Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de Sobradinho

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CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line
http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html
ISSN 1678-6343
Instituto de Geografia
ufu
Programa de Pós-graduação em Geografia
MUDANÇAS NA PAISAGEM E USO DO SOLO NA ÁREA RURAL DE
SOBRADINHO, UBERLÂNDIA, MG1
Jomar Magalhães Barbosa
Biólogo, Pós-graduando em Agronomia, UNESP Botucatu - SP
[email protected]
Rodrigo Moro Bueno
Graduação Ciências Biológicas UFU
Hugo Henrique Salgado Rocha
Graduação Ciências Biológicas UFU
Diego Martins Rezende
Graduação Ciências Biológicas UFU
Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa
Graduação Geografia UFU
RESUMO
2
Apresenta-se uma análise de mudanças temporais da paisagem de 89,4 km em uma
importante área de cerrado, cerradão e matas que é o Vale do Rio Araguari. O objetivo
do estudo foi analisar mudanças na paisagem e uso do solo na região rural de
Sobradinho, a partir de imagens de satélite de 1986 comparando-o com imagens de
2004. É proposto a implementação de redes interligadas de áreas protegidas. E por
último obter um histórico de uso da terra a partir de moradores do local. Com
interpretação visual de imagens de satélite dos anos de 1986 e 2004 foram elaborados
mapas de uso e ocupação do solo de Sobradinho. Os resultados mostraram diferenças
na composição da paisagem nesta escala temporal e sugerem que deve ser dado maior
atenção aos fragmentos de áreas naturais no Cerrado.
Palavras chave: uso da terra, Cerrado, fragmentação, Triângulo Mineiro.
LANDSCAPE CHANGE AND USE OF THE SOIL IN RURAL AREA OF
SOBRADINHO IN UBERLÂNDIA CITY, MINAS GERAIS STATE, BRAZIL
RESUMO
We will present an analysis of temporal changes of the landscape in 89,4 km2 in an
important area with cerrado, cerradão and forest that are the Vale do Rio Araguari. The
objective of the study was to analyze changes in the landscape and use of land in
agricultural region of Sobradinho, from images of 1986 satellite comparing with 2004
images. The implementation of linked nets of protecting areas is considered. Finally, get
a description of use of the land from inhabitants of the place. With visual interpretation
of satellite imagery of the years 1986 and 2004, maps of use and occupation of land had
been elaborated. The results had shown differences in the composition of the
landscape in this temporal scale and suggest that bigger attention to the fragmentation
of natural areas must be given.
Keywords: land use, Cerrado, fragmentation, Triângulo Mineiro.
1
Recebido em 31/10/2005
Aprovado para publicação em 12/01/2005
Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006
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Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de
sobradinho, Uberlândia, MG
Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno
Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins
Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa
INTRODUÇÃO
O Cerrado cobre originalmente mais de um milhão e meio de quilômetros quadrados (Goodland e
Ferri, 1979). Como em diversas áreas deste bioma, os municípios da bacia do rio Araguari, com
suas diversas regiões rurais, sofreram profundas modificações no ambiente natural. Sobretudo
nas três últimas décadas, a introdução da agropecuária moderna vem sendo o principal acusado.
Grandes extensões de vegetação nativa são retiradas provocando erosão, compactação,
diminuição da fertilidade dos solos e à diminuição do volume e da qualidade das águas (ClepsJunior et al, 2004).
Para minimizar todos estes efeitos, tem se proposto cada vez mais o estudo e planejamento da
paisagem. Para manter ou adequar a qualidade ambiental dos ambientes rurais encontradas em
todo o cerrado, este planejamento deve ser conduzido com uma visão interdisciplinar e visando
uma regulamentação dos usos do solo e dos recursos ambientais. As principais finalidades do
planejamento da paisagem envolvem a manutenção da diversidade biológicas por meio do
desenvolvimento de redes interligadas de áreas protegidas, manutenção da qualidade dos cursos
d`água, revegetação e outros (Nucci, 1998).
A área rural de Sobradinho (localizada ao norte do Município de Uberlândia e denominada desta
forma a partir dos Conselhos Comunitários) está inserida na Bacia do Rio Araguari, no Triângulo
Mineiro, apresentando, portanto, as mesmas modificações do ambiente natural e problemas
ambientais descritos anteriormente. Devido a grande heterogeneidade socio-ambiental do
município de Uberlândia (Brito e Prudente, 2005; Nascimento, 1988) estudos pormenorizadas de
uso e ocupação do solo de diferentes regiões podem ser feitas para serem mais amplamente
analisadas.
