INTRODUÇÃO O prognóstico das fraturas expostas é determinado principalmente pela extensão/quantidade de tecidos desvitalizados provocada pelo trauma e pelo tipo e grau de contaminação bacteriana e não apenas pela caracterização da fratura isoladamente. A partir desse conceito, enfatizamos que as decisões sobre o manuseio das fraturas expostas em geral se iniciam com uma análise minuciosa do binômio fratura x partes moles, com as partes moles determinando o prognóstico da fratura e a fratura determinando o prognóstico das partes moles. Inicialmente, devemos reconhecer as duas categorias básicas dessas lesões – aquelas com alto grau de energia e aquelas com baixo grau de energia absorvidas pelo osso e partes moles, sendo este o principal fator determinante da desvitalização tecidual, como veremos mais adiante. As fraturas de baixa energia provocam, de maneira geral, menor grau de destruição óssea/partes moles, comportandose de maneira semelhante às fraturas fechadas. As fraturas de alta energia causam maior desvitalização do tecido ósseo e seu invólucro protetor, que pode comprometer a capacidade de obter imediata redução e fixação da fratura de maneira definitiva, assim como o fechamento das feridas. Nesses casos, um planejamento adequado e cuidadoso se faz necessário em relação ao desbridamento, estabilização inicial, estabilização definitiva e cobertura cutânea. CLASSIFICAÇÃO DAS FRATURAS EXPOSTAS Freqüentemente lacerações mínimas escondem lesões graves de partes moles e devem ser prontamente reconhecidas. A presença de fratura cominutiva é sugestiva de alta energia, apesar de muitas vezes as lesões externas não aparentarem. A classificação das fraturas expostas é importante, porque permite a comparação dos resultados, mas muito mais importante é dar ao cirurgião orientação quanto ao prognóstico e ao tratamento. A mais utilizada em todo o mundo é a de Gustillo & Anderson (1976)(11), posteriormente modificada por Gustillo et al. (1984)(14). É importante ressaltarmos que nenhuma classificação é perfeita e recentes trabalhos têm demonstrado que a avaliação interobservadores da classificação de Gustillo para as fraturas expostas tem demonstrado as mesmas falhas inerentes a outras classificações – como, por exemplo, ênfase exagerada no tamanho da ferida e não no conjunto. Brumback & Jones(6) relataram um índice de apenas 60% de concordância interobservadores em recente publicação, considerada pelos autores como muito baixa. Os fatores críticos/fundamentais para essa classificação são: 1) grau de lesão de partes moles; 2) grau de contaminação; e 3) padrão da fratura. Uma lesão devastadora da perna com indicação para amputação pode estar associada a uma pequena lesão de pele. Assim, devemos afirmar que o tamanho da lesão de pele isolada é um parâmetro insuficiente para a classificação dessa fratura. Por outro lado, uma lesão extensa causada por um objeto cortante, como uma lâmina de aço, pode estar associada com pequena lesão de partes moles/periósteo – vascularização óssea – e assim apresentar um bom prognóstico. A configuração das fraturas, principalmente pelo desvio e cominuição apresentados, reflete o grau de energia absorvido pelo osso e é útil na classificação, porém sempre deve estar em associação com a lesão de partes moles. CLASSIFICAÇÃO DE GUSTILLO & ANDERSON PARA FRATURAS EXPOSTAS(11,14) Tipo I: ferida de 1cm (ou menor) da pele com descolamento mínimo de periósteo/partes moles. Cominuição mínima. De dentro para fora: inside out. Tipo II: ferida maior que 1cm na pele com descolamento periósteo/partes moles moderado e cominuição da fratura. Tipo III: ferida maior que 10cm, com alta energia associada e extensa lesão de partes moles e descolamento periosteal e/ou esmagamento. IIIA: contaminação significativa. Cobertura de partes moles adequada, apesar de lacerações e retalhos presentes. IIIB: contaminação significativa. Lesão extensa com grande descolamento periosteal, porém com per-da externa de partes moles, não permitindo cobertura cutânea, normalmente necessitando procedimentos de reconstrução tardia. IIIC: fratura com lesão arterial que necessita reparo. Nota: As fraturas expostas segmentares, lesões ocorridas no campo, em ambientes altamente contaminados, lesões por projétil de arma de fogo, de alta energia, são automaticamente classificadas como de grau III. MANUSEIO INICIAL DAS FRATURAS EXPOSTAS. FERIMENTO: CULTURA OU NÃO? Existe muita controvérsia quanto à validade da cultura préoperatória, principalmente após os trabalhos de Lee et al. (1991)(21), que mostraram que os organismos vistos nas culturas iniciais raramente são os mesmos obtidos nas demais culturas, quando há infecção subseqüente. Estes organismos isolados representam predominantemente a flora normal da pele (S. epidermidis, P. acnes, Corynebacterium species e Micrococcus) ou contaminantes ambientais, os quais raramente causam infecção. Segundo os autores, este procedimento de rotina aumenta os custos do tratamento e só deve ser utilizado nas situações nas quais clinicamente o risco de infecção é muito alto, como lesões de campo, por exemplo. Nas série de Patzakis et al.(11,29,30), o germe mais comumente encontrado nas fraturas infectadas foi o Staphylococcus aureus, sendo a maioria resistente à penicilina. Atualmente, a experiência clínica tem-nos mostrado importantes mudanças nas últimas décadas, com alterações na incidência e espectro dos agentes causadores de infecção. Segundo Gustillo et al.