Bossa Nova teve grande influ

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Bossa Nova teve grande influ
Fonte: Agência Senado
A bossa nova chega aos 50 anos, festejados nos último dia 10 de julho - data em que João
Gilberto gravou Chega de Saudade -, reconhecida como o movimento cultural brasileiro de
maior influência no exterior. Presença destacada no mercado fonográfico mundial, ela é, hoje,
referência de qualidade para os músicos mais respeitados da Europa, Estados Unidos e Japão.
No Brasil, ficou a idéia de que a bossa nova era "música para elite". No entanto,
Antônio Carlos Jobim, seu principal compositor, quando ainda vivo, ganhou prêmio nos
Estados Unidos pela obra mais executada em todo o mundo, com Garota de Ipanema. Ao
saber que só havia perdido para os Beatles - o primeiro lugar ficou com Yesterday -, o maestro,
também famoso por suas "tiradas", "reclamou": "Pôxa... Mas eles
são quatro!"
Os trompetistas Miles Davis e Chet Beker, o pianista Bill Evans, o saxofonista Gerry Mulligan, o
violonista Charlie Byrd e o baixista Ron Carter fazem parte do seleto grupo de músicos do
primeiro time do cool-jazz americano, que reconheceu, de pronto, o efeito revigorante da bossa
nova para o som que eles faziam. E sem demora trataram de gravar alguns dos seus maiores
sucessos, o que permitiu ao jazz retornar e permanecer nas paradas de sucesso, como já não
acontecia há algum tempo. O exemplo mais conhecido é o da gravação de Desafinado, por
Stan Getzz, que vendeu mais de um milhão de cópias.
A obra de Tom Jobim é considerada tão importante para a música popular, quanto a de
Villa-Lobos o fora para a clássica. Autor das canções mais belas e originais desse novo estilo,
como Chega de Saudade, Desafinado, Samba de uma Nota Só, Meditação, para citar algumas
das mais conhecidas, Tom criou o modelo harmônico da bossa nova.
Do violão de João Gilberto surgiu a batida rítmica, leve e sincopada, traço de identidade mais
característico dessa nova música, que se tornou a expressão elegante e descontraída de um
período no qual o otimismo e a confiança tinham lugar no dia-a-dia dos brasileiros. Enquanto
Vinícius de Moraes,que já tinha uma obra reconhecida, como poeta, se tornaria seu maior
letrista, tendo em Jobim seu melhor parceiro.
"Pela primeira vez, o Brasil oferecia ao mundo uma imagem que não era apenas sedutora
pelo exotismo, mas relevante pelo projeto modernizador que propunha", observa o
ensaísta e crítico de música Lorenzo Mammi. Tratava-se de uma música que era expressão de
uma sociedade mais articulada. No entanto - observa -, apesar dessa sociedade representar a
elite - não se tratava da elite do poder, mas a da cultura, a mesma que se reconhecia na
arquitetura de Niemeyer, nos jardins de Burle Marx, nos relevos espaciais de Hélio Oiticica, na
prosa de Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
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Criadores da bossa nova acolheram tendência modernizante
Empossado em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek logo tratou de fazer deslanchar seu
projeto desenvolvimentista, que acenava com a possibilidade concreta de, finalmente,
transformar o Brasil, de um país agrário e atrasado, em uma nação moderna, industrializada e
urbana, candidatando-se a tomar parte no competitivo mercado internacional. O Programa de
Metas, concebido para orientar as grandes mudanças anunciadas, legaria, ao final do mandato
de JK, um crescimento industrial de 96% (período de 55 a 61); a instalação da indústria
automotiva, em São Paulo; 23 mil quilômetros de estradas interligando o país de Norte a Sul,
além da construção de Brasília, ícone maior da modernidade do país.
O jornalista e crítico musical Tárik de Souza menciona o que seria uma articulação espontânea
entre as manifestações artísticas da época com o êxito da política desenvolvimentista de
Juscelino. "Como se seguisse fielmente o programa do governo Juscelino (1955-1960),
Tom Jobim arquitetou um edifício musical de traços arrojados e urbanos, como a Brasília saída
da prancheta modernista de Oscar Niemeyer. Em sinergia com o cinema novo, o Teatro de
Arena, o concretismo na poesia e o neoconcretismo das artes plásticas, a bossa nova muda a
fachada do país."
Mas, certamente, nem mesmo a época em que surgiu a bossa nova, tida como de
transformações econômicas e sociais, aliadas à prosperidade e liberdade política, teria
produzido aquele movimento, não fosse o talento dos seus criadores. Estes, por sua vez, os
chamados "pais da bossa nova", como Tom Jobim, acolheram, de bom grado, a
herança viva de uma tendência modernizante, presente na música popular desde os anos 30.
