Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia A neurocirurgia tem um campo de actuação diversificado e complexo. São realizadas intervenções intracranianas, por traumatismo craniano, tumores, distúrbios vasculares, hidrocefalia, epilepsia e doença de Parkison. A neurocirurgia também é responsável por intervir em distúrbios da coluna, por situação de trauma ou fracturas, traumatismo da medula espinal, estenoso espinal, tumores da coluna e patologia discal. Podem ainda intervir em situações de estenose carotídea, dor crónica e reconstrução de malformações congênitas (por.ex: craniosinostoses). Espera-se que os enfermeiros perioperatórios detenham conhecimentos relacionados com a neuroanatomia, função e sintomatologia clínica das patologias neurocirúrgicas que exigem uma resposta cirúrgica (Rothrock, 2009). Essas competências permitem que o enfermeiro antecipe e responda positivamente às necessidades e complicações intraoperatórias, quer do doente, como da equipa cirúrgica. Breve abordagem anatómica e fisiológica O sistema nervoso é o conjunto de nervos, gânglios e centros nervosos que asseguram o comando e a coordenação das funções vitais além da recepção das mensagens sensoriais. É constituído pelo sistema nervoso central, que inclui o encéfalo e a espinal medula, e pelo sistema nervoso periférico (composto pelos 12 pares de nervos cranianos e nervos raquideanos), que inclui o sistema somático e o sistema autónomo. O sistema nervoso somático é composto pelos nervos sensoriais, que mantêm o corpo em contacto com o mundo exterior, e pelos nervos que comandam as reações do corpo a esse mundo exterior. O sistema nervoso autónomo controla o funcionamento interno do organismo (a respiração, o ritmo cardíaco e outras atividades fisiológicas), além de determinadas reações físicas relacionadas com emoções. No sistema nervoso central, a espinal medula é a parte do eixo cerebroespinal com aspecto de cordão branco, subcilíndrico, que apresenta dois sulcos profundos, um anterior e um posterior, e alguns sulcos laterais. Encontra-se alojada no canal raquidiano da coluna vertebral. O encéfalo é composto por cérebro, cerebelo e tronco cerebral (ou bolbo raquidiano). A inteligência, a capacidade de aprender e de julgar, residem nas duas metades - hemisférios - que constituem o cérebro. Este ocupa inteiramente a parte superior do crânio. O cerebelo tem 1/8 do volume do cérebro e as suas funções principais são a manutenção do equilíbrio e a coordenação da atividade muscular. O tronco cerebral inclui Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 1 Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia o tálamo e o hipotálamo, que regulam as sensações de fome sede, sono e comportamento sexual; o mesencéfalo e a ponte, que transferem impulsos de um local para outro do encéfalo; e a medula, que comanda a respiração, a pressão sanguínea, os batimentos do coração, entre outras atividades vitais. Breve referência às patologias mais frequentes em neurocirurgia Deformidades Craniossinostose – Deformidade pediátrica mais comum. Provocada por um encerramento prematuro das suturas cranianas, levando a deformidade estética e do Crânio aumento da pressão intracraniana. Tumores cerebrais (malignos ou benignos) e classificados de acordo com o seu tipo celular. Existem mais de 120 tumores cerebrais, segundo a classificação da OMS. Lesões Alguns exemplos: tipo gliomas (astrocitomas, oligodendroglioma, ependimoma, Patológicas meduloblastoma); meningiomas; tumores dos nervos cranianos (Scwaannomas); do Cérebro neoplasias hematopoiéticas e linfomas; germinoma, teratoma (células embrionárias); quistos (epidermóides, colóides); tumores da região selar (adenoma da hipófise), craniofaringeomas; tumores metastásicos. Sistema ventricular e LCR Hidrocefalia – marcada por uma acumulação excessiva de LCR nos ventrículos cerebrais, devido à interrupção da sua circulação ou não absorção do mesmo. Pode ocorrer devido a: condições congénitas, estenose do aqueduto, presentça de tumores ou quistos. Aneurismas – a maioria destas lesões ocorrem nas bifurcações dos grandes vasos condutores da circulação cerebral (artéria comunicante posterior). A intervenção cirúrgica depende das características do aneurisma. Malformações vasculares – lesões congénitas que têm potencial para produzir sintomas em qualquer período da vida de um individuo com a malformação. Estas podem ser arterio-venosas (MAV), malformações cavernosas, telangectasias