migração, trabalho e direitos humanos

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MIGRAÇÃO, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS
Antonio Rodrigues de Freitas Júnior
Daniel Bertolucci Torres
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho
organizadores
MIGRAÇÃO, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS
EDITORA LTDA.
© Todos os direitos reservados
Rua Jaguaribe, 571
CEP 01224-003
São Paulo, SP – Brasil
Fone (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
Abril, 2017
Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: LINOTEC
Projeto de Capa: FABIO GIGLIO
Impressão: GRÁFICA PAYM
Versão impressa:
LTr 5733.2 — ISBN: 978-85-361-9205-5
Versão digital:
LTr 9134.4 — ISBN: 978-85-361-9214-7
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Migração, trabalho e direitos humanos / Antonio Rodrigues de Freitas Júnior,
Daniel Bertolucci Torres, Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, (organizadores). -- São
Paulo : LTr, 2017.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN: 978-85-361-9206-2
1. Direito de migração 2. Direitos humanos 3. Estrangeiros - Leis e legislação 4. Trabalhadores estrangeiros 5. Trabalho - Leis e legislação I. Freitas Júnior,
Antonio Rodrigues de. II. Torres, Daniel Bertolucci. III. Boucinhas Filho, Jorge
Cavalcanti.
17-02732CDU-34:331.556.4
Índice para catálogo sistemático:
1. Migração internacional de trabalhadores :
Trabalho e direitos humanos : Direito do
trabalho
34:331.556.4
ORGANIZADORES
Antonio Rodrigues de Freitas Júnior: Mestre, Doutor e Livre-docente, Professor Associado da Faculdade de
Direito da USP – Largo de São Francisco, Procurador Legislativo do Município de São Paulo, foi Secretário
Nacional de Justiça (2002) e, desde 2011 integra da direção da Escola do Parlamento da Câmara Municipal
de São Paulo.
Daniel Bertolucci Torres: Mestrando em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(FDUSP). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado no
Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo.
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho: Mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).
Pós-doutor em direito pela Université de Nantes. Professor turno completo e pesquisador do Núcleo de
Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Consultor da Confederação Nacional
da Indústria (CNI) e membro efetivo do Conselho de Relações de Trabalho da FECOMERCIO/SP.
Colaboradores
Alcindo Gonçalves: Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP); Professor do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade Católica de Santos; Líder
do Grupo Pesquisa Governança Global e Regimes Internacionais da Universidade Católica de Santos (CNPq).
Augustin Émane: Professor na Universidade de Nantes, França. Pesquisador no Instituto de Estudos Avançados e
na Maison de Science de l’Homme de Nantes e Membro do Comitê Científico do Forschungszentrum Point
Sud – Lokales Wissen.
Camila Sombra Muiños de Andrade: Doutoranda e Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Advogada do Centro
de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo.
Eduardo Pereira Merlin: Advogado, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Felipe Augusto Mancuso Zuchini: Advogado. Mestrando em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo.
Helena Duarte Romera: Mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Assessora Jurídica na
Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região.
Karoline Marthos da Silva: Mestranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de
São Paulo – USP. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca – FDF.
Advogada.
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Migração, Trabalho e Direitos Humanos
Lílian Pinho Dias: Advogada, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp; professora de Direito do Trabalho e Seguridade Social no curso técnico do Governo Federal –
Pronatec, na Rede de Ensino CECON/MG.
Mirtes Tieko Shiraishi: Advogada. Mestranda em Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo.
Rachel de Oliveira Lopes: Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos; Membro do
Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Vulnerabilidades da Universidade Católica de Santos (CNPq); Membro
do Grupo de Pesquisa Governança Global e Regimes Internacionais da Universidade Católica de Santos
(CNPq); Procuradora Federal lotada na Procuradoria Seccional Federal de Santos.
