Aula 2: Os 3 eixos da Espiritualidade Cristã Comprometimento, Compartilhamento, Amadurecimento. Textos: Jo 17:21-25, Gl 5:16, 22-25. PARTE I: comunhão e comprometimento com o Reino “e eu neles esteja...” Jesus dá o seu último relatório para o Pai em João 17. Ele poderia ter feito milhares de considerações (sobre os milagres que realizou, os demônios que expulsou, as maravilhas que perpetrou – o que não faz, pois o obreiro não é movido por autopropaganda, e sim pela coragem de cuidar das ovelhas Jo 17:12), mas o foco de Jesus é relatar que Ele cumpriu Sua missão de ensinar aos discípulos tudo que cabia a respeito do Pai. E o ápice do cumprimento da Sua Obra está no v. 26: “e eu neles esteja”. Jesus avança do v. 12 “estando eu com eles” para o v. 13 “para que tenham em si a medida completa da minha alegria / tenham o meu gozo completo em si mesmos”. Antes de Cristo, Deus estava conosco, depois da obra da Cruz, Ele está em nós. Só é possível isso porque o novo nascimento nos garantiu uma nova natureza – “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3:9) – e com ela uma comunhão absoluta. Não é mais comunhão de um para com outro, mas de um em outro. No primeiro momento Jesus está conosco, agora, porém, Ele está em nós (comparar Jo 1:38-39 com Jo 14:16-23) Jesus quer ter conosco uma comunhão tão íntima que já não é a comunhão de Enoque, que, para se tornar um com Deus, Ele teve de o tomar para Si. Hoje andamos com Deus e Deus anda em nós. Não há mais necessidade da morte para nos tornarmos um com Ele; não há separação física ou ontológica, pois agora somos Sua morada, Seu templo, Seu trono onde é glorificado (Jo 17:10). Por causa deste fato fundamental da vida cristã (o novo nascimento que nos faz participantes da natureza de Deus e faz de Deus habitante de nossa natureza) Paulo tem toda liberdade para nos ordenar: “andem no Espírito”. Nada mais natural para quem recebeu nova vida do Espírito que agora TODA sua vida seja partilhada, embebida, visceralmente vivida nEle. “Andai no Espírito”: se é no Espírito que devemos andar, é nEle que devemos ser e fazer todas as coisas. Um obreiro “profissional” / que não seja espiritual nada mais tem que uma filosofia, uma ciência, uma rotina que alimenta a alma, a mente, mas deixa escapar a mais preciosa revelação já feita à humanidade: Deus nos chamou para andar com Ele, e então nEle, de modo que Ele ande nessa terra, entre nossos amigos, no meio do nosso povo, dentro de nós. Nossa tendência é imaginar um mundo irreal: um lugar / uma experiência que nos arrebata do mundo em que nós vivemos. Nada é mais falso que pensar a Espiritualidade Cristã como algo que nos tira da realidade para a qual Deus nos enviou. É no interior dos nossos encontros, conversas e escolhas que a vida espiritual se desenrola: é uma dinâmica que envolve tudo que fazemos e somos. Daí o perigo de fugir de uma espiritualidade totalizante: nos tornamos gregos. E contra esta compreensão cindida do mundo e da vida, contra a Grécia que a instaura no coração da civilização ocidental, Deus já abriu guerra: Zc 9:13. Parte II: rotina e compartilhamento do Reino “para que o amor com que me amaste esteja neles...” “...A encarnação tira a teologia da prateleira e a coloca no coração, na mente, nos relacionamentos, na vida, nas decisões, nos afetos, nas paixões, nas escolhas, enfim, em tudo.” (BARBOSA, 2005, p. 18). Efésios 5:18-22,25 e 6:1,4,5,9 O obreiro não é alguém fora desse mundo. Antes de qualquer outra coisa, é alguém chamado a uma grande obra que passa por ser filho, pai, mãe, esposo, esposa, chefe e subordinado. A Obra de Deus não é feita fora desse mundo: ela nos abraça como um todo e faz das 24 horas do nosso dia tempo de culto e comunhão com o Senhor. A Obra que se limita à gravata e ao microfone é um engodo; o obreiro está na praia, nos shoppings, nas repartições públicas, lotando ônibus e filas de banco. O Reino de Deus não deixa brechas, não aceita desculpas. O amor continua sendo a marca hereditária e distintiva, a herança genética da nossa filiação a Deus. Todas as nossas relações serão marcadas pelo amor, intensamente, inescapavelmente, rotineiramente. Alguém que passou pela experiência mais extraordinária e essencial sem a qual ninguém pode ser parte do Reino – o novo nascimento – desfruta da mais profunda e íntima comunhão com Deus já conhecida na história. Esse alguém não pode se dar ao luxo de deixar o lugar onde Jesus mora, pois esse encontro não é momentâneo ou casual. É a sua vida inteira. Ainda somos muito gregos. Dividimos o que fazemos nos bancos de ônibus do que fazemos nos bancos da igreja; que isso seja muito danoso em todas as esferas da vida, é dado que é. Mas o perigo é tornar os bancos eclesiásticos uma realidade à parte do altar do Senhor. A cisma em administrar fragmentos, em fazer malabares com várias e diferentes versões de nós mesmos, gera cristãos esquizofrênicos, com crises de identidade. Nos recusamos a conciliar espírito e matéria, ainda que a oração de Cristo tenha sido “venha o Teu Reino”. A encarnação une numa mesma realidade terra e céu. Como nos aponta Kivitz, “a vida espiritual é uma vida no corpo [...] porque a vida humana é