CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO CECILIA LORENA DE OLIVEIRA PINHEIRO A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA MULHER A PARTIR DA ANÁLISE DAS MÚSICAS DA BANDA GAROTA SAFADA FORTALEZA/CE 2013 CECILIA LORENA DE OLIVERIA PINHEIRO A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA MULHER A PARTIR DA ANÁLISE DAS MÚSICAS DA BANDA GAROTA SAFADA Monografia submetida à aprovação da coordenação do curso de Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo, do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação sob a orientação do Prof. Carlos Alberto Ferreira Junior (Carlos Perdigão). FORTALEZA/CE 2013 P654c Pinheiro, Cecilia Lorena de Oliveira A construção da imagem da mulher a partir da análise das músicas da banda garota safada / Cecilia Lorena de Oliveira Pinheiro. – 2013. 55f. Il. Orientador: Prof°. Carlos Alberto Ferreira Junior. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, 2013. 1. Imagem da mulher. 2. Forró eletrônico. 3. Música - letra. I Freitas, Márcia Maria Machado. II. Título CDU 396:784.4 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim. Ao meu avô, que partiu sem me ver graduada, mas que sempre me chamou carinhosamente de “jornalista”. AGRADECIMENTOS A Deus acima de tudo, pois nunca desistiu de mim e nem descuidou das minhas aflições. A Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora da Conceição, constantes intercessoras e compadecidas dos meus pedidos. Ao Carmelo Sagrado Coração de Jesus e Madre Tereza, em especial à Irmã Maria Tereza de Santo Agostinho (Dandinha), minha tia, pelas orações e entregas diárias da minha vida a Deus. Aos meus pais, Rejane e Francisco, de quem recebi o dom mais precioso do universo: a vida. Vocês são os protagonistas deste momento inesquecível. Serão eternamente lembrados como exemplos de sabedoria e esperança de futuro, pelo esforço contínuo para que tudo fosse possível, pelas dificuldades enfrentadas e pela confiança depositada em mim. Ao meu amor e futuro marido Felipe, pela paciência, força, carinho, dedicação e companheirismo! À tia Lindete, minha “patroa” de coração enorme e bondade constante, que me dispensou de um expediente de trabalho para que eu pudesse me dedicar a este estudo. Ao profº. Dellano, pela compreensão e sinceridade com que me conduziu nesta fase da minha vida acadêmica. As minhas amigas, Ivila, Kamila, Camylla e Ruthany, que nunca deixaram de me ouvir, me acalmar e alegrar nos momentos tensos. E finalmente, mas não menos importante (pelo contrário), agradeço imensamente ao meu professor-orientador, Carlinhos Perdigão, por sua extraordinária dedicação, compreensão e paciência. Sem seu incentivo não conseguiria chegar tão longe. Muito obrigada mesmo, de coração. RESUMO Presente no cotidiano das sociedades, a música serve como instrumento de entretenimento e também como potente formadora de opinião dos que fazem parte de uma sociedade, contribuindo para identificação e solidificação de conceitos, ideias e crenças, através da memorização de conteúdos das letras nelas presentes (FERREIRA apud RODRIGUES, 2010 p. 7). Nessa perspectiva, esta monografia tem como objeto de estudo o gênero musical conhecido como “forró”, que atualmente é um dos estilos musicais mais tocados nas rádios e televisões do Nordeste. Uma de suas ramificações é o forró eletrônico surgido nos anos 90, que é caracterizado por utilizar instrumentos como guitarra, teclado, baixo, saxofone e bateria. A linguagem deste forró é estilizada, eletrizante e visual, com muito brilho e iluminação. A mulher - atuando como cantora e dançarina - está sempre presente nessa vertente do forró, desde os nomes das bandas às letras das músicas, e também pela composição dos grupos. Assim, este estudo visa analisar a representação feminina presente nas letras da banda Garota Safada, conjunto formado há aproximadamente 12 anos e que apresenta em suas canções constantes menções à figura feminina representada como objeto sexual e submissa aos desejos masculinos. Esta pesquisa espera contribuir para uma melhor análise crítica das músicas que escutamos em nosso cotidiano e para a discussão dos valores femininos expostos nas composições do forró eletrônico. Palavra-chave: Imagem da mulher. Forró Eletrônico. Letras de Música. ABSTRACT Present in everyday societies, music serves as a means of entertainment as well as forming strong opinions from being part of a society, contributing to identification and solidification of concepts, ideas and beliefs through memorizing content of these letters in them (FERREIRA apud RODRIGUES, 2010 p. 7). This monograph has as its subject matter the musical genre known as "forró", which is currently one of the most musical styles played on radio and television stations in the Northeast. One of its branches is the electronic forró emerged in the 90s, which is characterized by using electronic instruments such as guitar, keyboard, bass, saxophone and drums. The language of this forró is stylized, exciting and visual, and lighting too bright. The woman - acting as a singer and dancer - is always present in this part of forró, since the names of the bands lyrics, and also by the composition of the groups. This study aims to analyze the representation of women in this band's lyrics Naughty Girl. This group was formed about 12 years ago and has in his songs contained references to the female figure depicted as sexual objects and submissive to male desires. This research hopes to contribute to a better critical analysis of the music we hear in our day-to-day and to the discussion of feminine values exposed in the compositions of electronic forró. Keyword: Woman picture. Electronic Forró.Music Lyrics. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................... .. 7 CAPÍTULO 1 - RELAÇÕES ENTRE CULTURA E ARTE ........................ . 11 1.1 A função pública da arte e do artista......................................................... 14 1.2 O cenário cultural brasileiro e nordestino no século XX............................ 18 CAPÍTULO 2 - FORRÓ: O RÍTMO DO NORDESTE ............................... 25 2.1 Definição e gênero.................................................................................... 25 2.2 Forró eletrônico......................................................................................... 29 2.3 A música e as relações de gênero: a representação da mulher nas produções culturais ontem e hoje......................................................................... 32 CAPÍTULO 3 - A BANDA GAROTA SAFADA ....................................... 34 3.1 História...................................................................................................... 34 3.2 A Garota Safada e o mercado fonográfico atual....................................... 36 3.3 Análise das letras com ênfase na construção da imagem da mulher ............. 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 45 AXEXOS ............................................................................................... 48 REFERÊNCIAS .................................................................................... 53 7 INTRODUÇÃO O forró é o gênero musical que mais representou e representa o cotidiano do nordestino. Ele é considerado a “expressão da identidade sociocultural” desse povo (SILVA, 2003). Diante disso, e da condição de nordestina que sou, tomei-me a pesquisar mais profundamente esse ritmo genuinamente nordestino e suas ramificações, mais especificamente o forró eletrônico, aqui representado pela Banda Garota Safada. Este estudo tem como objetivo principal analisar a maneira com que a figura feminina está presente e é construída nas músicas da banda supracitada. Considero este tema importante, haja vista o impacto que este forró industrializado causa nas suas relações com o público e com a mídia. Particularmente, optei por esse tema não só por também ser mulher e gostar desse gênero musical, mas para, através da análise das letras, instigar reflexões acerca dessa problemática. Será utilizada a metodologia da Análise do Discurso (AD) da linha francesa, que surgiu nos anos de 1960 com o intuito de analisar questões discursivas e suas representações políticas, sociais, ideológicas e culturais no mundo concreto. Como sustenta Fernandes: Discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas. (FERNANDES, 2007, p. 18) Esses aspectos são fundamentais para o desenvolvimento das análises críticas acerca das canções do conjunto em foco, e que estão presentes neste estudo, que trabalha com o significado social e humano dessas letras. Ainda sobre a AD, Eni Orlandi, em uma declaração bem pessoal, diz que a interpretação feita pela Análise do Discurso “é uma questão da língua e do sentido”. (ORLANDI, 2004, p. 149) A autora vai além ao declarar sua posição a esse respeito: (...) análise de discurso teoriza a interpretação no sentido forte, ou seja, ela interroga a interpretação. (...) para a análise do discurso, a língua (...) se inscreve na história para significar. (p. 149) 8 Por sua vez, os autores explorados neste estudo remetem a Felipe Trotta, Expedito Leandro Silva, Teixeira Coelho, Lúcia Santaella, Bárbara Freitag, Nicolau Sevcenko, Mariza Veloso e Angélica Madeira. Igualmente esta pesquisa destaca os estudos realizados por Theodor Adorno e Horkeimer, filósofos que instituíram a teoria da Indústria Cultural. Todos os citados contribuíram com as perspectivas desta monografia. Na primeira parte do trabalho, este estudo considera pertinente discutir as relações entre cultura e arte e suas problemáticas, incluindo a definição e os parâmetros da indústria cultural, cultura de massa e manifestações culturais. Nesse contexto, foi analisada também a função pública da arte e do artista. O primeiro capítulo descreve também o cenário cultural do Brasil e do Nordeste no século XX, ressaltando a música como um importante instrumento de expressão de opiniões, de entretenimento e de socialização. Por sua vez, a segunda parte da pesquisa mostra o forró como principal manifestação cultural do povo nordestino. Instituído por Luiz Gonzaga na década de 40, o forró era inicialmente chamado de “baião” e sempre tinha no enredo a descrição da vida simples e sofrida do sertão e do sertanejo. Com o passar dos anos surgiram várias ramificações do gênero, como o forró tradicional e o forró pé-deserra. Mas foi a partir da década de 90 que este estilo ganhou uma roupagem diferente de todas as outras. Foram associados a ele instrumentos de sopro, teclado, bateria e guitarra. Assim nasceu o chamado “forró eletrônico”, o qual tem como uma das principais características canções que exploram assuntos como festas, bebidas, ostentação, prazer e mulheres, fugindo - ainda que não totalmente do enredo inicial valorizado por Luiz Gonzaga. Observe-se o que sustenta Braga: O forró eletrônico tem como uma das principais características “alusões explícitas ao consumo de bebidas alcoólicas, ao sexo, às relações amorosas (estáveis e instáveis), à beleza física e ao dinheiro” (BRAGA, 2011). No final deste capítulo, esta pesquisa procura expor parte da trajetória da figura feminina nas produções culturais até os dias atuais, destacando nomes que marcaram a história da música brasileira. A seguir, no terceiro capítulo, será explorada a história da Banda Garota Safada: como tudo começou, as dificuldades e a ascensão do grupo que já está há 9 mais de uma década presente no mercado fonográfico, não só do Nordeste, mas de todo o Brasil. Ainda sobre esse mercado, nessa etapa do trabalho será possível observar que a banda encontra-se atualmente em um lugar privilegiado no “ranking” dos grupos mais bem pagos do país, e que reúnem um público fiel a cada espetáculo, sempre lotado e repleto de canções com apologia ao sexo, à bebida e à ostentação. Outro aspecto existente nas letras de algumas das músicas da banda em questão, que é o foco principal deste estudo, é a coisificação da mulher. A figura feminina é tratada com desprezo e seu corpo passa a ser um objeto de desejo e prazer