Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 20 05 2009 ----------------------------------------------------------------------------------------------Valor Econômico 20 05 2009 Com as mudanças o governo desestimula o indivíduo a manter suas aplicações Poupança: uma janela de oportunidades Flávio A. C. Basílio e Gustavo J. G. Souza A medida atual não resolve real problema, que é a vinculação da dívida pública com a política monetária A rentabilidade da poupança só apareceu na agenda de discussões do governo em virtude da necessidade da autoridade monetária em reduzir a taxa básica de juros (Selic), como forma de reação à crise financeira. No entanto, nas condições atuais prevalecentes na economia brasileira, corre-se o risco de se alcançar uma situação nas quais os instrumentos de política anticíclica, em especial a política monetária, atinjam o seu limite. Essa restrição só existe porque a regra de remuneração da caderneta de poupança faz com que a queda da Selic possa ocasionar uma migração das aplicações dos fundos de investimento para a própria poupança, desestabilizando a gestão da dívida pública. No entanto, mudar a regra da poupança, não é a única solução. Com efeito, o problema do limite inferior a queda da Selic pode ser resolvido de duas formas não mutuamente excludentes: I) alterar a regra de remuneração da caderneta de poupança; ou II) desindexar a dívida pública - e, dessa forma, a rentabilidade dos fundos de investimento - da Selic, ou seja, acabar com a instituição das Letras Financeiras do Tesouro (LFT). A primeira alternativa possui elevado custo político. O perfil histórico do chamado "poupador" é formado, primordialmente, por pessoas que procuram a segurança e simplicidade da caderneta de poupança; e que usam o instrumento como forma de juntar dinheiro para financiar consumo futuro e/ou proteger-se precariamente da inflação, em detrimento da decisão de alocação de portfólio. Devemos lembrar ainda, que parte dos poupadores é constituída por indivíduos que, para evitar as tarifas bancárias, veem na poupança uma forma barata de ter acesso ao mercado bancário. Por essas razões, mudanças nas regras da poupança que venham a prejudicar os seus depositantes são impopulares e rejeitadas por grande parte da opinião pública. Como os custos políticos decorrentes da primeira alternativa são elevados, soluções alternativas devem ser discutidas. A melhor resposta seria o fim das LFTs, antigo instrumento financeiro herdado dos tempos de alta inflação. Do ponto de vista macroeconômico, o fim das LFTs, além de resolver o atual dilema da poupança, geraria externalidades positivas à sociedade. Isso representaria o fim do contágio da política monetária pela dívida pública. Esse efeito deve-se a indexação das LFTs pela Selic. Dessa forma, variações na taxa de juros não provocam perda de capital para os possuidores desses títulos, de tal sorte que a duration dos mesmos é praticamente nula. A desindexação da dívida com respeito à Selic permitiria ao Bacen conduzir mudanças na política monetária sem impacto imediato sobre a gestão e os custos de carregamento da dívida pública. Além disto, o fim das LFTs elevaria a eficácia da política monetária, a qual poderia contar um efeito riqueza mais robusto. Neste particular, uma pergunta parece relevante. Se o fim das LFTs traz tantos benefícios, porque os governos ainda não a extinguiram? Parte da resposta dessa pergunta passa pela constatação de que o custo fiscal de eliminação das LFTs depende da conjuntura macroeconômica. Em um cenário de crise cambial no qual o BC é obrigado a elevar a taxa básica de juros para conter o ataque especulativo contra a moeda nacional - tal como ocorreu diversas vezes durante os mandatos de FHC - os agentes econômicos só estarão dispostos a abrir mão das LFTs se o governo oferecer um prêmio de risco ao demandante. Este prêmio será expresso por uma taxa de juros pré-fixada mais elevada. Da mesma forma, os agentes exigirão prêmios mais elevados se a dinâmica da dívida mostrar deterioração dos indicadores de solvência. No entanto, a conjuntura macroeconômica em que vivemos é diametralmente oposta à observada durante o período FHC. Primeiro, o cenário é de redução da taxa básica de juros. Segundo, a dívida pública apresentou uma nítida tendência de queda nos últimos anos. Assim, podemos aproveitar a crise e interpretá-la como uma janela de oportunidades para efetuar as reformas macroeconômicas necessárias para o crescimento de longo prazo. Este é o momento de acabar com as LFTs! A troca das LFTs por outros títulos pré-fixados é facilitada pela atual conjuntura de queda da taxa básica de juros. Num cenário onde a taxa básica pode cair para 9,25% ao ano (a.a.) já na próxima reunião do Copom, não é excesso de otimismo pensar que o estoque remanescente de LFTs poderia ser trocado por títulos pré-fixados a uma taxa de 12% a.a, por exemplo. Ou seja, um prêmio de 2,75% a.a. sobre os títulos pós-fixados. Segundo dados do Tesouro, o estoque de dívida pública federal na forma de LFTs era de R$ 467 bilhões em março de 2009. Grosso modo, o custo de carregamento desse estoque, à taxa de 9,25% a.a., será de R$ 44 bilhões. Em uma hipotética operação de substituição de títulos pós-fixados por títulos pré-fixados, o custo de carregamento desse estoque aumentará para R$ 56 bilhões, ou seja, o custo da extinção definitiva das LFTs seria de R$ 12 bilhões. Podemos pensar em outras