centro de ensino superior do ceará

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE JORNALISMO
CECILIA LORENA DE OLIVEIRA PINHEIRO
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA MULHER
A PARTIR DA ANÁLISE DAS MÚSICAS DA BANDA GAROTA SAFADA
FORTALEZA/CE
2013
CECILIA LORENA DE OLIVERIA PINHEIRO
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA MULHER
A PARTIR DA ANÁLISE DAS MÚSICAS DA BANDA GAROTA SAFADA
Monografia submetida à aprovação da
coordenação do curso de Comunicação
Social, com Habilitação em Jornalismo, do
Centro Superior do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do grau de
Graduação sob a orientação do Prof.
Carlos Alberto Ferreira Junior (Carlos
Perdigão).
FORTALEZA/CE
2013
P654c Pinheiro, Cecilia Lorena de Oliveira
A construção da imagem da mulher a partir da análise das
músicas da banda garota safada / Cecilia Lorena de Oliveira
Pinheiro. – 2013.
55f. Il.
Orientador: Prof°. Carlos Alberto Ferreira Junior.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo, 2013.
1. Imagem da mulher. 2. Forró eletrônico. 3. Música - letra.
I Freitas, Márcia Maria Machado. II. Título
CDU 396:784.4
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
Aos meus pais, que sempre acreditaram
em mim. Ao meu avô, que partiu sem me
ver graduada, mas que sempre me
chamou carinhosamente de “jornalista”.
AGRADECIMENTOS
A Deus acima de tudo, pois nunca desistiu de mim e nem descuidou das minhas aflições.
A Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora da Conceição, constantes intercessoras e
compadecidas dos meus pedidos.
Ao Carmelo Sagrado Coração de Jesus e Madre Tereza, em especial à Irmã Maria Tereza
de Santo Agostinho (Dandinha), minha tia, pelas orações e entregas diárias da minha vida a
Deus.
Aos meus pais, Rejane e Francisco, de quem recebi o dom mais precioso do universo: a
vida. Vocês são os protagonistas deste momento inesquecível. Serão eternamente
lembrados como exemplos de sabedoria e esperança de futuro, pelo esforço contínuo para
que tudo fosse possível, pelas dificuldades enfrentadas e pela confiança depositada em
mim.
Ao meu amor e futuro marido Felipe, pela paciência, força, carinho, dedicação e
companheirismo!
À tia Lindete, minha “patroa” de coração enorme e bondade constante, que me dispensou
de um expediente de trabalho para que eu pudesse me dedicar a este estudo.
Ao profº. Dellano, pela compreensão e sinceridade com que me conduziu nesta fase da
minha vida acadêmica.
As minhas amigas, Ivila, Kamila, Camylla e Ruthany, que nunca deixaram de me ouvir, me
acalmar e alegrar nos momentos tensos.
E finalmente, mas não menos importante (pelo contrário), agradeço imensamente ao meu
professor-orientador, Carlinhos Perdigão, por sua extraordinária dedicação, compreensão e
paciência. Sem seu incentivo não conseguiria chegar tão longe. Muito obrigada mesmo, de
coração.
RESUMO
Presente no cotidiano das sociedades, a música serve como instrumento de
entretenimento e também como potente formadora de opinião dos que fazem parte
de uma sociedade, contribuindo para identificação e solidificação de conceitos,
ideias e crenças, através da memorização de conteúdos das letras nelas presentes
(FERREIRA apud RODRIGUES, 2010 p. 7). Nessa perspectiva, esta monografia tem
como objeto de estudo o gênero musical conhecido como “forró”, que atualmente é
um dos estilos musicais mais tocados nas rádios e televisões do Nordeste. Uma de
suas ramificações é o forró eletrônico surgido nos anos 90, que é caracterizado por
utilizar instrumentos como guitarra, teclado, baixo, saxofone e bateria. A linguagem
deste forró é estilizada, eletrizante e visual, com muito brilho e iluminação. A mulher
- atuando como cantora e dançarina - está sempre presente nessa vertente do forró,
desde os nomes das bandas às letras das músicas, e também pela composição dos
grupos. Assim, este estudo visa analisar a representação feminina presente nas
letras da banda Garota Safada, conjunto formado há aproximadamente 12 anos e
que apresenta em suas canções constantes menções à figura feminina representada
como objeto sexual e submissa aos desejos masculinos. Esta pesquisa espera
contribuir para uma melhor análise crítica das músicas que escutamos em nosso
cotidiano e para a discussão dos valores femininos expostos nas composições do
forró eletrônico.
Palavra-chave: Imagem da mulher. Forró Eletrônico. Letras de Música.
ABSTRACT
Present in everyday societies, music serves as a means of entertainment as well as
forming strong opinions from being part of a society, contributing to identification and
solidification of concepts, ideas and beliefs through memorizing content of these
letters in them (FERREIRA apud RODRIGUES, 2010 p. 7). This monograph has as
its subject matter the musical genre known as "forró", which is currently one of the
most musical styles played on radio and television stations in the Northeast. One of
its branches is the electronic forró emerged in the 90s, which is characterized by
using electronic instruments such as guitar, keyboard, bass, saxophone and drums.
The language of this forró is stylized, exciting and visual, and lighting too bright. The
woman - acting as a singer and dancer - is always present in this part of forró, since
the names of the bands lyrics, and also by the composition of the groups. This study
aims to analyze the representation of women in this band's lyrics Naughty Girl. This
group was formed about 12 years ago and has in his songs contained references to
the female figure depicted as sexual objects and submissive to male desires. This
research hopes to contribute to a better critical analysis of the music we hear in our
day-to-day and to the discussion of feminine values exposed in the compositions of
electronic forró.
Keyword: Woman picture. Electronic Forró.Music Lyrics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... ..
7
CAPÍTULO 1 - RELAÇÕES ENTRE CULTURA E ARTE ........................ .
11
1.1 A função pública da arte e do artista.........................................................
14
1.2 O cenário cultural brasileiro e nordestino no século XX............................
18
CAPÍTULO 2 - FORRÓ: O RÍTMO DO NORDESTE ...............................
25
2.1 Definição e gênero....................................................................................
25
2.2 Forró eletrônico.........................................................................................
29
2.3 A música e as relações de gênero: a representação da mulher nas
produções culturais ontem e hoje......................................................................... 32
CAPÍTULO 3 - A BANDA GAROTA SAFADA .......................................
34
3.1 História......................................................................................................
34
3.2 A Garota Safada e o mercado fonográfico atual.......................................
36
3.3 Análise das letras com ênfase na construção da imagem da mulher ............. 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................
45
AXEXOS ...............................................................................................
48
REFERÊNCIAS ....................................................................................
53
7
INTRODUÇÃO
O forró é o gênero musical que mais representou e representa o cotidiano
do nordestino. Ele é considerado a “expressão da identidade sociocultural” desse
povo (SILVA, 2003).
Diante disso, e da condição de nordestina que sou, tomei-me a pesquisar
mais profundamente esse ritmo genuinamente nordestino e suas ramificações, mais
especificamente o forró eletrônico, aqui representado pela Banda Garota Safada.
Este estudo tem como objetivo principal analisar a maneira com que a
figura feminina está presente e é construída nas músicas da banda supracitada.
Considero este tema importante, haja vista o impacto que este forró industrializado
causa nas suas relações com o público e com a mídia. Particularmente, optei por
esse tema não só por também ser mulher e gostar desse gênero musical, mas para,
através da análise das letras, instigar reflexões acerca dessa problemática.
Será utilizada a metodologia da Análise do Discurso (AD) da linha
francesa, que surgiu nos anos de 1960 com o intuito de analisar questões
discursivas e suas representações políticas, sociais, ideológicas e culturais no
mundo concreto. Como sustenta Fernandes:
Discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e
envolve questões de natureza não estritamente linguística. Referimo-nos a
aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são
pronunciadas. (FERNANDES, 2007, p. 18)
Esses aspectos são fundamentais para o desenvolvimento das análises
críticas acerca das canções do conjunto em foco, e que estão presentes neste
estudo, que trabalha com o significado social e humano dessas letras.
Ainda sobre a AD, Eni Orlandi, em uma declaração bem pessoal, diz que
a interpretação feita pela Análise do Discurso “é uma questão da língua e do
sentido”. (ORLANDI, 2004, p. 149)
A autora vai além ao declarar sua posição a esse respeito:
(...) análise de discurso teoriza a interpretação no sentido forte, ou seja, ela
interroga a interpretação. (...) para a análise do discurso, a língua (...) se
inscreve na história para significar. (p. 149)
8
Por sua vez, os autores explorados neste estudo remetem a Felipe Trotta,
Expedito Leandro Silva, Teixeira Coelho, Lúcia Santaella, Bárbara Freitag, Nicolau
Sevcenko, Mariza Veloso e Angélica Madeira. Igualmente esta pesquisa destaca os
estudos realizados por Theodor Adorno e Horkeimer, filósofos que instituíram a
teoria da Indústria Cultural. Todos os citados contribuíram com as perspectivas
desta monografia.
Na primeira parte do trabalho, este estudo considera pertinente discutir
as relações entre cultura e arte e suas problemáticas, incluindo a definição e os
parâmetros da indústria cultural, cultura de massa e manifestações culturais. Nesse
contexto, foi analisada também a função pública da arte e do artista. O primeiro
capítulo descreve também o cenário cultural do Brasil e do Nordeste no século XX,
ressaltando a música como um importante instrumento de expressão de opiniões, de
entretenimento e de socialização.
Por sua vez, a segunda parte da pesquisa mostra o forró como principal
manifestação cultural do povo nordestino. Instituído por Luiz Gonzaga na década de
40, o forró era inicialmente chamado de “baião” e sempre tinha no enredo a
descrição da vida simples e sofrida do sertão e do sertanejo. Com o passar dos anos
surgiram várias ramificações do gênero, como o forró tradicional e o forró pé-deserra. Mas foi a partir da década de 90 que este estilo ganhou uma roupagem
diferente de todas as outras. Foram associados a ele instrumentos de sopro,
teclado, bateria e guitarra. Assim nasceu o chamado “forró eletrônico”, o qual tem
como uma das principais características canções que exploram assuntos como
festas, bebidas, ostentação, prazer e mulheres, fugindo - ainda que não totalmente do enredo inicial valorizado por Luiz Gonzaga. Observe-se o que sustenta Braga:
O forró eletrônico tem como uma das principais características “alusões
explícitas ao consumo de bebidas alcoólicas, ao sexo, às relações
amorosas (estáveis e instáveis), à beleza física e ao dinheiro” (BRAGA,
2011).
No final deste capítulo, esta pesquisa procura expor parte da trajetória da
figura feminina nas produções culturais até os dias atuais, destacando nomes que
marcaram a história da música brasileira.
A seguir, no terceiro capítulo, será explorada a história da Banda Garota
Safada: como tudo começou, as dificuldades e a ascensão do grupo que já está há
9
mais de uma década presente no mercado fonográfico, não só do Nordeste, mas de
todo o Brasil. Ainda sobre esse mercado, nessa etapa do trabalho será possível
observar que a banda encontra-se atualmente em um lugar privilegiado no “ranking”
dos grupos mais bem pagos do país, e que reúnem um público fiel a cada
espetáculo, sempre lotado e repleto de canções com apologia ao sexo, à bebida e à
ostentação.
Outro aspecto existente nas letras de algumas das músicas da banda em
questão, que é o foco principal deste estudo, é a coisificação da mulher. A figura
feminina é tratada com desprezo e seu corpo passa a ser um objeto de desejo e
prazer do homem, exclusivamente. Nessa perspectiva: ela deve ser submissa e
estar sempre à disposição da figura masculina. Em outras palavras, sugere-se através de uma leitura interpretativa inclusive histórica - a presença de conceitos
relacionados ao “machismo”.
Diante de quadros como esse, é pertinente ressaltar o que Orlandi
assegura:
(...) não há sentido sem interpretação, e a interpretação é um excelente
observatório para se trabalhar a relação historicamente determinada do
sujeito com os sentidos, em um processo em que intervém o imaginário e
que se desenvolve em determinadas situações sociais. (ORLANDI, 2004, p.