do homem, exclusivamente. Nessa perspectiva: ela deve ser submissa e estar sempre à disposição da figura masculina. Em outras palavras, sugere-se através de uma leitura interpretativa inclusive histórica - a presença de conceitos relacionados ao “machismo”. Diante de quadros como esse, é pertinente ressaltar o que Orlandi assegura: (...) não há sentido sem interpretação, e a interpretação é um excelente observatório para se trabalhar a relação historicamente determinada do sujeito com os sentidos, em um processo em que intervém o imaginário e que se desenvolve em determinadas situações sociais. (ORLANDI, 2004, p. 147) Desta maneira, buscou-se analisar o discurso de algumas das letras da Garota Safada. São elas: Ei Gatinha, Trenzinho da Sacanagem, Vida de PlayBoy, Eu sou o Rei do Cabaré e Sou Safado. Vale ressaltar que a escolha das músicas foi feita de acordo com a gravidade das expressões utilizadas nas mesmas. Portanto, este estudo não seguiu ordens cronológicas de gravação, até porque este não é o objetivo. As letras completas das músicas, por sua vez, estão presentes na parte de anexos desta monografia. As considerações finais deste trabalho monográfico buscam analisar até que ponto as letras de tais músicas fazem com que violência contra a mulher seja potencializada, além de enfatizar a ideologia mercadológica presente na produção discursiva e divulgação de grupos musicais e das canções em foco. Sobre tal contexto a Análise do Discurso vem dizer que: 10 determinados grupos agenciam suas ideias e procuram apreender o mundo tendo como ponto de referência os conceitos centrais que elaboraram. No entanto é necessário perceber que todo discurso se estrutura a partir de uma posição determinada, as pessoas falam sempre de algum lugar. Essas situações concretas que dão base material à linguagem não são exteriores ao discurso, mas se insinuam em seu interior e passam muitas vezes a estruturá-lo e constituí-lo. (ORTIZ, 1994, p. 67) Também estão presentes na etapa conclusiva deste estudo considerações sobre a função atual do artista na produção e divulgação do trabalho das bandas de forró como a Garota Safada. Neste entorno, é possível observar que o ritmo antes conhecido como uma das formas de identificação do povo nordestino se transformou em constantes apologias ao sexo e a festas, deixando de lado as possíveis contribuições culturais que essa manifestação artística poderia passar aos que a apreciam. Vale ressaltar que tal assunto não se esgota neste trabalho, e que cabe à sociedade refletir sobre a maneira pelo qual a mulher é narrada na música nordestina, mais especificamente. Ainda no tocante à violência verbal sofrida pelo público feminino, considero fundamental que os meios de comunicação colaborem com essa reflexão. Tais contribuições podem ser feitas através de pesquisas de campo e divulgação dos resultados alcançados, assim como neste estudo. Na conclusão desta introdução, convém destacar que estão expostas nos anexos desta monografia as capas dos CD‟s oficiais da Banda Garota Safada em ordem de lançamento. 11 Capítulo 1 - As Relações entre Cultura e Arte É relevante para este estudo monográfico que, em torno do processo de análise de algumas das músicas da banda Garota Safada e a representatividade da construção da imagem da mulher nelas presente, seja realizada uma discussão elucidatória sobre cultura e arte e suas atribuições dentro de uma sociedade humana. Neste contexto, torna-se importante perceber a cultura como uma forma de reconhecimento de um povo, partindo do pressuposto de que ao nascermos ela nos é apresentada como um modo de vida já pré-determinado por nossos antepassados. Nessa perspectiva, Edward Tylor (apud Laraia, 2001 p. 28) conceitua cultura como sendo “todo comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”. A arte também está inserida neste quadro a partir do momento que também nos são ensinadas maneiras de expressarmos o que pensamos. Essas expressões recebem o nome de manifestações artísticas ou manifestações culturais. Segundo Roger Bastide (apud Caldas, 1979), “cada grupo tende a se separar dos outros por caracteres que lhes são próprios, costumes, gírias, vestimentas – a arte é também umas dessas manifestações”. As manifestações culturais podem ser entendidas como a forma que cada povo encontra para transmitir a sua cultura (SILVA, 2003, p. 22). Bruno Brito (2004) confirma, porém é mais detalhista e explica que as manifestações culturais “identificam e representam” um determinado “povo ou nação, cada um com suas determinadas particularidades e princípios”. Essas manifestações - com o passar dos anos - adquiriram valores estéticos e mercadológicos tendo em vista a lógica capitalista das sociedades contemporâneas de incentivar o consumo. Assim, a cultura e a arte passaram a ser consideradas mercadorias e começaram a ser comercializadas de acordo com o seu valor de troca, e não seu valor cultural. Esse fenômeno foi intitulado por filósofos frankfurtianos como “indústria cultural”. Theodor W. Adorno e Max Horkheimer observaram que existia (e ainda existe) um “monopólio” quando se fala em cultura de massa, sempre idêntica, segundo observaram. Para eles isso caracteriza a indústria cultural, pois ela causa a “padronização”, ”produção em série” e transforma a arte em produtos 12 mercadologicamente rentáveis e - ao mesmo tempo - isentos de promover o crescimento cultural, crítico e intelectual do homem. A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados a milênios, a arte superior e da arte inferior. Com prejuízos de ambos (ADORNO apud OLIVEIRA, 2010, p. 14). Sobre tal conjuntura, Bárbara Freitag explica que: a “indústria cultural” é a forma pela qual a produção artística e cultural é organizada no contexto das relações capitalistas de produção, lançada no mercado e por este consumida. (...) Este deixa de ter o caráter único, singular, deixa de ser expressão de genialidade, do sofrimento, da angústia de um produtor (artista, poeta, escritor) para ser um bem de consumo coletivo, destinado desde o início à venda, sendo avaliado segundo a sua lucratividade ou aceitação no mercado (...). (FREITAG, 1994, p.72) Em tal afirmação, podemos depreender que a aceitação no mercado de um produto está relacionada com a questão da “ideologia do consumo”, sendo esta expressão explicada por Sérgio Telles (2008) como a promessa da felicidade que se encontra “através da aquisição de uma mercadoria”. Fábio Luiz Tezini Crocco (2011) confirma essa expressão quando diz que essa ideologia reproduz “um movimento circular de produção e distribuição de mercadorias”, e que o “trabalho artístico” está sempre voltado para o marketing, para uma negociação comercial. Obviamente que esta ideologia utiliza a música, por exemplo, para “difundir os valores da indústria cultural”, já que ela a potencializa - como já afirmado - em torno da lógica do mercado capitalista. Assim, o consumidor aparece como “um ser incapaz de pensar e de agir” (SILVA, 2003, p. 27). Por sua vez, Adorno (apud Silva, 2003) confirma tal pensamento ao declarar que “o consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer; ele não é sujeito dessa indústria, mas seu objeto”. Podemos sustentar, portanto, que arte e cultura são conceitos historicamente “cultiváveis”, com possibilidades de terem significados diferentes na realidade. Ou seja, significados que atendem a diversos interesses humanos, sejam eles políticos, artísticos, de mero entretenimento e/ou mercadológicos. Potencializa esta perspectiva de compreensão em torno desses interesses Fábio Luiz Tezini Crocco (2011) quando cita Adorno e Horkheimer: 13 O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos atuais. A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitiço das mercadorias (ADORNO & HORKHEIMER apud CROCCO, 2011, p. 06). Portanto, a partir de tal retrato situacional, o que vemos hoje são as produções culturais sendo comercializadas com “a função de ocupar o espaço de lazer” da classe trabalhadora, considerada como a classe popular. Isso acarreta o maior consumo dos produtos oferecidos, mesmo sem grande necessidade, e tal consumo “é apresentado” para essa classe “como o caminho para realização social” (FREITAG, 1994). Ou seja, segundo esta pesquisadora, a cultura é imposta pelos meios de comunicação de massa, entram no dia-a-dia das “classes assalariadas” e não lhes dão chance de formar uma reflexão crítica a respeito disso, o que importa é somente o consumo dessas produções (1994). É pertinente ainda afirmarmos que hoje a “indústria cultural”, anteriormente já definida por Adorno e Horkheimer, exerce um papel forte no que diz respeito ao consumo das produções culturais. Sendo assim, ainda segundo Bárbara Freitag (1994), a “indústria cultural” é responsável pela: dissolução da obra de arte, produção e reprodução de mercadorias ditas “culturais”, por sua vinculação com a moderna técnica (rádio, tevê, cinema, fotografia, imprensa, etc.) e seu consumo de massas e seu caráter de mercadoria (...). (FREITAG, 1994, p. 73) . Deduz-se do acima exposto que existe uma apropriação das manifestações e das produções culturais e artísticas pela “indústria cultural”, “cujo objetivo principal é obter sucesso e lucro” (SILVA, 2003). E nesse contexto, o artista exerce uma função importante na comercialização das “obras de arte”: ele define o significado da obra e o seu processo de recepção/consumo. Em outras palavras, segundo Puterman (apud Silva, 2003), o artista “funciona como intermediário entre a indústria e o consumidor, revestindo de sentido o consumo do produto”. No caso da música, mais especificamente do forró, objeto de estudo desta monografia, o artista serve como ícone dessa manifestação cultural, que hoje tem basicamente interesses mercadológicos. No entorno do forró, os grupos musicais geralmente colocam à frente das bandas cantores carismáticos, dançarinas 14 com corpos atrativos e canções com letras que remetem à vida de ostentação financeira e à redução da figura feminina. Tal retrato situacional sinaliza possíveis questionamentos e explicações sobre o papel do artista nas sociedades humanas. 1.1 A função pública da arte e do artista Quando falamos de arte, pensamos imediatamente em quadros, telas, esculturas etc. Esquecemos que a palavra “arte” engloba outros horizontes que vão além de obras grandiosas pintadas ou esculpidas pelo artista. Por sua vez, no entendimento de Caldas (apud Silva, 2003, p. 30), “a arte é uma manifestação cultural que, na sociedade capitalista, tem a incômoda função de diferenciar as classes sociais através do consumo”. Já para Newton Duarte (2010), a sociedade capitalista é compreendida como aquela que é “produtora de mercadorias”. O autor vai além ao dizer que “tudo no capitalismo se transforma em mercadoria, até o trabalho humano” (DUARTE, 2010). Essa mercadoria, na concepção de Karl Marx (apud Duarte, 2010), é tudo que tem “seu valor de uso e seu valor de troca”, inclusive a “atividade humana”. Deste modo, Duarte (2010) explica que: O trabalhador é obrigado, portanto, pela sociedade capitalista, a vender sua própria atividade, a vender a única fonte de humanização, que é a atividade humana, em troca de dinheiro. E o que o trabalhador compra com o dinheiro obtido por essa venda? Os produtos dos quais necessita para sobreviver e os produtos dos quais necessita porque as relações sociais capitalistas nele produziram necessidades que o tornam escravo dos produtos, ao invés de esses produtos serem meios de desenvolvimento e realização da personalidade de cada ser humano. (DUARTE, 2010, p. 79). Diante disso, podemos refletir sobre qual posição os artistas devem tomar diante de tal situação. Segundo Silva (2003), o artista deve “estar mais atento ao papel da arte na sociedade”. Assim como ele [artista] deve “estar mais ciente da sua posição: sua função lúdica e de entretenimento, mas também de desempenhar o papel de agente cultural”, e não só em vender o seu produto, a sua arte. Nesse contexto, filósofos como Karl Marx possuíam uma concepção socialista sobre a