INTEIROS DE GAUSS E INTEIROS DE EISENSTEIN

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E COMPUTAÇÃO CIENTÍFICA
MONOGRAFIA 2
INTEIROS DE GAUSS
Disciplina: MA148
Professor responsável: Fernando Eduardo Torres Orihuela
Alunas: Mariana Moretto Pissini
Marina de Almeida Maiochi
RA: 103393
RA: 108222
SUMÁRIO
1) Introdução___________________________________________01
2) A
Norma
de
um
número
inteiro
de
Gauss_______________________________________________03
3) As Unidades__________________________________________03
4) Divisão Euclidiana____________________________________04
5) Lema de Euclides_____________________________________07
6) Fatoração Única______________________________________08
7) Primos de Gauss______________________________________09
8) Ternas Pitagóricas____________________________________11
9) Um Lema Interessante_________________________________13
10) Bibliografia__________________________________________13
1) Introdução
Entre os anos de 1808 e 1825, o matemático alemão Carl F. Gauss,
investigava questões relacionadas à reciprocidade cúbica (x3 ≡ q (mod p)
onde p e q são números primos) e à reciprocidade biquadrática (x4 ≡ q (mod
p) onde p e q são números primos), quando percebeu que essa investigação
se tornava mais simples trabalhando sobre Z[i], o anel dos inteiros
gaussianos, do que em Z, o conjunto dos números inteiros.
O conjunto Z[i] é formado pelos números complexos da forma a + bi, onde
a e b são números inteiros e i = (-1)1/2. Formalmente, os inteiros de Gauss
são o conjunto:
[i]  {a  bi a, b  }, onde i   1.
Gauss estendeu a idéia de número inteiro quando definiu o conjunto
Z[i], pois descobriu que muito da antiga “Teoria de Euclides” sobre
fatoração de inteiros poderia ser transportada para Z[i], com conseqüências
importantes para a “Teoria dos Números”. Ele desenvolveu uma “Teoria de
Fatorização em Primos” para esses números complexos e demonstrou que
essa decomposição em primos é única, como acontece com o conjunto dos
números inteiros. O uso que Gauss fez desse novo tipo de número foi de
fundamental importância na demonstração do “Último Teorema de
Fermat”.
Os inteiros de Gauss são exemplos de um tipo particular de número
complexo, ou seja, números complexos que são soluções de uma equação
polinomial
anxn + an-1 xn-1 + ... + a1x + a0 = 0,
onde todos os coeficientes an, an-1, ..., a1, a0 são números inteiros.
Os números complexos que são raízes de uma equação polinomial
com coeficientes inteiros são chamados de números inteiros algébricos. Por
exemplo, a unidade imaginária, i, é um inteiro algébrico, pois satisfaz a
equação x2 + 1 = 0; a raiz quadrada de 2 também é um inteiro algébrico,
pois satisfaz a equação x2– 2 = 0. Observe que os números i,
2 são
exemplos de inteiros algébricos e não são números inteiros.
Existem infinitos números algébricos e infinitos números reais que
não são algébricos, tais como o número de Euler “e”, ou como a área p de
um círculo de raio 1. Um número que não é algébrico é chamado de
“número transcendente”. Os números transcendentes são todos irracionais.
Contudo, a recíproca não é verdadeira, pois
2 é um número irracional e
algébrico como vimos acima.
A generalização da noção de número inteiro para número inteiro
algébrico dá exemplos especiais de desenvolvimentos muito mais
profundos que chamamos de Teoria dos Números Algébricos.
Uma grande parte da Teoria dos Números Algébricos desenvolveuse por meio das tentativas de solução da equação diofantina, mais
conhecida como “Equação de Fermat”:
xn + yn = zn ,
pois os inteiros algébricos aparecem de maneira natural, como ferramenta
para tratar desse problema.
2) A Norma de um número inteiro de Gauss
A função norma,
N:
=
+
i
a  bi  (a  bi).(a  bi)
preserva a multiplicação. De fato, se para todo   a  bi 
denotamos
seu conjugado a  bi por  , então é imediato verificar que temos
   .  ,  
, e portanto que:
N ( )   .       N ( ) N ( ) .
3) As Unidades
As unidades em Z[i], analogamente a Z, são todos os elementos z  Z[i]
que possuem inverso multiplicativo, ou seja, que  z ' Z[i] tal que z  z'  1.
Segue
que
se
z
=
a
+
bi
é
uma
unidade,
então
1  N ( z  z' )  N ( z)  N ( z' )  N ( z)  1  a 2  b 2  1  a  1, b  0 ou a  0,
b  1  Z  1 ou Z  i , e como esses quatro tem inverso, todas as
unidades são  1 e  i.
Observe então que x  Z[i] é unidade  N ( x)  1.
4) Divisão Euclidiana
Teorema: Seja Z[ i ] = Z + Z[ i ] o anel dos inteiros de Gauss.
Seja N: Z[ i ] 
(i)
2
2
, N (a  bi)  a  b , a função norma. Então:
(Z[ i ], +, . ) é um domínio euclidiano, isto é,