Rivana Barreto Ricarte de Oliveira: Doutoranda em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba e especialista em
Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Graduada em Direito pela
Universidade Federal da Paraíba. Defensora Pública do Estado do Acre (2002) e Professora da Faculdade da
Amazônia Ocidental.
Talita Dartibale Amado: Advogada. Mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (2012).
Tatiana Chang Waldman: Mestre e doutoranda na área de concentração de Direitos Humanos do Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisadora no Museu da Imigração
do Estado de São Paulo.
SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................................................... 9
A Condição Jurídica do Trabalhador Migrante no Âmbito Normativo Internacional............................ 15
Talita Dartibale Amado
A Migração de Trabalho e a Diversidade de Estatutos de Estrangeiros no Direito Francês.................... 31
Augustin Émane
Mulheres Migrantes: Análise das Especificidades de Gênero no Processo Migratório Internacional.... 41
Helena Duarte Romera
Regimes Internacionais de Previdência Social como Meio de Proteção do Trabalhador Migrante....... 55
Rachel de Oliveira Lopes e Alcindo Gonçalves
Brain Drain: Breves Apontamentos sobre a Mobilidade Internacional de Mão de Obra Qualificada e
Seus Impactos nos Países Envolvidos.................................................................................................. 67
Karoline Marthos da Silva
O Processo de Globalização e o Direito a ter Direitos dos Migrantes Não Documentados................. 81
Eduardo Pereira Merlin
Legislação Aplicável ao Contrato do Estrangeiro Expatriado para o Brasil........................................... 97
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho
A Proteção Jurídica aos Refugiados no Brasil e o Direito ao Trabalho................................................. 103
Camila Sombra Muiños de Andrade
Vulnerabilidade e Exploração: Considerações sobre as Relações entre o Imigrante e o Trabalho em
Condição Análoga à de Escravo.......................................................................................................... 117
Daniel Bertolucci Torres
Movimentos Migratórios Internacionais e Educação no Brasil: A Mobilização pelo Direito à
Educação Escolar de Migrantes no Estado de São Paulo...................................................................... 133
Tatiana Chang Waldman
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Migração, Trabalho e Direitos Humanos
A Migração Haitiana no Brasil sob a Ótica da Proteção Trabalhista.................................................... 143
Rivana Barreto Ricarte de Oliveira
Movimento decasségui, Estado-Nação e Direitos................................................................................ 155
Mirtes Tieko Shiraishi
Blocos Econômicos e Trabalhadores Migrantes no Brasil: Direitos dos Trabalhadores no Mercado
Comum da União Europeia e no Mercosul......................................................................................... 163
Felipe Augusto Mancuso Zuchini
A Legislação Brasileira sobre os Direitos dos Migrantes: a Visão Pejorativa, as Perspectivas Atuais e a
Premente Necessidade de Revogação do Estatuto do Estrangeiro........................................................ 171
Lílian Pinho Dias
INTRODUÇÃO
De acordo com a 55ª Sessão do relatório Assembleia Geral das Nações Unidas “ao longo da história humana,
a migração tem sido uma expressão corajosa da vontade do indivíduo para superar a adversidade e de viver uma
vida melhor”. Embora seja um fenômeno antigo, o número de imigrantes aumentou sem precedentes nas últimas
décadas. Pesquisas recentes indicam que, devido a disparidades de rendimento, patrimônio, proteção aos direitos
humanos e segurança entre os países, o número de migrantes internacionais aumentou de 75 milhões em 1960
para 190 milhões em 2005. Em um novo relatório no ano de 2013, as Nações Unidas divulgaram a significante
estatística de que há no mundo 232 milhões de pessoas em situação de migração internacional, isto é, 3,2% da
população mundial é migrante internacional, desses, 59% vivem em regiões desenvolvidas.