As áreas próximas ao rio Araguari, cujo relevo é acidentado e encaixado, e onde ocorrem
pequenas várzeas mais próximas ao rio, continuam a predominar a pecuária, tanto de corte como
de leite, e a agricultura de subsistência e olerícola. As pastagens ocupam grandes extensões nas
superfícies tabulares e em áreas dissecadas (Cleps-Junior et.al., 2004).
Devido à continua devastação do Cerrado é imprescindível o estudo da região citada e de outras
mais, a fim de orientar e propor minimizações dos impactos ambientais e ampliar a
conscientização da população local em relação às leis ambientais.
As perturbações ambientais em massa causadas pelo homem têm alterado e destruído a
paisagem em larga escala, levando espécies e mesmo comunidades inteiras a extinção local. As
maiores ameaças à diversidade biológica proveniente da atividade humana são: destruição,
fragmentação, degradação do habitat (incluindo poluição), super exploração das espécies para
uso humano, introdução de espécies exóticas e aumento de ocorrência de doenças (Primack e
Rodrigues, 2002).
A intensa exploração econômica do cerrado nos moldes atuais, provoca estes efeitos colaterais
indesejáveis, bem como a perda, para as populações rurais, de suas fontes tradicionais de
sustento e até mesmo de parte de sua identidade cultural (Torres, 2004).
A partir do uso e ocupação do solo em ambientes amazônicos diversos estudos vêm sendo
realizados em diferentes escalas temporais e de extensão territorial para analisar padrões de
mudanças na paisagem (Zarin et al., 2001). No Cerrado, este tipo de estudo pode orientar planos
de manejo que visam manter áreas de interligação da vegetação nativa (corredores ecológicos).
Aqui, apresentaremos uma análise de mudanças temporais da paisagem em 89,4 km2 em uma
importante região do Vale do Rio Araguari (com formações vegetais de cerrado, cerradão e
matas). O primeiro objetivo do estudo foi caracterizar, quantificar e comparar a composição de
cobertura vegetal e uso do solo da região de Sobradinho, a partir de imagens de satélite de 1986
e 2004. O segundo objetivo é formular rotas de interligação de áreas naturais no mapa de uso e
ocupação do solo do ano de 2004. E por último obter um histórico de uso da terra a partir de
moradores do local.
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MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da área de estudo
As análises foram limitadas a área rural de Sobradinho, localizada nas latitudes 18º51’55” e
18º43’08”; e nas longitudes 48º22’23” e 48º13’43”, compreendendo as seguintes micro-bacias:
Sobradinho, Cabaça, Bebedouro e Caetanos. Esta área representa 2,2% dos 4.115,09 Km2 do
município de Uberlândia, MG (Brito e Prudente, 2005).
Esta porção do Cerrado brasileiro faz parte da Bacia do Rio Araguari e está coberta por cerrados
e cerradões nos interflúvios e florestas ao longo dos vales, topos das colinas muito largos com
latossolos de baixa fertilidade. O clima da região apresenta duas estações bem definidas ao longo
do ano: um inverno seco de abril a agosto, com temperaturas mais amenas (média de 20ºC), e um
verão quente e úmido (média de 25ºC), estendendo-se de setembro a março. A pluviometria anual
apresenta irregularidade considerável, variando de 800mm a 2.000mm, com uma média
aproximada entre 1.200 a 1.500 mm/ano; a quase totalidade das chuvas (80%) distribui-se nos
meses de verão (Lima et al., 2004).
A bacia do rio Araguari localiza-se nas microrregiões geográficas do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba (IBGE), em Minas Gerais. A partir do final da década de 1970, a região recebeu
significativas aplicações de recursos com a implementação de programas governamentais, como
o Programa de Crédito Integrado, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados e o Programa
Nipo-Brasileiro de Desenvolvimento Agrícola da Região dos Cerrados. Estes e outros programas
apresentaram, como característica básica, a modernização da atividade agrícola, com mudanças
na base técnica e produtiva, tais como a mecanização de grandes extensões contínuas de terra;
uso intensivo de capital; inovações tecnológicas e introdução de novas culturas voltadas para
exportação. Após este período diversos impactos ambientais no Cerrado ficaram evidenciados,
notadamente, sobre os recursos hídricos (Cleps-Junior et al, 2004).