(Z[ i ], +, . ) é um domínio,

 ,   Z[i],   0 existem t , r  Z [i] tais que
 N (r )  N (  )
ou r  0
   .t  r com 

,
 ,   Z[i] \ {0}, N ( )  N ( ) .
(ii)
Tais elementos t e r podem ser efetivamente calculados.
(iii)
Em geral, tais elementos t e r não são únicos.
Demonstração:
(i) e (ii): Já foi visto que (Z[ i ], +, .) é um domínio.
Se   c  di  Z[i] ,   0, temos N ( )  c 2  d 2  0 , logo N ( )  1
(já
que
N ( ) é
um
inteiro
N ( )  N ( ) . N ( )  N ( ) .
Agora vejamos a divisão:
positivo,
e
conseqüentemente
Sejam  ,   Z[i] 
,   0. Digamos que   a  bi e   c  di com
a, b, c, d  Z . Procuramos dois elementos t , r  Z [i] tais que   t  r
com N (r )  N ( ) , isto é, procuramos um elemento t  Z [i] tal que
 



N (   t )  N (  )  N      t    N (  )  N (  )  N   t   N (  )



 


isto é, procuramos t  Z [i] tal que N   t   1 .





Como
=
+
i, existem x, y 
tais que

 x  iy .

Afirmamos que x e y podem ser efetivamente calculados, e pertencentes a
. De fato,
1


1
c  di
c
d
 2
 2
 2
i,
2
2
c  di c  d
c d
c d2
logo,

d
 c
 ac  bd bc  ad
 (a  bi)   2
 2
i  2

i
2
2 

c  d  c  d 2 c2  d 2
c d
1
Agora, escolhemos
1

e  Z tal que x  e  2

 f  Z tal que y  f  1 .

2
+
i.
É claro que, x e y sendo efetivamente calculáveis, tais elementos e e f
podem ser efetivamente computados. Tomando t  e  if , temos:


N   t   N (( x  iy )  (e  if ))


 N (( x  e)  i ( y  f ))
2
2
1
1 1
 ( x  e)  ( y  f )         1.
2
2 2
2
2
Logo, o elemento t  e  if satisfaz a propriedade desejada. Além disso, o
elemento t é efetivamente calculado. Naturalmente, o elemento r    t
é efetivamente calculado também.
(iii) Tais t e r não são únicos em geral pois, de novo temos:
3=2.1+1
3 = 2 . 2 + (-1)
(t = 1, r = 1)
(t = 2, r = -1),
isto é, temos duas possibilidades para a divisão de 3 por 2.
5) Lema de Euclides
A partir da divisão euclidiana podemos demonstrar o lema de Euclides,
ou seja, se p é um primo de Gauss (ou seja, não pode ser escrito como o
produto de dois inteiros de Gauss cujas normas são maiores que 1), então
sendo a, b  Z[i], p|ab  p|a ou p|b.
Demonstração:
Para demonstrá-lo, vamos fazer sucessivas divisões euclidianas,
sendo a0 = a e a1 = p. Seja ak + 2 o resto da divisão euclidiana de ak por ak+1.
Temos então as divisões:
a 0  q1 a1  a 2
a1  q 2 a 2  a 3
a 2  q3 a3  a 4