soluções, de caráter paliativo, que poderiam de toda forma amenizar o problema. Essa é a essência da proposta do governo: A) tributar a poupança por faixa de aplicação; B) eliminar a tributação dos fundos de investimento. A novidade trazida pela medida do governo diz respeito à tributação dos rendimentos da poupança. Esses deverão ser somados às demais rendas do poupador de modo a compor a "renda agregada" do indivíduo. Isto é, do ponto de vista tributário, o governo está interpretando o rendimento da poupança como oriundo do trabalho. Sendo assim, o que se verifica é a isenção tributária do capital em detrimento do trabalho. Além disso, devemos analisar as medidas do governo em termos dos impactos sobre os prazos de maturidade das aplicações. Como se sabe, 65% dos recursos da poupança é direcionado para o financiamento imobiliário, ou seja, para a compra de ativos de longo prazo. No entanto, do ponto de vista da captação, o governo desestimula o indivíduo a manter suas aplicações na poupança, seja por incentivar sua saída no momento em que atinge o limite de rendimento tributado, seja porque, em comparação com outras formas de aplicação, não premia a aplicação de longo prazo, como alíquotas regressivas em função do prazo. Desta forma, segue-se que mudanças no estado de confiança na instituição da poupança podem acarretar problemas de descasamento de ativos. Claramente, o governo substituiu um problema outrora denominado de repressão financeira, decorrente da rigidez dos juros da poupança, por um problema de fragilidade financeira, mais grave do ponto de vista do sistema econômico. Um problema adicional diz respeito ao aspecto temporal de tal medida. Estamos em um momento de crise e o BC precisa dispor de todos os instrumentos para estimular a economia. No entanto, a tributação da poupança deve respeitar o princípio tributário da anterioridade, ou seja, as medidas tributárias inseridas na poupança só trarão efeitos a partir de 2010, tarde demais para uma economia em crise. A segunda solução, todavia, pode ter um grau de eficácia maior. A redução de impostos, como o de renda incidente nos títulos da dívida pode, sim, ter aplicabilidade imediata. De toda sorte, a redução da alíquota de imposto para zero possibilitaria, apenas, uma queda de 2% na Selic. Isto é, apostar apenas nessa medida tributária como única forma de solucionar o problema é apostar na rápida recuperação da economia brasileira, ou seja, no rápido fim da crise financeira internacional. De qualquer maneira, essa medida possibilita uma maior margem de manobra por parte do governo sem, contudo, resolver a essência do problema: a vinculação da dívida pública com a política monetária. Sendo assim, poderíamos aproveitar esse ganho temporal possibilitado pela redução do imposto para extinguir de forma responsável a instituição das LFTs. Flávio A. C. Basílio, economista, doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Keynesiana Brasileira. Gustavo J. G. Souza, economista, doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB). ------------------------------------------------------------ Folha de S.Paulo 20 05 2009 TENDÊNCIAS/DEBATES Estado para o século 21 MARCIO POCHMANN A presença renovada do Estado se faz necessária. Mas seria equívoco tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado A VISÃO do Estado atuando em contraposição às forças de mercado se tornou anacrônica diante dos desafios das nações neste começo do século 21. Pela globalização, por exemplo, diversos países voltaram a se especializar no uso intensivo dos recursos naturais e da produção de contido custo do trabalho, comprometendo o avanço de projetos nacionais capazes de incluir a totalidade de suas populações nos frutos da modernidade. No Brasil da última década, a prevalência da premissa de que menos Estado representaria mais mercado teve convergência com o modelo de sociedade para poucos. E a contenção do Estado produziu o encolhimento do próprio setor privado nacional (bancos e empresas não financeiras), cada vez mais dominado por corporações estrangeiras. Com a redução dos bancos públicos, acompanhada da brutal diminuição dos bancos privados nacionais, e o esvaziamento das firmas nacionais entre as maiores empresas no país, parcela crescente da riqueza deixou de ser compartilhada com a nação. Hoje, pelo menos dois quintos dos brasileiros são analfabetos funcionais, afora um enorme déficit econômico e social. Obstáculos como esses enfraquecem o estabelecimento de um novo padrão civilizatório contemporâneo dos avanços do século 21. As forças de mercado, embora imprescindíveis na geração de oportunidades, mostram-se insuficientes para garantir o acesso a todos. Não há dúvidas de que, neste contexto, a presença renovada do Estado se faz necessária. Mas que Estado? Um equívoco seria tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado. Neste século, cuja sociedade eleva sua expectativa média de vida para além dos 80 anos, a parcela dos idosos deve superar o segmento infantil e as ocupações geradas passam a depender fundamentalmente do setor terciário, que já responde por três quartos do total dos postos de trabalho. Sem a garantia do pleno e equivalente direito de oportunidades a todos, o princípio da liberdade de iniciativa individual e coletiva permanece no plano da retórica. Em síntese: a prevalência do reino da desigualdade e da exclusão sediada no Brasil. O Estado necessário do século 21 precisa