DOSSIER Oportunidade de paz no Sri Lanka Desde o início do ano, os separatistas tamiles perderam a sua capital e outras zonas estratégicas. O regime de Colombo exige agora a rendição dos rebeldes, que se encontram no seu ponto mais débil desde o início da luta armada na década de 1970. Depois de terem falhado as sucessivas negociações, foi a opção militar que trouxe finalmente uma séria oportunidade de paz à ilha das especiarias, a que Camões chamava Taprobana, mas que foi depois o Ceilão, antes de se tornar em 1972 o actual Sri Lanka. Porém, os direitos da minoria tamil, cerca de 15 por cento da população da ilha, não podem ser esquecidos pela maioria cingalesa nesta hora de aparente triunfo texto Leonídio Paulo Ferreira* fotos Lusa m Colombo, capital do Sri Lanka, o ano começou com festejos pelas duas sucessivas vitórias do exército governamental sobre os separatistas tamiles. Primeiro foi a conquista de Kilinochchi, que servia de capital aos re- beldes que desde os anos 70 lutam por uma pátria tamil no Norte e Leste da Ilha. Depois foi a tomada do chamado Elephant Pass, que faz a ligação com a península de Jaffna, permitindo às tropas governamentais abastecerem por terra os seus efectivos no extremo-norte do país, deixando de serem necessárias 16 FÁTIMA MISSIONÁRIA FEVEREIRO 2009 as arriscadas e dispendiosas operações por mar e ar. Depois de terem fracassado as negociações iniciadas em 2002 sob mediação norueguesa, a guerra tinha regressado nos últimos anos ao antigo Ceilão, afectando duramente a vida quotidiana dos seus quase 20 milhões de habitantes e deixando em má situação DOSSIER uma economia que precisa muito do turismo e que sente dificuldade em suportar os custos de uma guerra que dura há décadas e já fez mais de 60 mil mortos. Em finais de 2004, quando a ilha foi atingida pelo tsunami que devastou a Ásia, acreditou-se que uma paz negociada seria possível. Não só havia diálogo desde 2002, como o facto de a catástrofe natural ter atingido tanto as zonas sob controlo governamental como aquelas sob domínio da guerrilha forçou a partilhar esforços de salvamento e a coordenar a ajuda internacional. Mas se em Aceh, provín- cia separatista da Indonésia, o tsunami acabou por ser um estímulo para a paz, já no Sri Lanka, após a destruição pela natureza, seguiu-se a morte pelas armas. Em Colombo, o novo Presidente, Mahinda Rajapksa, foi eleito em 2005 prometendo mão firme com os separatistas dos Tigres de Liber- FEVEREIRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA 17 DOSSIER Os Tigres de Libertação tação do Eelam Tamil, enquanto do lado da guerrilha o seu chefe máximo, Velupillai Prabakharan, também se mostrou inflexível nas reivindicações para uma pátria separada para a sua minoria étnica. A opção pela guerra foi clara dos dois lados, com sucessivas violações da trégua, e com desrespeito dos direitos humanos denunciados pela Amnistia Internacional. Um ataque suicida da guerrilha em 2006, com imediata resposta dos militares, foi o sinal claro do regresso à guerra aberta. Depois, em meados de 2007, a expulsão de centenas de tamiles de Colombo pela polícia, com a justificação de motivos de segurança, mostrou o carácter xenófobo que muitas vezes o conflito assume. Outro exemplo foi a expulsão de populações muçulmanas das zonas sob controlo dos separatistas tamiles. Representando cerca de 15 por cento dos habitantes do Sri Lanka, os tamiles dividem-se em dois grandes grupos: uma maioria que vive na do Eelam Tamil afirmam que o seu povo é vítima da opressão dos cingaleses budistas e reivindicam uma pátria separada ilha há mais de dois mil anos e que apesar de hindu foi de certa forma influenciada pelas tradições budistas; e uma minoria que descende dos trabalhadores trazida do Tamil Nadu, na Índia, durante o século XIX