capilares e malformações venosas. Circulação Hematomas – ocorrem devido a uma acumulação de sangue que coagula, formando Cerebral uma lesão ocupante de espaço. Os hematomas podem ser intracerebrais, provocando uma compressão das estruturas cerebrais e depressão das funções vitais. O hematoma epidural é de origem arterial e provoca hemorragia rápida situada na dura, sob o crânio. O hematomas subdural é geralmente de origem venosa e tem uma drenagem mais lenta, com o sangue acumulado entre a dura e a aracnoide, por cima de um hemisfério. Estes podem ainda ser classificados em subdurais crónicos, sub-agudos e agudos. Isquémia cerebral – Pode ocorrer em qualquer parte do cérebro, devido a uma oclusão ou embolização arterial. Lesões na Meningocelo – Lesão congénita, mais frequentemente localizada a nível lombar (mielomeningocelo), que resulta na falta de união dos arcos vertebrais durante o Medula desenvolvimento fetal. O saco cheio de líquido e de paredes finas costuma conter Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 2 Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia elementos neurais. espinal e Trauma - provocando fracturas, subluxações e herniação de discos. estruturas Tumores da coluna e medula – os tumores mais frequentes são de origem adjacentes metastásica. De acordo com a localização podem ser classificados em tumores extradurais (fora da dura) ou intradurais (interior da dura). Abcesso epidural espinal Patologia dos discos intervertebrais – ocorre uma ruptura dos discos, provocando fissuras e o deslocamento do núcleo pulposo, a protusão do núcleo pode originar compressão da raíz nervosa e radiculopatia. Das principais cirurgias realizadas pela especialidade de neurocirugia temos: CIRURGIA CRANIANA • • • • • • • • • • • CIRURGIA COLUNA Buracos de trépano (Trepanação) Craniotomia Excisão da hipófise via transfenoidal Craniectomia Cranioplastia Procedimentos por esterotaxia Colocação de shunt ventrículo peritoneal Colocação de drenagem ventricular externa Craniossinostose Ventriculoscopia Clipagem de aneurismas • • • • Laminectomia Foraminectomia Discectomia Artrodese Equipamentos específicos: A. Microscópio Em neurocirurgia é frequente a utilização de microscópio, para a fase microcirúrgica. Este equipamento é delicado e devendo ser manipulado com especial atenção, no sentido de preservar a sua integridade e colocado na posição que o cirurgião requerer. B. Fixador Mayfield A cabeça é segura com o fixador Mayfield. A cabeça é fixa com três pinos de metal, que perfuram o crânio e, depois de travado, o fixador está seguro à marquesa. Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 3 Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia C. Electrobisturi A corrente eléctrica é utilizada para aquecer o filamento que se encontra na ponta do cautério. A corrente eléctrica volta pela mesma via, não passando, então, pelo paciente. O calor é transmitido directamente para o tecido, a fim de se obter os efeitos terapêuticos. Na eletrocirurgia, a corrente eléctrica é produzida por um gerador, chega no corpo do paciente por um eléctrodo activo, agindo nos tecidos-alvo, e sai através do eléctrodo neutro (placa dispersiva). Esta corrente eléctrica, ao encontrar a resistência do tecido humano, é transformada em calor. O calor produzido determina os efeitos terapêuticos, seja de corte ou coagulação. A ponta do eléctrodo activo não sofre aquecimento. Quando o eléctrodo neutro está distante do eléctrodo activo, sob a forma de uma placa, temos o sistema monopolar. D. Bipolar No sistema bipolar, o eléctrodo positivo e o eléctrodo neutro estão separados por uma pequena distância, limitando o fluxo da corrente eléctrica. E. Aspirador de circulação F. Craneótomo O craneótomo é um dispositivo que permite abrir, com precisão e rapidez, uma pequena abertura no crânio dos doentes que necessitam de cirurgia. O craneótomo permite encurtar o tempo de cirurgia devido à sua precisão e possibilidade de alargamento da incisão inicial. É composto por várias peças, de acordo com o tipo de corte que é necessário: broca de trépano, peça de serra (para fazer abertura da craniotomia), ponteiro, drill, etc. G. Neuronavegação Este equipamento combina diferentes tecnologias como as imagens digitalizadas da tomografia e ressonância, conceitos de estereotaxia dando coordenadas cartesianas da estrutura estudada e finalmente a transmissão de dados em tempo real por sistemas de telemetria. O objectivo é ter imagens