Além disso, enquanto fenômeno compreendido dentro do âmbito das migrações lato sensu, em 2015 viveu-se um dos períodos mais alarmantes em matéria de deslocamento forçado; e o que é pior: as circunstâncias e os
motivos desse deslocamento parecem muito longe de cessar. Segundo relatório do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR), compreendidos entre refugiados e deslocados internos, o número de pessoas
no mundo que foram forçadas a deixar suas terras de origem chegou à cifra de 60 milhões de pessoas. Impulsionados por conflitos locais e guerras civis, essas pessoas não tem opção se não sair de suas terras natais em busca
de um território mais seguro para se viver.
Dessa maneira, a migração tem se tornado uma estratégia de sobrevivência tanto para mulheres e homens
devido à falta de oportunidades para o pleno emprego e o trabalho decente em muitos países em desenvolvimento,
à falta de segurança e à falta de condições de vida, dentre outros motivos.
Mais especificamente com respeito ao Direito do Trabalho, a proliferação de setores econômicos com qualificação intensiva, o aumento da demanda por trabalhadores qualificados, a relutância de trabalhadores locais
para aceitar certos empregos pouco qualificados, e as tendências demográficas, como o declínio da população e o
envelhecimento da população nos principais países de destino, são fatores que parecem contribuir para a atração
de imigrantes.
É certo que a migração de trabalhadores pode significar a vivência de muitos percalços por parte do ser humano migrante e dos membros de suas famílias, quer no momento de saída, trajeto, chegada, quer no da integração
à nova sociedade, por outro, muitos aspectos positivos podem advir do fluxo migratório. Mas não é menos certo,
por outro lado, que os trabalhadores migrantes contribuem para o crescimento e desenvolvimento de seus países
de destino, permitindo-lhes suprir a falta de mão de obra em seu mercado de trabalho e lidar com o envelhecimento de sua população nacional. Também contribuem para os seus países de origem, que se beneficiam muito
de suas remessas de divisas. Além da oportunidade de encontrar trabalho no exterior em tempos de desemprego
em seu país de origem, os trabalhadores migrantes também podem se beneficiar com os conhecimentos adquiridos
durante a sua experiência migratória.
10 | Migração, Trabalho e Direitos Humanos
Fator de indiscutível impacto na expansão da diversidade cultural, a migração, para além de um direito
humano de liberdade e dignidade, constitui importante veículo de construção de um planeta mais solidário e
reverente à diversidade.
A despeito dos benefícios que a migração internacional de trabalhadores pode trazer, o crescimento da migração também pode ser a causa de muitos problemas sociais que merecem estudo. Os trabalhadores migrantes,
especialmente os trabalhadores menos qualificados, enfrentam não raro condições de trabalho abusivas, sendo
submetidos a regime de mitigada tutela de direitos humanos e sociais. Com a elevação das barreiras para a circulação de pessoas, tendem a crescer tanto a migração irregular quanto o tráfico e a mercantilização de seres humanos;
fatores que hoje estão entre os principais desafios para a proteção dos direitos humanos e de combate ao crime
organizado internacional.
Outro efeito frequente e lastimável é o aprofundamento da discriminação dos trabalhadores migrantes. Trabalhadores migrantes são muitas vezes alvo de preconceito e de tratamento desiguais. Em alguns casos, o preconceito
decorre de divergências políticas históricas entre governantes de sua terra natal e do país de destino.
Acresce que a disparidade de tratamento entre nacionais e migrantes aparece por vezes validada, quando não
explicitamente promovida, por políticas nacionais de migração restritivas de direitos e excludentes de oportunidade. Invocando o propósito de promover a reserva de postos de trabalho aos seus nacionais, tais políticas impõem
obstáculos ao acesso de estrangeiros ao mercado de trabalho, e desse modo tornam difícil, quando não impossível,
o acesso a direitos sociais derivados da condição formal de trabalhador, tais como cobertura em caso de acidente
ou outros eventos incapacitantes, previdência social, saúde, educação pública para si e para seus filhos, só para
mencionar os mais conhecidos. Se é verdade que quaisquer exclusões de direitos tendem a ser atentatórias a direitos humanos, não é menos certo que a negação de acesso a direitos derivados da condição formal de trabalhador,
pela proibição de atividade laboral documentada, porque mais sutil e transversa, tende a ser ignorada, subdimensionada e mesmo, em alguns casos, avalizada pela comunidade jurídica internacional.