incorporar novas premissas fundamentais. A primeira passa pela reinvenção do mercado, capaz de fazer valer a isonomia nas condições de competição. Em qualquer atividade econômica, predomina hoje um conjunto de práticas oligopolistas de formação de preços e domínio do mercado, o que exclui parcela significativa dos empreendimentos empresariais da livre competição. A mudança na relação do Estado com o mercado é urgente e inadiável, com a adoção de políticas que apoiem a igualdade de oportunidades por meio de condições de competição e cooperação só oferecidas ao circuito superior da economia, como o acesso ao crédito, tecnologia e assistência técnica, entre outras. Uma segunda premissa compreende a mudança na relação do Estado com a sociedade, especialmente quando as políticas universais de saúde, educação, trabalho e transporte não apresentam a eficácia global esperada. Isso porque a complexidade dos problemas atuais requer ação totalizante, por isso matricial e transdisciplinar no plano territorial. Uma política de assentamento urbano, por exemplo, dificilmente terá êxito sem superar a lógica das caixinhas contida no compartilhamento do Estado brasileiro. Além da especificidade do assentamento, é necessária para a eficácia global a adoção de políticas complementares e articuladas, como educação, saúde, transporte e saneamento, entre outras. Por fim, uma terceira premissa deve convergir para a mudança na relação do Estado para com o fundo público. De um lado, o avanço na tributação progressiva, capaz de deslocar a base tradicional de incidência (produção e consumo) para o patrimônio e novas formas de riqueza. De outro, a renovação do sistema de financiamento da agenda socioeconômica do século 21 (postergação no ingresso no mercado de trabalho, trajetória ocupacional diversificada, educação para a vida toda). O uso do fundo público comprometido com os novos desafios não precisa ser estatal, podendo ser comunitário. Tudo isso, contudo, dificilmente poderá ser desenvolvido sem a renovação do Estado para o século 21. MARCIO POCHMANN , 47, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy). -------------------------------Folha de S.Paulo 20 05 2009 ANTONIO DELFIM NETTO Blindagem do BC É CADA VEZ mais evidente que o Brasil "importou" uma crise de crédito no dia 16 de setembro de 2008 em dimensão muito superior à necessária. O nosso sistema bancário havia sido "saneado" com o Proer em 1997 (alguns de seus autores ainda respondem por isso na Justiça!), e suas "ligações" com o sistema financeiro mundial poderiam ter sido sustentadas (pelo menos no curto prazo) por uma ação mais enérgica e mais expedita do nosso Banco Central. Na falta dela, nossos banqueiros, infelizmente, mas compreensivelmente, entraram em pânico naquele domingo à tarde, quando o Tesouro Americano e o Fed comunicaram ao mundo a grande "barbeiragem" do século 21. Haviam destruído um "nó" importante da grande rede de crédito mundial com o abandono do Lehman Brothers à sua própria sorte. Isso levou ao colapso instantâneo de toda a rede, antes mesmo de os mercados abrirem na segundafeira... Entre 2002 e 2008, nossa situação mudou completamente, como resultado da expansão mundial: 1) nossas exportações, que cresciam à taxa de 4% ao ano, passaram a crescer a 22%; 2) nossa dívida externa, que representava quatro anos de exportações, foi reduzida a um ano; 3) nossas reservas, que representavam 10% da dívida externa, passaram a 100% dela, e nosso crescimento econômico anual duplicou, sem risco para a taxa de inflação ou o equilíbrio externo. Durante esse período, o nosso Banco Central adquiriu musculatura suficiente para dar conforto imediato aos bancos nacionais. Como explicar que, depois de oito meses, ainda estamos fazendo o que deveríamos ter feito em setembro: amenizar a redução do crédito interbancário e frustrar a busca pela liquidez que a insegurança impôs a todos os agentes do mercado (banqueiros, empresários e trabalhadores)? Há muitas hipóteses. Talvez a mais plausível seja a de que a estrutura jurídica existente não dava (e ainda não dá) "conforto" ao próprio Banco Central. Ele não recebeu suporte jurídico necessário e criou uma perigosa filosofia: banco grande é melhor do que banco pequeno, e banco público é melhor do que banco privado, dificultando ainda mais o restabelecimento do crédito interbancário. A situação do credito está melhorando, mas ainda está muito longe da normalidade e, na margem, o seu custo continua absurdo. O BC agiu na direção correta, mas sem convicção, e estamos pagando um alto preço por isso. Talvez seja hora de o "blindarmos", de fato, para que ele possa, com maior desenvoltura e com sua musculatura, estimular a atividade neste meio ano de 2009 que nos falta viver... [email protected] ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna. --------------------------------------Folha de S.Paulo 20 05 2009 PAULO RABELLO DE CASTRO A bolha chinesa: enredo para um suspense Com o real forte e a economia doméstica nanica, o Brasil será presa fácil de recessão pior se a bolha chinesa estourar O SUSPENSE , para existir, deve nos conduzir a algo que se revelará inesperado. Estamos neste ponto do filme da bolha de Wall Street: a trama está toda armada, com o sistema financeiro americano quebrado, a maior fabricante de automóveis a minutos de pedir proteção falimentar, os dados de consumo e investimento no chão e a marolinha que virou crise global. Mas, nas