147)
Desta maneira, buscou-se analisar o discurso de algumas das letras da
Garota Safada. São elas: Ei Gatinha, Trenzinho da Sacanagem, Vida de PlayBoy,
Eu sou o Rei do Cabaré e Sou Safado. Vale ressaltar que a escolha das músicas foi
feita de acordo com a gravidade das expressões utilizadas nas mesmas. Portanto,
este estudo não seguiu ordens cronológicas de gravação, até porque este não é o
objetivo. As letras completas das músicas, por sua vez, estão presentes na parte de
anexos desta monografia.
As considerações finais deste trabalho monográfico buscam analisar até
que ponto as letras de tais músicas fazem com que violência contra a mulher seja
potencializada, além de enfatizar a ideologia mercadológica presente na produção
discursiva e divulgação de grupos musicais e das canções em foco.
Sobre tal contexto a Análise do Discurso vem dizer que:
10
determinados grupos agenciam suas ideias e procuram apreender o mundo
tendo como ponto de referência os conceitos centrais que elaboraram. No
entanto é necessário perceber que todo discurso se estrutura a partir de
uma posição determinada, as pessoas falam sempre de algum lugar. Essas
situações concretas que dão base material à linguagem não são exteriores
ao discurso, mas se insinuam em seu interior e passam muitas vezes a
estruturá-lo e constituí-lo. (ORTIZ, 1994, p. 67)
Também
estão
presentes
na
etapa
conclusiva
deste
estudo
considerações sobre a função atual do artista na produção e divulgação do trabalho
das bandas de forró como a Garota Safada. Neste entorno, é possível observar que
o ritmo antes conhecido como uma das formas de identificação do povo nordestino
se transformou em constantes apologias ao sexo e a festas, deixando de lado as
possíveis contribuições culturais que essa manifestação artística poderia passar aos
que a apreciam.
Vale ressaltar que tal assunto não se esgota neste trabalho, e que cabe à
sociedade refletir sobre a maneira pelo qual a mulher é narrada na música
nordestina, mais especificamente. Ainda no tocante à violência verbal sofrida pelo
público feminino, considero fundamental que os meios de comunicação colaborem
com essa reflexão. Tais contribuições podem ser feitas através de pesquisas de
campo e divulgação dos resultados alcançados, assim como neste estudo.
Na conclusão desta introdução, convém destacar que estão expostas nos
anexos desta monografia as capas dos CD‟s oficiais da Banda Garota Safada em
ordem de lançamento.
11
Capítulo 1 - As Relações entre Cultura e Arte
É relevante para este estudo monográfico que, em torno do processo de
análise de algumas das músicas da banda Garota Safada e a representatividade da
construção da imagem da mulher nelas presente, seja realizada uma discussão
elucidatória sobre cultura e arte e suas atribuições dentro de uma sociedade
humana.
Neste contexto, torna-se importante perceber a cultura como uma forma
de reconhecimento de um povo, partindo do pressuposto de que ao nascermos ela
nos é apresentada como um modo de vida já pré-determinado por nossos
antepassados. Nessa perspectiva, Edward Tylor (apud Laraia, 2001 p. 28) conceitua
cultura como sendo “todo comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de
uma transmissão genética”.
A arte também está inserida neste quadro a partir do momento que
também nos são ensinadas maneiras de expressarmos o que pensamos. Essas
expressões recebem o nome de manifestações artísticas ou manifestações culturais.
Segundo Roger Bastide (apud Caldas, 1979), “cada grupo tende a se separar dos
outros por caracteres que lhes são próprios, costumes, gírias, vestimentas – a arte é
também umas dessas manifestações”.
As manifestações culturais podem ser entendidas como a forma que cada
povo encontra para transmitir a sua cultura (SILVA, 2003, p. 22). Bruno Brito (2004)
confirma, porém é mais detalhista e explica que as manifestações culturais
“identificam e representam” um determinado “povo ou nação, cada um com suas
determinadas particularidades e princípios”.
Essas manifestações - com o passar dos anos - adquiriram valores
estéticos e mercadológicos tendo em vista a lógica capitalista das sociedades
contemporâneas de incentivar o consumo. Assim, a cultura e a arte passaram a ser
consideradas mercadorias e começaram a ser comercializadas de acordo com o seu
valor de troca, e não seu valor cultural. Esse fenômeno foi intitulado por filósofos
frankfurtianos como “indústria cultural”.
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer observaram que existia (e ainda
existe) um “monopólio” quando se fala em cultura de massa, sempre idêntica,
segundo observaram. Para eles isso caracteriza a indústria cultural, pois ela causa a
“padronização”,
”produção
em
série”
e
transforma
a
arte
em
produtos
12
mercadologicamente rentáveis e - ao mesmo tempo - isentos de promover o
crescimento cultural, crítico e intelectual do homem.
A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus
consumidores. Ela força a união dos domínios, separados a milênios, a arte
superior e da arte inferior. Com prejuízos de ambos (ADORNO apud
OLIVEIRA, 2010, p. 14).
Sobre tal conjuntura, Bárbara Freitag explica que:
a “indústria cultural” é a forma pela qual a produção artística e cultural é
organizada no contexto das relações capitalistas de produção, lançada no
mercado e por este consumida. (...) Este deixa de ter o caráter único,
singular, deixa de ser expressão de genialidade, do sofrimento, da angústia
de um produtor (artista, poeta, escritor) para ser um bem de consumo
coletivo, destinado desde o início à venda, sendo avaliado segundo a sua
lucratividade ou aceitação no mercado (...). (FREITAG, 1994, p.72)
Em tal afirmação, podemos depreender que a aceitação no mercado de
um produto está relacionada com a questão da “ideologia do consumo”, sendo esta
expressão explicada por Sérgio Telles (2008) como a promessa da felicidade que se
encontra “através da aquisição de uma mercadoria”.
Fábio Luiz Tezini Crocco (2011) confirma essa expressão quando diz que
essa ideologia reproduz “um movimento circular de produção e distribuição de
mercadorias”, e que o “trabalho artístico” está sempre voltado para o marketing, para
uma negociação comercial.
Obviamente que esta ideologia utiliza a música, por exemplo, para
“difundir os valores da indústria cultural”, já que ela a potencializa - como já afirmado
- em torno da lógica do mercado capitalista. Assim, o consumidor aparece como “um
ser incapaz de pensar e de agir” (SILVA, 2003, p. 27). Por sua vez, Adorno (apud
Silva, 2003) confirma tal pensamento ao declarar que “o consumidor não é rei, como
a indústria cultural gostaria de fazer crer; ele não é sujeito dessa indústria, mas seu
objeto”.
Podemos sustentar, portanto, que arte e cultura são conceitos
historicamente “cultiváveis”, com possibilidades de terem significados diferentes na
realidade. Ou seja, significados que atendem a diversos interesses humanos, sejam
eles políticos, artísticos, de mero entretenimento e/ou mercadológicos.
Potencializa esta perspectiva de compreensão em torno desses
interesses Fábio Luiz Tezini Crocco (2011) quando cita Adorno e Horkheimer:
13
O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito
tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos
tempos atuais. A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com
energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes
desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de
suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitiço das
mercadorias (ADORNO & HORKHEIMER apud CROCCO, 2011, p. 06).
Portanto, a partir de tal retrato situacional, o que vemos hoje são as
produções culturais sendo comercializadas com “a função de ocupar o espaço de
lazer” da classe trabalhadora, considerada como a classe popular. Isso acarreta o
maior consumo dos produtos oferecidos, mesmo sem grande necessidade, e tal
consumo “é apresentado” para essa classe “como o caminho para realização social”
(FREITAG, 1994). Ou seja, segundo esta pesquisadora, a cultura é imposta pelos
meios de comunicação de massa, entram no dia-a-dia das “classes assalariadas” e
não lhes dão chance de formar uma reflexão crítica a respeito disso, o que importa é
somente o consumo dessas produções (1994).
É
pertinente
ainda
afirmarmos
que
hoje
a
“indústria
cultural”,
anteriormente já definida por Adorno e Horkheimer, exerce um papel forte no que diz
respeito ao consumo das produções culturais. Sendo assim, ainda segundo Bárbara
Freitag (1994), a “indústria cultural” é responsável pela:
dissolução da obra de arte, produção e reprodução de mercadorias ditas
“culturais”, por sua vinculação com a moderna técnica (rádio, tevê, cinema,
fotografia, imprensa, etc.) e seu consumo de massas e seu caráter de
mercadoria (...). (FREITAG, 1994, p. 73)
.
Deduz-se
do
acima
exposto
que
existe
uma
apropriação
das
manifestações e das produções culturais e artísticas pela “indústria cultural”, “cujo
objetivo principal é obter sucesso e lucro” (SILVA, 2003). E nesse contexto, o artista
exerce uma função importante na comercialização das “obras de arte”: ele define o
significado da obra e o seu processo de recepção/consumo. Em outras palavras,
segundo Puterman (apud Silva, 2003), o artista “funciona como intermediário entre a
indústria e o consumidor, revestindo de sentido o consumo do produto”.
No caso da música, mais especificamente do forró, objeto de estudo
desta monografia, o artista serve como ícone dessa manifestação cultural, que hoje
tem basicamente interesses mercadológicos. No entorno do forró, os grupos
musicais geralmente colocam à frente das bandas cantores carismáticos, dançarinas
14
com corpos atrativos e canções com letras que remetem à vida de ostentação
financeira e à redução da figura feminina.
Tal retrato situacional sinaliza possíveis questionamentos e explicações
sobre o papel do artista nas sociedades humanas.
1.1 A função pública da arte e do artista
Quando falamos de arte, pensamos imediatamente em quadros, telas,
esculturas etc. Esquecemos que a palavra “arte” engloba outros horizontes que vão
além de obras grandiosas pintadas ou esculpidas pelo artista.
Por sua vez, no entendimento de Caldas (apud Silva, 2003, p. 30), “a arte
é uma manifestação cultural que, na sociedade capitalista, tem a incômoda função
de diferenciar as classes sociais através do consumo”.
Já para Newton Duarte (2010), a sociedade capitalista é compreendida
como aquela que é “produtora de mercadorias”. O autor vai além ao dizer que “tudo
no capitalismo se transforma em mercadoria, até o trabalho humano” (DUARTE,
2010). Essa mercadoria, na concepção de Karl Marx (apud Duarte, 2010), é tudo
que tem “seu valor de uso e seu valor de troca”, inclusive a “atividade humana”.
Deste modo, Duarte (2010) explica que:
O trabalhador é obrigado, portanto, pela sociedade capitalista, a vender sua
própria atividade, a vender a única fonte de humanização, que é a atividade
humana, em troca de dinheiro. E o que o trabalhador compra com o dinheiro
obtido por essa venda? Os produtos dos quais necessita para sobreviver e
os produtos dos quais necessita porque as relações sociais capitalistas nele
produziram necessidades que o tornam escravo dos produtos, ao invés de
esses produtos serem meios de desenvolvimento e realização da
personalidade de cada ser humano. (DUARTE, 2010, p. 79).
Diante disso, podemos refletir sobre qual posição os artistas devem tomar
diante de tal situação. Segundo Silva (2003), o artista deve “estar mais atento ao
papel da arte na sociedade”. Assim como ele [artista] deve “estar mais ciente da sua
posição: sua função lúdica e de entretenimento, mas também de desempenhar o
papel de agente cultural”, e não só em vender o seu produto, a sua arte.
Nesse contexto, filósofos como Karl Marx possuíam uma concepção
socialista sobre a arte e seu papel dentro de uma sociedade. Marx (apud Bay, 2006)
entendia a arte como “um reflexo da realidade social e também como uma forma de
conhecimento capaz de interagir nela, com o poder de modificá-la”. Já Sigmund
15
Freud (apud Bay, 2006), afirmava que a arte tem o papel social de intermediar. Para
ele a arte era um fator determinante de adaptação do indivíduo à sociedade.
Ainda segundo Freud (apud Bay 2006), a arte:
(...) teria o poder de liberar o artista de suas fantasias, permitindo-lhe
exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra, num
processo catártico e terapêutico. Desta maneira entendeu que o ponto
inicial de criação era a própria vida do artista, a qual determinaria a
temática, o estilo e toda forma plástica, de tal maneira que a obra poderia
ser vista como um substituto das fantasias geradas pelo seu inconsciente.
(FREUD apud Bay, 2006 p. 07).