uma vida no corpo. [...] A vida espiritual não é uma vida superior, separada do corpo, nem que corre em paralelo à nossa experiência corpórea. A encarnação de Deus em Jesus é a afirmação da relação entre o mundo material e espiritual numa mesma dimensão de existência”. Por esta razão Ricardo Condeixa aponta que há uma mentalidade antirreino que contamina a igreja. E o obreiro contaminado por ela presume o relacionamento com Deus nas seguintes bases: - individualismo-hedonista, - utilitarismo objetificante, - uma visão mercadológica do sagrado, - um espiritualismo alienante e desarticulador, - superficialidade nas relações intra e extracomunitárias. Parte III: O obreiro espiritual e o amadurecimento no Reino “Eu lhes dei a conhecer o teu nome e continuarei a fazê-lo...” “A vida cristã não é conclusiva, mas progressiva.” Prof.ª Maria da Glória Cruz Quanto mais andarmos no Espírito, mais veremos em nós, e na TOTALIDADE da nossa vida, evidências da imagem de Cristo que está sendo gerada em nós. Essa é a premissa da vida cristã. O obreiro não apenas vive isso, é também sua missão gerar o amadurecimento dos irmãos (Gl 4:19, Ef 4:11-16) Cabe, portanto, elencar algumas marcas do crente espiritual (i.e., daquele que progride no desenvolvimento da sua relação com Cristo) em oposição ao carnal (i.e., aquele que é guiado por si mesmo e não desenvolve uma relação com Cristo: O espiritual é sensível ao Espírito: - aceita a Palavra (o crente carnal não aceita a Palavra – 1 Co 2:12-14) - é empenhado na luta contra o pecado (o crente carnal não luta mais contra o pecado: Rm 8:13, Gl 5:17) - a maturidade segundo o Espírito produz: a) consciência moral: diferencia mentira de verdade, certo de errado, mesmo quando fere seus próprios interesses (a criança mente para escapar da punição); b) senso de responsabilidade e comprometimento (1 Co 3:10) c) alteridade (considerar o valor e as expectativas do outro como legítimas, e no Reino de Deus, o outro superior a si mesmo) – 1 Co 3:4-7 d) necessidade de crescimento (“expomos sabedoria entre os maduros”, pois o imaturo não quer saber de crescer – 1 Co 2:6) SUBSÍDIO REFLEXIVO: Uma palavra sobre maturidade Ser carnal é andar segundo os homens (carne = natureza humana) – I Co 3:3 –, e não segundo o Espírito (Rm 8:5 e Gl 5:25). Quando se anda segundo a carne, produzem-se as obras da carne (dentre as quais, inimizades, dissensões, facções, etc), e não o fruto do Espírito (Gl 5:16-25). A imaturidade espiritual fala do velho homem, do Adão, e da natureza caída. O texto de Efésios é fundamentado sobre as mesmas premissas que o de Coríntios. Isto nos permite ver um padrão da teologia paulina sobre Maturidade Cristã: 1) é tratada em contextos de instabilidade na vida da igreja (sejam crises doutrinárias: Efésios, Gálatas; sejam ministeriais: Coríntios), com a manifestação de obras da carne e falhas no caráter do crente; 2) a carnalidade é combatida com a manifestação da vida no Espírito (Ef 4:2, Gl 5:22), portanto, seu fruto; e sua face mais importante, o AMOR (1 Co 13 – com destaque para v.11: comportamento, emoções e pensamentos amadurecidos, pois ANDAR NO ESPÍRITO é totalizante da nossa vida); 3) o fruto do Espírito, como evidência da nova natureza, é nada menos que as qualidades e atributos de Cristo. Quão mais maduros, mais semelhantes a Ele. O amadurecimento espiritual é um processo de aquisição / incorporação desses atributos ao nosso caráter. Não diz respeito a idade, tempo, circunstâncias. É claro que, para impulsionar o processo, Deus se utiliza do tempo, das experiências, dos contextos que vamos navegando em nossa trajetória. Mas não nos enganemos: pessoas muito equilibradas emocionalmente ou muito estáveis ao longo dos anos na igreja não acumulam necessariamente maturidade espiritual. De acordo com Ef 4:13, há uma medida para a maturidade cristã, que não é: ter habilidade para citar as Escrituras ou ter uma boa instrução; não cometer erros; ter muitos dons espirituais; ter um ministério famoso e atrativo; ter uma disposição tranquila e nunca irar-se; aparentar ser uma pessoa séria... Mas, na verdade, a medida é chegar à estatura completa de Cristo. Todas as coisas acima podem ou não estar presentes, embora desejemos todas elas, e julguemos a maturidade de outrem por esses critérios. Paulo nos apresenta outros critérios. O proceder do crente maduro coincide com os princípios do amor, e demais aspectos do fruto do Espírito. Sem a evidência do caráter cristão se desenvolvendo, minuto a minuto, na vida do crente, não há maturação. Sabemos que o andar segundo a carne pode coexistir com a presença de dons, porque o fruto do Espírito (diz respeito ao que somos para Deus) difere dos dons do Espírito (diz respeito ao que fazemos para Deus). A igreja em Corinto, esbanjando dons espirituais, não era espiritual. Uma igreja espiritual, que experimenta a verdadeira maturidade espiritual, não é a que dispensa os dons ou a Palavra. De forma alguma! Antes, é a que se preocupa em manter uma comunhão tão real com o Deus Trino que manifesta em seus pensamentos, emoções e comportamento os atributos de Jesus Cristo, pelo atuar do Santo Espírito, por providência de Deus Pai.