sequências recentes do filme, o diretor nos leva a pensar que "o pior já passou". E aparece a eufórica China para nos resgatar da matança de 2009. A economia brasileira seria beneficiária direta da versão sobre o iminente fim da crise mundial. Se o pior já estiver passando, as taxas de crescimento do mercado brasileiro voltarão a patamares atraentes, que o ministro Mantega estima por volta dos 4% em 2010. Nesse cenário otimista, os preços das ações estariam baixos ante o lucro projetável, de 2010 em diante. Há outros indícios, como numa instigante história de suspense, que apontam pistas de uma recuperação à vista: começam a retornar, em grandes volumes, os dólares de fora, que nos abandonaram em polvorosa ao final do ano passado. Vêm atrás dos ganhos especulativos de Bolsa e apostam, sobretudo, numa nova onda de valorização do real. Meu colega colunista de ontem, Benjamin Steinbruch, apelida-os, com fino humor, de "mercados de fé". A moeda brasileira se tornou novamente a campeã de valorização relativa perante o cambaleante dólar americano. O real retorna cheio de moral, embalado pelos altos preços das commodities agrícolas, com destaque para a soja, que se comercializa em nível muito superior ao seu patamar histórico, como se o mundo vivesse uma escassez alimentar, e não uma aguda crise de renda. Parecemos esquecidos de uma regra fundamental: recuperação para valer depende de preços de insumos baratos diante dos bens industriais, nunca o inverso. Para onde, afinal, esse filme da bolha nos está levando? Aposto que seja para os lados da China. Os novos donos do mundo têm muito a ver com o resto dessa trama. Desde o final de 2008, a China jorrou o equivalente a 15% do seu PIB em empréstimos adicionais ao já enorme estoque de financiamentos. É só comparar as proporções. O que a China, no primeiro quadrimestre deste ano, apenas acrescentou à sua massa de crédito é igual a tudo o que, em proporção do PIB, o Brasil tem alocado para o financiamento da indústria nacional. Tal disparidade nos revela o quanto, no Brasil, ainda operamos com rodas travadas diante da crise, enquanto a China responde com ímpeto monetário. Talvez a virtude esteja no meio. Hoje a China corre até o risco de capotar, e, se isso acontecer, a reviravolta no filme da bolha assumirá contornos dramáticos. Lula foi à China para tentar atrair dinheiro, ao que se sabe, para os setores de energia, inclusive pré-sal, e para o agronegócio. É uma pauta convencional, pois esses são dois segmentos que menos necessitariam de suporte de capital externo. Até aqui caminharam com as próprias pernas. O agronegócio precisa, sim, ser destravado nos campos do crédito, logística e ambiente. Isso não é pauta em que a China possa avançar antes de a política agrícola se modernizar. Em compensação, brincamos de ser país de moeda forte e indústria fraca, tudo ao contrário da China, que prega sua moeda ao dólar e faz dumping industrial. Com o real anabolizado e a economia doméstica nanica, o Brasil será presa fácil de uma recessão agravada, caso a bolha chinesa acabar estourando em algum momento do filme. PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio [email protected] -------------------------------------------------Folha de S.Paulo 20 05 2009 Emprego recuará ao nível de 2007, afirma Meirelles PEDRO SOARES SAMANTHA LIMA DA SUCURSAL DO RIO O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou que, com a crise, o nível de emprego no país deverá retroceder aos patamares de 2007, o que considerou "preocupante". "A massa salarial comparada a 2008 está crescendo. Mas a previsão dos índices de desemprego no segundo semestre vai levar a uma trajetória comparada a 2007. Estamos retrocedendo dois anos", disse Meirelles durante o 21º Fórum Nacional, no BNDES, organizado anualmente pelo ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso. De acordo com dados do IBGE, o desemprego atingiu 9% em março. Em 2008, fechou em 7,9%, ante 9,3% em 2007. Segundo Meirelles, há países em situação pior. "Não podemos esquecer que, em alguns países, o índice vai voltar à década de 40." O alívio que o governo deu recentemente ao próprio caixa ao afrouxar as metas de economia para pagamento de juros da dívida interna não é visto por Meirelles como algo que possa piorar as contas públicas. Devido à crise e à queda na arrecadação, o governo reduziu essa meta chamada de superávit primário- de 3,8% para 2,5% do PIB neste ano, sob alegação da necessidade de preservar investimentos. Segundo Meirelles, a relação entre a dívida e o PIB estava acima de 40% no ano passado. "Mesmo com a redução da meta de superávit, o mercado prevê que essa relação não fique acima de 39% no fim do ano. Hoje, estamos em 37,8%", diz Meirelles. A relação dívida/PIB é um importante indicador das contas de um país. Quando está em alto patamar, indica, para investidores estrangeiros, um maior risco de calote. Superávit zero O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, descartou a possibilidade de zerar o superávit em 2010, como sugeriu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos. "O governo considera importante fazer superávit porque queremos continuar o esforço para reduzir a dívida como proporção do PIB", disse Bernardo no Fórum. O ministro defendeu ainda os cortes de impostos a alguns setores e não descartou a possibilidade de desonerar mais ramos prejudicados pela crise, desde que essas deduções sejam acompanhadas de novos