Uso e ocupação do solo
Para análise das categorias cobertura do solo, a área de estudo foi sub-dividida em água, cerrado,
mata (cerradão, mata de galeria e ciliar), pastagens, reflorestamento (pínus e eucalípto) e culturas
(anuais e perenes).
Por seleção visual, coletas e identificação de material botânico foram realizados com as espécies
mais abundantes nas áreas nativas remanescentes.
O mapeamento das categorias de uso e ocupação do solo foi realizado por meio de um mapa de
uso da terra elaborado a partir da interpretação visual com imagens nas composições 2b3g4r
CBERS2 para a imagem do ano de 2004 e 3b4r7g TM/Landsat5 para a imagem do ano de 1986.
Para o processamento digital da imagem e elaboração do mapa de uso da terra utilizou-se o
software SPRING 4.1 (Câmara et al, 1996). Este processo segue as seguintes etapas:
• Elaboração de um mapa base da área de interesse, contendo limite da bacia, rede de drenagem,
rede viária e sistema de coordenadas geográficas.
• Elaboração da carta imagem no software SPRING, utilizando as seguintes funções de
processamento digital de imagens: registro, contraste e geração de composição colorida;
• Definição da chave de identificação, ou seja, elementos que permitam a identificação do tipo de
utilização da terra nas fotografias aéreas e/ou imagens de satélite;
• Interpretação visual preliminar, onde foram delimitados os tipos de uso presentes na bacia;
¾
¾
¾
Verificação de Campo
Interpretação visual final
Elaboração do mapa final
Com os mapas finais de cada ano foram comparadas as somatórias de área dos tipos de
cobertura do solo, evidenciando o nível de fragmentação das áreas naturais de cada ano
estudado. Com o mapa de 2004 foi feito um possível padrão de interligação entre as áreas naturais.
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História de uso da terra
Entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com dois moradores da região. Um entrevistado é
morador de uma propriedade de 20 ha e outro de uma propriedade de 107 ha. Os temas
abordados foram (1) Nível de fragmentação das áreas naturais nos anos que envolvem o estudo;
(2) Impactos da degradação ambiental na riqueza de espécies vegetais e animais; (3) Legislação
ambiental e suas influências na região.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Descrição dos tipos de cobertura
A Água incluí qualquer corpo d’água, podendo ser lagos, córregos e rios. As pastagens são
bastante representativas (51,4 Km2). Observando o mapa de uso e ocupação do solo de todo
o município de Uberlândia apresentado no estudo realizado por Brito e Prudente (2005), a
região norte do município, no qual Sobradinho está localizado, fornece grandes áreas de
pastagens para a economia local. Como a maior parte das culturas do município localiza-se
na região sul, as poucas encontradas em Sobradinho compreendem culturas hortícolas e
plantios de arroz, feijão e outros. Pequenas áreas de reflorestamento com eucalipto ou pínus
foram encontradas.
A tabela 1 mostra as espécies vegetais mais abundantes dos fragmentos naturais nos cerrados,
cerradões e matas. Algumas informações sobre modo de dispersão e potencial de uso foram
incorporadas mostrando a importância socio-ambiental da espécie para a região. Muitas destas
espécies dão suporte nutricional para a fauna local; possuem grande importância de uso para a
população local (Almeida, 1998); e dependem de um bom equilíbrio ecológico para manterem
padrões de dispersão, dinâmica genética da população e recomposição/renovação dos indivíduos
da população (Fahrig e Merriam, 1994).
Tabela 1
Espécies vegetais mais abundantes dos fragmentos naturais e seus respectivos ambientes de
coleta, formas de dispersão, uso potencial.
Espécies
Local Dispersão
Uso potencial
Anadenanthera colubrina
M
Autocórica
Madeireiro, medicinal
Siparuna guianensis
Cd
Zoocórica
Rhamnidium elacocarpum
C
Zoocórica
Diospyros híspida
Cd
Zoocórica
Myracrodruon urundeuva
Cd
Anemocórica Madeireiro, medicinal, ornamental, tanífero e melífero
Pouteria ramiflora
Cd
Zoocórica
Alimentício, madeireiro e ornamental
Solanum lycocarpum
C
Zoocórica
Forrageiro, medicinal, ornamental e tintorial
Terminalia brasiliensis
Cd
Anemocórica Artesanal, madeireiro, medicinal, melífero, ornamental e tanífero
Miconia albicans
C
Zoocórica
Piptocarpha rotundifolia
C
Anemocórica Artesanal, medicinal e tanífero
Xylopia aromatica
C
Zoocórica
Alimentação, medicinal
Byrsonima intermedia
C
Zoocórica
C = cerrado; Cd = cerradão; M = mata ciliar.