(12), Chapman & Olson(8), Gustillo(13) e Hansen(15), esses fatos se devem ao aumento do número e gravidade das lesões produzidas e hoje salvamos membros que anteriormente eram amputados. Atualmente, embora o Staphylococcus aureus permaneça como o germe causal mais freqüente de infecção, há um aumento dos casos de infecção por gram-negativos e principalmente de infecções mistas nos tipos IIIA, IIIB e IIIC. Como recomendação, gostaríamos de salientar a importância de realizarmos uma monitorização constante da ferida e a realização de culturas sucessivas, se assim for necessário. USO DE ANTlBIÓTlCOS: QUANTO TEMPO? QUAL? O uso de antibióticos pode ser considerado como importante método complementar no tratamento da contaminação existente nas fraturas expostas, já que estas feridas estão contaminadas com bactérias. Filosoficamente, pode-se argumentar que em lesões agudas existe contaminação, mas ainda não desenvolveram infecção e, assim sendo, o uso de antibióticos é profilático. Por outro lado, a presença dos microorganismos no foco de fratura reforça o caráter terapêutico dos antibióticos. A eficácia da antibioticoterapia precocemente administrada é bem documentada na literatura, sendo que os trabalhos publicados por Patzakis et al.(30), em 1974, forneceram o que é conhecido hoje como a base para antibioticoterapia em fraturas expostas. Em um estudo prospectivo, duplo-cego, três grupos foram criados, sendo um com uso de cefalotina, outro com penicilina + estreptomicina e um terceiro grupo sem antibioticoterapia (placebo). O índice de infecção no 1º grupo foi de 2,3%, no 2º, de 9,7%, enquanto no 3º grupo o índice alcançou 13,9%. Atualmente, as cefalosporinas ainda continuam como escolha ideal no manuseio inicial das fraturas expostas. Durante a década de 70, os estudos mostravam uma taxa de infecção global nas fraturas expostas variando desde 2,1 até 9,4%. Os primeiros relatos de Gustillo & Anderson(11), em 1972, apresentavam, após antibioticoterapia, as seguin-tes taxas: 0% nas fraturas do tipo I, 3,8% nas do tipo II e 9% nas do tipo III. Em 1990, numa revisão de seus próprios ca-sos e da literatura, Gustillo et al.(12) relatam taxas que variam entre 0 e 1% para grau I, entre 2 e 7% para o grau II e entre 10 e 20% para todo o grau III. É universalmente aceito que a administração intravenosa de antibióticos deve ser iniciada o mais precocemente possível após o acidente, porém a duração tem sido alvo de muita controvérsia, variando entre diversos autores desde um até sete dias. Atualmente utilizamos a terapêutica intravenosa até 48 e 72 horas, na maioria dos casos, exceto naqueles com infecção precoce, quando o esquema inicial deve ser mantido até que se tenha o resultado das culturas, quando o esquema adequado deve ser iniciado, monitorizado por subseqüentes culturas da ferida e antibiograma. O quadro abaixo mostra o esquema proposto por Chapman & Olson(8), Gustillo et al.(12), Gustillo(13) e Whittle et (36) para o uso de antibióticos em fraturas expostas. PÉROLAS COM ANTlBIÓTlCO NA FERIDA: SÃO EFICAZES? Vários antibióticos podem ser misturados ao cimento ósseo durante a polimerização do metilmetacrilato e manter sua atividade antibactericida intacta. Partindo desse conhecimento, vários autores preconizam a utilização de cimento acrílico + antibiótico (cadeia de pérolas) no tratamento das feridas das fraturas expostas. (18,28) descreveu sua técnica, que consiste em ocupar toda a ferida com a cadeia de PMMA + antibiótico e cobri-lo com campo cirúrgico plástico (adesivo iodado) e drenagem por contigüidade. Os resultados publicados pelo autor têm demonstrado redução nas taxas de infecção. Sua utilização, no entanto, ainda é controversa, sendo que a maioria dos autores preconiza seu uso temporário, com o objetivo de preencher grandes cavidades – espaço-morto – e/ou com exposições ósseas e tendíneas para permitir um leito estéril para a posterior cobertura cutânea. DESBRIDAMENTO: QUANDO? COMO? QUANTO? O desbridamento precoce é de extrema importância no tratamento das fraturas expostas, porém apenas recentemente trabalhos específicos vêm comprovando sua eficácia em reduzir a incidência de infecção, quando realizado nas primeiras horas após o acidente. Somando-se ao fato de ajudar a eliminar a contaminação bacteriana da ferida, é crítico evitarmos a associação da contaminação hospitalar, muito mais virulenta do que agentes contaminantes não hospitalares. Baseados nisso, reforçamos orientação de que o desbridamento/limpeza mecânica da ferida deve ser feito em ambiente cirúrgico e não em sala de emergência. Na realização do desbridamento cirúrgico, nosso intuito é: 1) detectar e remover tecidos/objetos estranhos, principal-mente orgânicos; 2) detectar e remover tecidos desvitalizados; 3) reduzir a contaminação bacteriana; 4) criarmos uma ferida que possa tolerar a contaminação bacteriana subseqüente e cicatrizar sem infecção. No intuito de alcançar esses objetivos, o cirurgião deve desenvolver senso crítico para análise e julgamento dos tecidos em questão, para evitar a perda excessiva de tecidos sa-dios ou a tentativa infrutífera de preservar tecidos necrosados. O avanço das técnicas de reconstrução e microcirurgia, tanto para partes moles como para tecidos ósseos, tem permitido postura mais agressiva com o