicos têm sido realizados nas áreas de saúde, como as pesquisas de
Pasa (2004) com uma comunidade ribeirinha no alto da Bacia do Rio Aricá Açú no estado do
Mato grosso, e de Santos et. al. (2009) de etnobotânica com plantas medicinais, em João
Pessoa no estado da Paraíba, assim como muitos trabalhos com ênfase em saúde escritos para
ramificações da etnobiologia como: etnobotânica, etnofarmacologia, todavia ainda são
escassos estudos etnobiológicos voltados para alimentos.
Moacir Haverroth (2010) ressalta que nos últimos anos áreas como a antropologia da
saúde e as ciências biológicas tem gerado estudos interessantes para a etnobiologia ao
dialogarem entre si. Exemplos como pesquisas com o xamanismo, que ao encontrar dados
sobre vegetais usados em rituais xamânicos religiosos tem gerado dados significativos para
áreas como a etnobotânica e etnofarmacologia.
Estudos etnobiológicos têm sido realizados nas áreas de saúde, como as pesquisas de
Pasa (2004) com uma comunidade ribeirinha no alto da Bacía do Rio Aricá Açú no estado do
Mato grosso, também os estudos de Santos et al (2009) de etnobotânica com plantas
medicinais, em João Pessoa no estado da Paraíba, muitos são os trabalhos com ênfase em
saúde escritos para ramificações da etnobiologia como: etnobotânica, etnofarmacologia,
todavia ainda são escassos estudos etnobiológicos voltados para alimentos.
Os estudos etnobiológicos também constituem possibilidade de articulação dos
conhecimentos tradicionais com o ensino de conteúdos biológicos, a partir de uma abordagem
multicultural. Acreditamos que tal abordagem possibilita o exercício do papel social da
Biologia, fazendo com que os alunos consigam realizar algumas associações dos assuntos
estudados como o seu cotidiano, tendo em vista que na Biologia, como em qualquer
disciplina, para que a aprendizagem efetivamente aconteça é necessário que se pense os
conteúdos ministrados para além da exposição da aula e do caráter teórico das discussões.
Assim ao estabelecer correlações dos conteúdos disciplinares institucionalizados com
os conhecimentos tradicionais da população local, cria-se essa possibilidade de valorização
dos saberes locais em articulação com a cultura científica oficial através de técnicas e
metodologias escolares capazes de articulá-los com o currículo escolar.
Doenças transmitidas por alimentos (DTAS)
Doenças transmitidas por alimentos (DTAs) são síndromes, geralmente constituídas de
anorexia, náuseas, vômitos e/ou diarreia, acompanhadas ou não de febre, atribuídas a ingestão
de alimentos ou água contaminados (BRASIL, 2010). De acordo com Oliveira (2010) as
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DTAs podem ser identificadas quando uma ou mais pessoas apresentam sintomas similares,
após a ingestão de alimentos contaminados com micro-organismos patogênicos, suas toxinas,
substâncias químicas tóxicas ou objetos lesivos, configurando uma fonte comum. Quando o
patógeno apresenta alta virulência a ocorrência de um único caso já se configura como um
surto.
As DTAs podem ser transmitidas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados.
A contaminação pode ocorrer em toda a cadeia alimentar, desde a produção primaria até o
consumo (plantio, manuseio, transporte, cozimento, acondicionamento, etc.). Destacam-se
como os maiores responsáveis por surtos os alimentos de origem animal e os preparados para
consumo coletivo. De maneira geral todos estão suscetíveis a DTAs, principalmente crianças,
idosos e imunodeprimidos (indivíduos com a Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida AIDS, neoplasias, transplantados).
As formas mais frequentes de contaminação dos alimentos são principalmente a falta
de higienização da matéria-prima, das mãos no momento de manipular os alimentos, dos
utensílios utilizados no preparo e das superfícies das pias, ou ainda pelo cozimento
inadequado, dentre outros.
Dados do Ministério da Saúde revelam que no Brasil, entre os anos 1999 a 2008, as
bactérias foram identificadas como o principal agente etiológico dos surtos de DTAs,
respondendo por 84% do total de casos registrados em território nacional (BRASIL, 2008).