Fonte - Cerrado: espécies vegetais úteis (Almeida, 1998).
Nesta listagem não foram incluídas diversas espécies medicinais arbóreas ou herbáceas que a
população de Sobradinho utiliza. No entanto, em estudo realizado por Barbosa (2004) nesta
mesma região, foi encontrada uma riqueza de 93 espécies vegetais que podem ser coletadas nos
ambientes de cerrado, cerradão ou matas. Todo este conjunto de espécies faz parte de uma longa
convivência da população humana com os cerrados e mostra que a extinção local de espécies
pode afetar toda uma rede de conhecimentos da medicina popular.
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Figura 1 - Sobradinho: cobertura e uso da terra (1986)
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Figura 2 - Sobradinho: cobertura vegetal e uso da terra (2004)
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Mudanças na paisagem de 1986 para 2004
Mudanças significativas na área ocupada pelas cinco categorias de cobertura e uso do
solo foram observadas por comparações visuais e soma de área dos mapas de 1986 e
2004 (cf. Figura 1 e 2 e Tabela 2).
Devido a impossibilidade de verificação de campo da imagem de 1986, deve ser considerado uma
menor acuracidade no mapa de uso e ocupação deste ano. No entanto, foi possível comparar e
analisar mudanças gerais na cobertura do solo dezoito anos depois.
Os valores encontrados nas imagens de 2004 de mata/cerradão e cerrado da área estudada
foram 27,3% e 12,5% respectivamente (Tabela 2). Apesar da possibilidade de utilizar estes
valores para comparações é importante ter claro que algumas áreas podem ser ambientes de
transição de uma fitofisionomia para outra ou podem estar sofrendo diferentes níveis de
perturbações no ambiente natural.
O percentual destas categorias vegetacionais da área estudada foi maior que os do município de
Uberlândia (3,7% para mata/cerradão e 7,6% para cerrado), encontradas por Brito e Prudente (2005).
Além de outros fatores socio-ambientais, esta discrepância nos valores pode ser devido ao relevo.
A evidente diminuição do cerrado, no qual mostra que em 1986 tinha 20.86% e em 2004 12.52%
(Tabela 2), deixa claro o papel do estado como incentivador da ocupação destas áreas para a
expansão agropecuária. A privilegiada localização geográfica do cerrado em relação aos
mercados crescentes do centro-sul contribuiu para esta expansão (Gobbi, 2002).
Tabela 2
Cobertura vegetal e uso da terra nos anos de 1986 e 2004
Categorias de
cobertura do solo
Água
Cerrado
Cultura
Mata
Pastagem
Reflorestamento
Total
1986
2
%
Km
0,117
0,14
17,400
20,86
0,000
0
20,486
24,55
42,801
51,31
2,606
3,12
83,413
99,98
2004
2
Km
%
1,592
1,77
11,204
12,52
0,094
0,10
24,460
27,34
51,469
57,53
0,628
0,70
89,450
99,96
A figura 3 mostra dez áreas principais de desmatamento, de diferentes tamanhos, ocasionado
entre 1986 e 2004. Esta diminuição da cobertura vegetal pode ser observada comparando as
figuras 1 e 2. A delineação da rota de interligação entre as áreas naturais (corredor ecológico)
procurou acompanhar os cursos d’água e a agrupar os vários fragmentos. As possibilidades de
conexão entre diferentes pontos da rota dependem de características intrínsecas aos organismos
que vivem na região e também a características geográficas e de manejo realizado pela
população humana que vive no local.
Os pontos A, B, C e D (figura 3) são as áreas críticas de desmatamento que podem prejudicar a
continuidade das rotas de interligação. Nestas e outras áreas podem ser feitos trabalhos junto a
comunidade local para recomposição com espécies de interesse (ex: econômico) para a região.
Como por exemplo espécies frutíferas ou medicinais do cerrado. Este tipo de proposta pode ser
favorável para o estabelecimento de um início de conscientização ambiental e como uma iniciativa
imediata de recuperação de áreas naturais. Estas medidas podem ser favoráveis por envolver
hábitos e costumes da região.
