CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html ISSN 1678-6343 Instituto de Geografia ufu Programa de Pós-graduação em Geografia MUDANÇAS NA PAISAGEM E USO DO SOLO NA ÁREA RURAL DE SOBRADINHO, UBERLÂNDIA, MG1 Jomar Magalhães Barbosa Biólogo, Pós-graduando em Agronomia, UNESP Botucatu - SP [email protected] Rodrigo Moro Bueno Graduação Ciências Biológicas UFU Hugo Henrique Salgado Rocha Graduação Ciências Biológicas UFU Diego Martins Rezende Graduação Ciências Biológicas UFU Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Graduação Geografia UFU RESUMO 2 Apresenta-se uma análise de mudanças temporais da paisagem de 89,4 km em uma importante área de cerrado, cerradão e matas que é o Vale do Rio Araguari. O objetivo do estudo foi analisar mudanças na paisagem e uso do solo na região rural de Sobradinho, a partir de imagens de satélite de 1986 comparando-o com imagens de 2004. É proposto a implementação de redes interligadas de áreas protegidas. E por último obter um histórico de uso da terra a partir de moradores do local. Com interpretação visual de imagens de satélite dos anos de 1986 e 2004 foram elaborados mapas de uso e ocupação do solo de Sobradinho. Os resultados mostraram diferenças na composição da paisagem nesta escala temporal e sugerem que deve ser dado maior atenção aos fragmentos de áreas naturais no Cerrado. Palavras chave: uso da terra, Cerrado, fragmentação, Triângulo Mineiro. LANDSCAPE CHANGE AND USE OF THE SOIL IN RURAL AREA OF SOBRADINHO IN UBERLÂNDIA CITY, MINAS GERAIS STATE, BRAZIL RESUMO We will present an analysis of temporal changes of the landscape in 89,4 km2 in an important area with cerrado, cerradão and forest that are the Vale do Rio Araguari. The objective of the study was to analyze changes in the landscape and use of land in agricultural region of Sobradinho, from images of 1986 satellite comparing with 2004 images. The implementation of linked nets of protecting areas is considered. Finally, get a description of use of the land from inhabitants of the place. With visual interpretation of satellite imagery of the years 1986 and 2004, maps of use and occupation of land had been elaborated. The results had shown differences in the composition of the landscape in this temporal scale and suggest that bigger attention to the fragmentation of natural areas must be given. Keywords: land use, Cerrado, fragmentation, Triângulo Mineiro. 1 Recebido em 31/10/2005 Aprovado para publicação em 12/01/2005 Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 180 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa INTRODUÇÃO O Cerrado cobre originalmente mais de um milhão e meio de quilômetros quadrados (Goodland e Ferri, 1979). Como em diversas áreas deste bioma, os municípios da bacia do rio Araguari, com suas diversas regiões rurais, sofreram profundas modificações no ambiente natural. Sobretudo nas três últimas décadas, a introdução da agropecuária moderna vem sendo o principal acusado. Grandes extensões de vegetação nativa são retiradas provocando erosão, compactação, diminuição da fertilidade dos solos e à diminuição do volume e da qualidade das águas (ClepsJunior et al, 2004). Para minimizar todos estes efeitos, tem se proposto cada vez mais o estudo e planejamento da paisagem. Para manter ou adequar a qualidade ambiental dos ambientes rurais encontradas em todo o cerrado, este planejamento deve ser conduzido com uma visão interdisciplinar e visando uma regulamentação dos usos do solo e dos recursos ambientais. As principais finalidades do planejamento da paisagem envolvem a manutenção da diversidade biológicas por meio do desenvolvimento de redes interligadas de áreas protegidas, manutenção da qualidade dos cursos d`água, revegetação e outros (Nucci, 1998). A área rural de Sobradinho (localizada ao norte do Município de Uberlândia e denominada desta forma a partir dos Conselhos Comunitários) está inserida na Bacia do Rio Araguari, no Triângulo Mineiro, apresentando, portanto, as mesmas modificações do ambiente natural e problemas ambientais descritos anteriormente. Devido a grande heterogeneidade socio-ambiental do município de Uberlândia (Brito e Prudente, 2005; Nascimento, 1988) estudos pormenorizadas de uso e ocupação do solo de diferentes regiões podem ser feitas para serem mais amplamente analisadas. As áreas próximas ao rio Araguari, cujo relevo é acidentado e encaixado, e onde ocorrem pequenas várzeas mais próximas ao