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Doenças
Raras
Dra. Luciana Clark
CRM-SP: 84.916
Diretora de Comunicação Científica da Evidências.
Dr. Otávio Clark
CRM-SP: 84.863
Oncologista Clínico;
Presidente da Evidências Consultoria.
2
| Doenças raras
Doenças
raras
Introdução
Doenças raras (DR) não são raras, pelo menos
não quando avaliadas em conjunto. São conhecidas cerca de 7.000 destas doenças, afetando aproximadamente 25 milhões de pacientes somente
nos Estados Unidos.1
As discussões sobre as doenças raras (DR) e o
processo de desenvolvimento de medicamentos
para elas têm migrado cada vez mais das publicações especializadas para a imprensa leiga nos
últimos anos.
2-5
Como parte desta mobilização, em 2012, o Dia
Internacional das Doenças Raras foi comemorado
em 29 de Fevereiro por centenas de organizações
de pacientes sob a bandeira “Rare but strong together” (Raras, porém fortes juntas).6
De modo geral estas doenças são caracterizadas
pela baixa frequência na população, pela origem
predominantemente (mas não exclusivamente)
genética e por limitações físicas ou mentais seve-
ras nos pacientes que sobrevivem à mortalidade
prematura. A apresentação dos sintomas ocorre
em cerca de metade dos casos logo ao nascimento
ou ainda na infância.7
Causas
São várias as causas conhecidas para as DR:
• Genéticas: alterações genéticas são responsáveis por 80% das DR, sendo a maioria de-
las ocasionadas pela alteração em um único
gene. Alterações múltiplas em um único gene
podem dar origem a variações da mesma
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doença com diferentes graus de gravidade.
Estas alterações genéticas são frequentemente herdadas, porém também podem ocorrer como resultado de mutações
aleatórias.
• Exposição a agentes infecciosos: como
ocorre na raiva, no botulismo e na febre macular das montanhas Rochosas.
• Exposição a agentes tóxicos: a exposição a
asbestos pode levar ao desenvolvimento de
formas raras de câncer, como o mesotelioma.
A ingestão de alimentos contaminados com
triptofano pode dar origem à Síndrome da
mialgia-eosinofilia.
• Outras: doenças raras também podem ser
causadas por deficiências nutricionais do
próprio paciente (como o beribéri, secundário à falta de tiamina) ou da mãe (spina
bífida secundária à falta de ácido fólico na
gestação) ou podem ser resultado de tratamentos anteriores, como o meningioma
secundário à radioterapia.
Prevenção
Nem todas as DR podem ser prevenidas, mas
para algumas, ações preventivas já são empregadas. Ações de prevenção primária, que buscam
eliminar ou reduzir fatores de risco variam desde
programas de imunização, até o banimento de
substâncias como o asbesto e a talidomida, passando por programas de promoção da suplementação de vitaminas na gravidez. Outras ações envolvem questões éticas como o aconselhamento
genético de casais.
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A prevenção secundária busca identificar, por
meio de screenings, os indivíduos afetados pela
doença para que o tratamento seja oferecido antes da instalação de sequelas permanentes.
Definições no Brasil e
em outros países
A despeito do interesse público cada vez maior,
este grupo de doenças ainda carece de uma definição que seja internacionalmente aceita.
No Brasil, ainda não há uma legislação específica para as doenças raras. A ANVISA definiu
as drogas órfãs como “medicamentos utilizados
em doenças raras, cuja dispensação atende a casos específicos”. Não há, porém, uma política
efetiva para esse tipo de fármaco no Brasil,
apesar de alguns estarem inseridos dentro do
Componente de Medicamentos de Dispensação
Excepcional.8
A promulgação da Portaria n o. 81 de 21
de Janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica, com o objetivo de organizar uma linha
de cuidados integrais desde a prevenção até o
tratamento destas patologias, incentivando a
pesquisa, qualificação da assistência médica e
educação continuada na área.6
Na União Européia (UE), doenças raras são
consideradas doenças potencialmente fatais ou
cronicamente debilitantes, com uma prevalência
menor do que 5:10.000 e que demandam esforços combinados entre várias áreas para prevenir
a morbi-mortalidade significativa ou a redução
considerável da qualidade de vida ou do potencial socio-econômico do paciente.9 (Tabela 1).