pelos colonizadores britânicos. Em ambos os grupos existe uma pequena parcela de cristãos. Os Tigres de Libertação do Eelam Tamil afirmam que o seu povo é vítima da opressão dos cingaleses budistas e reivindicam uma pátria separada. Em alguns momentos Comandos do exército do Sri Lanka inspeccionam local onde uma mulher dos Tigres Tamil se fez explodir, matando oito pessoas e ferindo 30 18 FÁTIMA MISSIONÁRIA FEVEREIRO 2009 das negociações chegaram a admitir a opção por uma vasta autonomia, o que seria a única solução aceitável para os governantes de Colombo. Os próximos tempos serão decisivos. No lado da guerrilha, que contará com três a seis mil combatentes, a tentação de continuar a lutar será forte. O seu líder tem fama de proclamar que nunca se entregará vivo e sabe-se que os comandantes dos Tigres Tamiles levam uma cápsula de cianeto para engolirem se forem capturados. Existem também elementos na diáspora, inclusive na Europa e nos Estados Unidos, interessados em continuar a financiar a rebelião. Mas a palavra final será da população tamil do Norte e Leste da ilha, que ambiciona viver em paz após tantos anos de luta. Do lado cingalês terão também de chegar sinais de que os direitos da minoria serão respeitados, o que passa por uma moderação do discurso nacionalista do Presidente. * Jornalista do Diário de Notícias DOSSIER Cristãos na Taprobana de Camões Conhecida entre os mercadores árabes por Serendip, a grande ilha junto à Índia surge em “Os Lusíadas” como sendo essa Taprobana para além da qual passaram os navegadores portugueses. Quando Luís Vaz de Camões escreveu a sua epopeia, a ilha estava já sob domínio português há algumas décadas, pois desde 1505 tinham sido estabelecidas alianças com os monarcas locais, alguns chegando mesmo a trocar o budismo pelo cristianismo para fortalecerem a sua posição política. Segundo a lenda, o apóstolo Tomé terá percorrido no século I tanto a Índia como o actual Sri Lanka, e na época da chegada dos portugueses haveria algumas comunidades cristãs nessa ilha famosa pelas especiarias. Mas seria através de missionários idos de Lisboa, e sobretudo de Goa, que o catolicismo se imporia pouco a pouco aos cingaleses. A partir do século XVII, porém, o protestantismo entra também em campo, ganhando alguns fiéis, mas mesmo nessa época de domínio holandês os católicos de origem portuguesa manter-se-ão maioritários entre os cristãos. No século XIX, a ilha passa a ser colónia britânica e é a vez do anglicanismo exercer a sua influência. Já independente, a partir de 1948, o Ceilão chegará mesmo a ter um primeiro-ministro nascido na fé anglicana mas depois convertido ao budismo por razões de cálculo político, dado que 70 por cento da população segue essa religião. Hoje em dia, no país rebaptizado de Sri Lanka, os cristãos representam cerca de 8 por cento da população e estão presentes tanto entre a minoria étnica tamil (sobretudo hindu) como entre a maioria cingalesa (esmagadoramente budista). Existem ainda cerca de 40 mil “burghers”, palavra de origem holandesa que designa as pessoas que reivindicam antepassados europeus. Muitos chamam-se Dias, Da Silva ou Fonseka e orgulham-se de serem católicos e manterem no seio familiar algumas tradições portuguesas. Idosa reza, numa igreja católica, pelos seus familiares perdidos no tsunami A dinastia Bandaranaike À semelhança do resto da Ásia do Sul, também o Sri Lanka tem uma dinastia política que se confunde com a história recente do país. Aquilo que os Bhutto são para o Paquistão, ou os Nehru-Gandhi para a Índia, são em grande medida os Bandaranaike para o Sri Lanka. Primeiro-ministro eleito em 1956, Solomon West Ridgeway Dias Bandaranaike era um cristão anglicano convertido ao budismo que se tornou no campeão do nacionalismo cingalês e também defensor do