desbridamento inicial. Gustillo(12-14) tem procurado enfatizar a importância do desbridamento e sua associação com a lavagem exaustiva da ferida com solução salina. Segundo o autor, nos casos de limpeza com mais de dez litros de solução salina houve significativa diminuição na incidência de infecção. Alguns autores têm preconizado o uso de antibiótico diluído nos últi-mos dois litros, porém não há confirmação na literatura de melhora nos resultados. FERIMENTOS NAS FRATURAS: FECHAR OU NÃO FECHAR? Após a decisão inicial de preservação do membro afetado, o correto desbridamento da ferida e a estabilização da fratura, resta-nos decidir como manusear a ferida provocada pela exposição óssea e ampliada para o tratamento/redução da fratura. Por conceitos preestabelecidos, a princípio essas feridas, após desbridadas, devem ser deixadas abertas para fechamento posterior. Essa decisão, porém, poderá ser alterada pelo julgamento do cirurgião no decorrer do ato cirúrgico, analisan-do-se diversos aspectos relacionados com o binômio osso/ partes moles. Em alguns casos, podemos optar pelo fechamento primário dessas lesões nas feridas provocadas por baixa energia, minimamente contaminadas, principalmente em membro superior. Para avaliar o fechamento primário, o cirurgião deverá analisar os seguintes fatores: • a ferida original deve ser razoavelmente limpa, não ocorrida em ambientes muito contaminados; • todos os tecidos necróticos e corpos estranhos removidos; • circulação viável; • a ferida deve ser suturada sem tensão; • não existir espaço morto após fechamento. Normalmente, as fraturas do tipo I cumprem esses requisitos. As fraturas do tipo II devem ser analisadas criteriosamente e as do tipo III não devem ser fechadas primariamente. Brumback(5) afirma que, sempre que houver dúvidas, não há dúvida: deixe a ferida aberta. Na grande maioria dos casos, a extensão da ferida feita pelo cirurgião pode ser suturada deixando o restante da ferida aberta para ser reavaliada após 24 a 48h, o paciente é submetido a novo desbridamen-to/irrigação e a ferida é fechada caso haja condições ideais para isso(13,14,26,31,33). A grande complicação do fechamento precoce dessas feridas é a infecção que pode evoluir para osteomielite, a qual, como já sabido, trará implicações sérias na evolução do tratamento, comprometendo o resultado final. A seguir, apresentamos um esquema prático das opções para manuseio das feridas, seja ele primário ou secundário. Opções para tratamento definitivo dos ferimentos em fraturas expostas(12,14,31,33) A) Fechamento primário (sutura); B) Fechamento primário = enxerto pele; = enxerto vascularizado local; C) Ferida permanece aberta (curativo adequado com gaze, materiais biológicos ou sintéticos) e será complementada com um procedimento secundário: C1) fechamento retardado por sutura direta; C2) fechamento por enxerto de pele ou enxerto vascularizado local; C3) fechamento por 2ª intenção; C4) fechamento por enxerto vascularizado a distância. É importante ressaltarmos que inúmeros procedimentos secundários poderão ser realizados tardiamente, desde que a ferida evolua satisfatoriamente após a cirurgia inicial. As-sim, lembramos que as conseqüências podem ser desastrosas se o 1º procedimento não for corretamente executado. Não há dúvida de que as fraturas evoluem mais rapidamente para a consolidação quando se encontram em ambiente/invólucro vascularizado e livre de infecção, o que, em última análise, é o objetivo principal no tratamento das fraturas expostas. ENXERTO ÓSSEO: QUANDO? A utilização de enxerto ósseo esponjoso como adjuvante no tratamento de fraturas fechadas multifragmentárias é amplamente defendida em todo o mundo, com excelentes resultados comprovados na literatura. Sua utilização em fraturas expostas ainda é controversa. Embora ocasionalmente satisfatório, seu uso imediato está associado a um alto índice de infecção, absorção do enxerto e falha na consolidação das fraturas. A experiência em diver-sos centros de trauma na Europa e EUA tem demonstrado que sua utilização é melhor de quatro a seis semanas após a cobertura cutânea estabelecida, com diminuição acentuada na incidência de complicações. Vários estudos comparativos estão em andamento, o que nos deixa hoje ainda sem critério estabelecido/confirmado cientificamente quanto ao prazo ideal para a enxertia óssea(3). A princípio, enxerto ósseo esponjoso deverá ser aplicado naqueles pacientes com vascularização local adequada ca-paz de incorporar o enxerto, sem infecção e com estabilidade óssea mantida. Nesses casos devemos estar familiarizados com os acessos cirúrgicos para cada área afetada, visando não agravar a vascularização local e também para não colocar o enxerto em áreas com vascularização comprometida. Em casos de grande perda óssea, técnicas microcirúrgicas poderão ser necessárias, porém este tópico não é o objeto de nossa apresentação, por não fazer parte do arsenal terapêutico inicial das fraturas expostas. FIXAÇÃO DAS FRATURAS Inicialmente, todas as nossas atenções estavam dirigidas às partes moles que formam o envelope protetor do osso. Após o correto manuseio das lesões de partes moles, desbridamento e limpeza da ferida, o próximo passo será a estabilização das fraturas. A fixação óssea impedirá maior lesão das partes moles pelos fragmentos da fratura, permitirá melhor cuidado das feridas e do paciente como um todo de