arte e seu papel dentro de uma sociedade. Marx (apud Bay, 2006) entendia a arte como “um reflexo da realidade social e também como uma forma de conhecimento capaz de interagir nela, com o poder de modificá-la”. Já Sigmund 15 Freud (apud Bay, 2006), afirmava que a arte tem o papel social de intermediar. Para ele a arte era um fator determinante de adaptação do indivíduo à sociedade. Ainda segundo Freud (apud Bay 2006), a arte: (...) teria o poder de liberar o artista de suas fantasias, permitindo-lhe exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra, num processo catártico e terapêutico. Desta maneira entendeu que o ponto inicial de criação era a própria vida do artista, a qual determinaria a temática, o estilo e toda forma plástica, de tal maneira que a obra poderia ser vista como um substituto das fantasias geradas pelo seu inconsciente. (FREUD apud Bay, 2006 p. 07). Por sua vez, para os autores contemporâneos, a arte também ocupa papéis importantes na vida do ser humano e nas relações em sociedade. Em torno desse aspecto, a blogueira Elma Carneiro (2009) postou em sua página eletrônica trechos do escritor Armindo Trevisan em que ele descreve a função social da arte: A função social da arte é a busca solitária (até certo ponto) do artista que declara lealdade a si mesmo, e a tudo o que é humano. (...) É não arredar 1 pé do humano, não abrir mão dos direitos mínimos do cidadão . Em contrapartida, Carneiro (2009) cita também Fernando Pessoa, em sua declaração de que: O artista não tem que se importar com o fim social da arte, ou, antes, com o papel da arte dentro da vida social. Preocupação é essa que compete ao sociólogo e não ao artista. O artista tem só que fazer arte. Pode, é certo, especular sobre o fim da arte na vida das sociedades, mas ao fazê-lo, não está sendo artista, mas sim sociólogo; não é um artista quem faz essa 2 especulação, é um sociólogo simplesmente . Tal conjuntura sobre o aspecto social da arte mostra que estamos em um terreno complexo de opiniões divergentes, ao mesmo tempo em que podemos perceber a importância que tal assunto em foco permite. De qualquer forma, esta monografia sustenta que mesmo com a ideia de que o artista produz em favor do bem social e público, “o sistema capitalista, a produção em grande escala” e a “mercantilização da cultura”, já tematizados anteriormente, afetam a relação entre ele e as pessoas interessadas, causando um afastamento, como cita Silva (2003, p. 1 2 Disponível em: http://modernidadeartes.blogspot.com.br Acesso em: 20 abr. 2012 Disponível em: http://modernidadeartes.blogspot.com.br Acesso em 20 abr. 2012 16 32) entre “a arte (e seus fatores criativos) e o povo, ao direcionar toda a produção para a obtenção de lucro”. Ou seja, é deixado de lado o crescimento cultural, intelectual e o “prazer da criação artística, em atenção à necessidade de ter um público que os prestigie e compre seus produtos” (SILVA, 2003). Silva (2003) ressalta ainda que “a obra de arte tem o poder de envolver a sociedade”. Este autor também faz alusão à maneira de como a arte era negociada entre os que obtinham um poder aquisitivo bem confortável no Brasil da década de 60: “as obras de arte sempre estiveram ligadas a quem detinha o poder e os artistas raramente possuíam autonomia” (SILVA, 2003, p. 34). Lúcia Santaella (1995, p. 17) confirma essa perspectiva ao ressaltar que “os produtos artísticos sempre estiveram e continuam estando sob o poder e para o usufruto das classes privilegiadas e opressoras”. Porém, a autora destaca um trecho do pensamento de Augusto Boal (1979) em que ele observa: A cultura é produzida pela sociedade e, portanto, uma sociedade dividida em classes produzirá uma cultura dividida. (...) As classes dominantes tentam instituir como cultura a „sua‟ cultura e como incultura a cultura das classes dominadas (apud, p. 85). Tal afirmação de Boal sinaliza divisões sociais, as quais podem ser compreendidas em torno de lógicas de consumo. Assim, esta monografia sustenta que as pessoas, para terem acesso a algum produto cultural, precisam pagar de alguma maneira pelo que estão adquirindo, seja de que forma for, “basta estar ligado a um equipamento eletrônico (tevê, aparelho de som, etc) ou assistir a um espetáculo gratuito, (...) somos todos consumidores em potencial” da arte, seja de qual for o seguimento (SILVA, 2003). Em confirmação a essa afirmativa, Adorno (apud Silva, 2003) explica que: (...) no universo da indústria cultural o valor de troca assume ilusoriamente funções de valor de uso. Neste sentido, a flutuação de juízos de valor está em sintonia com a demanda da produção artística: quanto mais pasteurizados os valores estéticos, menos a possibilidade de julgamento, e a obra de arte acaba por perder a sua própria razão de ser como resultado do ato de criar. (p, 35) Assim, em concordância com Adorno, a obra de arte se afasta de sua concepção crítica, e passa a ser algo produzido em torno de meros escapismos, potencializados pelo consumo capitalista. Dentro dessa lógica, começa a acontecer uma “produção acelerada para atender o mercado” (SILVA, 2003). Diante disso, a cultura “feita em série industrialmente” passa a ser observada apenas como um 17 “produto trocável por dinheiro”, e não como “instrumento de crítica e conhecimento” (COELHO, 1986 p. 11). Todo esse retrato situacional provoca um fenômeno que Silva (2003) chama de “mesmice artística”, em que ocorre uma espécie de “padronização” das criações. Assim, o que há é um: produto padronizado, como uma espécie de kit para montar, um tipo de préconfecção feito para atender necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar o que consome (COELHO, 1986 p. 11). E é dessa maneira que a indústria cultural “se apropria” das manifestações culturais e artísticas, moldando-as, cada uma ao seu estilo, com formas próprias e consideradas adequadas, objetivando somente “sucesso e lucro” (SILVA, 2003), exatamente como acontece no meio musical, mais especificamente no forró, centro da discussão desta monografia. Diante disso, e de acordo com essa perspectiva, podemos depreender que a real função de parte da arte ocidental - na qual o forró midiático da banda Garota Safada está entronizado - é entreter para lucrar, e do artista é produzir para também lucrar. Como admiradores da arte, e dos que a produzem, boa parte dos que a consomem (no sentido lato do termo!) não sentem tão explicitamente que estão na verdade sendo possivelmente ludibriados pela indústria cultural e seus artifícios envolventes em torno de uma mesmice artística, voltada praticamente à estética do consumo dos produtos por ela oferecidos às pessoas. Nesse sentido, torna-se lógico comentar o papel de sustentáculo ideológico que a mídia tem em todo este processo. Obviamente que ela realiza ações diversas no entorno desse quadro, atuando como um espaço de propagação do mercado consumista entranhado no mundo do forró industrializado. Nesse contexto, a mídia segue um rumo ideológico de acordo com os valores postos na lógica de consumo deste mercado, valores relacionados com aqueles que detêm os meios de produção. Ou seja: valores dominantes. Conforme García Canclini (apud Dias & Rosini, 2008, p. 3): o consumo cultural se caracteriza pela preponderância do valor simbólico de um bem ofertado pela indústria cultural sobre os seus valores de uso ou troca, ou onde pelo menos estes últimos estão subordinados à dimensão simbólica. García Canclini (apud Dias & Rosini, 2008, p. 3). 18 Aprofundando tal temática, esta monografia sustenta que os valores estéticos que as classes dominantes defendem como eternos/imutáveis e que relacionam a arte e a cultura funcionam como uma imposição ideológica - dentro de seu conjunto de valores - de sua suposta superioridade. E trazendo para o forró da Banda Garota Safada: esses valores “maquiados” são apresentados para o público como uma forma de manter viva a cultura nordestina de fazer e dançar forró. Porém, o que vemos desde os anos 90 até hoje nos palcos são espetáculos grandiosos, nos quais a exposição de corpos e a apelação à sexualidade feminina são os principais atrativos. Sobre tal quadro, o jornalista Anselmo Alves (apud Trotta, 2008) publicou no Jornal do Commercio de Recife que o forró atual vem sendo alvo de várias críticas por conta da “explícita tematização erótica e sensual”. Felipe Trotta confirma essa perspectiva destacando que as bandas passaram a adotar “elementos performáticos profundamente eróticos” (TROTTA, 2009, p. 140). Segundo ele, isso promoveu uma reviravolta no cenário do forró da região Nordeste. Essa discussão será desenvolvida nos próximos capítulos desse estudo monográfico. 1.2 O cenário cultural brasileiro e nordestino no século XX Quando iniciou o século XX, o Sudeste brasileiro, em especial o Rio de Janeiro, foi considerado “centro de migrações”. Eram trabalhadores rurais que chegavam à então capital do Brasil em busca de novas oportunidades de emprego e de uma vida melhor. É pertinente observar também que o número de imigrantes vindos principalmente da Alemanha, Itália e Japão aumentou consideravelmente nas décadas de 20, 30 e 40 devido ao “crescimento da industrialização” no Brasil. Esse misto de povos de vários lugares do mundo tornou parte do Sudeste brasileiro segundo Veloso e Madeira (1999, p. 95) - no “mais complexo e fecundo caldo formador da nossa cultura”. Ou seja, o Brasil passou a abrigar um número expressivo de culturas diferentes, tanto nacionais quanto internacionais. Por sua vez, Nicolau Sevcenko (2003) explica em seu livro Literatura como Missão que o Rio de Janeiro no início do século XX atraía as atenções para si devido aos grandes privilégios que tinha como capital da República. O autor cita que a cidade possuía uma “economia cafeeira” aquecida, assim como o comércio. O Rio 19 era feliz nas “aplicações industriais”, dona da “maior rede ferroviária” do país, da “maior bolsa de valores”, abrigava também a “sede do Banco do Brasil”, as “grandes casas bancárias nacionais e estrangeiras”, tinha o “15º porto do mundo em volume de comércio”, e o maior “mercado nacional de consumo e de mão-de-obra”. Diante disso e de vários outros atrativos, o Rio se tornou o “maior centro populacional” do Brasil na época. Esse aglomerado de pessoas na mesma cidade vindo de várias regiões do país culminou em problemas típicos dos centros urbanos que crescem sem estrutura prévia. Surgiram as epidemias de febre tifóide, amarela, varíola e várias outras (SEVCENKO, 2003, p.41). Mesmo assim, os migrantes não paravam de chegar. Eles se instalavam nos imensos casarões coloniais e imperiais do centro da cidade. Esse fato não agradou às classes dominantes e os detentores de poder, até que em meados de 1904 iniciou-se a “regeneração” do Rio de Janeiro, quando a população que vivia nesses casarões foi obrigada a desocupar os imóveis, para que no lugar onde moravam fossem abertas “amplas avenidas, praças e jardins, decorados com palácios de mármore de cristal”, sempre seguindo o estilo e os costumes da Europa (SEVCENKO, 2003, p. 43). O modo de vida europeu tomou conta do Brasil, tanto estrutural como culturalmente. Teixeira Coelho (2008) ressalta em seu livro A cultura e seu contrário que a “cultura francesa surgiu como um modo civilizacional indiscutível”. Sevcenko (2003) confirma mostrando que os “hábitos e costumes” considerados pela “sociedade dominante” como parte de uma “sociedade tradicional” e com indícios de cultura popular era rejeitados, pois poderiam denegrir a “imagem civilizada” de “vida parisiense” que a burguesia impunha. Os migrantes passaram, então, a serem vistos somente no período do carnaval e nas festas natalinas, quando “a cultura afro-nordestina se mesclava com as manifestações locais”. Ainda assim, havia por parte da sociedade dominante um desagrado sob a maneira com que as classes desfavorecidas brincavam o carnaval (SILVA, 2003). A “versão europeia com arlequins, pierrôs e colombinas” contrastavam com “os cordões, os batuques, as pastorinhas e as fantasias populares”. A fantasia de índio sofreu “severas restrições”, assim como o “comportamento dos foliões” nos cordões (SEVCENKO, 2003, p. 47). 