Por sua vez, para os autores contemporâneos, a arte também ocupa
papéis importantes na vida do ser humano e nas relações em sociedade. Em torno
desse aspecto, a blogueira Elma Carneiro (2009) postou em sua página eletrônica
trechos do escritor Armindo Trevisan em que ele descreve a função social da arte:
A função social da arte é a busca solitária (até certo ponto) do artista que
declara lealdade a si mesmo, e a tudo o que é humano. (...) É não arredar
1
pé do humano, não abrir mão dos direitos mínimos do cidadão .
Em contrapartida, Carneiro (2009) cita também Fernando Pessoa, em sua
declaração de que:
O artista não tem que se importar com o fim social da arte, ou, antes, com o
papel da arte dentro da vida social. Preocupação é essa que compete ao
sociólogo e não ao artista. O artista tem só que fazer arte. Pode, é certo,
especular sobre o fim da arte na vida das sociedades, mas ao fazê-lo, não
está sendo artista, mas sim sociólogo; não é um artista quem faz essa
2
especulação, é um sociólogo simplesmente .
Tal conjuntura sobre o aspecto social da arte mostra que estamos em um
terreno complexo de opiniões divergentes, ao mesmo tempo em que podemos
perceber a importância que tal assunto em foco permite. De qualquer forma, esta
monografia sustenta que mesmo com a ideia de que o artista produz em favor do
bem social e público, “o sistema capitalista, a produção em grande escala” e a
“mercantilização da cultura”, já tematizados anteriormente, afetam a relação entre
ele e as pessoas interessadas, causando um afastamento, como cita Silva (2003, p.
1
2
Disponível em: http://modernidadeartes.blogspot.com.br Acesso em: 20 abr. 2012
Disponível em: http://modernidadeartes.blogspot.com.br Acesso em 20 abr. 2012
16
32) entre “a arte (e seus fatores criativos) e o povo, ao direcionar toda a produção
para a obtenção de lucro”. Ou seja, é deixado de lado o crescimento cultural,
intelectual e o “prazer da criação artística, em atenção à necessidade de ter um
público que os prestigie e compre seus produtos” (SILVA, 2003).
Silva (2003) ressalta ainda que “a obra de arte tem o poder de envolver a
sociedade”. Este autor também faz alusão à maneira de como a arte era negociada
entre os que obtinham um poder aquisitivo bem confortável no Brasil da década de
60: “as obras de arte sempre estiveram ligadas a quem detinha o poder e os artistas
raramente possuíam autonomia” (SILVA, 2003, p. 34).
Lúcia Santaella (1995, p. 17) confirma essa perspectiva ao ressaltar que
“os produtos artísticos sempre estiveram e continuam estando sob o poder e para o
usufruto das classes privilegiadas e opressoras”. Porém, a autora destaca um trecho
do pensamento de Augusto Boal (1979) em que ele observa:
A cultura é produzida pela sociedade e, portanto, uma sociedade dividida
em classes produzirá uma cultura dividida. (...) As classes dominantes
tentam instituir como cultura a „sua‟ cultura e como incultura a cultura das
classes dominadas (apud, p. 85).
Tal afirmação de Boal sinaliza divisões sociais, as quais podem ser
compreendidas em torno de lógicas de consumo. Assim, esta monografia sustenta
que as pessoas, para terem acesso a algum produto cultural, precisam pagar de
alguma maneira pelo que estão adquirindo, seja de que forma for, “basta estar ligado
a um equipamento eletrônico (tevê, aparelho de som, etc) ou assistir a um
espetáculo gratuito, (...) somos todos consumidores em potencial” da arte, seja de
qual for o seguimento (SILVA, 2003).
Em confirmação a essa afirmativa, Adorno (apud Silva, 2003) explica que:
(...) no universo da indústria cultural o valor de troca assume ilusoriamente
funções de valor de uso. Neste sentido, a flutuação de juízos de valor está
em sintonia com a demanda da produção artística: quanto mais
pasteurizados os valores estéticos, menos a possibilidade de julgamento, e
a obra de arte acaba por perder a sua própria razão de ser como resultado
do ato de criar. (p, 35)
Assim, em concordância com Adorno, a obra de arte se afasta de sua
concepção crítica, e passa a ser algo produzido em torno de meros escapismos,
potencializados pelo consumo capitalista. Dentro dessa lógica, começa a acontecer
uma “produção acelerada para atender o mercado” (SILVA, 2003). Diante disso, a
cultura “feita em série industrialmente” passa a ser observada apenas como um
17
“produto trocável por dinheiro”, e não como “instrumento de crítica e conhecimento”
(COELHO, 1986 p. 11).
Todo esse retrato situacional provoca um fenômeno que Silva (2003)
chama de “mesmice artística”, em que ocorre uma espécie de “padronização” das
criações. Assim, o que há é um:
produto padronizado, como uma espécie de kit para montar, um tipo de préconfecção feito para atender necessidades e gostos médios de um público
que não tem tempo de questionar o que consome (COELHO, 1986 p. 11).
E é dessa maneira que a indústria cultural “se apropria” das
manifestações culturais e artísticas, moldando-as, cada uma ao seu estilo, com
formas próprias e consideradas adequadas, objetivando somente “sucesso e lucro”
(SILVA, 2003), exatamente como acontece no meio musical, mais especificamente
no forró, centro da discussão desta monografia.
Diante disso, e de acordo com essa perspectiva, podemos depreender
que a real função de parte da arte ocidental - na qual o forró midiático da banda
Garota Safada está entronizado - é entreter para lucrar, e do artista é produzir para
também lucrar. Como admiradores da arte, e dos que a produzem, boa parte dos
que a consomem (no sentido lato do termo!) não sentem tão explicitamente que
estão na verdade sendo possivelmente ludibriados pela indústria cultural e seus
artifícios envolventes em torno de uma mesmice artística, voltada praticamente à
estética do consumo dos produtos por ela oferecidos às pessoas.
Nesse sentido, torna-se lógico comentar o papel de sustentáculo
ideológico que a mídia tem em todo este processo. Obviamente que ela realiza
ações diversas no entorno desse quadro, atuando como um espaço de propagação
do mercado consumista entranhado no mundo do forró industrializado. Nesse
contexto, a mídia segue um rumo ideológico de acordo com os valores postos na
lógica de consumo deste mercado, valores relacionados com aqueles que detêm os
meios de produção. Ou seja: valores dominantes.
Conforme García Canclini (apud Dias & Rosini, 2008, p. 3):
o consumo cultural se caracteriza pela preponderância do valor simbólico de
um bem ofertado pela indústria cultural sobre os seus valores de uso ou
troca, ou onde pelo menos estes últimos estão subordinados à dimensão
simbólica. García Canclini (apud Dias & Rosini, 2008, p. 3).
18
Aprofundando tal temática, esta monografia sustenta que os valores
estéticos que as classes dominantes defendem como eternos/imutáveis e que
relacionam a arte e a cultura funcionam como uma imposição ideológica - dentro de
seu conjunto de valores - de sua suposta superioridade.
E trazendo para o forró da Banda Garota Safada: esses valores
“maquiados” são apresentados para o público como uma forma de manter viva a
cultura nordestina de fazer e dançar forró. Porém, o que vemos desde os anos 90
até hoje nos palcos são espetáculos grandiosos, nos quais a exposição de corpos e
a apelação à sexualidade feminina são os principais atrativos.
Sobre tal quadro, o jornalista Anselmo Alves (apud Trotta, 2008) publicou
no Jornal do Commercio de Recife que o forró atual vem sendo alvo de várias
críticas por conta da “explícita tematização erótica e sensual”. Felipe Trotta confirma
essa perspectiva destacando que as bandas passaram a adotar “elementos
performáticos profundamente eróticos” (TROTTA, 2009, p. 140). Segundo ele, isso
promoveu uma reviravolta no cenário do forró da região Nordeste. Essa discussão
será desenvolvida nos próximos capítulos desse estudo monográfico.
1.2 O cenário cultural brasileiro e nordestino no século XX
Quando iniciou o século XX, o Sudeste brasileiro, em especial o Rio de
Janeiro, foi considerado “centro de migrações”. Eram trabalhadores rurais que
chegavam à então capital do Brasil em busca de novas oportunidades de emprego e
de uma vida melhor.
É pertinente observar também que o número de imigrantes vindos
principalmente da Alemanha, Itália e Japão aumentou consideravelmente nas
décadas de 20, 30 e 40 devido ao “crescimento da industrialização” no Brasil. Esse
misto de povos de vários lugares do mundo tornou parte do Sudeste brasileiro segundo Veloso e Madeira (1999, p. 95) - no “mais complexo e fecundo caldo
formador da nossa cultura”. Ou seja, o Brasil passou a abrigar um número
expressivo de culturas diferentes, tanto nacionais quanto internacionais.
Por sua vez, Nicolau Sevcenko (2003) explica em seu livro Literatura
como Missão que o Rio de Janeiro no início do século XX atraía as atenções para si
devido aos grandes privilégios que tinha como capital da República. O autor cita que
a cidade possuía uma “economia cafeeira” aquecida, assim como o comércio. O Rio
19
era feliz nas “aplicações industriais”, dona da “maior rede ferroviária” do país, da
“maior bolsa de valores”, abrigava também a “sede do Banco do Brasil”, as “grandes
casas bancárias nacionais e estrangeiras”, tinha o “15º porto do mundo em volume
de comércio”, e o maior “mercado nacional de consumo e de mão-de-obra”. Diante
disso e de vários outros atrativos, o Rio se tornou o “maior centro populacional” do
Brasil na época.
Esse aglomerado de pessoas na mesma cidade vindo de várias regiões
do país culminou em problemas típicos dos centros urbanos que crescem sem
estrutura prévia. Surgiram as epidemias de febre tifóide, amarela, varíola e várias
outras (SEVCENKO, 2003, p.41).
Mesmo assim, os migrantes não paravam de chegar. Eles se instalavam
nos imensos casarões coloniais e imperiais do centro da cidade. Esse fato não
agradou às classes dominantes e os detentores de poder, até que em meados de
1904 iniciou-se a “regeneração” do Rio de Janeiro, quando a população que vivia
nesses casarões foi obrigada a desocupar os imóveis, para que no lugar onde
moravam fossem abertas “amplas avenidas, praças e jardins, decorados com
palácios de mármore de cristal”, sempre seguindo o estilo e os costumes da Europa
(SEVCENKO, 2003, p. 43).
O modo de vida europeu tomou conta do Brasil, tanto estrutural como
culturalmente. Teixeira Coelho (2008) ressalta em seu livro A cultura e seu contrário
que a “cultura francesa surgiu como um modo civilizacional indiscutível”. Sevcenko
(2003) confirma mostrando que os “hábitos e costumes” considerados pela
“sociedade dominante” como parte de uma “sociedade tradicional” e com indícios de
cultura popular era rejeitados, pois poderiam denegrir a “imagem civilizada” de “vida
parisiense” que a burguesia impunha.
Os migrantes passaram, então, a serem vistos somente no período do
carnaval e nas festas natalinas, quando “a cultura afro-nordestina se mesclava com
as manifestações locais”. Ainda assim, havia por parte da sociedade dominante um
desagrado sob a maneira com que as classes desfavorecidas brincavam o carnaval
(SILVA, 2003).
A “versão europeia com arlequins, pierrôs e colombinas” contrastavam
com “os cordões, os batuques, as pastorinhas e as fantasias populares”. A fantasia
de índio sofreu “severas restrições”, assim como o “comportamento dos foliões” nos
cordões (SEVCENKO, 2003, p. 47).
20
Entretanto, os brincantes não desistiram de celebrar o carnaval no Rio de
Janeiro. Segundo Tinhorão (apud Silva, 2003), cada grupo de migrantes tinha sua
“música própria, tradicional”, e assim conquistaram a “simpatia das classes mais
privilegiadas”, numa tentativa de “aproximar as manifestações da cultura popular às
da cultura erudita” (SILVA, 2003, p. 41).
Torna-se importante destacar que se entende como cultura popular
“qualquer manifestação cultural (dança, música, festas, literatura, folclore, arte, etc.)
em que o povo produz e participa de forma ativa” 3.
Por sua vez, em contrapartida, a cultura erudita é “aquela para pessoas
com alto nível de instrução, que possuem muito estudo, uma formação específica
sobre um determinado assunto, em especial sobre história da arte” 4.