maneira mais confortável. Grandes avanços foram obtidos nas últimas décadas no campo da estabilização primária das fraturas em geral e especificamente nas expostas. Discutiremos as diversas opções, separando também os tipos de fratura, com a intenção de analisar suas peculiaridades. A escolha do método ideal de fixação, seja ele interno ou externo, está inteiramente dependente do que chamamos personalidade da fratura. Entre os fatores que mais influenciam essa tomada de decisão podemos citar: • padrão/tipo da fratura/grau de cominuição; • localização anatômica; • grau de lesões de partes moles e tratamento inicial; • grau de contaminação; • estado geral do paciente; e • tempo de evolução desde o acidente. Uma análise desses fatores permite-nos afirmar que não existe “implante” ou uma técnica universal capaz de se adequar a todos os padrões de fraturas apresentados. Isso nos mostra que a decisão sobre qual método de estabilização será utilizado é baseada na análise minuciosa de cada caso associado ao conhecimento e experiência do médico assistente com suporte nos trabalhos publicados na literatura. FRATURAS EXPOSTAS DA TÍBIA: COMO FIXAR? HASTE INTRAMEDULAR BLOQUEADA SEM FRESAGEM DO CANAL MEDULAR Tem sido relatada na literatura a utilização das hastes intramedulares, como Lottes e Ender, em fraturas expostas da tíbia, com sucesso e baixos índices de infecção; porém, a presença de cominuição representa contra-indicação para o uso, pela chance de encurtamento e desvio dos fragmentos ao redor dessas hastes muito finas. Recente desenvolvimento de hastes intramedulares com sistema bloqueante permite estabilizar os diversos tipos de fraturas, mesmo as cominutivas. Entretanto, o uso dessas hastes até recentemente necessitava de fresagem do canal medular, o que nos casos de fraturas expostas vinha apresentando índice muito alto de infecção; isso desanimou muitos autores a utilizarem o método. O desenvolvimento de hastes intramedulares de diâmetros menores, porém com alta resistência, abriu a oportunidade para sua utilização sem que houvesse a necessidade de fresagem do canal medular para abrigar as hastes de maior diâmetro. Sua eficácia no tratamento das fraturas expostas de tíbia tem sido demonstrada através de diversos trabalhos publica-dos recentemente, com o uso em fraturas de baixa energia do tipo I e II e mesmo em alguns casos especiais do tipo III com alta energia. Várias vantagens têm sido discutidas, como ausência de pinos externos, estabilização eficaz das fraturas associadas a índices de infecções baixos. No estudo publica-do por Whittle et al.(36), na Campbel Clinic, a incidência de infecção foi de 8% (quatro casos), sendo todas em fraturas do tipo III, não ocorrendo em nenhum dos 46 casos do tipo I e II. Esses resultados são superiores quando comparados ao grupo tratado com fixadores externos e/ou placas e parafusos. O índice de consolidação também tem-se mostrado alto, sendo nesta mesma série de 96%; nos casos de retarde de consolidação, a troca de haste com fresagem do canal medular consiste em opção menos traumática em relação a outras formas de tratamento. Devemos ressaltar que problemas também existem com o uso das hastes bloqueadas sem fresagem. Nos casos de fraturas com grande cominuição, devemos evitar a carga precoce como proteção aos parafusos bloqueantes, cuja falha/quebra é relatada em 10% dos casos. Sua utilização nas fraturas metafisárias representa risco de desvio pelas forças atuantes nessas regiões e a pequena área de fixação dos parafusos, sendo em alguns casos mais indicado o uso de fixadores externos ou fixação interna. FIXADORES EXTERNOS Os fixadores externos há muito vêm sendo considerados o “tratamento de escolha” na estabilização das fraturas expostas graves de tíbia, com diversas publicações comprovando clinicamente sua eficácia(1,2,27). É um método seguro e eficaz para obtermos a estabilização dos fragmentos, com as vantagens de serem versáteis, na grande maioria fáceis de aplicar e pouco traumáticos para a área já lesada, além de permitirem acesso à ferida. Nos casos considerados limítrofes, seu uso como estabilização temporária ou definitiva é freqüentemente a maneira mais segura e eficaz de manter controle sobre a contaminação e as lesões de partes moles até sua cicatrização. Várias “montagens” têm sido descritas, porém atualmente os fixadores unilaterais com pinos de “meiarosca” têm provado clinicamente sua eficácia (e superioridade sobre os demais) em estabilizar a grande maioria das fraturas de tíbia até a consolidação. A eliminação de montagens multiplanares veio facilitar muito as cirurgias posteriores de reconstrução, seja para cobertura cutânea ou enxertia óssea, sem a necessidade de se refazer a montagem(2,5). O alto índice de retarde de consolidação/pseudartrose inicialmente relacionado com uso dos fixadores externos tem sido o material de estudo em diversos grandes centros de trauma. Recentes avanços, como desenho de novos fixadores e técnicas para montagem, assim como pesquisas clínicas com a dinamização das montagens, contribuíram decisivamente para a melhora das taxas de consolidação. Behrens & Searls(2) relatam uma taxa de infecção em fraturas de grau III entre 7 e 14%, com consolidação entre 70 e 80%, o que reflete a gravidade dessas fraturas, em sua grande maioria com perda de substância e cominuição graves. Devemos relatar os trabalhos