rio, continuam a predominar a pecuária, tanto de corte como de leite, e a agricultura de subsistência e olerícola. As pastagens ocupam grandes extensões nas superfícies tabulares e em áreas dissecadas (Cleps-Junior et.al., 2004). Devido à continua devastação do Cerrado é imprescindível o estudo da região citada e de outras mais, a fim de orientar e propor minimizações dos impactos ambientais e ampliar a conscientização da população local em relação às leis ambientais. As perturbações ambientais em massa causadas pelo homem têm alterado e destruído a paisagem em larga escala, levando espécies e mesmo comunidades inteiras a extinção local. As maiores ameaças à diversidade biológica proveniente da atividade humana são: destruição, fragmentação, degradação do habitat (incluindo poluição), super exploração das espécies para uso humano, introdução de espécies exóticas e aumento de ocorrência de doenças (Primack e Rodrigues, 2002). A intensa exploração econômica do cerrado nos moldes atuais, provoca estes efeitos colaterais indesejáveis, bem como a perda, para as populações rurais, de suas fontes tradicionais de sustento e até mesmo de parte de sua identidade cultural (Torres, 2004). A partir do uso e ocupação do solo em ambientes amazônicos diversos estudos vêm sendo realizados em diferentes escalas temporais e de extensão territorial para analisar padrões de mudanças na paisagem (Zarin et al., 2001). No Cerrado, este tipo de estudo pode orientar planos de manejo que visam manter áreas de interligação da vegetação nativa (corredores ecológicos). Aqui, apresentaremos uma análise de mudanças temporais da paisagem em 89,4 km2 em uma importante região do Vale do Rio Araguari (com formações vegetais de cerrado, cerradão e matas). O primeiro objetivo do estudo foi caracterizar, quantificar e comparar a composição de cobertura vegetal e uso do solo da região de Sobradinho, a partir de imagens de satélite de 1986 e 2004. O segundo objetivo é formular rotas de interligação de áreas naturais no mapa de uso e ocupação do solo do ano de 2004. E por último obter um histórico de uso da terra a partir de moradores do local. Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 181 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa MATERIAL E MÉTODOS Caracterização da área de estudo As análises foram limitadas a área rural de Sobradinho, localizada nas latitudes 18º51’55” e 18º43’08”; e nas longitudes 48º22’23” e 48º13’43”, compreendendo as seguintes micro-bacias: Sobradinho, Cabaça, Bebedouro e Caetanos. Esta área representa 2,2% dos 4.115,09 Km2 do município de Uberlândia, MG (Brito e Prudente, 2005). Esta porção do Cerrado brasileiro faz parte da Bacia do Rio Araguari e está coberta por cerrados e cerradões nos interflúvios e florestas ao longo dos vales, topos das colinas muito largos com latossolos de baixa fertilidade. O clima da região apresenta duas estações bem definidas ao longo do ano: um inverno seco de abril a agosto, com temperaturas mais amenas (média de 20ºC), e um verão quente e úmido (média de 25ºC), estendendo-se de setembro a março. A pluviometria anual apresenta irregularidade considerável, variando de 800mm a 2.000mm, com uma média aproximada entre 1.200 a 1.500 mm/ano; a quase totalidade das chuvas (80%) distribui-se nos meses de verão (Lima et al., 2004). A bacia do rio Araguari localiza-se nas microrregiões geográficas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (IBGE), em Minas Gerais. A partir do final da década de 1970, a região recebeu significativas aplicações de recursos com a implementação de programas governamentais, como o Programa de Crédito Integrado, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados e o Programa Nipo-Brasileiro de Desenvolvimento Agrícola da Região dos Cerrados. Estes e outros programas apresentaram, como característica básica, a modernização da atividade agrícola, com mudanças na base técnica e produtiva, tais como a mecanização de grandes extensões contínuas de terra; uso intensivo de capital; inovações tecnológicas e introdução de novas culturas voltadas para exportação. Após este período diversos impactos ambientais no Cerrado ficaram evidenciados, notadamente, sobre os recursos hídricos (Cleps-Junior et al, 2004). Uso e ocupação do solo Para análise das categorias cobertura do solo, a área de estudo foi sub-dividida em água, cerrado, mata (cerradão, mata de galeria e ciliar), pastagens, reflorestamento (pínus e