No entorno de toda essa perspectiva, Silva considera o casamento entre
a cultura popular e a erudita uma forma de enriquecer ainda mais o carnaval carioca:
A junção do popular com o erudito proporcionou aos organizadores uma
nova tarefa, que foi aprimorar os desfiles dos ranchos aos valores e
conceitos modernos vigentes. Para isso contaram com a colaboração e o
apoio técnico de especialistas, tais como cenógrafos, escultores e pintores.
A partir da intervenção desses profissionais os carros alegóricos e o enredo
musical tornaram-se mais atraentes, e uma nova estética foi proposta para
satisfazer o gosto de diversas classes sociais (SILVA, 2003, p. 41).
Na música, as classes sociais menos favorecidas encontravam espaço e
tinham a oportunidade de se expressar através das canções transmitidas pelas
ondas do rádio por todo o país. Por exemplo, na época, a contribuição da cantora e
compositora Chiquinha Gonzaga foi muito importante. É o que Marcos Napolitano
explica no livro História e Música. Segundo ele, Chiquinha:
compôs polcas, tangos, peças musicais, modinhas, marcha (aliás, ela teria
sido a inventora do gênero). Temperada pelo ambiente musical dos
“chorões”, entre os quais era uma presença assídua, sua trajetória
atravessou o século e marcou o cenário musical brasileiro até o início do
século XX (NAPOLITANO, 2002, p. 31).
Ao mesmo tempo, ainda na primeira década do século XX, surgiram os
“salões, livrarias e confeitarias” que serviam de abrigo para as últimas tendências da
moda, “livros, jornais e revistas”, instigando assim estudos culturais e debate de
3
4
Disponível em http://www.suapesquisa.com/o_que_e/cultura_popular.htmAcesso em: 16 abr. 2012
Disponível em http://www.significados.com.br/erudito/Acesso em: 16 abr. 2012
21
ideias, porém a essência desses lugares tinha sempre traços da cultura europeia
intelectual (VELOSO & MADEIRA, 1999, p. 80).
Mas a tendência europeia não perpetuou por muito tempo: na década de
20 o início da Primeira Guerra Mundial abalou a “crença da superioridade dos
padrões de conduta e dos valores europeus”. Isso fez ascender nos brasileiros a
sede de redescobrir o Brasil. A partir daí surgiram “novas instituições culturais e
outras formas de reconhecimento da cultura brasileira” (VELOSO & MADEIRA, 1999,
p.88).
Nesse sentido, foram iniciadas “convergências” políticas, culturais e
econômicas (RIDENTI, 2003, p. 135). A cultura popular era extraída do passado a
fim de “construir uma nova nação” que fosse, segundo Ridenti (2003), “moderna e
desalienada, no limite, socialista”.
Para Veloso & Madeira (2007, p. 93), os chamados “intelectuais
modernistas” foram os principais responsáveis por revolucionar “os padrões
estáticos vigentes e os cânones de interpretações de nossa cultura”.
Ampliando a análise, para alguns críticos contemporâneos o século XX foi
caracterizado pela “revolução cultural”, quando os conceitos e tendências culturais
passaram a ter uma nova roupagem, causando estranhamento em algumas pessoas
e êxtase em outras. (COSTA, 2003)
Sobre tal contexto, pensadores como Stuart Hall, Fredric Jameson, Nestor
Canclini, Beatriz Sarlo, David Harvey observaram que:
A cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a
enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo
que assumiu em todos os aspectos da vida social. (COSTA, 2003, p. 38)
Eles acreditavam que a centralização da cultura devesse acabar, pois
esta tem o poder de instituir ideias e atitudes dentro de uma sociedade; assim,
quanto mais diversificada, maior seria o seu poder de gerar opiniões. Tomaram
como exemplo a música, foco desse estudo monográfico, e explicaram que ela não
é apenas uma manifestação cultural, mas artifícios representativos, os quais
“inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais”, onde cada
“significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas” (COSTA, 2003, p. 38).
Esta monografia destaca ainda que a revolução cultural da época foi
potencializada pelo Modernismo. Assim, a Semana de Arte Moderna de 1922
22
aconteceu em São Paulo, foi idealizada pelo pintor Di Cavalcanti e tinha por objetivo
divulgar as “tendências artísticas de vanguarda” que circulavam pela Europa. Porém
a elite paulista não compreendeu essa nova “forma de expressão”, pois ainda seguia
“formas estéticas europeias mais conservadoras” (GOMES, 2011, p. 01).
Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999) consideram que esse
acontecimento “foi o resultado de um desejo coletivo de tornar visíveis as novas
ideias que inquietavam a intelligentsia brasileira”. Além disso, os criadores do evento
queriam promover e “organizar instituições artísticas, científicas e pedagógicas” com
o intuito de “divulgar todas as manifestações da cultura brasileira” (VELOSO &
MADEIRA, 1999 p. 89-90).
Por sua vez, nos anos 30, os intelectuais ligados ao movimento
modernista sentiram a necessidade de produzir o que Veloso e Madeira (1999)
chamam de “retratos do Brasil”: imagens que tinham o intuito de descobrir e divulgar
a cultura do nosso país.
Assim, os chamados “criadores culturais” passaram a viajar pelo interior
do país a fim de conhecer “manifestações artísticas”, “suas etnografias, histórias, os
ritos, os contos e as danças” espalhadas pelo território nacional (VELOSO &
MADEIRA, 1999, p.91).
Ainda segundo as autoras, essas pesquisas proporcionaram
uma releitura crítica de nossas tradições, identificando traços recorrentes,
alguns que deveriam ser afirmados - como o nosso patrimônio lúdico e
estético - e outros a serem superados, como os arcaísmos remanescentes
da tradição patriarcal. (VELOSO & MADEIRA, 1999, p.91)
Portanto, marcado o século XX pelas novas ideias do Modernismo e a
mistura de linguagens que ele preconizava, já no início dos anos de 1960 um grupo
de artistas do Teatro Arena de São Paulo procurou a União Nacional dos Estudantes
(UNE) para produzirem juntos. Segundo Ridenti, eles começaram a trabalhar em um
projeto que recebeu o apelido de CPC (Centro Popular de Cultura), cujo objetivo era
“fazer arte popular em diversas áreas, teatro, cinema, literatura, música e artes
plásticas”. O movimento deu certo e eles “percorreram os principais centros
universitários do país” expondo suas ideias e fazendo arte por onde passavam.
(RIDENTI, 2003).
23
No campo musical, nessa época começou “o período da música de
protesto”, os estudantes que lideraram esses movimentos perceberam que a música
como cultura popular podia servir de “instrumento de conscientização e
transformação sociopolítica do país”, e não só como entretenimento (SILVA, 2003 p.
47).
Em torno desse conjunto de ideias e valores - mesmo que de uma forma
incipiente e intuitiva - nasceu na segunda metade dos anos 60 o movimento cultural
batizado de Tropicalismo, liderado por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Torquato Neto,
Rogério Duprat, Tom Zé e Os Mutantes, artistas herdeiros da Bossa Nova e
vivenciadores de um mundo que estava em franca (r)evolução.
Sobre tal movimento, Carlos Basualdo (2007) afirma que:
O tropicalismo pretendera constituir-se em um mecanismo capaz de
incorporar - de assimilar antropofágica e, portanto, seletivamente - a
complexa totalidade da realidade cultural brasileira com o fim de
desencadear um processo de transformação radical. (BASUALDO, 2007 p.
15)
O Tropicalismo foi um agente revolucionário na música popular brasileira,
entretanto o movimento atingiu outras esferas culturais como as artes plásticas,
cinema e poesia. Segundo Veloso e Madeira (1999), esse importante acontecimento
da cultura em nosso país serviu para “a valorização de nossas riquezas rítmicas,
linguísticas e visuais”. As autoras ressaltam também que o Tropicalismo instigou nos
brasileiros, principalmente nos artistas, o “desejo de assumir a cafonice nacional”
(VELOSO & MADEIRA, 1999 p. 109). Ainda na mesma perspectiva, Roberto Murcia
Moura e Affonso Romano de Sant'Anna (1998) afirmam que o movimento tropicalista
tinha como principal característica a irreverência e o “resgate do mau-gosto”.
Tal retrato situacional sugere a fundação de um campo cultural. Que, com
a chegada dos anos 70, potencializou-se e fez com que a “expansão da cultura de
massa e a ampliação dos espaços das mídias e do mercado de bens simbólicos”
ganhassem mais força no Brasil por meio da modernização das indústrias culturais e
das telecomunicações. (BORELLI, 2006, com adaptações).
E tudo isso terminou por capilarizar o mercado da música, haja vista que
nas décadas de 60 e 70 diversos festivais musicais foram efetivamente realizados
por grandes cadeias nacionais de televisão, como é o caso das Redes Record e
Globo, que transmitiam e patrocinavam tais eventos - inclusive - em horário nobre.
24
Tal contexto igualmente potencializou o mercado musical, fazendo dos artistas,
cantores e bandas verdadeiros fenômenos de mídia, com altos índices de aprovação
popular.
Obviamente e como já afirmado, a entrada (e o sucesso) da televisão no
esquema aumentou a presença da música nos lares brasileiros e aqueceu bastante
o mercado publicitário e também o mundo artístico musical. Este trabalho sustenta,
na conclusão desta etapa monográfica, que tal conjuntura chega até os tempos
atuais com as produções deste forró midiático, no qual a banda Garota Safada é um
dos principais nomes.
O próximo capítulo, por sua vez, versa sobre a presença histórica do forró
no Nordeste brasileiro.
25
Capítulo 2 - Forró: o ritmo do Nordeste
O forró é, sem dúvida, a manifestação cultural que mais representa a
região Nordeste. O gênero, antes conhecido como “baião” - como sustenta Felipe
Trotta, no texto Música popular, valor e identidade no forró eletrônico do Nordeste do
Brasil-, foi instituído no mercado musical nas décadas de 40 e 50 com as canções
de Luiz Gonzaga, que sempre traziam narrativas do Nordeste “baseadas na
construção simbólica do sertão e do sertanejo”, conhecidas popularmente como
“eixos de autenticidade do povo nordestino” (TROTTA, 2011, p. 01).
É possível afirmar que a temática constante nas músicas de Luiz
Gonzaga - sempre falando da vida no sertão - tinha como finalidade, além de
sucesso e prestígio, amenizar a saudade que os nordestinos tinham de sua terra
natal. O rádio desempenhou um papel determinante na divulgação dessas músicas
na “colônia nordestina” espalhada pelo o Brasil, e fez com que o forró fosse
conhecido por “outros públicos com pequeno ou nenhum contato com a cultura
popular” do Nordeste (FERRETI apud COSTA FILHO, 2010, p. 03).
Silva (2003, p. 15) confirma explicando que o forró “é uma expressão da
identidade
sociocultural”
dos
migrantes
nordestinos
que
escolheram
–
principalmente - o Sudeste pra viver, funcionando com um “elo” de ligação com sua
terra de origem. E foi esta corrente migratória que também contribuiu para uma
“maior difusão e comercialização do forró”.
2.1 Forró: definição e gênero
O termo que dá nome a este gênero musical ainda é motivo de
controvérsias, quando se fala em sua origem, entre alguns autores. Cascudo (1988)
afirma que “forró vem da palavra forrobodó,” que tem dois significados: bagunça,
confusão e festa popular, arrasta-pé (ALFONSI, 2007, p.29).
Em contrapartida, Silva (2003), declarou em seu livro “Forró no Asfalto”,
que a palavra surgiu da expressão for all, que quer dizer “para todos”, pois no início
do século XX os trabalhadores ingleses que viviam no Nordeste realizavam bailes
dançantes abertos ao público, daí o surgimento do termo forró”. Silva (2010, p.02)
explica ainda que o forró nasceu de “influências europeias e africanas”, e que se
tornou um estilo musical com o “baião como dança e canto típico do Nordeste”.
26
Também há registros que a palavra “forró” apareceu pela primeira vez em
uma música em 1949:
(...) em Forró do Mané Vito, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Surgiria então o
gênero musical Forró – segundo José Calixto da Silva, há o gênero musical
forró, oriundo do côco, do xaxado e do baião. (TRINDADE apud QUADROS
JUNIOR, 2005, p.118).