cortes de gastos. Segundo Bernardo, a turbulência abalou a arrecadação do governo, que contará com cerca de R$ 50 bilhões a menos no seu orçamento deste ano. De um lado, diz, a crise forçou o governo a fazer "políticas anticíclicas" e cortar impostos de determinados setores -entre eles, o automobilístico e o de eletrodomésticos da linha branca. A desoneração até agora somou R$ 21 bilhões. Do outro, a retração do consumo e dos investimentos com a crise foi responsável pela queda na arrecadação e explica a redução restante de quase R$ 30 bilhões. Apesar do impacto da crise, Bernardo afirmou que já existem sinais de melhora na arrecadação. -------------------------O Estado de S.Paulo 20 05 2009 Desenvolvimento sem burocracia Ruy M. Altenfelder Silva* Custo Brasil é o conjunto de dificuldades burocráticas, estruturais e econômicas que entravam o desenvolvimento, encarecendo o investimento e o custo dos produtos fabricados, aumentando o desemprego, a economia informal, a sonegação de impostos e a evasão de divisas. A burocracia tem peso significativo na composição do custo Brasil: a criação e/ou o fechamento de uma empresa, as exigências burocráticas excessivas para exportação e importação, a elevada carga tributária - eivada de exigências formais que aumentam o custo das empresas -, os altos custos e exigências contidos na legislação trabalhista e previdenciária, o sistema tributário complexo e ineficiente, acarretando uma das maiores cargas tributárias do planeta, o elevado déficit público, o peso desmesurado das despesas de custeio da máquina pública e a corrupção vergonhosa, combatida timidamente. São alguns exemplos do custo Brasil, que diferenciam comparativamente os produtos brasileiros dos produtos fabricados no exterior. Combater os excessos burocráticos é imprescindível para o desenvolvimento. O Conselho Superior de Estudos Avançados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por mim presidido, escolheu este tema para os estudos que está realizando, focando-o nos seus diversos aspectos. O presidente do Instituto Hélio Beltrão, Piquet Carneiro, sustenta que o excesso de trâmites legais atravanca a vida dos cidadãos, afeta a competitividade do País e abre as portas para a corrupção. No estudo que apresentou ao Conselho, citou frase do saudoso Hélio Beltrão: "O brasileiro é simples e confiante. A administração pública é que herdou do passado e entronizou em seus regulamentos a centralização, a desconfiança e a complicação." O saudoso ministro (1916-1977) encampou o Programa Nacional de Desburocratização. A sua frase traduz o pântano burocrático que dia após dia os brasileiros precisam transpor. Seja para adquirir um bem, iniciar um empreendimento, viabilizar uma transação financeira ou tirar um simples documento, o cidadão tem de lidar com uma infinidade de papéis, carimbos, filas de cartório e má vontade dos burocratas de plantão. A burocracia excessiva promove a exclusão social e econômica, na medida em que a maioria dos brasileiros não conhece nem metade das formalidades que deve cumprir. Ela está na raiz da negação de acesso aos direitos mais básicos. No estudo, Piquet Carneiro apresentou uma relação que poderia servir de parâmetro ao governo, sempre que alguém sugere a colocação de mais uma fileira de tijolos no edifício da burocracia. Entre as questões a serem previamente analisadas incluem-se: O problema a ser regulado está claro? justifica-se a intervenção do governo? a regulação é a melhor medida neste caso? há base legal para proceder à regulação? há benefícios que justifiquem a ação? e como os resultados serão atingidos? Os Estados e municípios devem ser os grandes agentes de transformação para eliminar a burocracia no País. Em outro estudo, o professor Ives Gandra da Silva Martins analisou o sistema tributário brasileiro, considerando inoportuna e inconveniente a atual proposta de reforma apresentada pelo governo. Apontou a elevação da carga tributária e as complexidades burocráticas que agravarão as já existentes. O professor João Grandino Rodas e o advogado Humberto Macabelli Filho apontaram aspectos burocráticos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência que precisam ser removidos. O embaixador Carlos Henrique Cardim, o professor Paulo Nassar, o desembargador José Renato Nalini, o advogado Gabriel Jorge Ferreira e o secretário Guilherme Afif Domingos focaram os diferentes aspectos da burocracia, que entrava o nosso desenvolvimento nas diversas áreas de suas especialidades. Os estudos prosseguirão com a análise do problema no âmbito dos governos municipais, no sistema educativo e da saúde, além de aprofundamento dos estudos que envolvem a burocracia no Poder Judiciário. É preciso desatar o nó da burocracia se quisermos acelerar o nosso desenvolvimento. *Ruy Martins Altenfelder Silva, presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp, é presidente da Academia Paulista de Letras ------------------------Valor Econômico 20 05 2009 A era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passadoPode não ser o momento definidor Martin Wolf Podemos supor que a era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passado Será a crise atual um divisor de águas, com a globalização liderada pelo mercado, o capitalismo financeiro e o predomínio ocidental de um lado e o protecionismo, regulamentação e predomínio asiático do outro? Ou será que os historiadores preferirão julgá-lo como um evento