e a experiência de Ilizarov, como seu fixador circular, associados aos princípios de estimulação óssea com micromovimentos e carga axial. As diversas montagens do aparelho do Ilizarov têm sido extrema-mente eficazes no manuseio das grandes perdas ósseas, dada a grande versatilidade do aparelho, e da capacidade de trans-porte ósseo com excelentes resultados divulgados na litera-tura mundial(34). Quando é decidido o uso da fixação externa, devemos ter em mente dois problemas: a aceitação pelo paciente e a infecção no trajeto dos pinos, que, em última análise, estão literalmente relacionadas. O cuidado adequado com a limpeza dos pinos evitará suas complicações, entre elas as pseudartroses. Para evitar infecções graves, o cirurgião deverá acompanhar rigorosamente a evolução do paciente e dos orifícios de entrada dos pinos, além de fornecer constante orientação ao paciente. A simples limpeza diária com sabão neutro e cobertura local é eficaz. O uso contínuo de substâncias irritativas deve ser evitado. FIXAÇÃO EXTERNA ASSOCIADA À FIXAÇÃO INTERNA MÍNIMA O trabalho de Spiegel & Vandersshielden(32), através de análise biomecânica dos fixadores externos, demonstra que nas fraturas diafisárias da tíbia a associação de parafusos interfragmentares aumentava sua estabilidade. Apesar dos dados promissores dessa técnica, seu uso na prática clínica se mostrou desfavorável. A utilização dos parafusos interfragmentares provocou aumento do índice de infecção e pseudartrose, relatado na literatura por vários autores. Há entre os autores uma tendência para indicar apenas em fraturas articulares com extensão metafisodiafisária a associação de parafusos interfragmentares e fixadores externos, o que se vem mostrando extremamente eficaz, com excelentes resultados(32,35). FIXAÇÃO INTERNA Como já vimos anteriormente, a possibilidade da infecção tradicionalmente impediu a utilização da fixação interna rígida imediata nos casos de fratura exposta, porém esta atitude tem sido alterada radicalmente nas últimas duas décadas. Estudos publicados a partir dos anos 80 demonstraram bons resultados, com diminuição significativa das taxas de infecção e pseudartroses. Gristina et al.(10) demonstraram que a presença do implante não aumenta o índice de infecção. Vários estudos comparativos têm demonstrado, porém, superioridade significativa em favor dos fixadores externos nas fraturas de grau III e alguns do tipo II. Nas fraturas do tipo I, a incidência é similar àquelas encontradas nas cirurgias eletivas. É importante analisarmos o fato de que o cirurgião deve promover uma análise criteriosa da fratura em questão, das condições do paciente para uma cirurgia extensa, com especial atenção às partes moles, e principalmente ater-se rigorosamente na técnica cirúrgica preconizada. Nesses casos, após o tratamento inicial da ferida, a fixação interna deve ser realizada de forma atraumática, para não aumentarmos a agressão ao tecido ósseo. Aqui não há chance para erros, já que as conseqüências serão mais graves do que com o uso dos fixadores externos(1,27). É necessário lembrar que vários outros pontos de fundamental importância – e influência direta no prognóstico da lesão – devem ser analisados quando optamos pela fixação interna. As condições do material, equipamentos, devem es-tar disponíveis para o cirurgião, que, por sua vez, deve estar treinado e capacitado para sua utilização, com experiência suficiente para solucionar os problemas que possam surgir e para discernir entre as osteossínteses possíveis e aquelas impossíveis, como em fraturas externamente cominutivas e/ou com estoque ósseo incapaz de sustentar parafusos. Estudos mais recentes, com metodologia mais adequada e em séries comparáveis entre si, têm demonstrado resultados superiores com fixação interna nas fraturas intra-articulares, quando comparadas com outros métodos. A incidência de complicações é semelhante àquelas publicadas para casos eletivos. O uso da mesma técnica nas fraturas diafisárias tem apresentado resultados satisfatórios, porém de maneira não muito uniforme, como no trabalho de Wade/Campbel, com 27% de pseudartrose e 14% de infecção, e Chapman & Maho-ney(7), com 0% de pseudartrose e 10% de infecção para todos os tipos de fratura. Hoje, podemos afirmar que existe espaço para a fixação interna nas fraturas expostas de tíbia, porém seus riscos (inerentes à técnica) pela extensão da cirurgia devem ser analisados com extrema cautela para justificar seu uso. OSTEOSSÍNTESE INTRAMEDULAR APÓS FIXADOR EXTERNO A experiência com o uso das hastes intramedulares fresadas nas fraturas com fixador externo colocado previamente tem demonstrado índice de infecção inaceitavelmente alto(4). A incidência de infecção grave foi ainda maior nos casos em que havia infecção no trajeto dos pinos. Os trabalhos de Maurer et al.