eucalípto) e culturas (anuais e perenes). Por seleção visual, coletas e identificação de material botânico foram realizados com as espécies mais abundantes nas áreas nativas remanescentes. O mapeamento das categorias de uso e ocupação do solo foi realizado por meio de um mapa de uso da terra elaborado a partir da interpretação visual com imagens nas composições 2b3g4r CBERS2 para a imagem do ano de 2004 e 3b4r7g TM/Landsat5 para a imagem do ano de 1986. Para o processamento digital da imagem e elaboração do mapa de uso da terra utilizou-se o software SPRING 4.1 (Câmara et al, 1996). Este processo segue as seguintes etapas: • Elaboração de um mapa base da área de interesse, contendo limite da bacia, rede de drenagem, rede viária e sistema de coordenadas geográficas. • Elaboração da carta imagem no software SPRING, utilizando as seguintes funções de processamento digital de imagens: registro, contraste e geração de composição colorida; • Definição da chave de identificação, ou seja, elementos que permitam a identificação do tipo de utilização da terra nas fotografias aéreas e/ou imagens de satélite; • Interpretação visual preliminar, onde foram delimitados os tipos de uso presentes na bacia; ¾ ¾ ¾ Verificação de Campo Interpretação visual final Elaboração do mapa final Com os mapas finais de cada ano foram comparadas as somatórias de área dos tipos de cobertura do solo, evidenciando o nível de fragmentação das áreas naturais de cada ano estudado. Com o mapa de 2004 foi feito um possível padrão de interligação entre as áreas naturais. Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 182 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa História de uso da terra Entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com dois moradores da região. Um entrevistado é morador de uma propriedade de 20 ha e outro de uma propriedade de 107 ha. Os temas abordados foram (1) Nível de fragmentação das áreas naturais nos anos que envolvem o estudo; (2) Impactos da degradação ambiental na riqueza de espécies vegetais e animais; (3) Legislação ambiental e suas influências na região. RESULTADOS E DISCUSSÃO Descrição dos tipos de cobertura A Água incluí qualquer corpo d’água, podendo ser lagos, córregos e rios. As pastagens são bastante representativas (51,4 Km2). Observando o mapa de uso e ocupação do solo de todo o município de Uberlândia apresentado no estudo realizado por Brito e Prudente (2005), a região norte do município, no qual Sobradinho está localizado, fornece grandes áreas de pastagens para a economia local. Como a maior parte das culturas do município localiza-se na região sul, as poucas encontradas em Sobradinho compreendem culturas hortícolas e plantios de arroz, feijão e outros. Pequenas áreas de reflorestamento com eucalipto ou pínus foram encontradas. A tabela 1 mostra as espécies vegetais mais abundantes dos fragmentos naturais nos cerrados, cerradões e matas. Algumas informações sobre modo de dispersão e potencial de uso foram incorporadas mostrando a importância socio-ambiental da espécie para a região. Muitas destas espécies dão suporte nutricional para a fauna local; possuem grande importância de uso para a população local (Almeida, 1998); e dependem de um bom equilíbrio ecológico para manterem padrões de dispersão, dinâmica genética da população e recomposição/renovação dos indivíduos da população (Fahrig e Merriam, 1994). Tabela 1 Espécies vegetais mais abundantes dos fragmentos naturais e seus respectivos ambientes de coleta, formas de dispersão, uso potencial. Espécies Local Dispersão Uso potencial Anadenanthera colubrina M Autocórica Madeireiro, medicinal Siparuna guianensis Cd Zoocórica Rhamnidium elacocarpum C Zoocórica Diospyros híspida Cd Zoocórica Myracrodruon urundeuva Cd Anemocórica Madeireiro, medicinal, ornamental, tanífero e melífero Pouteria ramiflora Cd Zoocórica Alimentício, madeireiro e ornamental Solanum lycocarpum C Zoocórica Forrageiro, medicinal, ornamental e tintorial Terminalia brasiliensis Cd Anemocórica Artesanal, madeireiro, medicinal, melífero, ornamental e tanífero Miconia albicans C Zoocórica Piptocarpha rotundifolia C Anemocórica Artesanal, medicinal e tanífero Xylopia aromatica C Zoocórica Alimentação, medicinal Byrsonima intermedia C Zoocórica C = cerrado; Cd = cerradão; M = mata ciliar. Fonte - Cerrado: espécies vegetais úteis (Almeida, 1998). Nesta listagem não foram incluídas diversas espécies medicinais arbóreas ou herbáceas que a população de Sobradinho utiliza. No entanto, em estudo realizado por Barbosa (2004) nesta mesma região, foi encontrada uma riqueza de 93 espécies vegetais que podem ser coletadas nos ambientes de cerrado, cerradão ou matas. Todo este conjunto de espécies faz parte de uma longa convivência da população humana com os cerrados e mostra que a extinção local de espécies pode afetar toda uma rede de conhecimentos da medicina popular. Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 183 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Figura 1 - Sobradinho: cobertura e uso da terra (1986) Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 184 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Figura 2 - Sobradinho: cobertura vegetal e uso da terra (2004) Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 185 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Mudanças na paisagem de 1986 para 2004 Mudanças significativas na área ocupada pelas cinco categorias de cobertura e uso do solo foram observadas por comparações visuais e soma de área dos mapas de 1986 e 2004 (cf. Figura 1 e 2 e Tabela 2). Devido a impossibilidade de verificação de campo da imagem de 1986, deve ser considerado uma menor acuracidade no mapa de uso e ocupação deste ano. No entanto, foi possível comparar e analisar mudanças gerais na cobertura do solo dezoito anos depois. Os valores encontrados nas imagens de 2004 de mata/cerradão e cerrado da área estudada foram 27,3% e 12,5% respectivamente (Tabela 2). Apesar da possibilidade de utilizar estes valores para comparações é importante ter claro que algumas áreas podem ser ambientes de transição de uma fitofisionomia para outra ou podem estar sofrendo diferentes níveis de perturbações no ambiente natural. O percentual destas categorias vegetacionais da área estudada foi maior que os do município de Uberlândia (3,7% para mata/cerradão e 7,6% para cerrado), encontradas por Brito e Prudente (2005). Além de outros fatores socio-ambientais, esta discrepância nos valores pode ser devido ao relevo. A evidente diminuição do cerrado, no qual mostra que em 1986 tinha 20.86% e em 2004 12.52% (Tabela 2), deixa claro o papel do estado como incentivador da ocupação destas áreas para a expansão agropecuária. A privilegiada localização geográfica do cerrado em relação aos mercados crescentes do centro-sul contribuiu para esta expansão (Gobbi, 2002). Tabela 2 Cobertura vegetal e uso da terra nos anos de 1986 e 2004 Categorias de cobertura do solo Água Cerrado Cultura Mata Pastagem Reflorestamento Total 1986 2 % Km 0,117 0,14 17,400 20,86 0,000 0 20,486 24,55 42,801 51,31 2,606 3,12 83,413 99,98 2004 2 Km % 1,592 1,77 11,204 12,52 0,094 0,10 24,460 27,34 51,469 57,53 0,628 0,70 89,450 99,96 A figura 3 mostra dez áreas principais de desmatamento, de diferentes tamanhos, ocasionado entre 1986 e 2004. Esta diminuição da cobertura vegetal pode ser observada comparando as figuras 1 e 2. A delineação da rota de interligação entre as áreas naturais (corredor ecológico) procurou acompanhar os cursos d’água e a agrupar os vários fragmentos. As possibilidades de conexão entre diferentes pontos da rota dependem de características intrínsecas aos organismos que vivem na região e também a características geográficas e de manejo realizado pela população humana que vive no local. Os pontos A, B, C e D (figura 3) são as áreas críticas de desmatamento que podem prejudicar a continuidade das rotas de interligação. Nestas e outras áreas podem ser feitos trabalhos junto a comunidade local para recomposição com espécies de interesse (ex: econômico) para a região. Como por exemplo espécies frutíferas ou medicinais do cerrado. Este tipo de proposta pode ser favorável para o estabelecimento de um início de conscientização ambiental e como uma iniciativa imediata de recuperação de áreas naturais. Estas medidas podem ser favoráveis por envolver hábitos e costumes da região. Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 186 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Figura 3 - Sobradinho. Principais áreas de desmatamento e rota de interligação (corredores ecológicos) da vegetação nativa Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 187 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa Ações como esta vão ao encontro do que é proposto por vários autores como Jain (2000) e Etkin (2002), o qual sugerem que a conservação ambiental não deve ser feita somente em seu contexto ecológico, mas também a relacionando aos grupos humanos que estão inseridos culturalmente e politicamente no ambiente em questão. Observando as modificações ao longo do tempo (1986 e 2004) nos padrões de conectividade entre as áreas de cobertura vegetal da área estudada podemos ver uma diminuição das possibilidades de interligação entre elas. Estas mudanças nos padrões de distribuição espacial da cobertura vegetal podem refletir em mudanças na organização das interações ecológicas entre as espécies (Alados et al, 2004). Sendo assim, a heterogeneidade nos padrões da paisagem e as interações ecológicas podem ser diretamente afetadas. Visto que o Cerrado brasileiro possui como uma das principais características a heterogeneidade de espécies e habitat (Felfili e Felfili, 2001), sua perda pode refletir em diminuição de qualidade ambiental. Como o aumento da fragmentação e distanciamento das áreas de cobertura vegetal se mostraram bem mais evidente no mapa de 2004 em relação a 1986, podem surgir conseqüências como modificação nas interações inter-específicas, nos padrões de predação e competição, exacerbado efeito de borda nos fragmentos de vegetação, modificações nos nutrientes do solo e na composição genética das populações locais (Debinsk e Holt, 2000). O aumento da área das matas de 24.55% (1986) para 27.34% (2004) pode ser devido a uma maior fiscalização, baseada no Código Florestal – Lei nº 4771, que estabelece a zona ciliar como uma área de preservação permanente; e mais recentemente, em 1991, a Lei de Política Agrícola – Lei nº 8171, que determina a recuperação gradual das Áreas de Preservação Permanente, estabelecendo um período de 30 anos para a recuperação da vegetação nativa nas áreas onde esta foi eliminada (Kageyama e Gandara, 2001). Tendo em vista que as matas ciliares e as veredas são incluídas em áreas de preservação permanente, segundo as Leis Ambientais do Município de Uberlândia (Lei Complementar nº 017), fica clara a importância da utilização destas fitofisionomias para promover a formação de redes interligadas de áreas protegida e também, segundo Mueller (1996), para proteção eficaz, tanto dos corpos d`água, quanto do solo de suas margens e dos lençóis freáticos; contribuindo para o amortecimento da erosão em áreas mais altas, quando nelas se desenvolve a agricultura. No entanto, outras fitofisionomias também são de grande importância para manter a qualidade ambiental. A redução do reflorestamento (pinus e eucalipto) de 3.12% em 1986 para 0.7% em 2004 (Figura 4) pode estar relacionada com o fim dos incentivos fiscais. Com isto, grande parte destas plantações foi sendo substituída pelo plantio de soja e pastagem (Schneider, 1996). 60 Pastagem Área (Km2) 50 40 0 2004 Cerrado 20 10 1986 Mata 30 Água Cultura Reflorest. Tipo de cobertura Figura 4 - Extensão espacial dos tipos de cobertura do solo em 1986 e 2004 Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 188 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa O aumento das aéreas de pastagens de 51.13% (1986) para 57.53% (2004) pode estar relacionada com o fato do relevo da área estudada ser bastante dissecado, o que impossibilita o uso da agricultura mecanizada. A grande parte das áreas de culturas anuais, perenes e irrigadas se localizam na porção sul do município (Brito e Prudente, 2005). A pecuária da região é uma atividade praticada por pequenos, médios e grandes proprietários, atendendo a finalidades de corte e leite. Porém, mesmo com os preços baixos, tanto da carne quanto do leite tem ocorrido a expansão de pastagens (Gobbi, 2002). Houve aumento de área que a água ocupa de 0.14% (1986) para 1.77% (2004), o que pode estar associado à construção de represas e açudes. A atividade agrícola na região, está baseada na agricultura familiar e teve crescimento de 0.1% de 1986 até 2004. A análise das relações de trabalho na agricultura brasileira mostra que ainda hoje assumem relações de produção como a parceria e o arrendamento, além da pequena propriedade baseada no trabalho familiar (Gobbi, 2002). Pois é essa agricultura que abastece o mercado interno e que absorve uma grande mão-de-obra, pois envolve toda a família. Atividades humanas e mudanças na paisagem A população humana que vive na região de Sobradinho possui um vasto histórico na região. Os entrevistados recordaram épocas de quando boa parte da região era formada por vegetação nativa, dizendo lembrar “de quando boa