Tabela 1. Detalha outras especificações de doenças raras em todo o mundo.
Países
Prevalência
em 100 mil
Origem da Designação
Estados Unidos
66
Orphan Drug Act 1983
União Europeia
50
Regulation EC no 141/2000
Japão
40
Orphan Drug Act 1993
Austrália
11
Orphan Drug Program 1997
Suécia
10
Swedish National Board of Halth and Welfare
França
50
Regulation EC no 141/2000
Holanda
50
Regulation EC no 141/2000
OMS
65
Organização Mundial da Saúde
OMS: Organização Mundial de Saúde.11
Estima-se que o número de pacientes afetados
na UE seja próximo a 36 milhões.7
Nos Estados Unidos, o Orphan Drug Act de
1983 define doença rara como qualquer doença
ou condição que afete menos que 200 mil pessoas no país.10
No Japão, pela definição do Japanese Medicines Act de 1993, uma doença rara não pode
afetar mais do que 50 mil pessoas no país.7
DR: características e legislação
Cada DR tem características clinico-patológicas distintas, porém todas compartilham o
impacto social negativo na vida de pacientes e
familiares, o que torna este grupo de doenças
um problema de saúde pública. Este impacto
negativo é potencializado pelos diagnósticos
difíceis e arrastados, pela falta de conhecimento
dos próprios médicos sobre o tema e pela falta
de uma rede social de proteção mais forte para
estes pacientes. Além disto, faltam suporte financeiro para pesquisas, acesso aos tratamentos (quando disponíveis) e informação para o
público em geral.
Mesmo dados epidemiológicos sobre estas do-
enças são escassos, o que compromete o planejamento de políticas públicas específicas.7
Muitas doenças não têm sequer um CID (Có-
digo Internacional de Doenças) específico, o que
dificulta ainda mais os levantamentos epidemiológicos. O código E75.2 por exemplo, cobre Doença de Fabry, Doença de Gaucher, Doença de
Krabbe, Doença de Niemann-Pick, Síndrome de
Farber, Leucodistrofia Metacromática e deficiência de sulfatase.1
Os países têm procurado desenvolver legisla-
ções específicas para DR, que estimulem o desenvolvimento de novos tratamentos.
Um dos pioneiros nesta área foi o Congresso
Americano, que em 1983 promulgou o US Or-
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phan Drug Act.12 Esta lei oferece exclusividade
de mercado de 7 anos para novas drogas desenvolvidas para doenças raras, linhas de crédito e
assistência técnica para a condução de estudos
clínicos, além de acesso a subsídios específicos. A passagem desta lei nos Estados Unidos
resultou em 339 drogas órfãs disponíveis no
mercado, 14 novas solicitações de aprovação ao
FDA e 139 novas drogas aprovadas entre 2000
e 2009.13
Japão, Austrália e os países da Comunidade
Européia também passaram leis de incentivo ao
desenvolvimento e comercialização de produtos
para diagnóstico e tratamento das DR.7
Para contra-balançar as dificuldades encontradas, é cada vez mais comum a formação de
alianças e consórcios internacionais, que unem
forças para tornar possível o desenvolvimento de
instrumentos de diagnóstico e tratamento para
estas patologias. O Parlamento Europeu emitiu
diversas recomendações visando a melhoria do
acesso aos cuidados para pacientes portadores de
DR.14 Entre estas recomendações estão:
• a coordenação de atividades entre os centros
locais, regionais e nacionais,
• a criação de uma classificação apropriada e
única para cada doença rara,
• o compartilhamento do conhecimento entre
os centros de referência,
• a criação de uma lista central de projetos e
recursos disponíveis aos pacientes para facilitar a identificação das necessidades e prioridades e possibilitar a estruturação de esquemas de financiamento à pesquisa nesta área,
• o estímulo ao treinamento da comunidade
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médica com as melhores práticas disponíveis,
• o desenvolvimento de protocolos de diagnóstico e screening populacional,
• a divulgação de relatórios que esclareçam à
comunidade leiga o valor agregado de cada
tratamento disponível para DR.