(24) em séries diferentes mostram incrível taxa de infecção de 71% naqueles pacientes com conversão fixador externo/haste IM. Comparativamente nos casos sem infecção prévia nos pinos a incidência foi significativamente menor. Em ambos os trabalhos, a conclusão foi de que essa conversão não constitui opção segura de tratamento. A alternativa apresentada na intenção de diminuir a incidência de infecção foi a retirada prévia do aparelho e tratamento com antibióticos para minimizar a colonização bacteriana, com a osteossíntese realizada num segundo tempo. O material retirado durante a fresagem deve ser enviado para cultura. Atualmente dispomos no mercado de novos mode-los de fixadores externos, cuja característica principal é que seus pinos não perfuram a cortical óssea (pinless external fixator – AO), evitando assim a continuidade do canal medular e o meio externo. Seu uso é específico para aqueles casos em que se planeja a osteossíntese intramedular após o atendimento inicial com este fixador externo especial. FRATURA EXPOSTA INTRA-ARTICULAR: FIXAÇÃO NAS LESÕES DE MEMBROS INFERIORES Está bem estabelecido, após anos de pesquisa e prática clínica, que o tratamento ideal das fraturas intraarticulares envolve a redução anatômica da superfície articular, restaurando sua congruência e também a instituição da mobilidade o mais precoce possível, conforme demonstram os trabalhos clássicos de Salter. Esses conceitos adquirem importância ainda maior quando se trata de articulações que suportam o peso corporal, ou seja, localizados nos membros inferiores. A maneira de que dispomos para alcançar tais objetivos é a osteossíntese estável dessas fraturas, princípios estes aplicáveis tanto para as fraturas fechadas como para as expostas. Fraturas intra-articulares nas quais o tratamento conservador estaria indicado são aquelas que se apresentam anatomicamente reduzidas e estáveis ou em casos especiais de pacientes com paralisias ou problemas neurológicos graves. Vários autores(1,2,32,35) têm apresentado sucesso nas osteossínteses imediatas em graves fraturas expostas intra-articu-lares, tanto no fêmur quanto na tíbia, porém não há uma uniformidade em relação aos resultados, com vários críticos a essa opção. Muitos autores se mostram ainda hoje compreensivelmente reticentes quanto à realização de dissecções ex-tensas e utilização de placas e parafusos com o objetivo de estabilizar adequadamente essas fraturas no momento do desbridamento, ou seja, na urgência. O consenso existente entre todos aqueles envolvidos em cirurgia do trauma é de que a fixação interna imediata dependerá da experiência do cirurgião e seus critérios ao analisar cada fratura. A grande maioria das fraturas expostas intra-articulares é do tipo I. Nesses casos, a baixa energia recebida pelos tecidos contribui para índice de infecções baixas, comparáveis com traumas fechados, permitindo a cirurgia imediata após cuidado adequado das lesões de partes moles. Devido ao aumento na incidência de infecção nos graus II e III, uma análise criteriosa deve preceder a escolha da técnica cirúrgica a ser empregada. Nos casos que consideramos limítrofes, a congruência articular pode ser restaurada e fixada apenas com o uso de parafusos interfragmentários, sem grandes descolamentos, evitando assim maior desvitalização óssea e de partes moles, deixando a fixação para um 2º tempo, quando ocorrer a cicatrização das partes moles envolvidas. Atualmente, tem-se dado grande ênfase à fixação externa associada no mesmo segmento ou em ponte sobre a articulação, devido aos novos fixadores e à melhoria da técnica e instrumental disponível. Em ambos os casos, a solução poderá ser apenas temporária ou definitiva, mantendo-se o fixador até a consolidação da fratura, se este permite a mobilização da articulação. Con-forme já mencionamos anteriormente, a otimização dos resultados referentes às fraturas intra-articulares depende da mobilização precoce dessas articulações e reabilitação muscular. A pior opção, com resultados desastrosos, é quando se associam os riscos da fixação interna excessiva com as complicações de um fixador externo não funcional. Atualmente, novas construções de fixadores vieram nos auxiliar no tratamento dessas lesões, como o aparelho de Ilizarov, ou seja, fixadores circulares com fios de menor diâmetro. Em certos casos, a montagem com anel e fios permitirá a estabilização de fragmentos metafisários sem dissecção excessiva e com melhores resultados, se comparados com técnicas tradicionais. O advento dos fixadores híbridos veio oferecer ainda mais vantagens, tornando os fixadores circulares mais fáceis de se utilizar e evitandose as complicações mais freqüentes dos fios maleáveis na região diafisária da tíbia. Ao contrário das fraturas expostas do tornozelo, que representam poucos problemas, as fraturas do pilão tibial são de difícil manuseio. A redução anatômica e fixação, sem desvitalização dos fragmentos com parafusos/fios associada à fixação externa, tem sido o tratamento de escolha dos diver-sos autores, sendo que alguns utilizam a complementação com placa de suporte após a cicatrização das partes moles. A extensa dissecção para a colocação de placa primariamente é contra-indicada por todos os autores, com aumento de infecções e conseqüências desastrosas(22). FRATURAS EXPOSTAS DO FÊMUR A qualidade do invólucro de partes moles presente ao redor do fêmur constitui significativa defesa nos casos de fra-tura exposta diferentemente da tíbia. A grande vascularização em quase toda a extensão é de grande valia no tratamento. OSTEOSSÍNTESE COM HASTE INTRAMEDULAR: FRESAR OU NÃO? Existe grande tendência mundial para o uso da osteossíntese nas fraturas expostas de fêmur com hastes intramedulares bloqueadas ou não, baseada na extensa experiência em fraturas fechadas. As fraturas de tipo I podem ser fixadas imediatamente com essa técnica e os resultados têm-se mantido semelhantes àqueles das fraturas fechadas. Apesar