20 Entretanto, os brincantes não desistiram de celebrar o carnaval no Rio de Janeiro. Segundo Tinhorão (apud Silva, 2003), cada grupo de migrantes tinha sua “música própria, tradicional”, e assim conquistaram a “simpatia das classes mais privilegiadas”, numa tentativa de “aproximar as manifestações da cultura popular às da cultura erudita” (SILVA, 2003, p. 41). Torna-se importante destacar que se entende como cultura popular “qualquer manifestação cultural (dança, música, festas, literatura, folclore, arte, etc.) em que o povo produz e participa de forma ativa” 3. Por sua vez, em contrapartida, a cultura erudita é “aquela para pessoas com alto nível de instrução, que possuem muito estudo, uma formação específica sobre um determinado assunto, em especial sobre história da arte” 4. No entorno de toda essa perspectiva, Silva considera o casamento entre a cultura popular e a erudita uma forma de enriquecer ainda mais o carnaval carioca: A junção do popular com o erudito proporcionou aos organizadores uma nova tarefa, que foi aprimorar os desfiles dos ranchos aos valores e conceitos modernos vigentes. Para isso contaram com a colaboração e o apoio técnico de especialistas, tais como cenógrafos, escultores e pintores. A partir da intervenção desses profissionais os carros alegóricos e o enredo musical tornaram-se mais atraentes, e uma nova estética foi proposta para satisfazer o gosto de diversas classes sociais (SILVA, 2003, p. 41). Na música, as classes sociais menos favorecidas encontravam espaço e tinham a oportunidade de se expressar através das canções transmitidas pelas ondas do rádio por todo o país. Por exemplo, na época, a contribuição da cantora e compositora Chiquinha Gonzaga foi muito importante. É o que Marcos Napolitano explica no livro História e Música. Segundo ele, Chiquinha: compôs polcas, tangos, peças musicais, modinhas, marcha (aliás, ela teria sido a inventora do gênero). Temperada pelo ambiente musical dos “chorões”, entre os quais era uma presença assídua, sua trajetória atravessou o século e marcou o cenário musical brasileiro até o início do século XX (NAPOLITANO, 2002, p. 31). Ao mesmo tempo, ainda na primeira década do século XX, surgiram os “salões, livrarias e confeitarias” que serviam de abrigo para as últimas tendências da moda, “livros, jornais e revistas”, instigando assim estudos culturais e debate de 3 4 Disponível em http://www.suapesquisa.com/o_que_e/cultura_popular.htmAcesso em: 16 abr. 2012 Disponível em http://www.significados.com.br/erudito/Acesso em: 16 abr. 2012 21 ideias, porém a essência desses lugares tinha sempre traços da cultura europeia intelectual (VELOSO & MADEIRA, 1999, p. 80). Mas a tendência europeia não perpetuou por muito tempo: na década de 20 o início da Primeira Guerra Mundial abalou a “crença da superioridade dos padrões de conduta e dos valores europeus”. Isso fez ascender nos brasileiros a sede de redescobrir o Brasil. A partir daí surgiram “novas instituições culturais e outras formas de reconhecimento da cultura brasileira” (VELOSO & MADEIRA, 1999, p.88). Nesse sentido, foram iniciadas “convergências” políticas, culturais e econômicas (RIDENTI, 2003, p. 135). A cultura popular era extraída do passado a fim de “construir uma nova nação” que fosse, segundo Ridenti (2003), “moderna e desalienada, no limite, socialista”. Para Veloso & Madeira (2007, p. 93), os chamados “intelectuais modernistas” foram os principais responsáveis por revolucionar “os padrões estáticos vigentes e os cânones de interpretações de nossa cultura”. Ampliando a análise, para alguns críticos contemporâneos o século XX foi caracterizado pela “revolução cultural”, quando os conceitos e tendências culturais passaram a ter uma nova roupagem, causando estranhamento em algumas pessoas e êxtase em outras. (COSTA, 2003) Sobre tal contexto, pensadores como Stuart Hall, Fredric Jameson, Nestor Canclini, Beatriz Sarlo, David Harvey observaram que: A cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo que assumiu em todos os aspectos da vida social. (COSTA, 2003, p. 38) Eles acreditavam que a centralização da cultura devesse acabar, pois esta tem o poder de instituir ideias e atitudes dentro de uma sociedade; assim, quanto mais diversificada, maior seria o seu poder de gerar opiniões. Tomaram como exemplo a música, foco desse estudo monográfico, e explicaram que ela não é apenas uma manifestação cultural, mas artifícios representativos, os quais “inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais”, onde cada “significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas” (COSTA, 2003, p. 38). Esta monografia destaca ainda que a revolução cultural da época foi potencializada pelo Modernismo. Assim, a Semana de Arte Moderna de 1922 22 aconteceu em São Paulo, foi idealizada pelo pintor Di Cavalcanti e tinha por objetivo divulgar as “tendências artísticas de vanguarda” que circulavam pela Europa. Porém a elite paulista não compreendeu essa nova “forma de expressão”, pois ainda seguia “formas estéticas europeias mais conservadoras” (GOMES, 2011, p. 01). Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999) consideram que esse acontecimento “foi o resultado de um desejo coletivo de tornar visíveis as novas ideias que inquietavam a intelligentsia brasileira”. Além disso, os criadores do evento queriam promover e “organizar instituições artísticas, científicas e pedagógicas” com o intuito de “divulgar todas as manifestações da cultura brasileira” (VELOSO & MADEIRA, 1999 p. 89-90). Por sua vez, nos anos 30, os intelectuais ligados ao movimento modernista sentiram a necessidade de produzir o que Veloso e Madeira (1999) chamam de “retratos do Brasil”: imagens que tinham o intuito de descobrir e divulgar a cultura do nosso país. Assim, os chamados “criadores culturais” passaram a viajar pelo interior do país a fim de conhecer “manifestações artísticas”, “suas etnografias, histórias, os ritos, os contos e as danças” espalhadas pelo território nacional (VELOSO & MADEIRA, 1999, p.91). Ainda segundo as autoras, essas pesquisas proporcionaram uma releitura crítica de nossas tradições, identificando traços recorrentes, alguns que deveriam ser afirmados - como o nosso patrimônio lúdico e estético - e outros a serem superados, como os arcaísmos remanescentes da tradição patriarcal. (VELOSO & MADEIRA, 1999, p.91) Portanto, marcado o século XX pelas novas ideias do Modernismo e a mistura de linguagens que ele preconizava, já no início dos anos de 1960 um grupo de artistas do Teatro Arena de São Paulo procurou a União Nacional dos Estudantes (UNE) para produzirem juntos. Segundo Ridenti, eles começaram a trabalhar em um projeto que recebeu o apelido de CPC (Centro Popular de Cultura), cujo objetivo era “fazer arte popular em diversas áreas, teatro, cinema, literatura, música e artes plásticas”. O movimento deu certo e eles “percorreram os principais centros universitários do país” expondo suas ideias e fazendo arte por onde passavam. (RIDENTI, 2003). 23 No campo musical, nessa época começou “o período da música de protesto”, os estudantes que lideraram esses movimentos perceberam que a música como cultura popular podia servir de “instrumento de conscientização e transformação sociopolítica do país”, e não só como entretenimento (SILVA, 2003 p. 47). Em torno desse conjunto de ideias e valores - mesmo que de uma forma incipiente e intuitiva - nasceu na segunda metade dos anos 60 o movimento cultural batizado de Tropicalismo, liderado por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Torquato Neto, Rogério Duprat, Tom Zé e Os Mutantes, artistas herdeiros da Bossa Nova e vivenciadores de um mundo que estava em franca (r)evolução. Sobre tal movimento, Carlos Basualdo (2007) afirma que: O tropicalismo pretendera constituir-se em um mecanismo capaz de incorporar - de assimilar antropofágica e, portanto, seletivamente - a complexa totalidade da realidade cultural brasileira com o fim de desencadear um processo de transformação radical. (BASUALDO, 2007 p. 15) O Tropicalismo foi um agente revolucionário na música popular brasileira, entretanto o movimento atingiu outras esferas culturais como as artes plásticas, cinema e poesia. Segundo Veloso e Madeira (1999), esse importante acontecimento da cultura em nosso país serviu para “a valorização de nossas riquezas rítmicas, linguísticas e visuais”. As autoras ressaltam também que o Tropicalismo instigou nos brasileiros, principalmente nos artistas, o “desejo de assumir a cafonice nacional” (VELOSO & MADEIRA, 1999 p. 109). Ainda na mesma perspectiva, Roberto Murcia Moura e Affonso Romano de Sant'Anna (1998) afirmam que o movimento tropicalista tinha como principal característica a irreverência e o “resgate do mau-gosto”. Tal retrato situacional sugere a fundação de um campo cultural. Que, com a chegada dos anos 70, potencializou-se e fez com que a “expansão da cultura de massa e a ampliação dos espaços das mídias e do mercado de bens simbólicos” ganhassem mais força no Brasil por meio da modernização das indústrias culturais e das telecomunicações. (BORELLI, 2006, com adaptações). E tudo isso terminou por capilarizar o mercado da música, haja vista que nas décadas de 60 e 70 diversos festivais musicais foram efetivamente realizados por grandes cadeias nacionais de televisão, como é o caso das Redes Record e Globo, que transmitiam e patrocinavam tais eventos - inclusive - em horário nobre. 24 Tal contexto igualmente potencializou o mercado musical, fazendo dos artistas, cantores e bandas verdadeiros fenômenos de mídia, com altos índices de aprovação popular. Obviamente e como já afirmado, a entrada (e o sucesso) da televisão no esquema aumentou a presença da música nos lares brasileiros e aqueceu bastante o mercado publicitário e também o mundo artístico musical. Este trabalho sustenta, na conclusão desta etapa monográfica, que tal conjuntura chega até os tempos atuais com as produções deste forró midiático, no qual a banda Garota Safada é um dos principais nomes. O próximo capítulo, por sua vez, versa sobre a presença histórica do forró no Nordeste brasileiro. 25 Capítulo 2 - Forró: o ritmo do Nordeste O forró é, sem dúvida, a manifestação cultural que mais representa a região Nordeste. O gênero, antes conhecido como “baião” - como sustenta Felipe Trotta, no texto Música popular, valor e identidade no forró eletrônico do Nordeste do Brasil-, foi instituído no mercado musical nas décadas de 40 e 50 com as canções de Luiz Gonzaga, que sempre traziam narrativas do Nordeste “baseadas na construção simbólica do sertão e do sertanejo”, conhecidas popularmente como “eixos de autenticidade do povo nordestino” (TROTTA, 2011, p. 01). É possível afirmar que a temática constante nas músicas de Luiz Gonzaga - sempre falando da vida no sertão - tinha como finalidade, além de sucesso e prestígio, amenizar a saudade que os nordestinos tinham de sua terra natal. O rádio desempenhou um papel determinante na divulgação dessas músicas na “colônia nordestina” espalhada pelo o Brasil, e fez com que o forró fosse conhecido por “outros públicos com pequeno ou nenhum contato com a cultura popular” do Nordeste (FERRETI apud COSTA FILHO, 2010, p. 03). Silva (2003, p. 15) confirma explicando que o forró “é uma expressão da identidade sociocultural” dos migrantes nordestinos que escolheram – principalmente - o Sudeste pra viver, funcionando com um “elo” de ligação com sua terra de origem. E foi esta corrente migratória que também contribuiu para uma “maior difusão e comercialização do forró”. 2.1 Forró: definição e gênero O termo que dá nome a este gênero musical ainda é motivo de controvérsias, quando se fala em sua origem, entre alguns autores. Cascudo (1988) afirma que “forró vem da palavra forrobodó,” que tem dois significados: bagunça, confusão e festa popular, arrasta-pé (ALFONSI, 2007, p.29). Em contrapartida, Silva (2003), declarou em seu livro “Forró no Asfalto”, que a palavra surgiu da expressão for all, que quer dizer “para todos”, pois no início do século XX os trabalhadores ingleses que viviam no Nordeste realizavam bailes dançantes abertos ao público, daí o surgimento do termo forró”. Silva (2010, p.02) explica ainda que o forró nasceu de “influências europeias e africanas”, e que se tornou um estilo musical com o “baião como dança e canto típico do Nordeste”. 