Já naquela época, através da incorporação de elementos da música erudita e do jazz,
compositores como Ari Barroso, Custódio Mesquita, Hekel Tavares e Valdemar Henrique
surpreendiam pelo uso de harmonias totalmente incomuns para a chamada música-padrão,
que se fazia no período. Essa tendência modernizante ganharia novos e importantes reforços
na década de 1940, com nomes de violonistas-compositores como Valzinho (Norival Carlos
Teixeira) e Garoto (Aníbal Augusto Sardinha). São também desta fase os choros de Radamés
Gnattali, cujas características harmônicas estimularam os compositores interessados em fazer
uma música além do padrão da época.
Foi nos bares, boates e "inferninhos" de Copacabana, para onde o centro de
gravidade da boemia carioca havia se mudado na chegada dos anos 50, que os
instrumentistas identificados com a modernização da música popular brasileira passaram a se
encontrar. De acordo com o jornalista, escritor e pesquisador da Música Popular Brasileira
Sérgio Cabral, a expressão "música de boate" apareceu nessa fase, para classificar
esse tipo de música. Seus intérpretes, entre os quais Dick Farney, Dóris Monteiro, Os
Cariocas, Tito Madi, Lúcio Alves, se uniam em torno do então diretor artístico da gravadora
Continental, Tom Jobim.
Em 1953, o jovem pianista Johnny Alf, que já havia conquistado a admiração de gente como
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Lúcio Alves, João Gilberto e do próprio Tom, apresentou pela primeira vez uma nova
composição, Rapaz de Bem, numa boate, em Copacabana. Essa música chamaria a atenção
dos instrumentistas e compositores, "pelas audaciosas soluções harmônicas e mesmo
melódicas", nota Cabral.Até 1954, havia muitas dificuldades para aquele tipo de música
chegar às gravadoras, às emissoras de rádio e até mesmo às boates. No texto de
apresentação do seu disco Muito à Vontade (relançado em 2002), o pianista João Donato - um
dos preferidos de Tom Jobim - dá bem uma idéia de como as coisas se passavam entre os
músicos:
"Tem gente que me pergunta se quando eu tocava nas boates, desequilibrava tudo. Mas
não é nada disso. Os gerentes achavam chato quando eu dava uma canja, porque eu mudava
um pouco a levada. Deixava de ser uma coisa frenética pra virar uma coisa suave. E na cabeça
deles isso não era comercial. As pessoas não dançavam nem bebiam whisky. Quando eu
chegava nas boates, geralmente onde tocava o Milton Banana (considerado "o"
baterista de bossa nova), meu camaradinha, ele falava: "pô bicho, temos que esperar até
de madrugada, quando esvazia, quando os fregueses forem embora. Aí, a onça morreu, a
mata é nossa". Então tinha que esperar até três, quatro horas da madrugada, para poder
dar uma canja, e grátis!" Gravação de 'Chega de Saudade' marca o nascimento da bossa nova
Para a História da MPB a bossa nova nasceu, formalmente, naquele 10 de julho de 1958,
quando João Gilberto gravou, na Odeon, um disco 78 rpm, trazendo Chega de Saudade, de um
lado, e Bim Bom, do outro. Os arranjos foram feitos por Antonio Carlos Jobim, que também
dirigiu a orquestra. "Aquele novo jeito de cantar e tocar de João Gilberto ensolarava
tudo", resume o cineasta, escritor e crítico de arte Ruy Castro.
O famoso disco Canção do Amor Demais, gravado três meses antes, em abril de 1958, por
Elizete Cardoso, não foi o que lançou a bossa nova, apesar da opinião em contrário de uma
minoria. O fato era que, apesar do repertório, todo ele de canções da dupla Tom Jobim e
Vinícius de Moraes, e da participação do violão de João Gilberto em duas faixas, entre as quais
a própria Chega de Saudade, Elizete, cantora de muito prestígio, não tinha o perfil musical
afinado com as mudanças que pulsavam dentro daquelas canções.
Tom havia composto no sítio da sua família - Poço Fundo, na região serrana do Rio - o que ele
pretendia que fosse um choro em duas partes. Ao retornar para o Rio procurou Vinícius de
Moraes, com quem havia acabado de compor as músicas para a peça Orfeu da Conceição,
encenada no mesmo ano de 1958 no Teatro Municipal, a quem mostrou a música que compôs
no sítio.