Independente disso, Chianca (2006) considera importante enfatizar que
esse termo torna o forró “tanto o gênero musical quando a dança que o acompanha,
assim o baile onde ele será tocado/dançado: dança-se forró num forró, enquanto se
escuta um forró”. O autor destaca também que o ritmo não é mais uma
“dança/música exclusiva do São João”, pelo contrário, os eventos denominados de
forró acontecem o ano todo, arrastando muitos seguidores e sendo reconhecido
como “cultura nordestina” (CHIANCA, 2006).
Por sua vez, Trotta (2010) esclarece que o forró consolidou-se:
(...) não mais somente como uma festa, mas como um gênero da indústria
cultural, tendo espaço próprio para a gravação, distribuição e vendagem de
álbuns de novos cantores, instrumentalistas, compositores e conquistando
assim uma expectativa de consumo.
O forró tradicional (título que conhecemos hoje), inicialmente foi chamado
de “baião”, e era um ritmo que só se ouvia nos festejos juninos. A dança era
conhecida também como arrasta-pé, bate-chinela e fodó. Também possuía
semelhanças com o toré, uma dança típica dos índios cujo passo principal era o
arrastar dos pés no chão (TROTTA, 2011). Acusticamente, o forró era acompanhado
somente pela sanfona, a zabumba e o triângulo e suas letras descreviam o “jeito de
ser do nordestino sertanejo” (TROTTA, 2011).
Não se pode falar de forró sem ressaltar o principal ícone desse gênero
tipicamente nordestino, Luiz Gonzaga. Na década de 40, o forró ficou conhecido em
todo o Brasil através dos versos dançantes do “Rei do baião”, como era
carinhosamente chamado Velho Lua (LOPES, 2007, p. 24).
Gonzaga teve o primeiro contato com a música através do “pai Januário
que tocava sanfona e consertava foles” e com sua mãe que gostava de cantar,
principalmente nas novenas no “mês de Maria” (RAMALHO apud LOPES, 2007, p.
27
25). Profissionalmente, ele iniciou sua carreira artística no Rio de Janeiro, “tocando
em portas de bares e de gafieiras” em troca de dinheiro (LOPES, 2007, p. 26).
E foi durante uma dessas apresentações tímidas que um grupo de
universitários cearenses “desafiaram Luiz Gonzaga a tocar canções do seu pé-deserra”, de sua terra natal (LOPES, 2007, p. 26). A partir daí, com a ajuda do rádio, o
sanfoneiro conseguiu entrar no mercado musical e “demonstrar a existência de um
público consumidor” formado principalmente por “migrantes nordestinos no
Sudeste”. (FERRETI apud COSTA FILHO, 2010).
Ainda na década de 40, o forró na voz de Luiz Gonzaga “tornou-se um
sucesso musical nacional, conseguindo a simpatia e adesão de vários compositores,
intérpretes” e ouvintes de várias regiões do país. Porém, houve “resistência por
parte da classe média”, com críticas ao “sanfoneiro nordestino pelo forte sotaque
regional” (COSTA FILHO, 2010, p. 04).
E foi justamente a valorização do sertão que fez com que esse estilo
musical adentrasse no mercado. O conjunto de “sonoridade” (com ênfase para a
sanfona), o “vocabulário (jargões da linguagem regional) e imagens (chapéu de
couro, cenário do agreste, casas de barro)” passaram a servir como um “indicador
de qualidade da produção forrozeira” naquela época (TROTTA, 2011, p.07).
Já nos anos 60, este estilo musical nordestino entrou em declínio
provocado por um “boicote” das emissoras de rádio. O forró não era mais
considerado novidade, e por isso perdeu o seu lugar na programação radiofônica
para outros gêneros musicais como a Jovem Guarda (COSTA FILHO, 2010, p. 05).
Apesar das dificuldades, Leandro Expedito Silva (2003) afirma que em 1975 “a
música nordestina se consolidou no mercado brasileiro apresentado Luiz Gonzaga
como interlocutor dessa nova fase do forró”.
Historicamente, a partir dos anos 90 o forró tradicional ganhou uma nova
ramificação: forró universitário. “Fruto da junção do forró tradicional com a
musicalidade do pop e do rock”, conquistou adeptos não só no Nordeste, mas no Sul
e Sudeste do país e colocou para dançar pessoas de várias classes sociais. A partir
dessa categoria foram sendo introduzidos, timidamente, os instrumentos eletrônicos
(SILVA, 2003).
O forró universitário também é conhecido popularmente como forró pé-deserra, porém, segundo Antônio Carlos de Quadros Júnior (2005), o “FPS” teve
28
origem na década de 40, sendo apresentado também por Luiz Gonzaga e Jackson
do Pandeiro.
Também a partir da década de 90 o forró inaugurou uma roupagem mais
“estilizada”. Assim, passaram a ser associados a ele com mais ênfase instrumentos
como teclado, bateria, metais (instrumentos de sopro) e guitarra.
Costa Filho (2010) explica que:
Até então, os instrumentos mais utilizados na execução do forró tradicional
eram: sanfona, zabumba e triângulo. As letras eram, geralmente, inspiradas
na vida do homem do campo e seus problemas. A dança era feita por
casais sempre agarradinhos (COSTA FILHO, 2010 p. 06).
Foi a partir daí que o cearense Emanuel Gurgel teve a ideia de agregar
outros instrumentos nas bandas de forró. Sua intenção era de transformar as
músicas, fazê-las mais dançantes, modernas e que atingissem principalmente o
público jovem (COSTA FILHO, 2010, p.06).
Porém, estudiosos do assunto criticam até hoje essa transformação do
forró tradicional para o eletrônico. Silva (2010) acredita que o forró estilizado
“descaracteriza” o forró tradicional e oferece ao público que escuta “um produto sem
referência cultural e que promove a deturpação e degradação do gosto popular”. Já
para Trotta (2011), essa modernização do forró foi uma tentativa de aproximação
com o “estilo da música pop internacional”.
Por sua vez, o jornalista José Telles é categórico e firme em sua opinião
ao afirmar que:
O forró dito eletrônico (...) não é forró. Pelo contrário, prejudica o forró,
porque tem público. E tem o mesmo público que teve o gosto musical
embotado pelo axé music. Para este o que vale é a multidão, a turba.
Podem botar um poste em cima de um caminhão em silêncio que eles vão
atrás (JOSÉ TELLES, JC, 13/06/2007 apud TROTTA, 2011).
Mesmo assim, com uma estratégia de mercado inovadora, o chamado
forró eletrônico surgiu repleto de signos destinados a seduzir os ouvintes e
expectadores mais exigentes (SILVA, 2003).
29
2.2 Forró eletrônico
O forró eletrônico tem como uma das principais características “alusões
explícitas ao consumo de bebidas alcoólicas, ao sexo, às relações amorosas
(estáveis e instáveis), à beleza física e ao dinheiro” (BRAGA, 2011, p. 04).
Segundo Robson Silva Braga (2011), esse estilo de forró conta com
batidas mais eletrizantes da bateria, diferenciando-se do xote, do baião, do xaxado e
do forró tradicional enraizado por Luiz Gonzaga, que tem o ritmo mais lento.
Tais novidades sinalizam mudanças: “a sonoridade da sanfona com
baixo, guitarra, teclado e bateria” começa a passar por cima da marcação da
zabumba e do triângulo (TROTTA, 2011). E com o passar do tempo - em torno
dessa nova perspectiva na composição de gênero - as referências ao “jeito matuto
do povo sertanejo e ao amor sublime” foram substituídas por letras de cunho
humorístico, amoroso e sensual (BRAGA, 2011, p. 04).
Como já citado, a ideia partiu do empresário Emanuel Gurgel, “que
pretendia revolucionar os padrões do gênero, tornando-o mais estilizado e
progressista” (TROTTA, 2011). Gurgel percebeu que os salões dos clubes ficavam
lotados quando as bandas começavam a tocar forró e decidiu investir no gênero,
“mas só que de forma renovada”. Ele queria criar “um novo jeito de produzir forró”,
com novos arranjos musicais, músicas irreverentes e batidas dançantes (COSTA
FILHO, 2010).
Essa categoria de forró foi consolidada pela Banda Mastruz com Leite,
criada pelo empresário nos anos 90. O conjunto surgiu com elementos nunca vistos
e nem escutados pelos apreciadores do forró. Além do ritmo mais eletrizante, de
cenários mais chamativos e de composições que falavam de amor e de
sensualidade, “pela primeira vez no Brasil um conjunto musical citava seu próprio
nome no decorrer de cada canção”. Era uma estratégia de identificação e de venda
do nome da banda (COSTA FILHO, 2010, p. 6-7).
A primeira música a fazer sucesso do Mastruz com Leite foi “Meu
vaqueiro meu peão” (CD Vol. 02 – Só pra chamegar) que ainda trazia em suas
estrofes referências ao homem valente e batalhador do sertão nordestino:
Já vem montado em seu alazão, chapéu de couro, laço na mão, seu belo
charme me faz cantar. No seu rosto um grande lutador, que trabalha com
30
calor, com toda a dedicação. Ó meu vaqueiro, meu peão, conquistou meu
5
coração, na pista da paixão e valeu o boi... .
Porém os shows não faziam tanto sucesso. O fato das bandas só serem
contratadas na época das festas juninas engendrava com que as apresentações no
decorrer do ano fossem fracassadas. A solução encontrada por Gurgel foi propor à
rádio FM 93 que fossem feitas transmissões ao vivo direto das casas de forró. Foi
um sucesso (COSTA FILHO, 2010).
Para o consumidor, a entrada, no princípio, era apresentar na portaria
uma embalagem de Café Santa Clara, que estava chagando no mercado. Não
demorou e a agenda da banda Mastruz com Leite estava lotada (COSTA FILHO,
2010). As apresentações passaram a ser cada vez mais grandiosas e bem
estruturadas. Tudo passou a ser muito bem ensaiado e sincronizado (TROTTA,
2011).
A demanda começou a crescer e Emanuel Gurgel teve mais uma ideia
exitosa. Ismar Capistrano Costa Filho (2010) descreve a decisão tomada pelo
empresário:
As apresentações duravam cerca de cinco horas cada. Para suportar o
desgaste dos músicos, eram escalados dois bateristas e dois sanfoneiros.
Mesmo assim, estava evidente que um grupo sozinho não seria suficiente
para atender as solicitações de apresentação. A solução encontrada para o
problema foi criar novas bandas como Cavalo de Pau, Rabo de Saia e
Balaio de Gato (COSTA FILHO, 2010, p. 07).
E assim, começaram a surgir vários conjuntos com as mesmas
características fonográficas: Limão com Mel, Brucelose, Caviar com Rapadura,
Calcinha Preta e as mais atuais Aviões do Forró e Garota Safada, entre outras,
“ocupando o topo das listas das mais tocadas nas principais rádios” do Nordeste
(TROTTA, 2011, p. 08).
Em uma matéria encomendada pela Revista Isto É em 1998, a repórter
Apoenan Rodrigues refere-se ao forró eletrônico no título da reportagem como
“Ritmo Safado”. Apoenan observou que os shows se desenvolviam em meio a muita
fumaça e gelo seco, os vocalistas se multiplicam em três “para não personalizar os
grupos”, com os nomes dos conjuntos sendo repetidos exaustivamente no meio das
canções. Afirmou ainda que “o ritmo emergente carrega nos seus versos muita
5
Disponível em http://www.vagalume.com.br Acesso em: 27 fev. 2012
31
safadeza e coloca à frente das suas bandas um exército de loiras tingidas, quase
todas fartas nas suas proporções” (RODRIGUES apud COSTA FILHO, 2010, p. 09).
Tal retrato situacional sugere reflexões no entorno da música e as suas
relações com o gênero feminino. Assim, esta monografia destaca a representação
da mulher nas produções culturais relacionadas ao forró, haja vista sua forte
presença nos espetáculos de tal gênero.
Sobre tal perspectiva, Silva (2003) mostra que já na década de 40
existiam mulheres que representavam o forró tradicional enraizado por Luiz
Gonzaga. Nomes como Carmélia Alves, Anastácia, Clemilda e Marinês fizeram parte
da gama de artistas que ajudaram a propagar o forró como exímio gênero musical
do Nordeste, em assunto que será desenvolvido na próxima etapa.