socialismo na ilha, a qual aliás tem ainda como nome oficial República Democrática Socialista do Sri Lanka. Assassinado em 1959, foi substituído pela sua viúva, Sirimavo Bandaranaike, que se tornou então a primeira mulher primeira- ministra no mundo. Por três vezes esta exerceu o cargo, numa das ocasiões rebaptizando o Ceilão de Sri Lanka, e noutra, já na década de 1990, quando a sua filha Chandrika Kumaratunga era Presidente da República. Um outro filho de Solomon e Sirimavo, Anura, chegou a ser presidente do Parlamento e ministro dos Negócios Estrangeiros. FEVEREIRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA 19 DOSSIER Datas de SÉCULO V a.C. Populações indo-arianas oriundas do Norte da Índia instalam-se na ilha. O grupo mais poderoso, que vai controlar o território, são os cingaleses. SÉCULO III a.C. Início da migração tamil do Sul da Índia para a ilha. SÉCULO II a. C. Budismo impõe-se como religião da maioria dos cingaleses. 1505 Portugueses tornam-se os primeiros europeus a entrarem em contacto com os cingaleses. 1658 Holandeses expulsam os portugueses e controlam a ilha. SRI LANKA 1796 Início do domínio britânico. 1815 Derrota do reino de Kandy, no interior da ilha, deixa britânicos Colombo como senhores absolutos do Ceilão. Chegada de trabalhadores tamiles da Índia para as plantações de chá. A Ilha das especiarias 1948 O Ceilão torna-se independente. 1958 Motins anti-tamiles fazem 200 mortos. GEOGRAFIA Situado junto ao extremo sul da Índia, o Sri Lanka é uma ilha do 1972 País é rebaptizado de Sri Lanka Índico, aproximadamente com dois terços da área de Portugal. O seu interior é montanhoso. Famosa no passado pelas suas especiarias, sobretudo a canela, a ilha produz também um chá de grande qualidade. ÁREA 65 000 quilómetros quadrados POPULAÇÃO 19,5 milhões de habitantes. CAPITAL Colombo PRINCIPAIS LÍNGUAS Cingalês, tamil e inglês. PRINCIPAIS RELIGIÕES Budismo (maioritário), hinduísmo, cristianismo e islamismo MOEDA Rupia. RENDIMENTO MÉDIO POR HABITANTE 1540 dólares. PRINCIPAIS EXPORTAÇÕES Têxteis, chá, pedras preciosas, borracha e cocos. ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA 69 anos (homens) e 75 anos (mulheres). e budismo reafirmado como religião 20 FÁTIMA MISSIONÁRIA FEVEREIRO 2009 nacional. 1976 Criação da guerrilha dos Tigres de Libertação do Eeelam Tamil. 1987 Acordo de paz entre a guerrilha e o Governo, com concessão de certa autonomia às regiões de maioria tamil. Índia envia tropas para garantir a paz. 1990 Tropas indianas partem e a violência recomeça, com os Tigres Tamiles a lutarem por uma pátria separada. DOSSIER um país budista 1991 Tigres Tamiles envolvidos no assassínio do ex-primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi. 1993 Tigres tamiles assassinam Presidente cingalês Ranasinghe Premadasa. 1994 Nova negociação entre rebeldes e Governo. 1995 Reinício da guerra. Nos seis anos seguintes, os Tigres Tâmiles atacam o principal templo budista do país, ferem a Presidente Chandrika Kumaratunga num atentado e destroem no aeroporto de Colombo metade dos aviões da companhia aérea nacional. 2002 Novo processo de paz, desta vez com mediação norueguesa. 2004 Tsunami causa 30 mil mortes no Sri Lanka. 2005 Mahinda Rajapaksa eleito Presidente com base na promessa de pôr fim à guerra civil através da opção militar, dado a guerrilha tamil persistir. 2006 Confrontos em grande escala no Norte do país. Falha ronda negocial na Suíça. 2008 Governo põe fim formal às negociações de paz. 2009 Tropas governamentais capturam a cidade de Kilinochchi, capital da guerrilha. Presidente cingalês exige rendição dos separatistas. Oração no templo Gangarama Viharaya, em Colombo. O budismo é seguido pela maioria da população do Sri Lanka FEVEREIRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA 21