O problema das drogas órfãs
Droga órfã é definida como um produto para
o diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma
doença que não é economicamente viável em condições normais de mercado.15, 16
Um produto pode ser caracterizado como órfão
quando atende a quatro critérios distintos.17
• Gravidade: é um medicamento destinado ao
tratamento de uma doença crônica, que representa uma ameaça de morte ao paciente e exije
que o mesmo se mantenha em tratamento ao
longo de toda vida
• Necessidade não atendida: não existem outros métodos satisfatórios de diagnósticos,
prevenção ou tratamento
• Prevalência: é um medicamento desenvolvido
para o tratamento de doenças que atingem
menos de 5 pessoas a cada 10.000 indivíduos
• Retorno financeiro esperado: é um medicamento cujas vendas não apresentam expectativa de
cobertura dos custos iniciais de pesquisa e desenvolvimento.
As dificuldades no desenvolvimento destes medicamentos são inúmeras. Devido à baixa prevalência, faltam pacientes para realização de estudos
clínicos extensos.
A indústria farmacêutica, por outro lado, tem
pouco interesse neste campo, principalmente
porque o mercado consumidor é limitado e os
custos com o desenvolvimento das drogas são
muito altos.
Estudos clínicos em DR
Uma das grandes dificuldades é encontrar o
equilíbrio entre a demanda urgente por novas
drogas para o tratamento das DR, a necessidade
de garantir sua qualidade, eficácia e segurança e
a falta de métodos confiáveis para avaliar o efeito
destes medicamentos em uma população limitada de pacientes.
Não é possível utilizar os mesmos critérios de
avaliação para drogas órfãs e para aquelas utilizadas em doenças mais prevalentes, o que não quer
dizer de forma alguma que estudos comparando
novos medicamentos ao melhor tratamento disponível não devam ser realizados.16
Para as patologias mais raras, muitas vezes
a literatura consiste apenas de relatos de casos;
para as menos raras como a fibrose cística e anemia falciforme podem haver desde estudos epidemiológicos até guidelines de tratamento.
Estudos clínicos randomizados (RCT) são
considerados o padrão-ouro para responder
questões de tratamento, no entanto, quando estes
tipos de estudo não são factíveis, outras fontes
de evidência sobre o tema não devem ser descartadas. Independente da prevalência de uma
doença, qualquer estudo clínico sobre ela deve
ser precedido por um levantamento exaustivo e
sistemático da literatura, de modo que a totalidade de evidências sobre o tema forme a base da
tomada de decisão médica.
Quando é impossível realizar um RCT, pode-se
optar por uma semi-randomização de pacientes
associada ao registro prospectivo de cada paciente
em uma base de dados única.18
Outra alternativa é a aplicação de métodos
estatísticos Bayesianos no desenho dos estudos.
Utilizando dados obtidos através de estudos
pequenos publicados anteriormente é possível
estabelecer a priori as probabilidades esperadas
de que um determinado tratamento funcione.
Estes dados, combinados ao resultado do estudo
em andamento geram as probabilidades a posteriori sobre as quais conclusões e decisões clínicas podem ser obtidas.19
A visão tradicional de que pesquisas em DR
têm aplicação limitada e pouco retorno financeiro tem mudado na última década, à medida
em que os pesquisadores perceberam que os
resultados destas pesquisas podem ser úteis no
tratamento de outras doenças mais prevalentes20
como nos exemplos da tabela 2.
O FDA tem se adaptado a estas particularidades nas pesquisas de medicamentos para DR.
Uma análise das aprovações recentes mostra
que alguns medicamentos foram aprovados com
base em estudos fase II e até mesmo em uma
série histórica de casos. Mesmo assim, muitas
das submissões ainda apresentam problemas que
podem atrasar ou mesmo impedir sua aprovação:
falhas metodológicas no desenho dos estudos,
falta de dados toxicológicos, caracterização inadequada da história natural da doença entre outros.1 (Tabela 3).