2.3. A música e as relações de gênero: a representação da mulher nas
produções culturais ontem e hoje
No Brasil, de maneira geral, as mulheres destacaram-se na música a
partir do século XIX com Chiquinha Gonzaga. Em palestra sobre a atuação das
mulheres na música brasileira, a professora de música Márcia Kuri6 afirmou que
Chiquinha “abriu portas para que muitas mulheres assumissem seus papéis no
cenário musical brasileiro”.
Depois desse pontapé inicial, várias mulheres surgiram no mundo da
música em diversos seguimentos, contrariando pensamentos machistas e
preconceituosos que rondavam o universo feminino.
“Elas se destacaram como cantoras, interpretes, instrumentistas, influências
(no modo de vestir, comportamento, a ousadia), mas acima de tudo, se
destacaram por serem mulheres e por terem a capacidade e vontade de
derrubar um dilema criado pelo mundo machista, a de que „mulher é um
7
sexo frágil‟” .
Mas foi cantando que as mulheres mais brilharam, e algumas mantêm o
estrelato até hoje. Além de Chiquinha Gonzaga, nomes como Ademilde Fonseca,
Maysa, Nara Leão, Emilinha Borba, Araci de Almeida, Dalva de Oliveira, Dória
6
Disponível
em:
http://www.gcn.net.br/jornal/index.php?codigo=144138&codigo_categoria=166
Acesso em 12 jul. 2012
7
Disponível em: http://wagnerlayb.blogspot.com.br/2011/02/importancia-da-mulher-para-musica.html
Acesso em: 15 jul. 2012
32
Monteiro, Maria Bethânia, Gal Costa, Clara Nunes, Ana Carolina, Marisa Monte,
Cássia Eller, entre outras, sempre serão lembradas como vozes importantes e
inesquecíveis da música brasileira.
Mas não foi sempre assim. Márcio Ferreira de Souza (2006) lembra que
quando o mercado fonográfico consolidou-se no Brasil não existiam mulheres no
meio. Segundo o autor, vários fatores desencadearam numa ausência de cantoras.
Para ele
A cultura prevalecente de exclusão das mulheres do espaço público em
uma época onde estas estavam associadas ao espaço privado, ao âmbito
familiar e à própria música popular estava relacionada à marginalidade,
considerada como atividade de malandros, boêmios, vagabundos etc. No
caso específico das mulheres havia uma forte associação com a
prostituição, afinal a música popular estava relacionada com a noite.
Atividade que se fazia presente nos saraus, nos bailes e nos clubes
noturnos. Hora de “mulher direita” estar dormindo. (SOUZA, 2006, p. 02).
Apesar disso, as mulheres não desistiram de expressar seus talentos.
Além da música, objeto deste estudo, este trabalho considera pertinente citar - como
ilustração - outros grandes nomes femininos que contribuíram para o crescimento do
cenário cultural/artístico brasileiro.
Pessoas como Ruth de Souza que, segundo o site Brasil Cultura, foi a
primeira atriz negra do cinema nacional8. Cecília Meireles, poetisa desde os nove
anos e conhecida por seus versos doces, puros e, segundo o crítico Paulo Rónai,
com “poder transfigurador”9. Tarsila do Amaral, pintora modernista e reconhecida por
utilizar em suas obras “cores vivas”, “temas sociais, cotidianos e paisagens do
Brasil”10. Raquel de Queiroz, escritora de romances, literatura infanto-juvenil, teatro e
crônicas, tornou-se a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de
Letras11. E Ana Botafogo, dançarina especializada em balé clássico, considerada há
vários anos a “primeira-dançarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro”. Além
disso, Botafogo foi premiada em vários países por sua leveza e desenvoltura perfeita
nos palcos12.
Assim, torna-se claro observar que a representação da mulher nas
produções culturais ontem e hoje - apesar das dificuldades nos percursos - teve um
8
Disponível em http://www.brasilcultura.com.br/ Acesso em 19 jul. 2012
Disponível em http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp Acesso em 19 jul. 2012
10
Disponível em http://www.suapesquisa.com/biografias/tarsila_amaral.htm Acesso em 19 jul. 2012
11
Disponível em http://www.releituras.com/racheldequeiroz_bio.asp Acesso em 19 jul. 2012
12
Disponível em http://www.anabotafogo.com.br/quem.php Acesso em 19 jul. 2012
9
33
embasamento - sobretudo - talentoso e relacionado a várias manifestações
artísticas. Sendo estas consideradas exitosas em diversos momentos da vida
sociocultural deste país.
É no entorno de todo este quadro ao mesmo tempo artístico e multimidiático
que a banda Garota Safada aparece, já destacando o gênero feminino em seu título,
e apondo-lhe uma expressão adjetiva relacionada à temática vulgarmente erótica.
Assim, esta monografia julga importante destacar a história deste grupo - presente
na próxima etapa deste estudo - relacionando sua atuação ao marketing e ao
mercado fonográfico.
34
Capítulo 3 – A Banda Garota Safada
3.1 História
No ano de 2000, um grupo de amigos da periferia de Fortaleza - mais
precisamente no bairro da Itaoca - começou a se reunir por diversão para tocar
musicas de forró que faziam sucesso na época.
E foi em uma dessas tardes que as brincadeiras tomaram um rumo
diferente: eles passaram a pensar na formação de uma banda de forró para tocar
profissionalmente. Renato Oliveira Cordeiro, integrante da família e da banda Garota
Safada, em entrevista concedida à autora deste trabalho, relatou que os primeiros
instrumentos foram um teclado, um microfone e uma caixa de som. Afirma ainda que
com essa aparelhagem só conseguiam cantar em serestas por barzinhos do bairro.
Ainda segundo Renato, inicialmente a banda chamava-se “Tabaco
Suado”. Depois de algum tempo passou a ser Garota Safada, nome que foi
registrada e com o qual conheceram o sucesso.
Renato explicou ainda que o primeiro cantor da banda foi “Tiaguinho”, que
logo abandonou o grupo. “Ficamos sem cantor de repente e tínhamos uma agenda
pra cumprir, foi aí que o Wesley Oliveira, na época com 13 anos e dançarino da
banda, aceitou fazer um teste e deu certo”, descreveu. Wesley precisou frequentar
aulas de canto e sessões de fonoaudiologia para aprimorar a voz e permanecer
como cantor do grupo.
A banda que em principio reunia-se nas casas da família hoje tem duas
sedes em Fortaleza, ainda no bairro Itaoca, e dois escritórios, um na Aldeota, onde
está localizada a F5 Promoções, e outro em Recife, onde está situada a Luan
Promoções. Ambas as empresas prestam assessoria à Garota Safada e outras
bandas de grande porte do país.
O número de pessoas trabalhando com o conjunto rompeu os limites da
família e hoje chega a mais de 40 integrantes, entre músicos, bailarinos, produtores,
divulgadores, motoristas e assessores.
O primeiro sucesso do grupo, ainda na voz de Tiaguinho, foi a música “Eu
dei bobeira”, de autoria desconhecida.
35
“Eu dei bobeira, por não ter de comido logo
Por não ter te comido logo, por não ter te comido logo
Eu dei bobeira, por não ter de comido logo
Por não ter te comido logo, por não ter te comido logo”
(CD Garota Safada – Volume 1, faixa 2)
Já o primeiro sucesso na voz de “Wesley Safadão”, como passou a ser
chamado pelas fãs, foi “Bebo porque gosto de beber”, também de autoria
desconhecida.
Daí em diante a banda lançou seis discos e dois DVD‟s oficiais. Seus
shows ganharam muita tecnologia e apresentações ousadas por parte das
dançarinas que acompanham as letras com muita sensualidade.
Sobre a média de shows, Renato Oliveira explica que varia entre 35 a 40
por mês, sendo que no mês de junho, que corresponde às festas juninas, a banda
chega a se apresentar 46 vezes. Wesley Oliveira, atual cantor da banda, em
entrevista ao Programa A Liga, da Rede Bandeirantes, contabilizou que ela faz em
média 780 shows por ano13.
Renato também enfatizou a média de público: “Em festas fechadas,
dependendo do lugar, o público chega até 18 mil pessoas, mas nosso maior público
foi em Recife, nas festas juninas: 90 mil!”.
No que diz respeito à divulgação dos shows, Renato explicou que a
banda investe em divulgação nas rádios e distribuição de CD´s que contêm dia e
local do show na capa, mas não possuem músicas oficiais para não atrapalhar na
venda dos discos. Segundo Renato, essas estratégias servem para aumentar a
“popularidade da banda” e manter o sucesso já conquistado.
De acordo com o sítio oficial da Fm 9314, uma das rádios mais populares
de Fortaleza, a banda aparece hoje em quarto lugar na lista das “mais pedidas”,
atrás apenas de dois conjuntos do gênero gospel e do grupo Aviões do Forró,
também muito conhecido pelas músicas apelativas e pelos shows que reúnem muita
gente. Já segundo a rádio Jangadeiro FM15, também uma das líderes de audiência,
a Garota Safada encontra-se em sétimo lugar.
Potencializa este quadro de sucesso sobre esta banda informações
presentes em outras páginas e sítios localizados na Internet. Por exemplo,
13
Programa exibido em 21 out. 2010
Disponível em http://www.fm93.com.br/ Acesso em 24 jul. 2012
15
Disponível em http://www.jangadeiroonline.com.br/fm/ Acesso em 24 jul. 2012
14
36
recentemente o site Palco Mp316 - que apresenta uma página de downloads de
músicas e acesso a letras e cifras - informou que a Garota Safada está em primeiro
lugar nas “mais acessadas” e nas “músicas mais baixadas”. Em torno desta
afirmação, destaca-se também que este sítio faz um levantamento nacional e não
regional. Assim, torna-se importante e lógico destacar que - para este site - dentre
todas as bandas do país, a Garota Safada está à frente em acessos e em
downloads de suas músicas.
Ultimamente o grupo vem aparecendo em alguns programas de auditório
da Rede Globo, como Domingão do Faustão, Esquenta, Caldeirão do Huck e Tevê
Xuxa. A banda também participou do programa jornalístico Profissão Repórter. O
episódio em questão mostrou os ritmos dos artistas que caíram no gosto popular 17.
Ela também fez o Programa A Liga, da Rede Bandeirantes, que tratou de
nordestinos que migraram para o Sul e Sudeste do país em busca de uma vida
melhor. Neste contexto, A Liga quis mostrar o sucesso que a Garota Safada faz
nessas regiões e, sobretudo, mostrar que o público que vai aos shows é formado em
sua maioria por nordestinos que sentem saudade da sua terra natal18.
Ao ser questionado sobre o posicionamento da banda em relação à
imagem da mulher nas letras das músicas, objeto deste estudo, Renato esclareceu
que as músicas que trazem a mulher coisificada “entram no repertório, mas não são
incluídas no CD original, porque as produtoras não aceitam”. Ele considera que - nos
tempos atuais - o repertório da Garota Safada é “bem mais romântico do que
quando a banda começou”, mas enfatizou que o grupo só toca esse tipo de música
nos shows porque o público pede.
3.2 A Garota Safada e o mercado fonográfico atual
É possível observar que atualmente, não só a Garota Safada, mas
também outras bandas desse gênero musical fogem da vertente tradicional do forró.
Ao agirem nessa perspectiva, terminam por visar o sucesso e principalmente o lucro,
potencializando assim conexões com a chamada “indústria cultural”, intrinsecamente
16
Disponível em http://palcomp3.com/mp3/brasil/ Acesso em 24 jul. 2012
Episódio exibido em 10 mai. 2011.
18
Episódio exibido em 21 out. 2010.
17
37
relacionada ao mercado - fonográfico, no caso deste trabalho - e às suas diretrizes
em torno do lucro e do escapismo.
Segundo Teixeira Coelho (1986), a indústria cultural - já destacada nesta
monografia, mas que fornece novas bases teóricas para este estudo - em seus
múltiplos eixos veicula a “realidade cultural do país”, e para isso usa elementos que
estão bem próximos das pessoas como a televisão, o rádio e a música. O autor
ressalta ainda que a indústria cultural “precisa vender seus produtos” a todo custo
(1986, p. 97).
Partindo desse pressuposto, é possível observar que as bandas de forró
eletrônico definem, através de seus empresários, “estratégias de marketing” com o
objetivo único e exclusivo de vender a marca da banda e consequentemente obter o
lucro (LIMA & SILVA, 2008).