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Figura 3 - Sobradinho. Principais áreas de desmatamento e rota de interligação (corredores
ecológicos) da vegetação nativa
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Ações como esta vão ao encontro do que é proposto por vários autores como Jain (2000) e Etkin
(2002), o qual sugerem que a conservação ambiental não deve ser feita somente em seu contexto
ecológico, mas também a relacionando aos grupos humanos que estão inseridos culturalmente e
politicamente no ambiente em questão.
Observando as modificações ao longo do tempo (1986 e 2004) nos padrões de conectividade
entre as áreas de cobertura vegetal da área estudada podemos ver uma diminuição das
possibilidades de interligação entre elas. Estas mudanças nos padrões de distribuição espacial da
cobertura vegetal podem refletir em mudanças na organização das interações ecológicas entre as
espécies (Alados et al, 2004). Sendo assim, a heterogeneidade nos padrões da paisagem e as
interações ecológicas podem ser diretamente afetadas.
Visto que o Cerrado brasileiro possui como uma das principais características a heterogeneidade
de espécies e habitat (Felfili e Felfili, 2001), sua perda pode refletir em diminuição de qualidade
ambiental.
Como o aumento da fragmentação e distanciamento das áreas de cobertura vegetal se mostraram
bem mais evidente no mapa de 2004 em relação a 1986, podem surgir conseqüências como
modificação nas interações inter-específicas, nos padrões de predação e competição, exacerbado
efeito de borda nos fragmentos de vegetação, modificações nos nutrientes do solo e na
composição genética das populações locais (Debinsk e Holt, 2000).
O aumento da área das matas de 24.55% (1986) para 27.34% (2004) pode ser devido a uma
maior fiscalização, baseada no Código Florestal – Lei nº 4771, que estabelece a zona ciliar como
uma área de preservação permanente; e mais recentemente, em 1991, a Lei de Política Agrícola –
Lei nº 8171, que determina a recuperação gradual das Áreas de Preservação Permanente,
estabelecendo um período de 30 anos para a recuperação da vegetação nativa nas áreas onde
esta foi eliminada (Kageyama e Gandara, 2001).
Tendo em vista que as matas ciliares e as veredas são incluídas em áreas de preservação
permanente, segundo as Leis Ambientais do Município de Uberlândia (Lei Complementar nº 017),
fica clara a importância da utilização destas fitofisionomias para promover a formação de redes
interligadas de áreas protegida e também, segundo Mueller (1996), para proteção eficaz, tanto
dos corpos d`água, quanto do solo de suas margens e dos lençóis freáticos; contribuindo para o
amortecimento da erosão em áreas mais altas, quando nelas se desenvolve a agricultura. No
entanto, outras fitofisionomias também são de grande importância para manter a qualidade
ambiental.
A redução do reflorestamento (pinus e eucalipto) de 3.12% em 1986 para 0.7% em 2004 (Figura
4) pode estar relacionada com o fim dos incentivos fiscais. Com isto, grande parte destas
plantações foi sendo substituída pelo plantio de soja e pastagem (Schneider, 1996).
60
Pastagem
Área (Km2)
50
40
0
2004
Cerrado
20
10
1986
Mata
30
Água
Cultura
Reflorest.
Tipo de cobertura
Figura 4 - Extensão espacial dos tipos de cobertura do solo em 1986 e 2004
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O aumento das aéreas de pastagens de 51.13% (1986) para 57.53% (2004) pode estar
relacionada com o fato do relevo da área estudada ser bastante dissecado, o que impossibilita o
uso da agricultura mecanizada. A grande parte das áreas de culturas anuais, perenes e irrigadas
se localizam na porção sul do município (Brito e Prudente, 2005). A pecuária da região é uma
atividade praticada por pequenos, médios e grandes proprietários, atendendo a finalidades de
corte e leite. Porém, mesmo com os preços baixos, tanto da carne quanto do leite tem ocorrido a
expansão de pastagens (Gobbi, 2002).
Houve aumento de área que a água ocupa de 0.14% (1986) para 1.77% (2004), o que pode estar
associado à construção de represas e açudes.