Indivíduos manipulando o alimento que apresentem lesões na pele, ou ferimentos nas
mãos podem repassar organismos patogênicos para o alimento, prejudicando os
consumidores. Maus hábitos como deixar o alimento/refeição fora da geladeira por um
prolongado período de tempo também constituem-se como problema, pois a certas
temperaturas ambientes e duas horas após o preparo das refeições bactérias e toxinas
começam a se desenvolver/multiplicar-se (SÃO PAULO, 2009).
Dentre as espécies de bactérias relacionadas com os surtos de DTAs destacamos a
Salmonella spp, responsável por 1.275 surtos (42%), seguida pelo S. aureus responsável por
600 surtos (20%), e B. cereus que foi o terceiro principal agente, sendo responsável por 205
surtos (7%).
A DTAs bacterianas de acordo com dados da Secretária de Vigilância Sanitária – SVS
são o Botulismo (Clostridium botulinum), Brucelose (Brucella spp), Febre Tifoide
(Salmonella entérica), Salmonelose (Salmonella spp e Salmonella enteritidis), Shigelose
(Shigella sp.), Infecção Estreptocócica (Streptococcus spp, Cólera (Vibrio cholerae),
13688
Yersiniose(Yersinia enterocolitica ou Yersinia pseudotuberculosis), Campilobacteriose
(Campylobacter spp), Infecções diversas (Vibrio vulnificus, Aeromonas spp., Plesiomonas
shigelloides), Listeriose (Listeria monocytogenes) e Gastroenterites variadas (Vibrio
parahaemolyticus, Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Clostridium perfringens, Bacillus
cereus).
Metodologia
Nesta pesquisa foi utilizada uma abordagem quali-quantitativa sendo do tipo pesquisa
descritiva. O estudo foi desenvolvido na Feira do Ver-o-Peso, mais especificamente na área
em que se concentram comerciantes que trabalham com a produção e venda de alimentos
prontos para o consumo.
O Mercado do Ver-o-Peso (Figura 1) é um complexo dividido da seguinte forma: parte
de vendas de roupas e artigos diversos (bolsas, sapatos, artigos para presente); feira de venda
de pescados e frutos do mar; mercado de carne; feira livre de frutas e verduras; feira onde se
comercializa ervas e chás, espaço conhecido pela venda de banhos aromáticos e “ervas
milagrosas” e área de comercialização de refeições, local de nosso estudo etnobiológico.
Figura 1- Vista Frontal do Mercado do Ver-o-Peso
Fonte: Google Imagens
A pesquisa foi realizada com os trabalhadores que comercializam refeições prontas
para o consumo, no local podemos encontrar em média 156 boxes, onde são comercializadas
variadas refeições, dividas da seguinte forma: 75 boxes de refeições completas, interessante
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salientar que alguns dos boxes de refeições completas também vendem bebidas alcoólicas, 18
boxes com venda apenas de açaí, boxes com venda de lanche 18, para comercialização de café
da manhã 10 e por fim 35 com a venda de bebidas alcoólicas e tira gosto. Todos dispostos no
espaço físico de forma organizada de acordo com a venda e comercialização de determinado
item já citado acima.
Boxes de refeições completas fornecem peixe, carne e frango sempre acompanhados
de arroz, feijão, farinha/farofa e salada, boxes de venda de açaí e complementos (peixe,
camarão, charque frito), locais de venda de café da manhã, com pães, café, achocolatado,
tortas, queijo, presunto etc., boxes de venda de lanche que comercializam salgados variados,
bebidas não alcoólicas diversas (água, refrigerante, suco, caldo de cana), bombons, chicletes,
chocolates etc. e boxes que trabalham com a venda de bebidas alcoólicas e tira-gosto
(calabresa frita, isca de peixe).
Os sujeitos participantes do estudo foram 15 feirantes do mercado do ver-o-peso, o
que corresponde a 10% do universo amostral dos 156 boxes, onde os trabalhadores vendem
alimentos. Dentre estes 05 eram do sexo masculino e 10 do sexo feminino, com idades que
variaram de 18 a 36 anos. Os entrevistados trabalham com venda de refeições completas, de
açaí com acompanhamentos (peixe frito, charque, camarão, etc.), de lanches e venda de
bebidas alcoólicas com aperitivos.