André Luiz da Silva (2010) é bem enfático ao asseverar - em seu texto A
descaracterização do forró influenciada pela indústria cultural através das bandas de
forró - que:
Esse “sucesso” fabricado [das bandas] tem suporte através da força da
mídia, através do rádio, com todos os traços do capitalismo, onde o forró,
antes de uma representação da cultura nordestina, é degradado para
tornar-se uma cultura mais simplificada e perecível, transformando-se num
produto da indústria de diversão (SILVA, 2010, p. 7).
Teixeira Coelho (1986) confirma quando destaca que uma das funções da
indústria cultural é dar ênfase ao “divertimento em seus produtos”. Deste modo,
além de adquirir adeptos, esse fenômeno acaba por mascarar a realidade e
proporcionar a fuga dela com atrativos aparentemente inofensivos, mas que,
segundo Coelho (1986), são inimigos mortais do pensamento crítico de um
indivíduo.
Diante
desta
situação,
o
consumidor
perde
a
autonomia
e
espontaneidade, assim, é induzido a “adaptar-se ao que lhe é oferecido”. A indústria
cultural é quem “indica o que será melhor para o público”, e este acaba ludibriado a
aceitar o que lhes apresentado como o melhor (SILVA, 2003, p. 33).
Isso acontece com mais frequência na publicidade: os “consumidores de
massa”, como intitula Oliveira (2002) são “bombardeados” pelo sistema capitalista
que visa somente o “lucro monetário”, e seus idealizadores não se preocupam em
38
maquiar o que querem: vender é o objetivo, e para isso é preciso inovar e chamar a
atenção do consumidor.
E foi exatamente isso que aconteceu com o forró, objeto desta pesquisa.
É pertinente observar que com sua modernização na década de 1990, as bandas
passaram a abordar em suas músicas temas como bebida, festas, mulheres e sexo,
o que atraiu as atenções principalmente do público jovem, o maior consumidor
desse gênero.
Porém, esses “estímulos eróticos” não aparecem somente nas letras das
canções, mas igualmente nas dançarinas que exibem nos palcos seus corpos
esculturais com roupas justas, curtas e coreografias que remetem a “poses
sensuais” (TROTTA, 2011, p.13). Foi uma tentativa apelativa de atrair novos
adeptos, e também de manter os que já tinham. E de acordo com os padrões destas
bandas, deu certo.
Atualmente, em consonância com os números do mercado fonográfico,
este forró midiático está em plena ascensão; e a Garota Safada contribui para essa
realidade. Além da venda de CD´s e DVDs, a banda aparece em segundo lugar no
ranking de cachês mais altos do forró da atualidade. É o que diz notícia publicada no
site Forró Dicunforça.com19.
O sítio afirma que a Garota Safada cobra cerca de 80 mil por
apresentação. E segundo ainda ele: esse valor pode aumentar, dependendo do
evento.
Este estudo entende que todo esse percurso ligado ao êxito se deve às
batidas eletrizantes do forró atual e às letras das composições, que estão sempre
abordando temas juvenis ao fazerem “apologia da festa como lugar de realização
social”, discussões amorosas e relações sexuais (TROTTA & MONTEIRO, 2008, p.
09).
A próxima etapa, portanto, pretende destacar a concretização do discurso
presente nas letras desta banda, relacionando-o à construção da imagem da mulher
por ele sugerido intencional e mercadologicamente.
19
Disponível em http://www.forrodicumforca.com/noticia,avioes-tem-o-show-mais-caro-do-forro-6151
Acesso em 30 jul. 2012
39
3.3 Análise das letras com ênfase na construção da imagem da mulher
É pertinente iniciar este tópico esclarecendo que as músicas de forró,
objeto deste estudo, são em sua maioria dotadas de estrofes que se repetem
exaustivamente ao longo das canções.
Destaque-se ainda que, na apreciação das letras em foco, este trabalho
utiliza como ferramenta de busca o site Vagalume, endereço eletrônico largamente
utilizado no Brasil que não apresenta em seu material presente preocupações com
pontuação ortográfica ou com um tratamento gramaticalmente eficiente da língua
portuguesa. Nesta perspectiva, este sítio possui muitas palavras fora da norma
padrão, com significados pejorativos. Além disso, há gírias típicas da região
Nordeste.
Vale ressaltar também que
a AD da linha francesa será utilizada na
análise das letras das músicas partindo do pressuposto de que procura
“compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”. (ORLANDI, 2000,
p.15)
É pertinente destacar também que a AD tem consequências como:
considerar a não literalidade das palavras, o sentido se forma levando em
conta os contextos, um sujeito histórico produz a linguagem interagindo com
outro sujeito, a linguagem é constitutivamente heterogênea. (BRANDÃO,
2012, p. 21)
Por sua vez, sobre o mercado “forrozeiro”, torna-se importante destacar
que hoje o seu público principal são jovens (TROTTA, 2008, p. 19). Segundo o
autor, para atrair a atenção desse público, o forró eletrônico se fundamenta em três
conceitos: “festa, amor e sexo” (TROTTA, 2008, p. 19).
Robson da Silva Braga (2011) vai mais longe ao observar que, além dos
temas citados por Trotta, é muito comum encontrar nas músicas “alusões explícitas
ao consumo de bebidas alcoólicas”, à ostentação financeira e “à beleza física de
homens”, mas principalmente de mulheres (BRAGA, 2011, p. 04).
Se antes o forró fazia alusões ao sertão, ao „jeito matuto‟ do povo sertanejo
e ao „amor sublime‟, entre outros temas menos recorrentes, hoje o forró
eletrônico enaltece tipos urbanos que buscam relações amorosas ou
apenas sexuais, que consomem bebidas alcoólicas e se orgulham disso,
40
que se exibem com carros importados e equipamentos ou por serem
20
„raparigueiros‟ e „pegar mulher‟ (BRAGA, 2011).
Importa igualmente afirmar que as músicas e suas letras complementam
o que está sendo apresentado nos palcos. Portanto, a entoação das canções, e
também bailarinas com corpos malhados e coreografias sensuais dividem as
atenções do público nos espetáculos, tornando o forró “irresistível”, principalmente
aos olhos masculinos.
Diante disso, a figura masculina aparece nas composições como um ser
superior à mulher, detentor de força e poder sobre a figura feminina. Tal perspectiva
pode ser facilmente observada no trecho da música Ei Gatinha, que não foi gravada
oficialmente, mas que participa dos shows e das gravações para a Internet21.
Ei gatinha amor vamos sair,
Eu quero me divertir
Tá negando, é?
Te quero agora
Deixe de tanta demora
Sou bonito, endinheirado
Ando de carro e sou casado
Se você não me quiser
Vou procurar outra mulher...
Esse trecho descreve um homem exigindo que a mulher em questão não
demore em atender os seus desejos carnais, pois ele tem dinheiro e automóvel,
aspectos importantes para o narrador (cantor), além de se dizer bonito e casado. E
ainda ameaça dizendo que caso ela não queira ceder, vai em busca de outra, que
aceite suas condições. Ou seja: a mulher está sujeita aos desejos do homem, na
visão da letra.
Em consonância, Cleide Nogueira de Faria (2002) observa que “o desejo
feminino parece estar sempre negado, silenciado”, mas o masculino está sempre em
evidência, como se só os desejos dele importassem (2002, p. 20).
A autora lembra também que essas músicas são ouvidas e muitas vezes
cantadas por adultos e por crianças. Tornam-se, portanto, partícipes de uma vida
social em comum e elemento de um conjunto de produções culturais. Nessa
A expressão faz alusão aos homens que “saem” com várias mulheres, sem compromisso com
nenhuma. No Nordeste a palavra “rapariga” é usada para denominar prostituta, mulher que se
relaciona sexualmente em troca de dinheiro.
21
Disponível em http://www.vagalume.com.br/garota-safada/ Acesso em 10 fev. 2012.
20
41
perspectiva, essas canções - naturalizadas e incorporadas no cotidiano vivenciado
pelas pessoas - são formadoras “da própria subjetividade dos indivíduos, num
processo de internalização de signos, códigos de valores que constituem, constroem
as imagens, as falas e comportamentos das pessoas”. (FARIA, 2002, p. 20)
Segundo os aspectos da AD, Cleudemar Alves Fernandes (2007) afirma
que “analisar o discurso implica interpretar os sujeitos falando, tendo a produção de
sentidos como parte integrante de suas atividades sociais” (p. 21).
Diante do acima exposto, não é difícil discernir que as composições de
forró eletrônico não servem como agente construtor de valores e atitudes cidadãs e
minimamente equilibradas em torno do bom senso.
Seguindo a mesma lógica de (des)construção da imagem da mulher e da
dominação masculina, é comum encontrar músicas em que a mulher é intitulada
como “rapariga”, que no Nordeste significa prostituta.
Sobre essa denominação dada ao público feminino, a Análise do
Discurso, a partir das afirmações de um de seus mentores intelectuais, Bakhtin,
considera que
(...) Toda palavra usada na fala real possui (...) acento de valor ou acento
apreciativo (...). Sem acento apreciativo não há palavra. (...) Não se pode
construir uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação
compreende antes de mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que
na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e
uma apreciação (BAKHTIN & VALOSHINOV, 1979, p. 118).
Isso pode ser observado - atentando-se para a gíria presente no título da
canção, de temática erótica - na música Trenzinho da Sacanagem (CD Garota
Safada – Volume 3).
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou
Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar
Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar
A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró
da rapariga todo mundo vai dançar...
O trecho extraído é repetido exaustivamente durante os três minutos de
música. O personagem principal da canção é sempre o homem, e aqui
especificamente, ele instiga outras pessoas (talvez outros homens!) a participarem
do evento intitulado Trenzinho da Sacanagem.
42
Em torno de letras como as destacadas nesta monografia, pode-se
compreender como a imagem da mulher está sendo transmitida por este estilo
musical. Segundo Faria, existe no repertório forrozeiro um “empobrecimento da
essência” feminina. A autora explica que o discurso do forró eletrônico “produz uma
imagem da mulher muito mais a partir do seu corpo” e “da beleza estética”,
suscitando a ideia de que ela é um ser vazio, “sem conteúdo” e “descartável”
(FARIA, 2002, p. 30).
Esse descarte geralmente se refere ao ato sexual entre um homem e uma
mulher, ou entre um homem e várias mulheres, elucidando a imagem masculina
como um ser viril e possuidor de “direito certo” sobre as mulheres. Observe-se esta
afirmativa no trecho da música Vida de Playboy (CD Garota Safada – Volume 4).
Forró e vaquejada procuro mulher safada
que na hora da trepada me chame de gostosão
Mulher raparigueira que na hora da zoeira
a gente passa a noite inteira pra matar meu tesão...
A letra da música tem como foco a mulher somente como fonte de prazer
do homem. Elas precisam ser “safadas” para merecer estar com esse homem, e na
hora da relação sexual precisam elogiar o desempenho masculino, exaltando a sua
virilidade e superioridade. A mulher é coisificada, tratada como um ser descartável.
E ele é o dominador, o mais importante e o único que tem direito a ter prazer.
Sobre tal aspecto, Manoel Ribeiro (2009) destaca em seu artigo
Feminismo, machismo e música popular brasileira, que o machismo se dá porque “o
homem é considerado possuidor de qualidades como coragem, audácia e retidão
(...).” Ele deve “ser viril, ser macho, ser forte, vigoroso, não hesitante”. Ribeiro afirma
também que a mulher deve ser “afetiva, carinhosa, ingênua, passiva e sensível”.
Tais atribuições podem ser observadas no trecho da música Eu sou o rei
do cabaré.
Eu sou da bagaceira
Gosto da putaria
não posso ver mulher que fico
Doido
Me tremendo
Me babando
Enloqueço de tesão pra fazer amor
Eu sou dermantelado
43
Cachorro Descarado
Comigo é vucu-vucu na bichinha
Tome tome safadinha
Tome tapa na bundinha
Eu mando pressão!!
Essa música apresenta um homem com desejos exacerbados de obter
prazer sexual com mulheres que estejam dispostas a serem agredidas entre quatro
paredes e serem chamadas de “safadas”. A mulher mais uma vez é vista somente
como objeto de prazer masculino.
Partido do pressuposto de que a mulher é um ser social, os discursos
veiculados por estas letras, em que a figura feminina aparece de maneira
questionável, representam relações sociais humanas e que têm efeitos sobre as
pessoas. Afinal, os discursos ajudam e contribuem para a construção de relações
sociais e que são construídas no e pelo discurso.