reais durante a cirurgia das estruturas do cérebro ou da coluna antes mesmo de iniciar o procedimento permitindo que o médico vá directamente ao encontro da lesão, diminuindo o risco de danificar as estruturas adjacentes. Do mesmo modo, possibilita a remoção do máximo da lesão com maior segurança. Inicialmente os doentes são submetidos a imagens de tomografia e/ou ressonância magnética respeitando protocolo específico para neuronavegação durante a aquisição da imagem. Estas imagens são Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 4 Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia depois carregadas no aparelho de neuronavegação possibilitando uma reconstrução tridimensional do cérebro ou coluna e a localização exacta da lesão. Após a anestesia e o posicionamento do doente o aparelho de neuronavegação é colocado estrategicamente de um dos lados do doente, de acordo com a opção do cirurgião. Esse aparelho permitirá receber os sinais enviados por um pequeno dispositivo que é fixo ao lado da cabeça do doente para que o aparelho possa localizá-lo e criar um sistema de coordenadas, que são sobrepostas às imagens tridimensionais do paciente já previamente gravadas no aparelho, mas o Neuronavegador ainda não tem os pontos de referência do crânio ou da coluna, que serão dados pelo médico. Com uma ponteira o neurocirurgião toca em pontos anatómicos específicos do doente como a base do nariz, margem da órbita, lâmina da vértebra, entre outros e a partir daí o aparelho consegue localizar todas as outras estruturas ao redor exibindo no ecrã todo o cérebro ou a coluna de acordo com o movimento da ponteira. O desenvolvimento deste aparelho é possibilitou minimizar ao máximo os riscos intraoperatórios inerentes aos procedimentos neurocirúrgicos. H. Cavitron (aspirador cirúrgico ultrassónico) O desenvolvimento do Cavitron Ultrasonic Surgical Aspirator (CUSA) permitiu a remoção de tumores cerebrais e medulares com maior segurança para o doente, pois preserva os tecidos adjacentes à lesão e ocorre uma menor mobilização dessas mesmas estruturas. Este equipamento é capaz de desfazer o tecido tumoral em pequenos pedaços por técnicas de ultrassom de alta frequência. Após liquefazer o tecido tumoral a ponteira do aspirador possui acoplado um sistema contínuo de irrigação e sucção com possibilidade de controlar a potência de acordo com o tipo de lesão. Tem a capacidade de não destruir o tecido cerebral ou medular normal ao redor da lesão pois esta apresenta uma consistência diferente do tecido tumoral. I. Cadeira para o cirurgião e bancos (ajudantes) Na fase de microcirurgia muitas vezes o cirurgião utiliza uma cadeira específica, com apoio de braços para estar mais confortável durante a intervenção, que pode durar várias horas. Os ajudantes podem necessitar de bancos para ajudar ou observar a cirurgia. Os procedimentos neurocirúrgicos exigem equipamentos específicos. O enfermeiro circulante e instrumentista devem certificar-se que esses equipamentos estão disponíveis na sala operatória. A ligação desses aparelhos, quer às tomadas eléctricas, como depois a ligação parte estéril/não estéril, devem ser efectuadas o mais próximo possível, permitindo Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 5 Especialidades Cirúrgicas: Neurocirurgia a circulação em volta da sala e a diminuição do risco de queda e acidentes por parte dos profissionais de saúde. Do mesmo modo, o enfermeiro circulante e instrumentista devem avaliar a integridade do campo estéril, aquando do estabelecimento dessas ligações. Os equipamentos que têm ecrãs devem ser dispostos de modo a garantir uma visualização confortável para o cirurgião. Deve haver também um cuidado no sentido de deixar espaço livre para o posicionamento do microscópio, aquando da entrada na fase de microcirurgia. Os requisitos enunciados anteriormente representam um desafio para os enfermeiros perioperatórios, pois além da presença desses equipamentos específicos na sala, são necessários os equipamentos essenciais à anestesia e por vezes até intensificadores de imagem, que podem condicionar a circulação dos profissionais dentro da sala operatória, principalmente se esta for de reduzidas dimensões. A equipa de enfermagem assume um papel de relevo na organização e disposição de todos os equipamentos no sentido de minimizar a ocorrência de acidentes, quer para os profissionais de saúde como para os próprios doentes. Reflexão I – Especificidades da neurocirurgia. 6