Com o objetivo de obter informações mais detalhadas e com maior profundidade
foram realizadas entrevistas com os 15 comerciantes selecionados. Segundo Marconi e
Lakatos (2007) a entrevista se caracteriza como instrumento de obtenção de informações do
entrevistado, sobre determinado assunto ou problema.
Para o tratamento dos dados coletados através da entrevista foi utilizada a técnica
analítica denominada de análise do conteúdo, que se caracteriza por buscar o significado de
materiais textuais, sejam eles artigos de revistas, prontuários de pacientes de um hospital seja
a transcrição de entrevistas realizadas com sujeitos, individual ou coletivamente
(APPOLINÁRIO, 2009).
Resultados e Discussão
Como característica dos estudos etnobiológicos antecedendo a etapa de realização das
entrevistas houve uma observação direta e intensiva da área e dos sujeitos, que de acordo com
Marconi e Lakatos (2007) não consiste em apenas ver e ouvir, mas também em examinar
fatos ou fenômenos que se desejam estudar. Em uma etapa subsequente foi realizada foi
13690
aplicado questionário para elaboração do perfil sócio econômico dos trabalhadores da feira do
Ver-o-Peso. Após selecionada a amostra de participantes de 15 feirantes (Tabela 1), foram
realizadas as entrevistas.
Tabela I – Distribuição do número de entrevistados e o tipo de refeição comercializada
CATEGORIAS
Lanche
Açaí e Complementos
Refeições completas
Bebida Alcoólica e tira-gosto
Refeições Completas mais Bebida Alcoólica
TOTAL
Fonte: Dados de campo, 2014
NÚMERO
01
02
08
02
02
15
A partir da análise do conteúdo das entrevistas, foram estabelecidas duas “unidades
analíticas”: saberes dos feirantes sobre as DTAs e saberes dos feirantes sobre as bactérias
como agente etiológico de DTAs. Como forma de garantir o anonimato dos entrevistados
atribuiu-se a cada um deles um codinome de escritores da literatura brasileira.
Saberes dos feirantes sobre as DTAs
Durante a realização da entrevista Em um primeiro momento os feirantes foram
estimulados a falar livremente sobre a relação entre alimentos, doenças e cuidados, para que
se começasse a delinear a concepção de DTAs bacterianas entre eles.
Nesta etapa foi possível constatar que a maioria dos entrevistados referencia a falta de
cuidados com os alimentos como uma das formas de contrair doenças de todos os tipos, não
somente as que são provocadas por bactérias, mas também aquelas ocasionadas por qualquer
outro agente, entretanto, pode-se verificar que eles não conseguiram fazer associação das
bactérias presentes nos alimentos como possíveis causadoras dessas doenças. Os feirantes
associaram as patologias a falta de cuidados direta ou indiretamente do manipulador:
[...] pode causar infecção intestinal, vômito, essas coisas, doenças né, se você não
souber manipular os alimentos. (CECÍLIA MEIRELES, 23 anos de feira)
cuidado de não colocar a colher na boca e meter na panela porque azeda. (ENEIDA
DE MORAES, 8 anos de feira)
A partir das respostas dos indivíduos também foi possível identificar quais as
principais doenças associadas a ingestão de “alimentos estragados”4. As doenças mais citadas
4
Essa foi a expressão mais frequentemente empregada pelos feirantes quando relacionam alimentos e doenças.
13691
foram: infecção; infecção intestinal; intoxicação alimentar; doença de chagas; barriga d’água;
vômito e diarreia.
Raquel de Queiroz (14 anos de feira) ilustra tal ideia ao afirmar: “[...] aquele alimento
de um dia para o outro, aquele alimento reaproveitado, principalmente o macarrão, isso causa
infecção intestinal (sic)”.
Tal afirmação também indica a não associação da doença a um agente etiológico
específico, mostrando o alimento como causa e não o vetor de doença.