de a fresagem poder causar necrose do endósteo e assim aumentar a chance de infecção, isso não se tem verificado na prática diária. A fresagem nos permite inserção de hastes com maior diâmetro e mais fortes, diminuindo assim a probabilidade de fratura do material e sem aumentar a incidência de infecção. O consenso atual é de que a fresagem seja mínima, o suficiente para permitir uma fixação adequada da haste ao nível do istmo. Nas fraturas do grupo II e III, o risco da infecção aumenta sensivelmente com o uso da haste intramedular e seu uso provavelmente só estará indicado nos pacientes politraumatizados, quando os riscos são minimizados pelos efeitos da estabilização precoce nesses casos. Em caso de associação de fraturas do fêmur e tíbia, a indicação da haste intramedular se reforça. FIXADORES EXTERNOS Conforme salientado anteriormente, o envelope muscular ao redor do fêmur torna a fixação interna menos problemática, mas ao mesmo tempo transforma o uso do fixador externo em mais difícil e particularmente trabalhoso(2,3). Apesar disso, em determinadas fraturas, especialmente naquelas com alto grau de contaminação, cominuição ou quando a cobertura muscular é problema, o uso dos fixadores externos é a melhor opção. Atualmente, os novos desenhos e aperfeiçoamento dos fixadores têm permitido a utilização da montagem uniplanar com pinos do tipo Schanz de maneira estável e eficaz. Seu uso se torna ainda mais eficiente em pacientes politraumatizados com múltiplas intervenções por outras especialidades, por poder ser executado em mesa cirúrgica comum, não necessitando tração e outros requisitos, como para as osteossínteses intramedulares. Os fixadores do tipo AO, Ultra-X e Orthofix são os mais utilizados, com excelentes resultados, pela estabilidade alcançada e grande versatilidade proporcionada. PLACAS A literatura mundial vem reservando pequeno espaço atualmente para as osteossínteses com placa e parafusos nas fraturas expostas do fêmur. A necessidade de amplas incisões e descolamento necessários para a fixação das fraturas com esse método, aumentando o risco de infecção e perda sanguínea, em muito contribuem para isso, principalmente quando comparado com os resultados das hastes intramedulares bloqueadas. Associadas a esses dois fatores, podemos destacar também a necessidade de enxertia óssea e o alto índice de falha do implante e pseudartroses(20,22). Vários autores preconizaram seu uso, principalmente pela execução menos trabalhosa, rápida e menos dependente de acessórios. FRATURAS EXPOSTAS DA PELVE: HÁ NECESSIDADE DE COLOSTOMIA? É fato constatado nos diversos centros de trauma no Brasil e no mundo que, além do número de acidentes aumentando a cada ano, também o está a gravidade dessas lesões. Antigamente raras, as fraturas expostas ao nível da pelve estão-se tornando cada vez mais freqüentes nos grandes centros. A causa mais comum de morte tardia em pacientes com fraturas expostas ou disjunções da pelve é a septicemia. Qualquer fratura pélvica com lesão do intestino grosso (em qualquer segmento) ou feridas externas comunicantes, principal-mente ao nível do períneo, estão propensas a se contaminar com material fecal. Nesses casos, a colostomia está indicada para diminuir a chance de complicações infecciosas. A infecção instalada com subseqüente abscesso retroperitoneal é catastrófica e a incidência de óbito é extremamente alta após esse quadro. Desbridamento cuidadoso das partes moles associado a correta estabilização óssea e a colostomia é essencial para um bom prognóstico desses pacientes. FRATURAS EXPOSTAS DOS OSSOS DO ANTEBRAÇO/BRAÇO. PLACAS: A MELHOR SOLUÇÃO? Assim como o fêmur, os ossos do antebraço/braço possuem excelente invólucro e vascularização. Associados ao fato de que as fraturas dos membros superiores normalmente envolvem menos energia, o índice de complicações é significativamente menor. Resultados de vários centros(25) têm demonstrado que a incidência de infecção após síntese com placa e parafusos imediata nas fraturas expostas de rádio e ulna é extremamente baixa. Esses resultados se devem a cuidadoso tratamento das partes moles – limpeza + desbridamento e adequada cobertura. Mesmo casos com grande cominuição se comportam de maneira semelhante. Em casos de grande contaminação ou perda externa de substância óssea, o uso do fixador estará indicado como estabilização provisória ou até mesmo definitiva. Os mesmos princípios devem ser transportados para as fraturas de úmero, embora alguns autores optem pelo tratamento funcional em casos de fraturas estáveis, cujos índices de consolidação são semelhantes. Quando as fraturas são instáveis e/ou associados com lesão vasculonervosa, a fixação imediata tem sua indicação precisa. Vários autores se mostram favoráveis à fixação com placa, com pequeno índice de complicações. Atualmente, novas hastes intramedulares estão em uso, porém ainda não há suporte que confirme os bons resultados inicialmente obtidos nas fraturas fechadas ou nas fraturas de tíbia e fêmur. Vários autores têm relatado problemas na inserção proximal das hastes com subseqüente bloqueio articular e/ou lesão do manguito rotador. FRATURAS POR PAF: COMPORTAM-SE COMO FRATURAS EXPOSTAS? A violência urbana tem sido tema de extensa discussão em todas as esferas de nossa sociedade. Em nossa área, o número de fraturas provocadas por projéteis de arma de fogo vem