causado por tolos, significando pouco? Meu palpite pessoal é que ele ficará no meio termo. Nem é a Grande Depressão, uma vez que a resposta política tem sido tão determinada, nem é o capitalismo de 1989. Examinemos o que sabemos e o que não sabemos a respeito do seu impacto sobre a economia, finanças, capitalismo, Estado, globalização e geopolítica. Sobre a economia, já sabemos cinco coisas importantes. Primeiro, quando os EUA contraem pneumonia, todos adoecem gravemente. Segundo, esta é a mais grave crise econômica desde a década de 1930. Terceiro, a crise é global, com um impacto particularmente grave sobre países que se especializam em exportações de bens manufaturados ou que dependeram de importações líquidas de capital. Quarto, os formuladores de política promoveram os mais agressivos estímulos fiscais e monetários e socorros financeiros já vistos. Por fim, este esforço trouxe algum sucesso: a confiança está voltando e o ciclo de estoques deverá gerar alívio. Como observou Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), a economia global está "próxima do ponto de inflexão", com o que ele quis dizer que agora a economia está declinando a uma taxa decrescente. Podemos também conjeturar que os EUA liderarão a recuperação. Os EUA são mais uma vez o mais importante país keynesiano do mundo. Podemos supor, também, que a China, com seu gigantesco pacote de estímulo, será a economia mais bem sucedida do mundo. Infelizmente, há pelo menos três grandes coisas que não podemos saber. Até que ponto os excepcionais níveis de endividamento e queda no patrimônio líquido gerarão um aumento sustentado nas desejadas economias das famílias de consumidores gastadores de outrora? Por quanto tempo poderão persistir os atuais déficits fiscais até os mercados exigirem maior remuneração pelo risco? Poderão os bancos centrais articular uma saída não inflacionária das políticas não convencionais? Nas finanças, a confiança está voltando, com os spreads entre ativos seguros e de risco diminuindo para níveis menos anormais e uma (modesta) recuperação nos mercados. A administração dos EUA conferiu ao seu sistema bancário um razoável certificado de saúde. Os balanços patrimoniais do setor financeiro, porém, explodiram nas décadas recentes e a solvência dos devedores está deteriorada. Podemos supor que as finanças terão uma recuperação nos próximos anos. Podemos estimar, também, que seus dias de glória estão distantes delas por décadas, pelo menos no Ocidente. O que não sabemos é até que ponto irá a "desalavancagem" e a subsequente deflação de balanços patrimoniais na economia. Tampouco sabemos em que medida o setor financeiro conseguirá se desvincular das tentativas de impor um regime regulatório mais eficaz. Os políticos deveriam ter aprendido com a necessidade de socorrer sistemas financeiros abarrotados de instituições tidas como grandes e interconectadas demais para falir. Temo que interesses concentrados subjuguem o interesse geral. O que dizer sobre o futuro do capitalismo, sobre o qual o "Financial Times" publicou sua série fascinante? Ele sobreviverá. O comprometimento da China e Índia com uma economia de mercado não mudou, a despeito desta crise, apesar de que ambos ficarão mais nervosos em relação às finanças irrestritas. Pessoas situadas do lado do livre mercado insistirão em afirmar que o malogro deveria ser creditado mais na conta dos reguladores do que na dos mercados. Existe uma grande verdade nisto: os bancos são, afinal, as instituições financeiras mais regulamentadas. Este argumento, porém, fracassará politicamente. A disposição de confiar na livre atuação das forças de mercado nas finanças foi prejudicada. Podemos supor, portanto, que a era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passado. Os países adaptarão, como sempre fizeram, a economia de mercado às suas próprias tradições. Eles agirão assim, porém, com maior confiança. Como teria dito Mao Tsé-Tung, "que floresçam mil flores capitalistas". Um mundo com muitos capitalismos será complicado, mas divertido. Menos claras são as implicações para a globalização. Sabemos que a enorme injeção de recursos governamentais "desglobalizou" parcialmente as finanças, a um grande custo para os países emergentes. Sabemos, também, que a intervenção do governo na indústria tem um forte matiz nacionalista. Sabemos, igualmente, que poucos líderes políticos estão preparados para se aventurar em prol do livre comércio. A maioria dos países emergentes concluirá que acumular vastas reservas cambiais e limitar os déficits em conta corrente é uma estratégia sólida. Isto possivelmente gerará outra rodada de "desequilíbrios" globais desestabilizadores. Este parece ser um resultado inevitável de uma ordem monetária internacional imperfeita. Não sabemos de que forma a globalização sobreviverá a todos este estresse. Estou esperançoso, mas não tão confiante. O Estado, enquanto isso, está de volta, mas também parece cada vez mais falido. A dívida do setor público como porcentagem do PIB provavelmente dobrará em muitos países avançados: o impacto fiscal de uma grande crise financeira pode, fomos lembrados, ser tão oneroso como uma guerra em grande escala. Isto, portanto, representa um desastre que governos de economias avançadas com baixo crescimento não poderão permitir que se repita em uma geração. O legado da crise também limitará a generosidade fiscal. A tentativa de consolidar as finanças públicas dominará a