Essa diferenciação de patamares entre o nacional e o estrangeiro, engendrada ou permitida pelo direito, legitima um dos principais obstáculos que o migrante enfrenta em seus territórios de destino: a aptidão para ser igual
em direitos, para além de evidentes diferenças culturais, religiosas e linguísticas. Dessa maneira, ao enfrentar os
desafios da vida sob regimes de direitos reduzidos, o migrante vivencia a tragédia da discriminação e da intolerância, quer sejam elas sob a forma de condutas manifestamente hostis, quer sejam por cortinas de indiferença,
desqualificação e de invisibilidade. Não é ao acaso que os migrantes buscam conviver com pessoas de suas comunidades ou países de origem; circunstância em que o reconhecimento recíproco permite a formação de redes de
apoio e a afirmação de laços de identidade tendentes a permitir um cotidiano menos exasperante.
A comunidade internacional num primeiro plano desaprova a desigualdade de tratamento no tocante a relações sindicais. O Comitê de Liberdade Sindical, da Organização Internacional do Trabalho, mostrou sua preocupação com a discriminação contra os migrantes quando assegurou aos trabalhadores estrangeiros indocumentados
o direito de associação sindical. Por outro lado, a mobilidade interna e internacional da força de trabalho acrescenta desafios à organização e à atuação dos sindicatos nos países de destino: entre os mais reportados figuram o
preconceito e o receio de que o imigrante possa “roubar” os já declinantes postos de trabalho, mediante aceitação
de ofertas de trabalho em condições e por salários aviltantes. Entretanto, para além desse já conhecido quadro de
incompreensão e preconceito, o fato é que a organização e a atuação do sindicato, na maioria dos países ocidentais,
são ainda tipicamente caudatárias de uma atmosfera organizacional e cultural tipicamente devotada ao trabalhador
fabril, nacional e masculino. Isso faz com que o sindicato tenha dificuldades pronunciadas em lidar com agendas
predominantemente transversais como as referentes a gênero, diversidade subjetiva, privacidade, sustentabilidade
ambiental, e migração.
Dessa maneira, o migrante como um sujeito de direitos humanos e sociais, tenha ele recorrido ao deslocamento internacional em busca de trabalho, refúgio ou de melhores condições de vida, é a peça central desta coletânea.
Iniciando com o trabalho de Talita Dartibale Amado, apresenta-se uma visão global da situação normativa do
migrante. Em sequência, Augustin Émane, professor de Direito do Trabalho na Universidade de Nantes, examina
os diferentes diplomas e estatutos normativos relativos ao estrangeiro na França. No terceiro capítulo Helena Romero Duarte apresenta uma reflexão com foco em problemas de gênero no contexto das migrações, debatendo teorias do feminismo e traçando considerações sobre a precarização das condições de trabalho da mulher, a presença
feminina no mercado de trabalho e as especificidades de gênero na fase anterior à migração e no país de destino.
Introdução
| 11
Ainda na primeira parte da obra, voltada ao trabalhador migrante no contexto internacional, Rachel de
Oliveira Lopes e Alcindo Gonçalves discorrem sobre os regimes internacionais de previdência social como instrumentos de proteção do trabalhador migrante; Karoline Marthos da Silva aborda o fenômeno conhecido como
brain drain; e Eduardo Pereira Merlin faz uma reflexão geral sobre o fenômeno da globalização e o direito dos
trabalhadores migrantes não documentados.