aumentando a cada ano, de maneira assustadora. A tecnologia na produção dessas armas vem aumentando o poder de fogo e destruição, com conseqüências alarmantes vistas na gravidade dessas lesões. Projéteis com baixa velocidade produzem menor lesão muscular e óssea, enquanto aqueles com alta velocidade ou alta concentração de energia provocam lesões extensas, tanto em partes moles quanto na estrutura óssea, que em muitas vezes se encontra pulverizada. Os trabalhos publicados recentemente reafirmam os conceitos iniciais que as consideram como qualquer outra fratura exposta e que devemos seguir os protocolos de tratamento de acordo com suas características. Essa categoria tem sido objeto de inúmeras publicações e sua importância é tal que em sua clássica publicação Gustillo(11-13) afirma que “as fraturas provocadas por PAF com alta energia são automaticamente classificadas como de grau III”. AMPUTAÇÃO X SALVAÇÃO: COMO DECIDIR? A QUESTÃO DAS FRATURAS IIIC DA TÍBIA Os recentes avanços obtidos com técnicas microcirúrgicas, tanto no campo vascular como também no sistema nervoso periférico, associados às modernas técnicas de “reconstrução” óssea e métodos de fixação, como o de Ilizarov, per-mitiram-nos “salvar” muitos membros que pouco tempo atrás estariam fadados à amputação. A experiência obtida em vários centros especializados, na salvação desses membros “revascularizados”, permite-nos hoje uma avaliação bem cuidadosa e minuciosa dos resultados clínicos apresentados por esses pacientes. Surpreendentes em alguns aspectos, vários trabalhos têm-nos mostrado que em alguns casos a tentativa de salvação proporcionou aos pacientes resultados menos satisfatórios do que aqueles obtidos ou esperados com a amputação imediata. Tendo em vista todos esses conceitos relativos ao tratamento inicial das fraturas expostas e a experiência publica-da, isso torna ainda mais difícil a decisão a ser tomada pelo cirurgião no momento do atendimento inicial ao paciente e também durante o curso do tratamento. Como distinguir as lesões que se classificam como recuperáveis ou viáveis daquelas que, pelo nível de gravidade, combinação de fatores que, apesar de todo o esforço feito, inevitavelmente irão evoluir para a amputação? Nosso objetivo é evitar que a decisão de manter um membro inviável se arraste indefinidamente, provocando aumento significativo da morbidade-mortalidade, custos hospitalares e trauma psicológico ao paciente. Porém, como identificar quem é quem com margem de segurança aceitável? Vários autores(9,15-17,19) têm-se preocupado com essas questões, procurando estabelecer um critério para definir sobre uma reconstrução com sucesso ou imediata amputação. Com o objetivo de responder a essas dúvidas, Helfet et al.(17) e Sanders et al.(31) criaram, em 1987, um sistema de classificação por pontos das lesões, denominado MESS (Mangled Extremity Severity Score) para ajudar nas tomadas de decisão. Em 1990 os autores publicaram os primeiros resultados, com comparação entre dados retrospectivos e prospectivos e mos-tram que índices ≥ 7 eram correlacionados com 100% de amputação. O uso do MESS em vários centros de trauma tem sido difundido rapidamente e a análise dos resultados será de fundamental importância para obtermos respostas sobre difíceis casos e também para estabelecer critérios cada vez mais definidos sobre as tomadas de decisão. Vários autores têm questionado o caráter dogmático desse sistema, porém na prática ele se tem mostrado confiável nas decisões a serem tomadas. Em recente trabalho, McNamara et al.(23), da Universidade do Texas, em San Antonio, confirmam o valor indicativo de amputação em índices ≥ 7 e concluem que o MESS é altamente acurado (p < 0,005) em prever amputações. Existe uma base firme da literatura mundial e nos trabalhos recentes de que aqueles membros que se apresentam como isquemia “quente” em intervalos > 6 horas, principal-mente nas lesões com esmagamento, não apresentam boa evolução. Há unanimidade entre os autores, como indicação para amputação: é a lesão do nervo tibial. Apesar de serem membros tecnicamente “salváveis”, os resultados são ruins pela área insensível na região plantar. Esses aspectos levaram Sigvard T. Hansen a escrever um editorial sobre “As fraturas tipo IIIC da tíbia: amputar ou salvar?” Nele o autor descreve que, nos últimos 20 anos, muito se aprendeu em “como” salvar membros, porém atualmente temos que nos concentrar também em “quando” isso será possível e principalmente “quando” não procedê-la. O autor termina afirmando que necessitamos de um triunfo da razão sobre a tecnologia(15). Durante o Simpósio sobre controvérsias no tratamento das fraturas expostas apresentadas pela Academia Americana de Ortopedia, em fevereiro de 1994, um consenso sobre as indicações de amputação primária e tardia foi proposto, conforme demonstramos a seguir, assim como o original do MESS. Indicações absolutas imediatas Fraturas expostas da tíbia com lesão vascular • Lesão do nervo tibial posterior • Lesão, esmagamento > 6 horas de isquemia quente • Lesão extensa muscular sem condições de reconstrução • Lesão associada com risco de vida que inviabiliza cirurgias externas. Indicações relativas imediatas • Politrauma • Idade • Choque Indicações tardias • Sepse incontrolável • Graves contraturas • Áreas externas insensíveis • Dor crônica • Quando a prótese é melhor que o membro REFERÊNCIAS