Em crônica publicada no jornal Última Hora, dez anos depois, Vinícius rememoraria como foi o
encontro com o parceiro:
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"Tom repetiu umas dez vezes. Era uma graça total, com um tecido melancólico e
plangente, e bastante 'chorinho lento' em seu espírito. Fiquei de saída com a melodia no ouvido
e vivia a cantarolá-la dentro de casa, à espera de uma deixa para a poesia. Aquilo, sim, me
parecia uma música realmente nova, original, inteiramente diversa de tudo que viera antes
dela, mas tão brasileiro quanto qualquer choro de Pixiguinha ou samba de Cartola. Um samba
todo em voltas, onde cada compasso era uma queixa de amor, cada nota uma saudade de
alguém longe.
"Mas a letra não vinha. De vez em quando, eu me sentava à minha mesa, diante da
janela que dava para o Corcovado (a casa foi, é claro, transformada num prédio de
apartamentos) e tentava. Mas o negócio não vinha. Acho que em toda a minha vida de letrista
nunca levei uma surra assim. Fiz dez, vinte tentativas. Houve uma ocasião que dei o samba
como pronto, à exceção de dois versos finais na primeira parte, que eu sabia quais eram, mas
que não havia maneira de encaixarem na música, numa relação de sílaba com sílaba. Já
estava ficando furioso, pois Tom, embora não me telefonasse reclamando nada, estava
esperando pelo resultado.
"Uma manhã, depois da praia, subitamente a resolução chegou. Fiquei tão contente que
cheguei a dar um berro de alegria, para grande susto de minhas duas filhinhas. Cantei e
recantei o samba, prestando atenção a cada detalhe, a cor das palavras em correspondência à
da música, à acentuação das tônicas, aos problemas de respiração dentro dos versos, a tudo.
Queria, depois dos sambas do Orfeu, apresentar a meu parceiro uma letra digna da sua nova
música, pois eu a sentia nova, caminhando numa direção a que não saberia dar nome, mas
cujo nome estava implícito na criação. Era realmente a bossa nova que nascia, a pedir,
apenas, na sua interpretação, a divisão que João Gilberto descobriria logo depois.
"Dei o título de Chega de Saudade, recorrendo a um dos seus versos. Telefonei para
Tom e dei um pulo no seu apartamento. O jovem maestro sentou-se ao piano e cantei-lhe o
samba duas ou três vezes, sem que ele dissesse nada. Depois, vi-o pegar o papel, colocá-lo
sobre a estante do piano e cantá-lo, ele próprio. E, em breve, chamar a sua mulher em tom
vibrante: 'Teresa!'".
Bossa nova e jazz: 'um caso de influência recíproca', segundo Tom
Desde o início, a bossa nova sofreu a incompreensão de setores da crítica e mesmo de
músicos, compositores e cantores que já se encontravam bem estabelecidos na MPB, quando
ela surgiu. Para o crítico José Ramos Tinhorão, por exemplo, a bossa nova não passava de um
produto da influência da música norte-americana, especialmente do jazz, sobre o samba. O
que resultava - segundo o crítico - em uma música inautêntica. Daí seus autores serem
denunciados por Tinhorão como detratores da verdadeira música brasileira.
Porém, assim como sempre deixou claro que Debussy, Chopin e Ravel, além de Villa-Lobos,
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na vertente da música clássica, foram influências enriquecedoras na sua formação de
compositor, Tom Jobim jamais se preocupou em negar o que, na verdade, considerava a
fecunda influência jazzística no DNA da bossa nova. Trata-se, diz o compositor, de um caso de
influência recíproca:
"Os músicos de jazz foram seduzidos pelo ritmo sincopado e pelas harmonias
sofisticadas da bossa nova, assim como a geração de músicos e compositores que a criou, na
década de 50, havia sido influenciada tanto pelo jazz moderno de Shorty Rogers, Barney
Kessell e Chet Baker como por mestres da canção norte-americana, como Gershwin, Cole
Porter e Richard Rodgers."
É nesta mesma linha o entendimento do jornalista, crítico musical e poeta Tárik de Souza.
"Ao condensar impressionismo (Ravel, Debussy), american song (Cole Porter, Gershwin)
e cool jazz (Chet Baker, Miles Davis, Gerry Mulligan) num samba de muitas notas batido no
tempo fraco, a bossa nova falava um idioma universal sem abrir mão da gíria carioca",
afirma.
Assim é fácil entender como a bossa foi integrada ao repertório de standards do jazz, relida por
clássicos vocalistas e músicos, como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Oscar Peterson ou Joe
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