parte de Sobradinho ainda era mato virgem”. As antigas fazendas que configuravam a ocupação inicial dessa área desmembraram-se e em sua maioria, passaram a configurar médias e pequenas propriedades, constituindo terra de agricultores familiares (Custódio, 1996). Relataram também que com a instalação de sítios de veraneio nas margens do Rio Araguari muitas áreas de mato foram retiradas. Este processo ocasiona grandes modificações sociais e ambientais, visto que, geralmente esta categoria de proprietário possui pouco histórico de inter-relação com a terra (Brandão, 1999). Ambos entrevistados enfatizaram que antigamente era mais comum visualizar animais como capivara, cateto, onça – ao longo de cursos d`água; e tamanduá-bandeira, tatu, seriema, codorna, perdizes – demais regiões. E mesmo espécies frutíferas e medicinais nativas também estão cada vez mais escassas. O morador de uma propriedade de 20 ha, reside no local há 56 anos. Na época da delimitação de sua propriedade (década de 1970), as leis que determinavam a preservação ambiental não eram conhecidas pelos moradores, sendo comum a retirada da vegetação. Quando se iniciou maior fiscalização, os proprietários da região, tiveram que se adequar às novas vigências. Porém, este proprietário afirma estar insatisfeito com a forma que essas leis são aplicadas, devido ao fato de os órgãos competentes não esclareceram devidamente essa população, nem mesmo, ao menos, fornecem tempo necessário para as adequações. Já um morador da propriedade de 107 ha, reside na região há 15 anos, no qual a principal atividade desenvolvida é a criação de gado leiteiro. Ele relata que a propriedade também sofreu dificuldades para a adequação às leis ambientais, porém, com maior facilidade devido ao fato de que o proprietário se situava em melhores condições sócio-econômicas e estabeleceu os 20% de reserva natural em outra área fora da fazenda, procedimento embasado na lei. Entretanto, as perdas de áreas naturais na região ficam ainda mais evidentes. CONCLUSÃO Na área estudada, questões sócio-políticas e ambientais influenciaram no padrão de modificação da paisagem. As mudanças da paisagem apresentadas são o resultado do uso e ocupação da terra ao longo dos anos. Estas modificações nas áreas naturais podem influenciar na diversidade faunística, florística e na dispersão destes. Como demonstrado no mapa 2004, é de extrema importância a utilização das áreas de preservação permanente para a implementação de áreas interligadas (corredor ecológico) para reduzir os impactos da fragmentação, causada durante a ocupação da região. Como é proposto Caminhos de Geografia 7(17) 180 - 191, fev/2006 Página 189 Mudanças na paisagem e uso do solo na área rural de sobradinho, Uberlândia, MG Jomar Magalhães Barbosa, Rodrigo Moro Bueno Hugo Henrique Salgado Rocha, Diego Martins Rezende, Marcus Vinícius Coelho Vieira da Costa no texto, maneiras alternativas de recomposição de vegetação nativa e conscientização da população local podem ser utilizadas para minimizar efeitos negativos da fragmentação de habitat. Analisar aspectos históricos do uso e ocupação de áreas de cerrado possibilita um melhor entendimento das pressões ambientais às áreas naturais. Este processo se mostra de grande importância visto que a complexa e dinâmica modificação nos ambientes não apenas ocorrem em seus aspectos biológicos ou naturais, mas também envolve diversos aspectos antropogênicos e suas inter-relações. Sendo assim as modificações nos padrões da paisagem ao longo do tempo em Sobradinho esta muito relacionada ao histórico de ocupação da área e aos aspectos culturais da população. Ambientes de cerrado tem suportado uma longa e complexa ocupação humana, no qual populações de diferentes momentos históricos relacionam-se reciprocamente com este ambiente tão rico e heterogêneo. Estudos subseqüentes na área são de grande importância para um maior esclarecimento das interfaces entre modificações da paisagem e a dinâmica biológica e cultural. REFERÊNCIAS ALADOS, C.L.; PUEYO, Y.; BARRANTES, O.; ESCÓS, J.; GINER, L.; ROBLES, A.B. Variations in landscape patterns and vegetation cover between 1957 and 1994 in a semiarid Mediterranean ecosystem. Landscape ecology. V. 19, p. 543-559. 2004. ALMEIDA, S. P.; PROENÇA, C. E. B.; SANO, S. M.; RIBEIRO, J. F. Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina: EMBRAPA – CPAC. 1998. BARBOSA, J. M. 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