26 Também há registros que a palavra “forró” apareceu pela primeira vez em uma música em 1949: (...) em Forró do Mané Vito, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Surgiria então o gênero musical Forró – segundo José Calixto da Silva, há o gênero musical forró, oriundo do côco, do xaxado e do baião. (TRINDADE apud QUADROS JUNIOR, 2005, p.118). Independente disso, Chianca (2006) considera importante enfatizar que esse termo torna o forró “tanto o gênero musical quando a dança que o acompanha, assim o baile onde ele será tocado/dançado: dança-se forró num forró, enquanto se escuta um forró”. O autor destaca também que o ritmo não é mais uma “dança/música exclusiva do São João”, pelo contrário, os eventos denominados de forró acontecem o ano todo, arrastando muitos seguidores e sendo reconhecido como “cultura nordestina” (CHIANCA, 2006). Por sua vez, Trotta (2010) esclarece que o forró consolidou-se: (...) não mais somente como uma festa, mas como um gênero da indústria cultural, tendo espaço próprio para a gravação, distribuição e vendagem de álbuns de novos cantores, instrumentalistas, compositores e conquistando assim uma expectativa de consumo. O forró tradicional (título que conhecemos hoje), inicialmente foi chamado de “baião”, e era um ritmo que só se ouvia nos festejos juninos. A dança era conhecida também como arrasta-pé, bate-chinela e fodó. Também possuía semelhanças com o toré, uma dança típica dos índios cujo passo principal era o arrastar dos pés no chão (TROTTA, 2011). Acusticamente, o forró era acompanhado somente pela sanfona, a zabumba e o triângulo e suas letras descreviam o “jeito de ser do nordestino sertanejo” (TROTTA, 2011). Não se pode falar de forró sem ressaltar o principal ícone desse gênero tipicamente nordestino, Luiz Gonzaga. Na década de 40, o forró ficou conhecido em todo o Brasil através dos versos dançantes do “Rei do baião”, como era carinhosamente chamado Velho Lua (LOPES, 2007, p. 24). Gonzaga teve o primeiro contato com a música através do “pai Januário que tocava sanfona e consertava foles” e com sua mãe que gostava de cantar, principalmente nas novenas no “mês de Maria” (RAMALHO apud LOPES, 2007, p. 27 25). Profissionalmente, ele iniciou sua carreira artística no Rio de Janeiro, “tocando em portas de bares e de gafieiras” em troca de dinheiro (LOPES, 2007, p. 26). E foi durante uma dessas apresentações tímidas que um grupo de universitários cearenses “desafiaram Luiz Gonzaga a tocar canções do seu pé-deserra”, de sua terra natal (LOPES, 2007, p. 26). A partir daí, com a ajuda do rádio, o sanfoneiro conseguiu entrar no mercado musical e “demonstrar a existência de um público consumidor” formado principalmente por “migrantes nordestinos no Sudeste”. (FERRETI apud COSTA FILHO, 2010). Ainda na década de 40, o forró na voz de Luiz Gonzaga “tornou-se um sucesso musical nacional, conseguindo a simpatia e adesão de vários compositores, intérpretes” e ouvintes de várias regiões do país. Porém, houve “resistência por parte da classe média”, com críticas ao “sanfoneiro nordestino pelo forte sotaque regional” (COSTA FILHO, 2010, p. 04). E foi justamente a valorização do sertão que fez com que esse estilo musical adentrasse no mercado. O conjunto de “sonoridade” (com ênfase para a sanfona), o “vocabulário (jargões da linguagem regional) e imagens (chapéu de couro, cenário do agreste, casas de barro)” passaram a servir como um “indicador de qualidade da produção forrozeira” naquela época (TROTTA, 2011, p.07). Já nos anos 60, este estilo musical nordestino entrou em declínio provocado por um “boicote” das emissoras de rádio. O forró não era mais considerado novidade, e por isso perdeu o seu lugar na programação radiofônica para outros gêneros musicais como a Jovem Guarda (COSTA FILHO, 2010, p. 05). Apesar das dificuldades, Leandro Expedito Silva (2003) afirma que em 1975 “a música nordestina se consolidou no mercado brasileiro apresentado Luiz Gonzaga como interlocutor dessa nova fase do forró”. Historicamente, a partir dos anos 90 o forró tradicional ganhou uma nova ramificação: forró universitário. “Fruto da junção do forró tradicional com a musicalidade do pop e do rock”, conquistou adeptos não só no Nordeste, mas no Sul e Sudeste do país e colocou para dançar pessoas de várias classes sociais. A partir dessa categoria foram sendo introduzidos, timidamente, os instrumentos eletrônicos (SILVA, 2003). O forró universitário também é conhecido popularmente como forró pé-deserra, porém, segundo Antônio Carlos de Quadros Júnior (2005), o “FPS” teve 28 origem na década de 40, sendo apresentado também por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Também a partir da década de 90 o forró inaugurou uma roupagem mais “estilizada”. Assim, passaram a ser associados a ele com mais ênfase instrumentos como teclado, bateria, metais (instrumentos de sopro) e guitarra. Costa Filho (2010) explica que: Até então, os instrumentos mais utilizados na execução do forró tradicional eram: sanfona, zabumba e triângulo. As letras eram, geralmente, inspiradas na vida do homem do campo e seus problemas. A dança era feita por casais sempre agarradinhos (COSTA FILHO, 2010 p. 06). Foi a partir daí que o cearense Emanuel Gurgel teve a ideia de agregar outros instrumentos nas bandas de forró. Sua intenção era de transformar as músicas, fazê-las mais dançantes, modernas e que atingissem principalmente o público jovem (COSTA FILHO, 2010, p.06). Porém, estudiosos do assunto criticam até hoje essa transformação do forró tradicional para o eletrônico. Silva (2010) acredita que o forró estilizado “descaracteriza” o forró tradicional e oferece ao público que escuta “um produto sem referência cultural e que promove a deturpação e degradação do gosto popular”. Já para Trotta (2011), essa modernização do forró foi uma tentativa de aproximação com o “estilo da música pop internacional”. Por sua vez, o jornalista José Telles é categórico e firme em sua opinião ao afirmar que: O forró dito eletrônico (...) não é forró. Pelo contrário, prejudica o forró, porque tem público. E tem o mesmo público que teve o gosto musical embotado pelo axé music. Para este o que vale é a multidão, a turba. Podem botar um poste em cima de um caminhão em silêncio que eles vão atrás (JOSÉ TELLES, JC, 13/06/2007 apud TROTTA, 2011). Mesmo assim, com uma estratégia de mercado inovadora, o chamado forró eletrônico surgiu repleto de signos destinados a seduzir os ouvintes e expectadores mais exigentes (SILVA, 2003). 29 2.2 Forró eletrônico O forró eletrônico tem como uma das principais características “alusões explícitas ao consumo de bebidas alcoólicas, ao sexo, às relações amorosas (estáveis e instáveis), à beleza física e ao dinheiro” (BRAGA, 2011, p. 04). Segundo Robson Silva Braga (2011), esse estilo de forró conta com batidas mais eletrizantes da bateria, diferenciando-se do xote, do baião, do xaxado e do forró tradicional enraizado por Luiz Gonzaga, que tem o ritmo mais lento. Tais novidades sinalizam mudanças: “a sonoridade da sanfona com baixo, guitarra, teclado e bateria” começa a passar por cima da marcação da zabumba e do triângulo (TROTTA, 2011). E com o passar do tempo - em torno dessa nova perspectiva na composição de gênero - as referências ao “jeito matuto do povo sertanejo e ao amor sublime” foram substituídas por letras de cunho humorístico, amoroso e sensual (BRAGA, 2011, p. 04). Como já citado, a ideia partiu do empresário Emanuel Gurgel, “que pretendia revolucionar os padrões do gênero, tornando-o mais estilizado e progressista” (TROTTA, 2011). Gurgel percebeu que os salões dos clubes ficavam lotados quando as bandas começavam a tocar forró e decidiu investir no gênero, “mas só que de forma renovada”. Ele queria criar “um novo jeito de produzir forró”, com novos arranjos musicais, músicas irreverentes e batidas dançantes (COSTA FILHO, 2010). Essa categoria de forró foi consolidada pela Banda Mastruz com Leite, criada pelo empresário nos anos 90. O conjunto surgiu com elementos nunca vistos e nem escutados pelos apreciadores do forró. Além do ritmo mais eletrizante, de cenários mais chamativos e de composições que falavam de amor e de sensualidade, “pela primeira vez no Brasil um conjunto musical citava seu próprio nome no decorrer de cada canção”. Era uma estratégia de identificação e de venda do nome da banda (COSTA FILHO, 2010, p. 6-7). A primeira música a fazer sucesso do Mastruz com Leite foi “Meu vaqueiro meu peão” (CD Vol. 02 – Só pra chamegar) que ainda trazia em suas estrofes referências ao homem valente e batalhador do sertão nordestino: Já vem montado em seu alazão, chapéu de couro, laço na mão, seu belo charme me faz cantar. No seu rosto um grande lutador, que trabalha com 30 calor, com toda a dedicação. Ó meu vaqueiro, meu peão, conquistou meu 5 coração, na pista da paixão e valeu o boi... . Porém os shows não faziam tanto sucesso. O fato das bandas só serem contratadas na época das festas juninas engendrava com que as apresentações no decorrer do ano fossem fracassadas. A solução encontrada por Gurgel foi propor à rádio FM 93 que fossem feitas transmissões ao vivo direto das casas de forró. Foi um sucesso (COSTA FILHO, 2010). Para o consumidor, a entrada, no princípio, era apresentar na portaria uma embalagem de Café Santa Clara, que estava chagando no mercado. Não demorou e a agenda da banda Mastruz com Leite estava lotada (COSTA FILHO, 2010). As apresentações passaram a ser cada vez mais grandiosas e bem estruturadas. Tudo passou a ser muito bem ensaiado e sincronizado (TROTTA, 2011). A demanda começou a crescer e Emanuel Gurgel teve mais uma ideia exitosa. Ismar Capistrano Costa Filho (2010) descreve a decisão tomada pelo empresário: As apresentações duravam cerca de cinco horas cada. Para suportar o desgaste dos músicos, eram escalados dois bateristas e dois sanfoneiros. Mesmo assim, estava evidente que um grupo sozinho não seria suficiente para atender as solicitações de apresentação. A solução encontrada para o problema foi criar novas bandas como Cavalo de Pau, Rabo de Saia e Balaio de Gato (COSTA FILHO, 2010, p. 07). E assim, começaram a surgir vários conjuntos com as mesmas características fonográficas: Limão com Mel, Brucelose, Caviar com Rapadura, Calcinha Preta e as mais atuais Aviões do Forró e Garota Safada, entre outras, “ocupando o topo das listas das mais tocadas nas principais rádios” do Nordeste (TROTTA, 2011, p. 08). Em uma matéria encomendada pela Revista Isto É em 1998, a repórter Apoenan Rodrigues refere-se ao forró eletrônico no título da reportagem como “Ritmo Safado”. Apoenan observou que os shows se desenvolviam em meio a muita fumaça e gelo seco, os vocalistas se multiplicam em três “para não personalizar os grupos”, com os nomes dos conjuntos sendo repetidos exaustivamente no meio das canções. Afirmou ainda que “o ritmo emergente carrega nos seus versos muita 5 Disponível em http://www.vagalume.com.br Acesso em: 27 fev. 2012 31 safadeza e coloca à frente das suas bandas um exército de loiras tingidas, quase todas fartas nas suas proporções” (RODRIGUES apud COSTA FILHO, 2010, p. 09). Tal retrato situacional sugere reflexões no entorno da música e as suas relações com o gênero feminino. Assim, esta monografia destaca a representação da mulher nas produções culturais relacionadas ao forró, haja vista sua forte presença nos espetáculos de tal gênero. Sobre tal perspectiva, Silva (2003) mostra que já na década de 40 existiam mulheres que representavam o forró tradicional enraizado por Luiz Gonzaga. Nomes como Carmélia Alves, Anastácia, Clemilda e Marinês fizeram parte da gama de artistas que ajudaram a propagar o forró como exímio gênero musical do Nordeste, em assunto que será desenvolvido na próxima etapa. 