Manoel P. Ribeiro (2009) esclarece que
Não há como traçar os processos de identificação da mulher sem
mencionar o homem e a inscrição de sua identidade, muitas vezes, sobre a
mulher. É a partir do reconhecimento do que é um homem que a imagem da
mulher é construída no seu social (p.74).
Deste modo, o autor reforça o que se vê nas músicas repetidas
freneticamente pela Garota Safada, em que “a mulher, seu corpo (...) se tornam
propriedade do homem” (RIBEIRO, 2009, p. 75).
Ainda sobre o acima exposto, a música Sou Safado (CD Garota Safada –
Volume 5) relata situações ainda mais
explícitas no que diz respeito à
desvalorização da mulher.
Eu pego todas sou tarado
E a mulherada gosta
Eu topo tudo sou safado
E a mulherada gosta
(...)
Recebo uma mensagem da Claudinha
Querendo uma tarde de prazer
Mas eu já tô marcado com as minas
Dou uma rapidinha e mando ver
Camila, Suely, Valéria, Carla e Tayná
Estão nuas no apartamento me esperando
Pra zuar
(...)
Com Márcia e Tereza já ficou tudo beleza
Vou passar lá na casa da Carine e da Raquel
Daqui a meia hora elas me ligam com certeza
44
Porque marquei com as quatro uma suruba no motel.
A letra em sua totalidade descreve um homem completamente ciente de
sua virilidade e com autossuficiência diante de várias mulheres que o procuram para
obter prazer. As colocações das palavras, o uso de gírias e do termo de baixo calão
“suruba” ajudam a coisificar a mulher e tornam a relação sexual algo identificado
com o descartável22.
Em consonância, Maingueneau, um dos principais pesquisadores da atual
Análise do Discurso, afirma que “o discurso é uma forma de ação” e que “falar é uma
forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação do mundo”. Portanto,
tais expressões assentadas nas canções em foco reforçam que “o discurso é (...) um
lugar de investimentos sociais, (...) ideológicos (...), por meios de sujeitos interagindo
em situações concretas”. (CARDOSO, 1999, p. 21)
Em todo o percurso desta monografia, valem reflexões acerca da maneira
com que o público feminino é narrado em tais composições, na perspectiva de se
observar também se essas músicas podem instigar direta ou indiretamente
pensamentos e atitudes machistas e até violentas adotadas por alguns homens
apreciadores do forró eletrônico.
Segundo o Dicionário Aurélio Online, significa “atividade sexual de que participam três ou mais
pessoas”. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/Suruba.html. Acesso em 17 mar. 2013.
22
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo monográfico objetivou analisar a construção da imagem da
mulher dentro de algumas das músicas da Banda Garota Safada. Assim, cinco letras
de canções deste grupo foram focadas em torno do universo metodológico da AD
francesa.
Sobre a AD, Eni P. Orlandi (2004) ressalta que “é pelo discurso que
melhor se compreende a relação entre linguagem/pensamento/mundo, porque o
discurso é uma das instâncias materiais (concretas) dessa relação (p. 12).
Diante do acima exposto, no intuito de construir uma análise crítica sobre
tal recorte, foram consideradas as músicas em que a mulher aparece de maneira
mais evidente sendo intitulada de adjetivos que denigrem e ofendem o gênero
feminino. Esse contexto retrata - assim - a difícil realidade da mulher
nordestina/brasileira, vista como - a partir das letras da banda - mero objeto sexual.
Foi possível observar que nos momentos em que a mulher é mencionada
sempre há aspectos como: interesse financeiro por parte dela (sendo considerada:
“interesseira”), bebida em excesso e relações sexuais somente com foco no prazer
masculino. Pode-se dizer que são costumes machistas potencializados por uma arte
baseada no trinômio "festa-mulher-sexo".
É pertinente lembrar que este trabalho trouxe à tona a ideologia
mercadológica que existe em torno destes grupos musicais de forró eletrônico, os
quais, através de canções depreciativas alcançam status e sucesso diante das
grandes massas. Essas, por sua vez, aplaudem e repetem as letras que coisificam a
mulher a todo instante.
Este fenômeno remete historicamente à Indústria Cultural. E torna-se
óbvio afirmar ainda que tal acontecimento está cada vez mais presente no cotidiano
da população jovem e apreciadora destas manifestações artísticas, principalmente
no Nordeste. Tal público não questiona o que é produzido e ainda compactua com a
proliferação de produtos deste calibre.
Teixeira Coelho (1986) corrobora com Adorno e Horkeimer ao explicar
que a Indústria Cultural existe no intuito de
promover a alienação do homem, entendida como processo no qual
indivíduo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do
46
meio social circundante, transformando-se com isso em mero joguete e,
afinal, em simples produto alimentador do sistema que o envolve. (p. 33)
Deste modo é válido ressaltar a responsabilidade da sociedade, assim
como dos profissionais de comunicação social, em abordar com mais frequência e
profundidade tal assunto, e esclarecer que a música tem poder para interferir direta
ou indiretamente nas relações sociais.
Ou seja: em todo o recorte, as pesquisas realizadas mostram a
necessidade de um aprofundamento jornalístico no contexto citado. O intuito é
possibilitar novas visões sobre a imagem da mulher veiculada neste meio musical.
Considero que esta sugestão é uma das principais contribuições
acadêmicas deste estudo monográfico, entretanto faz-se necessário entender que a
arte, num contexto geral e específico, tem valor humanamente enriquecedor,
independente da região ou da classe social. Porém, ocorre que a arte de fazer forró
nos dias de hoje infelizmente está muitas vezes relacionada com o chamariz de sexo
ou de festas.
É preciso considerar também que nas representações citadas neste
estudo o artista é o elemento fundamental para a criação e divulgação do produto
final.
Assim,
ele
tornou-se
um
mero
“entertainer23”,
cuja
função
se
resume em passar o que é produzido sem preocupação com qualquer bagagem
cultural e construtiva para o receptor e com outras conexões sociais pertinentes à
arte.
De qualquer forma, e sobre tais afirmações, é pertinente também citar o
pesquisador Robson Braga24, que foi bastante objetivo em suas declarações em um
artigo de opinião ao sustentar que:
Queiramos ou não, o forró eletrônico é uma das “nossas artes”: ele fala da
nossa cultura nordestina contemporânea, concordemos com ela ou não.
Isso não significa, contudo, que precisamos enaltecer essa cultura. Cultura
não está aí para ser enaltecida, como fazem os movimentos tradicionalistas.
25
Ela está aí para ser compreendida e, se for o caso, repensada .
Por sua vez, retomando de certa forma algumas considerações já
presentes nesta etapa final, reafirmo que as pesquisas realizadas durante a
23
Pessoa que faz apresentações, profissionalmente, para a diversão de outros. Disponível em
http://www.dicio.com.br Acesso em 17 abr. 2013.
24
Jornalista e doutorando em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
25
Trecho extraído da coluna de opinião do Jornal O Povo em 07 mai. 2013
47
produção desta monografia apontam para a necessidade de novos e interferentes
estudos em torno do assunto focado. Afirma-se isto em virtude da força
mercadológica que possui este forró midiático. Portanto, este estudo não apresenta
soluções definitivas, haja vista que a construção politicamente correta da imagem da
mulher passa por diversos aspectos do meio social, e aqui não nos cabe
desenvolvê-los.
O que estas considerações finais anunciam é a possibilidade de diálogo
com outros trabalhos monográficos atinentes ao tema. Isto é ciência, é comunicação
e é jornalismo.
48
ANEXOS
49
ANEXO A - Discografia da Banda Garota Safada
Volume 1
Volume 4
Volume 2
Volume 5
Volume 7 e 1º DVD
Volume 3
Volume 6
50
ANEXO B - Letras analisadas
Ei Gatinha
Ei gatinha amor vamos sair,
Eu quero me divertir
Tá negando,é?
Te quero agora
Deixe de tanta demora
Sou bonito, endinheirado
Ando de carro e sou casado
Se você não me quiser
Vou procurar outra mulher.(2x)
Não, não quero sair com você
Tá pensando que é o quê?
Não admito
Pare com isso
Saia fora, eu quero compromisso
Não tô afim do seu dinheiro
Nem adianta insistir
Saia logo
Eu não te quero
Ficar no falada no mundo inteiro.(2x)
Trenzinho da Sacanagem (Volume 3)
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4
vezes)
Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar
Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar
A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró
da rapariga todo mundo vai dançar
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (2
vezes)
E quando a festa fica boa os homens vivem bebendo
Tem rapariga doidona, tem rapariga bebendo
Tem rapariga doidona, tem rapariga querendo
Tem rapariga doidinha pra se agarrar
Tem rapariga chorando, tem rapariga assanhada
E no forró da rapariga todo mundo vai dançar
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4
vezes)
Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar
Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar
51
A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró
da rapariga todo mundo vai dançar
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4
vezes)
E quando a festa fica boa os homens vivem bebendo
Tem rapariga doidona, tem rapariga bebendo
Tem rapariga doidona, tem rapariga querendo
Tem rapariga doidinha pra se agarrar
Tem rapariga chorando, tem rapariga assanhada
E no forró da rapariga todo mundo vai dançar
Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora
E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4
vezes)
Vida de Playboy (Volume 4)
Sou forrozeiro
100% biriteiro
Mas só gasto meu dinheiro se a mulher for avião
Vida de playboy é uma coisa maravilhosa
Não falta mulher gostosa no meu carro turbinado
E o som arregaçado só querendo curtição
Estar na minha casa é somente alegria
Mulherada e cachaçada, uma grande putaria
Sacanagem de montão, querendo curtição
Forró e vaquejada procuro mulher safada que na hora da trepada me chame de gostosão
Mulher raparigueira que na hora da zoeira agente passa a noite inteira pra matar meu tesão
Sou forrozeiro
100% biriteiro
Mas só gasto meu dinheiro se a mulher for avião
Sou playboyzinho
100% mauricinho
Só pego pitelzinho
Sou tremendo garanhão
Eu sou o rei do cabaré
Eu sou o rei do cabaré
Não posso ver mulher
Fico doido pra ... !!!!!!!
Eu sou o rei do cabaré
Não posso ver mulher
Fico doido ... !!!!!!!
Eu sou da bagaceira
Gosto da putaria
não posso ver mulher que fico
52
Doido
Me tremendo
Me babando
Enloqueço de tesão pra fazer amor
Eu sou dermantelado
Cachorro Descarado
Comigo é vucu-vucu na bichinha
Tome tome safadinha
Tome tapa na bundinha
Eu mando pressão !!!
Fortaleza eu vou na Sandra vou na beti
Recife é bom de mais na Odeti
Em Teresina quem me espera são as meninas da Beth Cuscuz !!
Em São Luís vou na casa da Rosana
Aracaju é bom de mais tia Havana
Natal é la no Sinal
Cartão Vip eu entro é sem pagar !!!
Sou Safado (Volume 5)
Eu pego todas sou tarado
E a mulherada gosta
Eu topo tudo sou safado
E a mulherada gosta
(...)
Recebo uma mensagem da Claudinha
Querendo uma tarde de prazer
Mas eu já tô marcado com as minas
Dou uma rapidinha e mando ver
Camila, Suely, Valéria, Carla e Tayná
Estão nuas no apartamento me esperando
Pra zuar
(...)
Com Márcia e Tereza já ficou tudo beleza
Vou passar lá na casa da Carine e da Raquel
Daqui a meia hora elas me ligam com certeza
Porque marquei com as quatro uma suruba no motel.
53
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Entrevista
Daniel Oliveira Cordeiro, coreógrafo e figurinista das bailarinas da Banda Garota
Safada. Fortaleza – Ce, 18 set 2012. Entrevista concedida à autora.
Programas televisivos analisados
Profissão Repórter
Rede Globo
Exibido em 10 mai 2011
A Liga
Rede Bandeirantes
Exibido em 21 out 2010
Mais Você
Rede Globo
Exibido em 24 jun 2011
Encanta Ceará – Especial Garota Safada
Verdes Mares afiliada Rede Globo – Ceará
Exibido em 04 nov 2012
Site da Banda Garota Safada
http://bandagarotasafada.com/
Páginas nas redes sociais
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https://twitter.com/GarotaSafada
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