Passando para a segunda parte do livro, em que se colocam capítulos nos quais o contexto do Brasil está presente, Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, professor de Direito do Trabalho na Fundação Getúlio Vargas, apresenta
a legislação concernente ao trabalhador estrangeiro expatriado para o Brasil. Na sequência Camila Sombra Muiños
de Andrade trata da proteção jurídica dos refugiados na perspectiva do direito de trabalho; embora o refúgio não
se defina como um movimento promovido pela busca por trabalho, mas em razão de fatores de proteção e segurança, torna-se crescentemente necessário considerá-lo também sob o ângulo de seus direitos sociais, econômicos
e trabalhistas, independentemente da causa do deslocamento.
Mais adiante Daniel Bertolucci Torres discorre sobre as relações entre a condição de vulnerabilidade do trabalhador migrante e a exploração de seu trabalho, seguido por Tatiana Chang Waldman que discute o “Estatuto
do Estrangeiro”, ainda vigente no Brasil malgrado sua inscrição no terreno da “doutrina da segurança nacional”
do regime militar de 1964, no campo mais amplo do direito à educação e da trajetória do movimento social dos
migrantes para o acesso à educação formal entre nós.
Já a participação de Rivana Barreto Ricarte de Oliveira vem para comentar o movimento migratório de haitianos em direção ao Brasil, notadamente intensificado nos últimos anos e caracterizado pela concessão de um
visto humanitário concedido pelo Conselho Nacional de Migração (CNIg), órgão do Ministério do Trabalho e da
Previdência Social, ao passo que Mirtes Tieko Shiraishi discute o movimento decássegui e os problemas derivados
da relação entre eles e os Estados-nacionais de destino e origem.
Na sequência Felipe Augusto Mancuso Zuchini ocupa-se das relações entre os blocos econômicos regionais
Mercosul e União Europeia, focalizando os direitos dos trabalhadores migrantes no Brasil, e Lílian Pinho Dias
finaliza apresentando a legislação concernente aos migrantes no Brasil e suas perspectivas de mudança.
Com a publicação destes trabalhos nossa intenção é a de proporcionar aos leitores o acesso a diferentes aspectos da mobilidade internacional de pessoas, com foco do Direito do Trabalho e nos direitos sociais em sentido
amplo, na perspectiva da promoção e da tutela dos direitos humanos.
Algo ainda precisa ser dito sobre o contexto em que se originaram os estudos reunidos nesta coletânea: o
oferecimento da disciplina intitulada “Migração Internacional de Trabalhadores e Proteção Social”, no âmbito do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco –
FaDUSP. A regência simultânea e presencial da disciplina, durante o primeiro semestre de 2015, foi um projeto
comum dos professores Augustin Émane, na Universidade de Nantes; Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, da Escola
de Administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, da própria
FaDUSP.
A maioria das contribuições aqui reunidas, desse modo, teve seu desenho inicial na forma de working papers
destinados aos seminários que tiveram lugar durante o curso, foram assim objeto de exposição, de debates e de
adensamentos subsequentes durante aquele ano.
Embora contando com o auxílio de alguns dos seus professores e alunos, a revisão técnica foi ultimada graças
ao dedicado e paciente empenho de Daniel Bertolucci Torres que também contou com o auxílio de Rivana Barreto
Ricarte de Oliveira.
Por fim importa o registro de que o deslocamento e a estada em São Paulo no decorrer dos encontros do curso,
do Professor Augustin Émane, contaram com o apoio institucional e financeiro da FaDUSP e da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
São Paulo, no outono de 2016.