2.3. A música e as relações de gênero: a representação da mulher nas produções culturais ontem e hoje No Brasil, de maneira geral, as mulheres destacaram-se na música a partir do século XIX com Chiquinha Gonzaga. Em palestra sobre a atuação das mulheres na música brasileira, a professora de música Márcia Kuri6 afirmou que Chiquinha “abriu portas para que muitas mulheres assumissem seus papéis no cenário musical brasileiro”. Depois desse pontapé inicial, várias mulheres surgiram no mundo da música em diversos seguimentos, contrariando pensamentos machistas e preconceituosos que rondavam o universo feminino. “Elas se destacaram como cantoras, interpretes, instrumentistas, influências (no modo de vestir, comportamento, a ousadia), mas acima de tudo, se destacaram por serem mulheres e por terem a capacidade e vontade de derrubar um dilema criado pelo mundo machista, a de que „mulher é um 7 sexo frágil‟” . Mas foi cantando que as mulheres mais brilharam, e algumas mantêm o estrelato até hoje. Além de Chiquinha Gonzaga, nomes como Ademilde Fonseca, Maysa, Nara Leão, Emilinha Borba, Araci de Almeida, Dalva de Oliveira, Dória 6 Disponível em: http://www.gcn.net.br/jornal/index.php?codigo=144138&codigo_categoria=166 Acesso em 12 jul. 2012 7 Disponível em: http://wagnerlayb.blogspot.com.br/2011/02/importancia-da-mulher-para-musica.html Acesso em: 15 jul. 2012 32 Monteiro, Maria Bethânia, Gal Costa, Clara Nunes, Ana Carolina, Marisa Monte, Cássia Eller, entre outras, sempre serão lembradas como vozes importantes e inesquecíveis da música brasileira. Mas não foi sempre assim. Márcio Ferreira de Souza (2006) lembra que quando o mercado fonográfico consolidou-se no Brasil não existiam mulheres no meio. Segundo o autor, vários fatores desencadearam numa ausência de cantoras. Para ele A cultura prevalecente de exclusão das mulheres do espaço público em uma época onde estas estavam associadas ao espaço privado, ao âmbito familiar e à própria música popular estava relacionada à marginalidade, considerada como atividade de malandros, boêmios, vagabundos etc. No caso específico das mulheres havia uma forte associação com a prostituição, afinal a música popular estava relacionada com a noite. Atividade que se fazia presente nos saraus, nos bailes e nos clubes noturnos. Hora de “mulher direita” estar dormindo. (SOUZA, 2006, p. 02). Apesar disso, as mulheres não desistiram de expressar seus talentos. Além da música, objeto deste estudo, este trabalho considera pertinente citar - como ilustração - outros grandes nomes femininos que contribuíram para o crescimento do cenário cultural/artístico brasileiro. Pessoas como Ruth de Souza que, segundo o site Brasil Cultura, foi a primeira atriz negra do cinema nacional8. Cecília Meireles, poetisa desde os nove anos e conhecida por seus versos doces, puros e, segundo o crítico Paulo Rónai, com “poder transfigurador”9. Tarsila do Amaral, pintora modernista e reconhecida por utilizar em suas obras “cores vivas”, “temas sociais, cotidianos e paisagens do Brasil”10. Raquel de Queiroz, escritora de romances, literatura infanto-juvenil, teatro e crônicas, tornou-se a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras11. E Ana Botafogo, dançarina especializada em balé clássico, considerada há vários anos a “primeira-dançarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro”. Além disso, Botafogo foi premiada em vários países por sua leveza e desenvoltura perfeita nos palcos12. Assim, torna-se claro observar que a representação da mulher nas produções culturais ontem e hoje - apesar das dificuldades nos percursos - teve um 8 Disponível em http://www.brasilcultura.com.br/ Acesso em 19 jul. 2012 Disponível em http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp Acesso em 19 jul. 2012 10 Disponível em http://www.suapesquisa.com/biografias/tarsila_amaral.htm Acesso em 19 jul. 2012 11 Disponível em http://www.releituras.com/racheldequeiroz_bio.asp Acesso em 19 jul. 2012 12 Disponível em http://www.anabotafogo.com.br/quem.php Acesso em 19 jul. 2012 9 33 embasamento - sobretudo - talentoso e relacionado a várias manifestações artísticas. Sendo estas consideradas exitosas em diversos momentos da vida sociocultural deste país. É no entorno de todo este quadro ao mesmo tempo artístico e multimidiático que a banda Garota Safada aparece, já destacando o gênero feminino em seu título, e apondo-lhe uma expressão adjetiva relacionada à temática vulgarmente erótica. Assim, esta monografia julga importante destacar a história deste grupo - presente na próxima etapa deste estudo - relacionando sua atuação ao marketing e ao mercado fonográfico. 34 Capítulo 3 – A Banda Garota Safada 3.1 História No ano de 2000, um grupo de amigos da periferia de Fortaleza - mais precisamente no bairro da Itaoca - começou a se reunir por diversão para tocar musicas de forró que faziam sucesso na época. E foi em uma dessas tardes que as brincadeiras tomaram um rumo diferente: eles passaram a pensar na formação de uma banda de forró para tocar profissionalmente. Renato Oliveira Cordeiro, integrante da família e da banda Garota Safada, em entrevista concedida à autora deste trabalho, relatou que os primeiros instrumentos foram um teclado, um microfone e uma caixa de som. Afirma ainda que com essa aparelhagem só conseguiam cantar em serestas por barzinhos do bairro. Ainda segundo Renato, inicialmente a banda chamava-se “Tabaco Suado”. Depois de algum tempo passou a ser Garota Safada, nome que foi registrada e com o qual conheceram o sucesso. Renato explicou ainda que o primeiro cantor da banda foi “Tiaguinho”, que logo abandonou o grupo. “Ficamos sem cantor de repente e tínhamos uma agenda pra cumprir, foi aí que o Wesley Oliveira, na época com 13 anos e dançarino da banda, aceitou fazer um teste e deu certo”, descreveu. Wesley precisou frequentar aulas de canto e sessões de fonoaudiologia para aprimorar a voz e permanecer como cantor do grupo. A banda que em principio reunia-se nas casas da família hoje tem duas sedes em Fortaleza, ainda no bairro Itaoca, e dois escritórios, um na Aldeota, onde está localizada a F5 Promoções, e outro em Recife, onde está situada a Luan Promoções. Ambas as empresas prestam assessoria à Garota Safada e outras bandas de grande porte do país. O número de pessoas trabalhando com o conjunto rompeu os limites da família e hoje chega a mais de 40 integrantes, entre músicos, bailarinos, produtores, divulgadores, motoristas e assessores. O primeiro sucesso do grupo, ainda na voz de Tiaguinho, foi a música “Eu dei bobeira”, de autoria desconhecida. 35 “Eu dei bobeira, por não ter de comido logo Por não ter te comido logo, por não ter te comido logo Eu dei bobeira, por não ter de comido logo Por não ter te comido logo, por não ter te comido logo” (CD Garota Safada – Volume 1, faixa 2) Já o primeiro sucesso na voz de “Wesley Safadão”, como passou a ser chamado pelas fãs, foi “Bebo porque gosto de beber”, também de autoria desconhecida. Daí em diante a banda lançou seis discos e dois DVD‟s oficiais. Seus shows ganharam muita tecnologia e apresentações ousadas por parte das dançarinas que acompanham as letras com muita sensualidade. Sobre a média de shows, Renato Oliveira explica que varia entre 35 a 40 por mês, sendo que no mês de junho, que corresponde às festas juninas, a banda chega a se apresentar 46 vezes. Wesley Oliveira, atual cantor da banda, em entrevista ao Programa A Liga, da Rede Bandeirantes, contabilizou que ela faz em média 780 shows por ano13. Renato também enfatizou a média de público: “Em festas fechadas, dependendo do lugar, o público chega até 18 mil pessoas, mas nosso maior público foi em Recife, nas festas juninas: 90 mil!”. No que diz respeito à divulgação dos shows, Renato explicou que a banda investe em divulgação nas rádios e distribuição de CD´s que contêm dia e local do show na capa, mas não possuem músicas oficiais para não atrapalhar na venda dos discos. Segundo Renato, essas estratégias servem para aumentar a “popularidade da banda” e manter o sucesso já conquistado. De acordo com o sítio oficial da Fm 9314, uma das rádios mais populares de Fortaleza, a banda aparece hoje em quarto lugar na lista das “mais pedidas”, atrás apenas de dois conjuntos do gênero gospel e do grupo Aviões do Forró, também muito conhecido pelas músicas apelativas e pelos shows que reúnem muita gente. Já segundo a rádio Jangadeiro FM15, também uma das líderes de audiência, a Garota Safada encontra-se em sétimo lugar. Potencializa este quadro de sucesso sobre esta banda informações presentes em outras páginas e sítios localizados na Internet. Por exemplo, 13 Programa exibido em 21 out. 2010 Disponível em http://www.fm93.com.br/ Acesso em 24 jul. 2012 15 Disponível em http://www.jangadeiroonline.com.br/fm/ Acesso em 24 jul. 2012 14 36 recentemente o site Palco Mp316 - que apresenta uma página de downloads de músicas e acesso a letras e cifras - informou que a Garota Safada está em primeiro lugar nas “mais acessadas” e nas “músicas mais baixadas”. Em torno desta afirmação, destaca-se também que este sítio faz um levantamento nacional e não regional. Assim, torna-se importante e lógico destacar que - para este site - dentre todas as bandas do país, a Garota Safada está à frente em acessos e em downloads de suas músicas. Ultimamente o grupo vem aparecendo em alguns programas de auditório da Rede Globo, como Domingão do Faustão, Esquenta, Caldeirão do Huck e Tevê Xuxa. A banda também participou do programa jornalístico Profissão Repórter. O episódio em questão mostrou os ritmos dos artistas que caíram no gosto popular 17. Ela também fez o Programa A Liga, da Rede Bandeirantes, que tratou de nordestinos que migraram para o Sul e Sudeste do país em busca de uma vida melhor. Neste contexto, A Liga quis mostrar o sucesso que a Garota Safada faz nessas regiões e, sobretudo, mostrar que o público que vai aos shows é formado em sua maioria por nordestinos que sentem saudade da sua terra natal18. Ao ser questionado sobre o posicionamento da banda em relação à imagem da mulher nas letras das músicas, objeto deste estudo, Renato esclareceu que as músicas que trazem a mulher coisificada “entram no repertório, mas não são incluídas no CD original, porque as produtoras não aceitam”. Ele considera que - nos tempos atuais - o repertório da Garota Safada é “bem mais romântico do que quando a banda começou”, mas enfatizou que o grupo só toca esse tipo de música nos shows porque o público pede. 3.2 A Garota Safada e o mercado fonográfico atual É possível observar que atualmente, não só a Garota Safada, mas também outras bandas desse gênero musical fogem da vertente tradicional do forró. Ao agirem nessa perspectiva, terminam por visar o sucesso e principalmente o lucro, potencializando assim conexões com a chamada “indústria cultural”, intrinsecamente 16 Disponível em http://palcomp3.com/mp3/brasil/ Acesso em 24 jul. 2012 Episódio exibido em 10 mai. 2011. 18 Episódio exibido em 21 out. 2010. 