A despeito das dificuldades nas pesquisas,
o progresso científico trouxe melhoras dramá­
ticas para pacientes portadores de algumas
doenças:1
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7
Tabela 2. Outras aplicações das descobertas feitas em pesquisas para doenças raras.
Doença Rara
Características
Aplicação dos estudos em doenças mais prevalentes
Tumor de Wilms
Tumor renal infantil
Auxiliaram na compreensão de modelos genéticos de outros tumores
pediátricos21
Doença de
Tangier
Alteração genética que
compromete o metabolismo do
colesterol
Indicaram caminhos para terapias que reduziram o risco de doenças cardíacas
e ofereceram insights em Alzheimer22
Sindrome de
Liddle
Doença renal genética associada com hipertensão arterial
severa e precoce
Contribuíram para desvendar a fisiopatologia
da hipertensão23
Anemia de
Fanconi
Anemia de origem genética
Esclareceram os mecanismos envolvidos na falência da medula óssea, câncer
e resistência aos medicamentos quimioterápicos24
Tabela 3. Descreve alguns medicamentos que foram aprovados para uso baseados em pequenos estudos.
Fármaco
Doença / Condição
Prevalência
para 10 mil
N
Agalsidase alfa
Doença Fabry
0,25
41
Agalsidase beta
Doença Fabry
0,25
56
Triozídeo Arsênico
Leucemia promielocítica aguda
ND
52
Bosentan
Hipertensão arterial pulmonar
0,005-0,07
32
Bussulfan
Pré transplante de medula óssea
0,66
104
Ácido carglúmico
Deficiência de N-acetil glutamato sintase
0,00125
20
Cladribina
Leucemia Hairy Cell
ND
120
Ibuprofeno
Ducto arterioso patente em recém nascidos
ND
131
Iloporst
Hipertensão arterial pulmonar
0,005-0,07
203
Laronidase
Mucopolissacaridose I
0,18-0,5
45
Miglustate
Doença Gaucher
0,025
28
Pefvisomante
Acromegalia
0,5-0,7
112
Sódio Perfimer
Esôfago de Barrett
2,3
208
Acetato de Zinco
Doença de Wilson
0,6
148
N: Número de pacientes utilizados para aprovação do produto. ND: Não disponível.8
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Crianças com fibrose cística que nos anos 60
tinham uma expectativa de vida menor que 10
anos, hoje chegam aos 40.
A compreensão dos mecanismos básicos da
fenilcetonúria permitiu que pacientes e familiares passassem a conviver melhor com a doença e
a evitar as sequelas através da dieta.
O uso de suplementação de ácido fólico durante a gravidez reduziu a incidência de pacientes com spina bífida.
Conclusão
Uma publicação brasileira25 detalhou três tipos diferentes de falhas que podem impossibilitar os tratamentos as doenças raras: a falha da
ciência (ausência de conhecimentos suficientes),
a falha da saúde pública (alocação deficiente de
recursos) e a falha do mercado (custo proibitivo
da produção do medicamento).
A evolução no tratamento das doenças raras
depende de esforços multidisciplinares. Cabe
aos médicos minimizarem as falhas da ciência,
buscando na educação continuada a ferramenta
para evitarem a via crucis imposta aos pacientes durante a fase de diagnóstico e terapêutica.
Cabe aos administradores públicos um olhar
mais atento aos quase 13 milhões de pacientes
afetados no Brasil, distribuindo recursos e facilitando o acesso ao tratamento. Cabe à indústria
buscar parcerias e financiamento para a produção dos medicamentos.
É preciso que as doenças raras sejam tratadas
como o problema de saúde pública que realmente são e não como uma questão isolada de gestão
de orçamento.
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DR - 01/12 - PRODUZIDO EM AGOSTO DE 2012
Rua Dona Brígida, 754 - Vila Mariana - São Paulo - SP - CEP 04111-081
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