Em relação a Doenças de Chagas, Zélia Gatai (4 anos de feira) trabalha no Ver-o-Peso
apenas com o comercio de açaí e complementos, afirma que: “[...] no caso do açaí, é que estão
falando que é doença de chagas né, se for mal tratado, tem que ser bem tratado (sic)”.
Como é de conhecimento geral o açaí tem se tornado um pontual vetor de transmissão
da doença de chagas, principalmente em nosso estado que tem vivenciado surtos da doença,
logo, esse fato pode ter auxiliado a feirante a fazer uma relação direta entre o produto
comercializado e a doença.
A barriga d’água é outra citada, Cora Coralina (1 ano e 8 meses de feira) nos relata
que: “[...] dá aquele verme que causa barriga d’água (sic)” fazendo uma associação de algo
presente nos alimentos que podem ocasionar essa doença, os entrevistados comumente
apresentaram dificuldades em explicar a causa.
As associações mencionadas acima foram feitas a princípio sem que houvesse alguma
provocação há relação direta das doenças com bactérias por parte da pesquisadora.
Esses resultados mostram que os indivíduos realizam uma associação de pelo menos
duas DTAs bacterianas (infecção intestinal e intoxicação alimentar) com os alimentos, não
associando a princípio a doença com seu agente etiológico (bactérias).
Quando falamos em agente etiológico, vale ressaltar, que não há uma premissa sobre a
obrigatoriedade de que os indivíduos conheçam tal conceito, mas apenas nos remetemos à
lógica dos sujeitos acerca do entendimento do alimento como o causador, sem que, entretanto,
haja associação entre o processo e os agentes, que fazem com que esses alimentos se
transformem em causadores de doenças.
Se reconhecermos que do ponto de vista técnico as DTA’S são transmitidas pela
ingestão de alimentos e/ou água contaminados e, que tal contaminação pode ocorrer ao longo
de todo processo de produção / consumo desses alimentos, estando entre os maiores
responsáveis por surtos os alimentos de origem animal preparados para consumo coletivo
13692
(BRASIL, 2010), os feirantes do Ver-o-Peso revelam uma consciência sobre os riscos e
consequentemente cuidados envolvidos com a comercialização dos seus produtos.
Os saberes dos feirantes sobre as bactérias como agente etiológico de DTAs
Os resultados nos mostraram que os trabalhadores da feira do Ver-o-Peso, relacionam
o agente etológico bactéria, a coisas ruins, como demonstra a fala de Ariano Suassuna (5 anos
de feira): “tem bactéria boa e bactéria ruim né, mas a maioria das bactérias são ruins (sic)”
Outros associam bactérias a doenças que não são de origem bacteriana, como por
exemplo, a esquistossomose e a teníase. Cora Carolina afirma: “[...] a carne tem um tipo de
bactéria que se tu não cozinhar, principalmente a carne de porco, tem uma bactéria que dá
aquele verme que causa barriga d’água, que é a..., até esqueci o nome, isso aí vem da carne
mal cozida (sic)”.
As falas também revelam inexistência de distinção entre os agentes causadores das
doenças, no que se refere ao sistema de classificação estabelecido cientificamente. Assim, é
frequente perceber nas manifestações dos sujeitos, as referências a bactérias, vírus e fungos
como sinonímias.
A falta de distinção pode ser percebida, por exemplo, quando Vinicius de Moraes (30
anos de feira) ao definir bactéria afirma: “[...] bactéria é que nem essa doença nova (ebola), a
bactéria é transmitida pelo ar, (...) principalmente ai pra fora, essa nova doença que tem, ai
vem pra cá, porque muita gente vem pra cá, né. Fugido do seu país, ai traz pra cá (sic)”.
Manuel Bandeira quando diz que bactérias são “[...] microrganismo pequeno, são
ruins, fazem mal a saúde esses vírus (sic)” demonstra, assim como Vinícius de Moraes o
emprego dos termos vírus e bactérias como sinônimos.
Associações a fungos, também surgem nas representações dos feirantes. Quando
perguntado a Zélia Gataí o que para ela é uma bactéria ela nos diz “bactéria é um tipo de
fungo né, que dá nessas alimentações, mal feitas e que ficam de um dia para o outro (sic)”.