17 37 relacionada ao mercado - fonográfico, no caso deste trabalho - e às suas diretrizes em torno do lucro e do escapismo. Segundo Teixeira Coelho (1986), a indústria cultural - já destacada nesta monografia, mas que fornece novas bases teóricas para este estudo - em seus múltiplos eixos veicula a “realidade cultural do país”, e para isso usa elementos que estão bem próximos das pessoas como a televisão, o rádio e a música. O autor ressalta ainda que a indústria cultural “precisa vender seus produtos” a todo custo (1986, p. 97). Partindo desse pressuposto, é possível observar que as bandas de forró eletrônico definem, através de seus empresários, “estratégias de marketing” com o objetivo único e exclusivo de vender a marca da banda e consequentemente obter o lucro (LIMA & SILVA, 2008). André Luiz da Silva (2010) é bem enfático ao asseverar - em seu texto A descaracterização do forró influenciada pela indústria cultural através das bandas de forró - que: Esse “sucesso” fabricado [das bandas] tem suporte através da força da mídia, através do rádio, com todos os traços do capitalismo, onde o forró, antes de uma representação da cultura nordestina, é degradado para tornar-se uma cultura mais simplificada e perecível, transformando-se num produto da indústria de diversão (SILVA, 2010, p. 7). Teixeira Coelho (1986) confirma quando destaca que uma das funções da indústria cultural é dar ênfase ao “divertimento em seus produtos”. Deste modo, além de adquirir adeptos, esse fenômeno acaba por mascarar a realidade e proporcionar a fuga dela com atrativos aparentemente inofensivos, mas que, segundo Coelho (1986), são inimigos mortais do pensamento crítico de um indivíduo. Diante desta situação, o consumidor perde a autonomia e espontaneidade, assim, é induzido a “adaptar-se ao que lhe é oferecido”. A indústria cultural é quem “indica o que será melhor para o público”, e este acaba ludibriado a aceitar o que lhes apresentado como o melhor (SILVA, 2003, p. 33). Isso acontece com mais frequência na publicidade: os “consumidores de massa”, como intitula Oliveira (2002) são “bombardeados” pelo sistema capitalista que visa somente o “lucro monetário”, e seus idealizadores não se preocupam em 38 maquiar o que querem: vender é o objetivo, e para isso é preciso inovar e chamar a atenção do consumidor. E foi exatamente isso que aconteceu com o forró, objeto desta pesquisa. É pertinente observar que com sua modernização na década de 1990, as bandas passaram a abordar em suas músicas temas como bebida, festas, mulheres e sexo, o que atraiu as atenções principalmente do público jovem, o maior consumidor desse gênero. Porém, esses “estímulos eróticos” não aparecem somente nas letras das canções, mas igualmente nas dançarinas que exibem nos palcos seus corpos esculturais com roupas justas, curtas e coreografias que remetem a “poses sensuais” (TROTTA, 2011, p.13). Foi uma tentativa apelativa de atrair novos adeptos, e também de manter os que já tinham. E de acordo com os padrões destas bandas, deu certo. Atualmente, em consonância com os números do mercado fonográfico, este forró midiático está em plena ascensão; e a Garota Safada contribui para essa realidade. Além da venda de CD´s e DVDs, a banda aparece em segundo lugar no ranking de cachês mais altos do forró da atualidade. É o que diz notícia publicada no site Forró Dicunforça.com19. O sítio afirma que a Garota Safada cobra cerca de 80 mil por apresentação. E segundo ainda ele: esse valor pode aumentar, dependendo do evento. Este estudo entende que todo esse percurso ligado ao êxito se deve às batidas eletrizantes do forró atual e às letras das composições, que estão sempre abordando temas juvenis ao fazerem “apologia da festa como lugar de realização social”, discussões amorosas e relações sexuais (TROTTA & MONTEIRO, 2008, p. 09). A próxima etapa, portanto, pretende destacar a concretização do discurso presente nas letras desta banda, relacionando-o à construção da imagem da mulher por ele sugerido intencional e mercadologicamente. 19 Disponível em http://www.forrodicumforca.com/noticia,avioes-tem-o-show-mais-caro-do-forro-6151 Acesso em 30 jul. 2012 39 3.3 Análise das letras com ênfase na construção da imagem da mulher É pertinente iniciar este tópico esclarecendo que as músicas de forró, objeto deste estudo, são em sua maioria dotadas de estrofes que se repetem exaustivamente ao longo das canções. Destaque-se ainda que, na apreciação das letras em foco, este trabalho utiliza como ferramenta de busca o site Vagalume, endereço eletrônico largamente utilizado no Brasil que não apresenta em seu material presente preocupações com pontuação ortográfica ou com um tratamento gramaticalmente eficiente da língua portuguesa. Nesta perspectiva, este sítio possui muitas palavras fora da norma padrão, com significados pejorativos. Além disso, há gírias típicas da região Nordeste. Vale ressaltar também que a AD da linha francesa será utilizada na análise das letras das músicas partindo do pressuposto de que procura “compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”. (ORLANDI, 2000, p.15) É pertinente destacar também que a AD tem consequências como: considerar a não literalidade das palavras, o sentido se forma levando em conta os contextos, um sujeito histórico produz a linguagem interagindo com outro sujeito, a linguagem é constitutivamente heterogênea. (BRANDÃO, 2012, p. 21) Por sua vez, sobre o mercado “forrozeiro”, torna-se importante destacar que hoje o seu público principal são jovens (TROTTA, 2008, p. 19). Segundo o autor, para atrair a atenção desse público, o forró eletrônico se fundamenta em três conceitos: “festa, amor e sexo” (TROTTA, 2008, p. 19). Robson da Silva Braga (2011) vai mais longe ao observar que, além dos temas citados por Trotta, é muito comum encontrar nas músicas “alusões explícitas ao consumo de bebidas alcoólicas”, à ostentação financeira e “à beleza física de homens”, mas principalmente de mulheres (BRAGA, 2011, p. 04). Se antes o forró fazia alusões ao sertão, ao „jeito matuto‟ do povo sertanejo e ao „amor sublime‟, entre outros temas menos recorrentes, hoje o forró eletrônico enaltece tipos urbanos que buscam relações amorosas ou apenas sexuais, que consomem bebidas alcoólicas e se orgulham disso, 40 que se exibem com carros importados e equipamentos ou por serem 20 „raparigueiros‟ e „pegar mulher‟ (BRAGA, 2011). Importa igualmente afirmar que as músicas e suas letras complementam o que está sendo apresentado nos palcos. Portanto, a entoação das canções, e também bailarinas com corpos malhados e coreografias sensuais dividem as atenções do público nos espetáculos, tornando o forró “irresistível”, principalmente aos olhos masculinos. Diante disso, a figura masculina aparece nas composições como um ser superior à mulher, detentor de força e poder sobre a figura feminina. Tal perspectiva pode ser facilmente observada no trecho da música Ei Gatinha, que não foi gravada oficialmente, mas que participa dos shows e das gravações para a Internet21. Ei gatinha amor vamos sair, Eu quero me divertir Tá negando, é? Te quero agora Deixe de tanta demora Sou bonito, endinheirado Ando de carro e sou casado Se você não me quiser Vou procurar outra mulher... Esse trecho descreve um homem exigindo que a mulher em questão não demore em atender os seus desejos carnais, pois ele tem dinheiro e automóvel, aspectos importantes para o narrador (cantor), além de se dizer bonito e casado. E ainda ameaça dizendo que caso ela não queira ceder, vai em busca de outra, que aceite suas condições. Ou seja: a mulher está sujeita aos desejos do homem, na visão da letra. Em consonância, Cleide Nogueira de Faria (2002) observa que “o desejo feminino parece estar sempre negado, silenciado”, mas o masculino está sempre em evidência, como se só os desejos dele importassem (2002, p. 20). A autora lembra também que essas músicas são ouvidas e muitas vezes cantadas por adultos e por crianças. Tornam-se, portanto, partícipes de uma vida social em comum e elemento de um conjunto de produções culturais. Nessa A expressão faz alusão aos homens que “saem” com várias mulheres, sem compromisso com nenhuma. No Nordeste a palavra “rapariga” é usada para denominar prostituta, mulher que se relaciona sexualmente em troca de dinheiro. 21 Disponível em http://www.vagalume.com.br/garota-safada/ Acesso em 10 fev. 2012. 20 41 perspectiva, essas canções - naturalizadas e incorporadas no cotidiano vivenciado pelas pessoas - são formadoras “da própria subjetividade dos indivíduos, num processo de internalização de signos, códigos de valores que constituem, constroem as imagens, as falas e comportamentos das pessoas”. (FARIA, 2002, p. 20) Segundo os aspectos da AD, Cleudemar Alves Fernandes (2007) afirma que “analisar o discurso implica interpretar os sujeitos falando, tendo a produção de sentidos como parte integrante de suas atividades sociais” (p. 21). Diante do acima exposto, não é difícil discernir que as composições de forró eletrônico não servem como agente construtor de valores e atitudes cidadãs e minimamente equilibradas em torno do bom senso. Seguindo a mesma lógica de (des)construção da imagem da mulher e da dominação masculina, é comum encontrar músicas em que a mulher é intitulada como “rapariga”, que no Nordeste significa prostituta. Sobre essa denominação dada ao público feminino, a Análise do Discurso, a partir das afirmações de um de seus mentores intelectuais, Bakhtin, considera que (...) Toda palavra usada na fala real possui (...) acento de valor ou acento apreciativo (...). Sem acento apreciativo não há palavra. (...) Não se pode construir uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende antes de mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação (BAKHTIN & VALOSHINOV, 1979, p. 118). Isso pode ser observado - atentando-se para a gíria presente no título da canção, de temática erótica - na música Trenzinho da Sacanagem (CD Garota Safada – Volume 3). Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró da rapariga todo mundo vai dançar... O trecho extraído é repetido exaustivamente durante os três minutos de música. O personagem principal da canção é sempre o homem, e aqui especificamente, ele instiga outras pessoas (talvez outros homens!) a participarem do evento intitulado Trenzinho da Sacanagem. 42 Em torno de letras como as destacadas nesta monografia, pode-se compreender como a imagem da mulher está sendo transmitida por este estilo musical. Segundo Faria, existe no repertório forrozeiro um “empobrecimento da essência” feminina. A autora explica que o discurso do forró eletrônico “produz uma imagem da mulher muito mais a partir do seu corpo” e “da beleza estética”, suscitando a ideia de que ela é um ser vazio, “sem conteúdo” e “descartável” (FARIA, 2002, p. 30). Esse descarte geralmente se refere ao ato sexual entre um homem e uma mulher, ou entre um homem e várias mulheres, elucidando a imagem masculina como um ser viril e possuidor de “direito certo” sobre as mulheres. Observe-se esta afirmativa no trecho da música Vida de Playboy (CD Garota Safada – Volume 4). Forró e vaquejada procuro mulher safada que na hora da trepada me chame de gostosão Mulher raparigueira que na hora da zoeira a gente passa a noite inteira pra matar meu tesão... A letra da música tem como foco a mulher somente como fonte de prazer do homem. Elas precisam ser “safadas” para merecer estar com esse homem, e na hora da relação sexual precisam elogiar o desempenho masculino, exaltando a sua virilidade e superioridade. A mulher é coisificada, tratada como um ser descartável. E ele é o dominador, o mais importante e o único que tem direito a ter prazer. Sobre tal aspecto, Manoel Ribeiro (2009) destaca em seu artigo Feminismo, machismo e música popular brasileira, que o machismo se dá porque “o homem é considerado possuidor de qualidades como coragem, audácia e retidão (...).” Ele deve “ser viril, ser macho, ser forte, vigoroso, não hesitante”. Ribeiro afirma também que a mulher deve ser “afetiva, carinhosa, ingênua, passiva e sensível”. Tais atribuições podem ser observadas no trecho da música Eu sou o rei do cabaré. Eu sou da bagaceira Gosto da putaria não posso ver mulher que fico Doido Me tremendo Me babando Enloqueço de tesão pra fazer amor Eu sou dermantelado 43 Cachorro Descarado Comigo é vucu-vucu na bichinha Tome tome safadinha Tome tapa na bundinha Eu mando pressão!! Essa música apresenta um homem com desejos exacerbados de obter prazer sexual com mulheres que estejam dispostas a serem agredidas entre quatro paredes e serem chamadas de “safadas”. A mulher mais uma vez é vista somente como objeto de prazer masculino. Partido do pressuposto de que a mulher é um ser social, os discursos veiculados por estas letras, em que a figura feminina aparece de maneira questionável, representam relações sociais humanas e que têm efeitos sobre as pessoas. Afinal, os discursos ajudam e contribuem para a construção de relações sociais e que são construídas no e pelo discurso. Manoel P. Ribeiro (2009) esclarece