política por anos, talvez décadas. O Estado está de volta, portanto, mas ele será o Estado na condição de invasor intruso, não de esbanjador. Por último, mas não menos importante, o que esta crise significa para a ordem política global? Neste caso, sabemos três coisas importantes. A primeira é que a crença de que o Ocidente, por mais que seja amplamente malvisto pelos demais países, pelo menos soube como gerenciar um sistema financeiro sofisticado que sucumbiu. A crise causou dano extremamente grave ao prestígio dos EUA, em particular, apesar de o tom do novo presidente certamente ter ajudado. O segundo é que os países emergentes e, acima de tudo, a China, agora são protagonistas centrais, como foi demonstrado na decisão de realizar dois encontros estratégicos do Grupo de 20 países importantes no nível de chefe de governo. Agora eles são elementos vitais na formulação da política global. O terceiro é que estão sendo feitas tentativas de modernizar a governança global, especialmente nos recursos crescentes que estão sendo repassados ao Fundo Monetário Internacional e na discussão da mudança dos pesos dos países que o compõem. Só podemos conjeturar sobre quão radicais se tornarão as mudanças na ordem política global. Os EUA provavelmente despontarão como o líder indispensável, despojado das ilusões do "momento unipolar". O relacionamento entre EUA e China será mais central, com a Índia esperando por sua oportunidade. O peso econômico e o poder relativo dos gigantes asiáticos seguramente aumentarão. A Europa, enquanto isso, não está tendo uma boa crise. Sua economia e sistema financeiro comprovaram ser muito mais vulneráveis do que muitos esperavam. Até que ponto um conjunto de instituições reequilibradas e modernizadas refletirá as novas realidades, porém, é algo, por enquanto, desconhecido. Qual é, pois, a conclusão? Meu palpite é que esta crise acelerou algumas tendências e confirmou que outras - particularmente em crédito e débito - são insustentáveis. Ela danificou a reputação do ofício da economia. Ela deixará um legado amargo para o mundo. Mesmo assim, porém, não indicará nenhum divisor de águas histórico. Parafraseando o que as pessoas diziam por ocasião da morte de reis: "O capitalismo está morto; vida longa ao capitalismo". Martin Wolf é colunista do "Financial Times". ================================================= OUTRAS NOTÍCIAS O Estado de S.Paulo 20 05 2009 Fundos de pensão e BNDES querem até 44% do capital da Brasil Foods Eles pretendem comprar um volume expressivo de ações na oferta pública que a nova empresa vai fazer em julho Irany Tereza, David Friedlander e Ricardo Grinbaum Os fundos de pensão - que controlam a Perdigão - e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) planejam comprar pelo menos 50% - se possível até 65% - das ações a serem emitidas até o fim de julho pela Brasil Foods, a companhia formada por Sadia e Perdigão. A oferta dos papéis para reforçar a companhia deverá atingir R$ 4 bilhões. Com essa compra agressiva, os fundos querem ampliar, de 26% para 35%, sua participação no capital total da nova empresa. O BNDES ficaria com algo como 9%. Juntos, passariam a ter 44% da Brasil Foods. Os fundos contam com o BNDES para criar um grupo de acionistas afinado e forte o suficiente para definir os rumos da Brasil Foods, sem depender de outros sócios. Pertencentes a estatais, são liderados pela Previ, do Banco do Brasil. Deverão investir de R$ 1,3 bilhão a R$ 2 bilhões. O BNDES planeja investir de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão, segundo apurou o Estado. A intenção é comprar um grande volume de ações mesmo que a demanda pelos papéis seja forte, o que mostraria que o interesse do BNDES é fazer uma composição estratégica com os fundos e não apenas garantir o sucesso da operação. Outros fortes interessados são dois grandes acionistas da Perdigão: a Weg e a família do chinês Shan Ban Chun, que vendeu a Eleva para a Perdigão em outubro de 2007. A composição acionária definitiva, no entanto, ainda vai depender de um ponto da legislação chamado direito de prioridade: ele garante aos sócios da empresa ofertante o direito de fazer a subscrição das ações antes dos outros. Hoje, os acionistas da Perdigão têm esse direito. Os da Sadia, não. É que a oferta de ações será feita pela Perdigão, portanto apenas seus sócios podem exercer o direito de prioridade. As famílias Fontana e Furlan, da Sadia, só passam a ter a mesma vantagem no momento em que a incorporação da Sadia pela Perdigão for sacramentada, o que pode levar cerca de 60 dias. Como os acionistas da Sadia querem ter preferência, criou-se uma corrida contra o relógio. "Se a incorporação for concluída antes da oferta pública não há problema, porque os sócios da Sadia já terão o direito de prioridade", diz um executivo envolvido na operação. "Se ocorrer antes de a incorporação ser completada, vamos ter que ver". Se isso ocorrer, a decisão será arbitrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Executivos que participam da operação avaliavam ontem que a incorporação da Sadia pela Perdigão ficará pronta depois da oferta de ações. Isso porque há pressa em capitalizar a Brasil Foods, que estreia com dívida de mais de R$ 10 bilhões, herdada de Sadia e Perdigão. O grupo que controla a Sadia é formado por sete famílias, com centenas de pessoas, cada um com uma ideia diferente do que fazer agora. "Uns querem continuar na nova empresa, outros