a n  2  q n 1 a n 1  a n
a n 1  q n a n  a n 1
Observe que como ak  0  N (ak 1 )  N (ak ) , podemos tomar n tal que
N(an +1) = 0, ou seja, an + 1 = 0.
Logo an|an
a n | a n1 ,
– 1.
Observe que a n | a k 1 e an | ak  an | ak 1 . Logo a n | a n e
então indutivamente,
an | ak , k 0  k  n,
particularmente
a n | a0  a e a n | a1  p. Tomando as j + 1 primeiras equações e realizando
substituições adequadas, temos que aj = xj a1 + yj a0 = xj p +yj a;
particularmente an  xn p  y n a.
Voltando ao lema, veja que se p|a então o lema está certo. Se p não divide
a, então, como a n | p, an|a e an = xnp + yna, então an  {1; – 1; i; – i} e
temos:
an  xn p  y n a  b  an1 ( pxn b  abyn )  p | b, pois p | ab, o que conclui a
demonstração.
6) Fatoração Única
A fatoração única é uma das propriedades mais usadas em problemas
envolvendo números inteiros. Vamos prová-la para os inteiros de Gauss.
Primeiramente provaremos que todo inteiro z de Gauss com norma
maior que 1 pode ser escrito como o produto de um ou mais primos de
Gauss.
Se N(z) = 2, como 2 é primo e a norma é multiplicativa, então z é primo,
portanto está provado. Considere N(z) > 2. Se z é primo a fatoração é
imediata. Se z não é primo, então z = a  b  N(z) = N(a)  N(b), onde N(a),
N(b) > 1, portanto N(a), N(b) < N(z). Podemos supor, por indução, que se
N(x) < N(z), então x é fatorável. Logo a e b são fatoráveis, e portanto z é
fatorável.
Para provar que esta fatoração é única, basta considerar as duas
fatorações p1p2…pn e q1q2…qm . Suponha, por indução, que :
p1p2…pn =  q1q2…qm, sendo  uma unidade, implica que a sequência
(pi) é uma permutação (a menos que sejam multiplicações por unidades) da
(qi). Se max{n; m} = 1, então o resultado é imediato. Supondo que ele vale
se max{n'; m'}< max{n; m}, pelo lema de Euclides, vemos que para algum
i, pn|qi. Sem perda de generalidade, i = m. Como pn e qm são primos, então
qm = ' pn, onde ' é uma unidade. Logo p1p2…pn =  q1q2…qm  p1p2…pn
– 1
=  ' q1q2 ...qm1 . Por indução, p1, p2,...,pn-1 é uma permutação (a menos
que sejam multiplicações por unidades) de q1, q2, …, qm, portanto a
fatoração única está provada.
7) Primos de Gauss
Vamos agora ver quem são os números primos em Z[i].
Observe que se N() é primo em Z, então  é um primo de Gauss (pois
se  fatora então N() fatora). Observe que todo primo  divide N(),
portanto ele deve dividir ao menos um fator primo em Z de N(). Se 
dividir ao menos dois números distintos (absolutamente) x e y primos em Z,
como sempre é possível tomar a, b  Z tal que ax + by = 1, teríamos |1,
um absurdo. Logo todo primo de Gauss divide exatamente um primo
inteiro positivo (e seu oposto negativo) em Z. Seja esse primo inteiro
positivo p. Temos três casos:
Se p é par, então p = 2. Sendo  = a + bi, então a2 + b2 = 2  
(i)
=  1  i, e obtemos os quatro primos 1 + i, 1 – i, –1 + i e –1 –i.
Observe que eles são dois a dois uma multiplicação por uma
unidade do outro.
Se p  3 (mód. 4), como x  Z  x2  0 ou 1 (mód. 4), então, se
(ii)
existisse  = c + di, c, d  Z, 1 < N() < p2 tal que p = , é
facil ver que, como p é um primo inteiro   c – di , logo p = c2
+ d2  0, 1 ou 2 (mod.4), absurdo, pois p = 4k + 3. Logo p é um
primo de Gauss.
(iii)
Se p  1 (mód. 4), então, sendo x = 1  2 … ( p – 1)/2, então:
x 2  1  2  ... 
( p  1)
( p  1)
 1  2  ... 
2
2
 1  2  ... 
( p  1) ( p  1)