Antonio Rodrigues de Freitas Júnior
Daniel Bertolucci Torres
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho
Parte I
A Migração de Trabalhadores no Contexto Internacional
A CONDIÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR MIGRANTE
NO ÂMBITO NORMATIVO INTERNACIONAL
Talita Dartibale Amado*
INTRODUÇÃO
Dentre os legados do segundo pós-guerra, o de
maior destaque e impacto na humanidade foi o processo de internacionalização dos direitos humanos, introduzindo a nova concepção trazida pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948). Paralelamente a isso, a abertura dos mercados, mediante a
facilitação da circulação de bens e serviços, bem como
a transnacionalização do capital conduziram a um aumento na circulação de pessoas a nível global, tendo em
vista uma relativa redução no custo dos transportes e as
inovações tecnológicas, em especial na área das telecomunicações e da informação, cujo desenvolvimento foi
mais acentuado no final do século XX. Trata-se, aqui,
de efeitos da globalização, compreendida como um fenômeno histórico amplo, uma vez estar relacionado a
fatores de naturezas diversas, sobretudo de ordem econômica.
A migração de pessoas na esfera internacional tornou-se parte de uma revolução transnacional que remodelou sociedades e políticas ao redor do mundo. É a
chamada “globalização da migração”, isto é, a tendência
de que cada vez mais países sejam, ao mesmo tempo,
crucialmente afetados por fluxos migratórios das mais
diversas origens, de modo que a maioria dos países de
imigração venha a receber migrantes provenientes de
uma ampla variedade de contextos econômicos, sociais
e culturais.1
*
1.
A despeito da tendência natural do ser humano à mobilidade, considerando a intensificação desse
processo em tempos atuais, ainda nos deparamos com
uma firme resistência, por parte dos governos dos Estados, com relação à formulação de políticas migratórias de proteção e integração social, abertas à realidade
do crescente fluxo internacional de pessoas. Ao passo
que se promoveu a integração dos mercados, mediante
a formulação de políticas de desregulamentação do comércio, dos investimentos e a formação de blocos econômicos, resistiu-se largamente às políticas migratórias
receptivas, com fulcro no princípio da soberania estatal.
Muitos países mantêm uma série de barreiras legais para impedir os migrantes de cruzarem suas fronteiras,
o que conduz à formulação de políticas cada vez mais
restritivas, à medida que os governos tentam minimizar
os impactos econômicos, sociais e culturais desses massivos fluxos de pessoas entre as nações.
Vale pontuar, o imigrante é o estrangeiro que
atravessa fronteiras nacionais com um intuito de permanência, diferentemente do simples estrangeiro (“o
outro”), condição esta que exige o mero deslocamento
de um indivíduo do Estado de sua nacionalidade para
outro, de nacionalidade diversa (uma nova jurisdição
ao qual o estrangeiro se submete ao adentrar uma nova
nação). Enquanto o imigrante tem em seu movimento
migratório uma vocação de maior perenidade, que lhe
é a característica distintiva, a definição do estrangeiro
Advogada. Mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP. Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP (2012).
“The globalization of migration: the tendency for more and more countries to be crucially affected by migratory movements at the same time. Moreover,
the diversity of the areas of origin is also increasing, so that most countries of immigration have entrants from a broad spectrum of economic, social and
cultural backgrounds” (CASTLES; MILLER, 2003, p. 7).
16 | Migração, Trabalho e Direitos Humanos
funda-se basicamente no critério da nacionalidade (NICOLI, 2011, p. 22-23).
O fenômeno migratório não só ocorre entre países
distintos, como também dentro do próprio país de origem, sobretudo quando este possui grande dimensão
territorial e abriga realidades heterogêneas. Contudo,
há que se destacar, este ensejo é dedicado apenas ao
estudo da normativa sobre a migração laboral no plano
internacional.
Concernente aos fatores que impelem ou instigam
a migração, há razões de toda sorte, como a fuga de
guerras civis, desastres naturais, perseguições em razão de raça/etnia, credo/religião, opinião política, ou,
simplesmente, a busca por condições que garantam
uma vida digna (trabalho). São os denominados fatores “pull-push” dos fluxos migratórios. Outro elemento
propulsor desses movimentos, ainda que de forma indireta, são os “fatores de rede”, relacionados à liberdade
de informação e à evolução dos meios de comunicação
que, se não atuam como causa direta da decisão de migrar, no mínimo a encorajam.