A atividade agrícola na região, está baseada na agricultura familiar e teve crescimento de 0.1% de
1986 até 2004. A análise das relações de trabalho na agricultura brasileira mostra que ainda hoje
assumem relações de produção como a parceria e o arrendamento, além da pequena propriedade
baseada no trabalho familiar (Gobbi, 2002). Pois é essa agricultura que abastece o mercado
interno e que absorve uma grande mão-de-obra, pois envolve toda a família.
Atividades humanas e mudanças na paisagem
A população humana que vive na região de Sobradinho possui um vasto histórico na região. Os
entrevistados recordaram épocas de quando boa parte da região era formada por vegetação
nativa, dizendo lembrar “de quando boa parte de Sobradinho ainda era mato virgem”. As antigas
fazendas que configuravam a ocupação inicial dessa área desmembraram-se e em sua maioria,
passaram a configurar médias e pequenas propriedades, constituindo terra de agricultores
familiares (Custódio, 1996). Relataram também que com a instalação de sítios de veraneio nas
margens do Rio Araguari muitas áreas de mato foram retiradas. Este processo ocasiona grandes
modificações sociais e ambientais, visto que, geralmente esta categoria de proprietário possui
pouco histórico de inter-relação com a terra (Brandão, 1999).
Ambos entrevistados enfatizaram que antigamente era mais comum visualizar animais como
capivara, cateto, onça – ao longo de cursos d`água; e tamanduá-bandeira, tatu, seriema, codorna,
perdizes – demais regiões. E mesmo espécies frutíferas e medicinais nativas também estão cada
vez mais escassas.
O morador de uma propriedade de 20 ha, reside no local há 56 anos. Na época da delimitação de
sua propriedade (década de 1970), as leis que determinavam a preservação ambiental não eram
conhecidas pelos moradores, sendo comum a retirada da vegetação. Quando se iniciou maior
fiscalização, os proprietários da região, tiveram que se adequar às novas vigências. Porém, este
proprietário afirma estar insatisfeito com a forma que essas leis são aplicadas, devido ao fato de
os órgãos competentes não esclareceram devidamente essa população, nem mesmo, ao menos,
fornecem tempo necessário para as adequações.
Já um morador da propriedade de 107 ha, reside na região há 15 anos, no qual a principal
atividade desenvolvida é a criação de gado leiteiro. Ele relata que a propriedade também sofreu
dificuldades para a adequação às leis ambientais, porém, com maior facilidade devido ao fato de
que o proprietário se situava em melhores condições sócio-econômicas e estabeleceu os 20% de
reserva natural em outra área fora da fazenda, procedimento embasado na lei. Entretanto, as
perdas de áreas naturais na região ficam ainda mais evidentes.
CONCLUSÃO
Na área estudada, questões sócio-políticas e ambientais influenciaram no padrão de modificação
da paisagem. As mudanças da paisagem apresentadas são o resultado do uso e ocupação da
terra ao longo dos anos. Estas modificações nas áreas naturais podem influenciar na diversidade
faunística, florística e na dispersão destes.
Como demonstrado no mapa 2004, é de extrema importância a utilização das áreas de
preservação permanente para a implementação de áreas interligadas (corredor ecológico) para
reduzir os impactos da fragmentação, causada durante a ocupação da região. Como é proposto
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no texto, maneiras alternativas de recomposição de vegetação nativa e conscientização da
população local podem ser utilizadas para minimizar efeitos negativos da fragmentação de habitat.
Analisar aspectos históricos do uso e ocupação de áreas de cerrado possibilita um melhor
entendimento das pressões ambientais às áreas naturais. Este processo se mostra de grande
importância visto que a complexa e dinâmica modificação nos ambientes não apenas ocorrem em
seus aspectos biológicos ou naturais, mas também envolve diversos aspectos antropogênicos e
suas inter-relações. Sendo assim as modificações nos padrões da paisagem ao longo do tempo
em Sobradinho esta muito relacionada ao histórico de ocupação da área e aos aspectos culturais
da população.
Ambientes de cerrado tem suportado uma longa e complexa ocupação humana, no qual
populações de diferentes momentos históricos relacionam-se reciprocamente com este ambiente
tão rico e heterogêneo. Estudos subseqüentes na área são de grande importância para um maior
esclarecimento das interfaces entre modificações da paisagem e a dinâmica biológica e cultural.
REFERÊNCIAS
ALADOS, C.L.; PUEYO, Y.; BARRANTES, O.; ESCÓS, J.; GINER, L.; ROBLES, A.B. Variations
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