 ...  ( p  2)  ( p  1)  1  ( p  1)
2
2
 1(mód. p)
Logo p | x 2  1  ( x  i)(x  i). Como  é um primo de Gauss que
divide p, então   Z, |x + i ou |x – i  |1, absurdo. Portanto 
 Z[i] tal que p = . Seja  = a + bi e  = c + di, a, b, c, d  Z.
Como p é primo em z, então mdc(a; b) = mdc(c;d) = 1. Temos p =
(a + bi)(c + di) = ac – bd + (bc + ad)i. Como p  Z, então bc = –ad
 (a = c e b = – d) ou (a = –c e b = d)   =   . Como p > 0,
então     N ( )  p, logo  é primo (e  e seu conjugado são
únicos primos de Gauss que dividem p).
Portanto vimos que os números primos em Z[i] são:
(1) O primo 1 + i e seus produtos pelas unidades.
(2) Os primos p em Z tal que p  3 (mod. 4) e seus produtos pelas
unidades.
(3) Para cada primo p em Z+ tal que p  1 (mod. 4), os primos a + bi, a – bi
e seus produtos pelas unidades, sendo a2 + b2 = p.
8) Ternas Pitagóricas
Agora que já vimos a aritmética básica dos inteiros de Gauss, vamos
começar com um resultado simples e interessante. Vamos achar as soluções
da equação a2 + b2 = c2, sendo a, b, c  Z.
Sejam m = mdc(a; b) então existem a' e b' Z tais que:
ma' = a e mb' = b.
Temos então:
a2 + b2 = (ma')2 + (m b')2 = m2((a')2 + (b')2) = c2  m|c.
Seja então mc' = c, temos a'2 + b'2 = c'2, mdc(a';b';c') = 1.
Note que a'2 + b'2 = c'2  (a'+ b'i)(a'– b'i) = c'2. Observe que se
d = mdc(a' + b'i; a' – b'i), então d|2a' e d|2b'  d|2. Se d não divide 1, então
d|a'2 + b'2  a' e b' são ímpares, o que é um absurdo, basta ver congruência
módulo 4. Portanto d|1  a' + b'i e a' + b'i são primos entre si, logo ambos
são quadrados perfeitos. Observe também que quaisquer a' e b' primos entre
si tais que a' + b'i e a'– b'i são quadrados perfeitos são soluções da equação.
Portanto a' e b' formam uma solução se e somente se existem x, y, z, w  Z
tal que:
a'b' i  ( x  yi) 2
a'b' i  ( z  wi ) 2

a'b' i  ( x  yi) 2
a'b' i  ( x  yi) 2
 a'b' i  ( x  yi) 2 
a'  x 2  y 2
b'  2 xy
Veja então que a' e b' são primos entre si se e só se x e y são primos entre
si. Logo as soluções são a = (x2 – y2)  d, b = 2xy  d, ou vice-versa, e
conseqüentemente c = (x2 + y2)  d, para x, y, d  Z, sendo x e y primos
entre si.
Resultados importantes:
a) Quando um primo p é a soma de dois quadrados, ele o é de maneira
única. De fato, suponha que p = a2 + b2 = c2 + d2. Temos então:
p = (a + ib) (a - ib) = (c + id)(c - id);
os elementos a + ib, a – ib, c + id, c – id são irredutíveis em Z[i], pois tem
norma igual a p que é irredutível em Z. Sendo Z[i] domínio fatorial,
obtemos que a + ib é associado a (c + id) ou a (c - id); já que os elementos
irredutíveis de Z[i] são +1, -1, + i e – i, obtemos:
a  c

b   d
ou
a   d

b  c
,
logo
a 2  c 2
 2
b  d 2
ou
a 2  d 2
.
 2
b  c 2
b) Em geral, é possível para um inteiro positivo não-primo ser expresso
como soma de dois quadrados de duas maneiras diferentes, por exemplo:
125102 + 52 = 112 + 22.
9) Um Lema Interessante
Se f, g são inteiros que são soma de dois quadrados, então o produto f.g
também é soma de dois quadrados.
Demonstração:
Por hipótese, existem inteiros a, b, c, d tais que f = a2 + b2 e g = c2 + d2.
Então, f.g = (a2 + b2).( c2 + d2) = N(a + ib)N(c + id)
= N((a + ib)(c + id)) = N((ac - bd) + i(ad + bc))
= (ac - bd)2 + (ad + bc)2.
10)
Bibliografia
- Elementos de Álgebra – Arnaldo Garcia e Yves Lequain
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Inteiro_de_Gauss
- http://en.wikipedia.org/wiki/Gaussian_integer
- http://mimosa.pntic.mec.es/jgomez53/matema/conocer/primos_gauss.htm
- http://www.mtm.ufsc.br/~jane/acap2/cap2.htm
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