querem abrir negócio próprio e há os que querem pegar o dinheiro, mas ainda não sabem o que fazer", diz o membro de uma dessas famílias. Perdigão e Sadia já ensaiaram unir suas operações várias vezes. Em outubro do ano passado, depois que a Sadia anunciou perdas que chegaram a R$ 2,6 bilhões com derivativos cambiais, seus representantes procuraram a Perdigão e negociaram um acordo de preferência. Esse acordo venceu em março e os acionistas da Sadia, então, passaram a procurar fundos de investimentos dispostos a entrar na companhia. Um desses fundos, o Tarpon, chegou a fazer uma oferta de R$ 2 bilhões. Os acionistas da Sadia preferiram continuar a conversar com a Perdigão. Mas o negócio só se concretizou por causa das dificuldades financeiras da Sadia. Os acionistas culparam o ex-diretor financeiro Adriano Ferreira, que foi demitido. Segundo os controladores da Sadia, ele teria feito operações de alto risco com derivativos sem consultar o conselho de administração. Os fundos de pensão mandaram incluir uma cláusula especial nos documentos da nova empresa. Ela exige que as informações financeiras circulem abertamente na Brasil Foods, para impedir que se repita o ocorrido na Sadia. -----------------------------------------------O Estado de S.Paulo 20 05 2009 Legislação deve provocar alta de tarifas Andrew Martin*, THE NEW YORK TIMES Os cartões de crédito têm sido, desde há muito, um excelente negócio para pessoas que pagam as contas em dia e por inteiro. Enquanto as administradoras de cartões impunham multas e tarifas punitivas para os que atrasavam os pagamentos, os melhores clientes colheram recompensas em saques de dinheiro, milhagens aéreas e outros benefícios nos últimos anos. Agora, o Congresso pretende limitar as multas a credores mais arriscados, que se tornaram fonte importante de bilhões de dólares de receita com tarifas. Para compensar a receita perdida, as administradoras de cartões vão atrás dos bons credores. Os bancos provavelmente recorrerão a tarifas anuais, reduzindo os saques em dinheiro e outros programas de premiação, e cobrando juros imediatamente após uma compra, em vez de conceder um período de graça de algumas semanas, segundo funcionários de bancos e associações comerciais. "Será um negócio diferente", disse Edward L. Yingling, o presidente executivo da American Bankers Association (ABA), que vem pressionando o Congresso por uma legislação mais leniente em favor dos maiores bancos. "Os que gerenciam bem o crédito em certa medida subsidiarão os que têm problemas." Enquanto esvaziam as fileiras de usuários de cartões arriscados para lidar com a recessão econômica, grandes bancos, incluindo American Express, Citigroup, Bank of America, já começaram a elevar taxas de juros, e alguns têm mirado os consumidores que pagam as contas em dia. A legislação aprovada ontem pelo Senado não impõe teto aos juros, por isso os bancos podem continuar a aumentá-los, ainda que num ritmo mais lento e com mais transparência. "Haverá uma precificação única e, por conseguinte, veremos que o setor ficará mais igualitário em termos de base de receita", disse David Robertson, publisher do Nilson Report, que acompanha o setor de cartões. As pessoas que pagam rotineiramente o saldo de seu cartão de crédito vêm desfrutando do equivalente a uma corrida de graça, disse ele, porque muitas não tiveram de pagar tarifa anual e somam pontos para viagens aéreas e outros benefícios. "Apesar de todas as coisas terríveis que foram ditas, vocês estão ganhando muito dinheiro", disse ele. "Um terço dos clientes de cartões de crédito, 50 milhões de pessoas, conseguiu um grande negócio." Robert Hammer, um consultor do setor, disse que a legislação poderá ter um efeito geral de encorajar administradoras de cartões a se tornarem ainda mais dependentes das tarifas tanto de clientes marginais como dos usuários de cartões com bom registro de crédito, que são chamados de deadbeats (malandros ou parasitas) no jargão do setor porque geram pouca receita com tarifas. "Eles não são organizações de caridade. Eles têm acionistas aos quais prestar contas", disse ele, referindo-se aos bancos e administradoras de cartões. "A brecha que sobrar no modelo será explorada por eles." Os bancos costumavam dar cartões de crédito somente aos melhores clientes e cobrar deles uma taxa de juros fixa de cerca de 20% e uma taxa anual. Mas, com o relaxamento das leis de usura em alguns Estados e a pronta disponibilidade de crédito no fim dos anos 1980, os bancos começaram a oferecer cartões com diferentes taxas de juros e tarifas, associando a precificação ao risco de crédito do usuário do cartão. Isso ajudou a derrubar as taxas de juros para muitos consumidores, mas elas subiram para os usuários de maior risco, que se tornaram uma fonte significativa de receita para o setor. A recente recessão econômica questionou essa fórmula e os bancos começaram a se desfazer dos clientes mais arriscados e baixar seriamente seus limites de crédito, à medida que a recessão se acelerava. Agora, um coro crescente de consumidores que saldam as contas todo mês está reclamando dos períodos gratuitos encurtados, das novas tarifas ocultas e das taxas de juros mais altas. O setor diz que as propostas obrigarão os bancos a emitir menos cartões a um custo maior para os atuais usuários. Citigroup e Capital One remeteram os comentários à ABA. Discover e American Express não quiseram comentar. *Andrew Martin é jornalista