Todavia, é cediço que o trabalho é a principal força
motriz das migrações na esfera internacional, isto é, a
busca por um emprego (fuga do desemprego), visando
a melhores condições de vida, ainda consiste na grande
motivação que impulsiona os movimentos migratórios
pelo mundo.
Daí a relevância que deve ser atribuída ao tema
da proteção jurídica do trabalhador migrante, que urge
ser-lhe dispensada onde quer que ele se encontre, posto
que, assim como todo e qualquer ser humano, independentemente das circunstâncias que o cercam e das
demais particularidades que o individualizam, é um ser
dotado de dignidade.
1. A DIGNIDADE HUMANA DO TRABALHADOR
MIGRANTE
O trabalhador imigrante, na lição de Arnaldo Süssekind (2000, p. 363), é “aquele que se transfere para
um país do qual não é originário, com o ânimo de nele
se integrar ou, pelo menos, nele trabalhar em caráter
não eventual”. Nota-se, aí, que o ânimo de permanência ínsito ao migrante é vinculado ao trabalho, o qual,
inclusive, consiste em fator legitimador do direito de
estadia e residência no interior dos limites de uma nova
jurisdição. O trabalho é, efetivamente, o elo que une o
migrante à sociedade receptora, a qual, na medida em
que reconhece direitos àquele, possibilita a sua maior
integração social, o que necessariamente perpassa pelo
trabalho juridicamente regulado.
O migrante, pelo simples fato de ser “humano”,
portanto racional (atributo exclusivamente humano),
é dotado de dignidade2, qualidade imanente à condição
humana, fator kantiano universalizante fundamentador
da existência de direitos intransmissíveis, irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis, que constituem a
essência de todo ser humano. Sob essa ótica, não seria
demasiado afirmar que o trabalho é o caminho dignificante, o qual viabiliza, ao menos em tese, a realização
dos direitos de liberdade, igualdade e solidariedade.
No meio acadêmico, há quem entenda ou defina o
migrante a trabalho como o “migrante documentado”,
significando o indivíduo que ingressa no país de destino mediante o visto apropriado, nele permanecendo
sob os direitos assegurados conforme os critérios definidos de acordo com a modalidade do visto concedido
(SILVA, 2014, p. 21). Deste modo, não se enquadram
nesse padrão os chamados migrantes clandestinos, “indocumentados” ou não documentados, o que não se revela admissível ou compatível com a realidade mundial
atualmente vivenciada, em que a maioria dos migrantes
a trabalho são irregulares, em razão do que, tornam-se
os mais vulneráveis e, portanto, necessitados de uma
maior proteção.
À luz do princípio universal da dignidade da
pessoa humana, valor ético pertencente à categoria
do que poderíamos chamar de “sobredireito”, o
trabalhador migrante merece proteção jurídica plena,
onde quer que esteja, sobretudo quando inserido num
contexto socioeconômico completamente novo. Isto,
pois, em geral, torna-se vítima de discriminações de
matiz cultural (estereótipos, preconceitos, xenofobia,
racismo) e da estrutura social de poder, que distingue
os nacionais dos não nacionais, de modo que, quando
inserido na esfera laboral, lhe é imposta uma situação
que, não raro, culmina na sua submissão a um cenário
de exploração que beira à escravidão. Nesse processo, o
migrante vem a ser subjugado pelo chamado processo
de reificação do ser humano, ao qual os trabalhadores
migrantes irregulares (“migrantes indocumentados”)
são os mais vulneráveis a serem submetidos.
Nos casos mais drásticos, o imigrante irregular
chega a perder sua personalidade formal de fato, sofrendo, em termos formais, uma grande restrição de
2. “Sob a perspectiva da antropologia filosófica, a dignidade humana está ligada à sua condição de animal racional, nas diversas manifestações da
razão, e à consciência, individual e coletiva, de tal singularidade no mundo”. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no
mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 483.
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