Tais associações, como já foi dito não correspondem a lógica cientificamente
proposta, entretanto, podem ser sustentadas por uma lógica intrínseca ao sistema cultural de
conhecimento que os feirantes possuem, sobre essa lógica Laraia (2009, p. 88) afirma:
sem os meios materiais o homem tem que tirar conclusões a partir de suas
observações diretas, valendo-se apenas do instrumento sensorial de que dispõe.
Assim não é nada ilógico supor que é o sol que gira em torno da terra, pois é esta a
sua sensação [...] sem o auxílio do microscópio é impossível imaginar a existência
de germes.
13693
O que Laraia (2009) propõe é que sem o conhecimento determinado e valendo-se
apenas dos sentidos certas conclusões possuem uma lógica pautada no saber da experiência e
da vivência cotidiana dos sujeitos. Nessa perspectiva podemos considerar que na lógica
cultural dos comerciantes de refeição da feira do Ver-o-Peso, os produtos por eles
comercializados podem representar fonte de contaminação, provocando doenças de natureza
gastro-intestinal. Tal concepção os reveste de uma responsabilidade na prevenção dos surtos
desse tipo de doenças – DTAs.
A responsabilidade assumida os conduz a adoção de hábitos de higiene e cuidados
com o armazenamento e conservação dos produtos. Portanto, equívocos conceituais do ponto
de vista científico não comprometem rigorosamente o serviço prestado por esses
trabalhadores. No entanto, ações educativas serão sempre importantes, no sentido de
instrumentalizá-los e atualizá-los, como forma de garantir esse bem coletivo que é saúde.
Considerações Finais
Investigar os saberes etnobiológicos de qualquer grupo social, sempre será um
trabalho desafiador, já que o subjetivo, o não palpável, o invisível aos olhos não se revela de
maneira fácil. Entretanto as falas, o comportamento observável seja ele individual ou coletivo
se mostram como ferramentas eficazes nessa investigação.
Em nossa pesquisa nos valendo dessas ferramentas conseguimos perceber aspectos
importantes que os feirantes do Ver-o-Peso possuem sobre as DTAs em especial as DTAs
bacterianas, verificamos que estes possuem um etnoconhecimento, das doenças de forma
geral, algumas relacionadas às DTAs, entendem suas formas de transmissão, por vezes
confundindo causa/causador (agente etiológico) e transmissor (vetor), citam formas em que
essa transmissão pode ocorrer. Associam o agente etiológico (bactérias) a coisas ruins, e
também a doenças de origem não bacteriana.
São um grupo social que apresenta pessoas de idades variadas, com baixa
escolaridade, se levarmos em consideração a alfabetização, como o início da vida escolar e a
pós-graduação como fase final. O gênero feminino é predominante.
A prefeitura local disponibiliza para os trabalhadores um curso de capacitação para
manipuladores de alimentos, onde eles recebem uma carteira de manipulador, entretanto,
verificamos alguns equívocos no trato e manipulação dos alimentos, desta maneira investigar
a eficácia e pensar no aprimoramento do curso ofertado pode ser uma ótima estratégia para
melhorar cada vez mais a qualidade dos serviços prestados pelos trabalhadores locais.
13694
A pesquisa etnobiológica desenvolvida com os comerciantes de alimentos da feira do
Ver-o-Peso foi importante pois pode fornecer subsídios para futuros trabalhos etnobiológicos
na área, investigar outros aspectos que não puderam ser investigados no presente estudo, bem
como por subsidiar ações de educação em saúde que contribuam para formação dos
profissionais atuantes na feira, como a cartilha informativa sobre DTAs em fase de
elaboração.
Por fim, acreditamos que estudos desta natureza podem contribuir para inserção dos
conhecimentos etnobiológicos no ensino de Biologia, ao possibilitar a seleção e inclusão de
saberes pertinentes e situados, respeitados em seus respectivos contextos, funcionando como
elementos desencadeadores de reflexões que contribuiriam para ampliação das possibilidades
que contornam os saberes em relação à biologia, expandindo a visão de mundo dos
estudantes.
REFERÊNCIAS
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Perguntas e Respostas e Dados Estatísticos. (2009). Disponível em:
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