que Não há como traçar os processos de identificação da mulher sem mencionar o homem e a inscrição de sua identidade, muitas vezes, sobre a mulher. É a partir do reconhecimento do que é um homem que a imagem da mulher é construída no seu social (p.74). Deste modo, o autor reforça o que se vê nas músicas repetidas freneticamente pela Garota Safada, em que “a mulher, seu corpo (...) se tornam propriedade do homem” (RIBEIRO, 2009, p. 75). Ainda sobre o acima exposto, a música Sou Safado (CD Garota Safada – Volume 5) relata situações ainda mais explícitas no que diz respeito à desvalorização da mulher. Eu pego todas sou tarado E a mulherada gosta Eu topo tudo sou safado E a mulherada gosta (...) Recebo uma mensagem da Claudinha Querendo uma tarde de prazer Mas eu já tô marcado com as minas Dou uma rapidinha e mando ver Camila, Suely, Valéria, Carla e Tayná Estão nuas no apartamento me esperando Pra zuar (...) Com Márcia e Tereza já ficou tudo beleza Vou passar lá na casa da Carine e da Raquel Daqui a meia hora elas me ligam com certeza 44 Porque marquei com as quatro uma suruba no motel. A letra em sua totalidade descreve um homem completamente ciente de sua virilidade e com autossuficiência diante de várias mulheres que o procuram para obter prazer. As colocações das palavras, o uso de gírias e do termo de baixo calão “suruba” ajudam a coisificar a mulher e tornam a relação sexual algo identificado com o descartável22. Em consonância, Maingueneau, um dos principais pesquisadores da atual Análise do Discurso, afirma que “o discurso é uma forma de ação” e que “falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação do mundo”. Portanto, tais expressões assentadas nas canções em foco reforçam que “o discurso é (...) um lugar de investimentos sociais, (...) ideológicos (...), por meios de sujeitos interagindo em situações concretas”. (CARDOSO, 1999, p. 21) Em todo o percurso desta monografia, valem reflexões acerca da maneira com que o público feminino é narrado em tais composições, na perspectiva de se observar também se essas músicas podem instigar direta ou indiretamente pensamentos e atitudes machistas e até violentas adotadas por alguns homens apreciadores do forró eletrônico. Segundo o Dicionário Aurélio Online, significa “atividade sexual de que participam três ou mais pessoas”. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/Suruba.html. Acesso em 17 mar. 2013. 22 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo monográfico objetivou analisar a construção da imagem da mulher dentro de algumas das músicas da Banda Garota Safada. Assim, cinco letras de canções deste grupo foram focadas em torno do universo metodológico da AD francesa. Sobre a AD, Eni P. Orlandi (2004) ressalta que “é pelo discurso que melhor se compreende a relação entre linguagem/pensamento/mundo, porque o discurso é uma das instâncias materiais (concretas) dessa relação (p. 12). Diante do acima exposto, no intuito de construir uma análise crítica sobre tal recorte, foram consideradas as músicas em que a mulher aparece de maneira mais evidente sendo intitulada de adjetivos que denigrem e ofendem o gênero feminino. Esse contexto retrata - assim - a difícil realidade da mulher nordestina/brasileira, vista como - a partir das letras da banda - mero objeto sexual. Foi possível observar que nos momentos em que a mulher é mencionada sempre há aspectos como: interesse financeiro por parte dela (sendo considerada: “interesseira”), bebida em excesso e relações sexuais somente com foco no prazer masculino. Pode-se dizer que são costumes machistas potencializados por uma arte baseada no trinômio "festa-mulher-sexo". É pertinente lembrar que este trabalho trouxe à tona a ideologia mercadológica que existe em torno destes grupos musicais de forró eletrônico, os quais, através de canções depreciativas alcançam status e sucesso diante das grandes massas. Essas, por sua vez, aplaudem e repetem as letras que coisificam a mulher a todo instante. Este fenômeno remete historicamente à Indústria Cultural. E torna-se óbvio afirmar ainda que tal acontecimento está cada vez mais presente no cotidiano da população jovem e apreciadora destas manifestações artísticas, principalmente no Nordeste. Tal público não questiona o que é produzido e ainda compactua com a proliferação de produtos deste calibre. Teixeira Coelho (1986) corrobora com Adorno e Horkeimer ao explicar que a Indústria Cultural existe no intuito de promover a alienação do homem, entendida como processo no qual indivíduo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do 46 meio social circundante, transformando-se com isso em mero joguete e, afinal, em simples produto alimentador do sistema que o envolve. (p. 33) Deste modo é válido ressaltar a responsabilidade da sociedade, assim como dos profissionais de comunicação social, em abordar com mais frequência e profundidade tal assunto, e esclarecer que a música tem poder para interferir direta ou indiretamente nas relações sociais. Ou seja: em todo o recorte, as pesquisas realizadas mostram a necessidade de um aprofundamento jornalístico no contexto citado. O intuito é possibilitar novas visões sobre a imagem da mulher veiculada neste meio musical. Considero que esta sugestão é uma das principais contribuições acadêmicas deste estudo monográfico, entretanto faz-se necessário entender que a arte, num contexto geral e específico, tem valor humanamente enriquecedor, independente da região ou da classe social. Porém, ocorre que a arte de fazer forró nos dias de hoje infelizmente está muitas vezes relacionada com o chamariz de sexo ou de festas. É preciso considerar também que nas representações citadas neste estudo o artista é o elemento fundamental para a criação e divulgação do produto final. Assim, ele tornou-se um mero “entertainer23”, cuja função se resume em passar o que é produzido sem preocupação com qualquer bagagem cultural e construtiva para o receptor e com outras conexões sociais pertinentes à arte. De qualquer forma, e sobre tais afirmações, é pertinente também citar o pesquisador Robson Braga24, que foi bastante objetivo em suas declarações em um artigo de opinião ao sustentar que: Queiramos ou não, o forró eletrônico é uma das “nossas artes”: ele fala da nossa cultura nordestina contemporânea, concordemos com ela ou não. Isso não significa, contudo, que precisamos enaltecer essa cultura. Cultura não está aí para ser enaltecida, como fazem os movimentos tradicionalistas. 25 Ela está aí para ser compreendida e, se for o caso, repensada . Por sua vez, retomando de certa forma algumas considerações já presentes nesta etapa final, reafirmo que as pesquisas realizadas durante a 23 Pessoa que faz apresentações, profissionalmente, para a diversão de outros. Disponível em http://www.dicio.com.br Acesso em 17 abr. 2013. 24 Jornalista e doutorando em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 25 Trecho extraído da coluna de opinião do Jornal O Povo em 07 mai. 2013 47 produção desta monografia apontam para a necessidade de novos e interferentes estudos em torno do assunto focado. Afirma-se isto em virtude da força mercadológica que possui este forró midiático. Portanto, este estudo não apresenta soluções definitivas, haja vista que a construção politicamente correta da imagem da mulher passa por diversos aspectos do meio social, e aqui não nos cabe desenvolvê-los. O que estas considerações finais anunciam é a possibilidade de diálogo com outros trabalhos monográficos atinentes ao tema. Isto é ciência, é comunicação e é jornalismo. 48 ANEXOS 49 ANEXO A - Discografia da Banda Garota Safada Volume 1 Volume 4 Volume 2 Volume 5 Volume 7 e 1º DVD Volume 3 Volume 6 50 ANEXO B - Letras analisadas Ei Gatinha Ei gatinha amor vamos sair, Eu quero me divertir Tá negando,é? Te quero agora Deixe de tanta demora Sou bonito, endinheirado Ando de carro e sou casado Se você não me quiser Vou procurar outra mulher.(2x) Não, não quero sair com você Tá pensando que é o quê? Não admito Pare com isso Saia fora, eu quero compromisso Não tô afim do seu dinheiro Nem adianta insistir Saia logo Eu não te quero Ficar no falada no mundo inteiro.(2x) Trenzinho da Sacanagem (Volume 3) Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4 vezes) Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró da rapariga todo mundo vai dançar Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (2 vezes) E quando a festa fica boa os homens vivem bebendo Tem rapariga doidona, tem rapariga bebendo Tem rapariga doidona, tem rapariga querendo Tem rapariga doidinha pra se agarrar Tem rapariga chorando, tem rapariga assanhada E no forró da rapariga todo mundo vai dançar Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4 vezes) Eu sou cabra raparigueiro, nasci pra raparigar Raparigar é minha vida eu nasci pra raparigar 51 A cachaça fica boa quando chega a rapariga e no forró da rapariga todo mundo vai dançar Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4 vezes) E quando a festa fica boa os homens vivem bebendo Tem rapariga doidona, tem rapariga bebendo Tem rapariga doidona, tem rapariga querendo Tem rapariga doidinha pra se agarrar Tem rapariga chorando, tem rapariga assanhada E no forró da rapariga todo mundo vai dançar Quer ir mais eu, vamos eu tô saindo agora E no trenzinho da sacanagem que eu já vou embora (4 vezes) Vida de Playboy (Volume 4) Sou forrozeiro 100% biriteiro Mas só gasto meu dinheiro se a mulher for avião Vida de playboy é uma coisa maravilhosa Não falta mulher gostosa no meu carro turbinado E o som arregaçado só querendo curtição Estar na minha casa é somente alegria Mulherada e cachaçada, uma grande putaria Sacanagem de montão, querendo curtição Forró e vaquejada procuro mulher safada que na hora da trepada me chame de gostosão Mulher raparigueira que na hora da zoeira agente passa a noite inteira pra matar meu tesão Sou forrozeiro 100% biriteiro Mas só gasto meu dinheiro se a mulher for avião Sou playboyzinho 100% mauricinho Só pego pitelzinho Sou tremendo garanhão Eu sou o rei do cabaré Eu sou o rei do cabaré Não posso ver mulher Fico doido pra ... !!!!!!! Eu sou o rei do cabaré Não posso ver mulher Fico doido ... !!!!!!! Eu sou da bagaceira Gosto da putaria não posso ver mulher que fico 52 Doido Me tremendo Me babando Enloqueço de tesão pra fazer amor Eu sou dermantelado Cachorro Descarado Comigo é vucu-vucu na bichinha Tome tome safadinha Tome tapa na bundinha Eu mando pressão !!! Fortaleza eu vou na Sandra vou na beti Recife é bom de mais na Odeti Em Teresina quem me espera são as meninas da Beth Cuscuz !! Em São Luís vou na casa da Rosana Aracaju é bom de mais tia Havana Natal é la no Sinal Cartão Vip eu entro é sem pagar !!! Sou Safado (Volume 5) Eu pego todas sou tarado E a mulherada gosta Eu topo tudo sou safado E a mulherada gosta (...) Recebo uma mensagem da Claudinha Querendo uma tarde de prazer Mas eu já tô marcado com as minas Dou uma rapidinha e mando ver Camila, Suely, Valéria, Carla e Tayná Estão nuas no apartamento me esperando Pra zuar (...) Com Márcia e Tereza já ficou tudo beleza Vou passar lá na casa da Carine e da Raquel Daqui a meia hora elas me ligam com certeza Porque marquei com as quatro uma suruba no motel. 53 REFERÊNCIAS ALFONSI, Daniela do Amaral. Para todos os gostos: um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção do forró. 2007. Tese de Doutorado. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Universidade de São Paulo. São Paulo. BAKHTIN, M. (Voloshinov) Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. M. Lahud e Y.F.Vieira. São Paulo, Hucitec, 1979. BASUALDO, Carlos. Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972). Cosac Naify Edições, 2007. BRAGA, Robson da Silva. O forró eletrônico não inventou o machismo. Coluna Opinião Jornal O Povo. Fortaleza, 07 mai 2013. BRAGA, Robson da Silva. Vivências e mediações nos consumos de forró eletrônico em Fortaleza. Em: I Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana (Confibercom), 2011, São Paulo. 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