Tjan 17 - Publicações

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Gomes e cols
Ruptura protraída do ventrículo esquerdo
Arq Bras
Relato
deCardiol
Caso
2002; 79: 544-6.
Tratamento da Ruptura Protraída do Ventrículo Esquerdo
após Troca de Valva Mitral
Walter J. Gomes, Malcolm Underwood, Raimondo Ascione, Clinton T. Lloyd, Gianni D. Angelini
Bristol, United Kingdom (UK)
A ruptura do ventrículo esquerdo após cirurgia de
troca valvar mitral é uma complicação extremamente grave, com conseqüências geralmente fatais. Relatamos o
caso de um paciente de 75 anos, submetido à troca mitral
eletiva por insuficiência valvar, que apresentou ruptura
do ventrículo esquerdo 3h após a cirurgia, já na unidade
de terapia intensiva. Uma manobra salvadora foi empregada, dando tempo para seu encaminhamento ao centro
cirúrgico e o reparo intraventricular.
A ruptura do ventrículo esquerdo, após a cirurgia de
troca valvar mitral, é uma complicação extremamente grave,
com conseqüências geralmente fatais, manifestada por
hemorragia profusa. A incidência desta complicação varia entre 0,5 a 1,2% de todas as operações de troca valvar mitral 1,2,
com mortalidade em torno de 65 a 100% 3,4. A ocorrência
desta complicação é classificada, de acordo com o tempo de
sua apresentação, em imediata, protraída e tardia. A ruptura
imediata é definida como aquela ocorrida na sala de cirurgia,
logo após a saída de circulação extracorpórea, enquanto a
tardia ocorre dias, até anos, após a cirurgia. A ruptura protraída acontece nas primeiras horas após a operação, com o
paciente já na unidade de terapia intensiva (UTI).
A ruptura protraída é a mais temida dessas complicações,
já que ocorre na UTI, tornando difícil o controle do sangramento
e a possibilidade de tratamento cirúrgico adequado. A mortalidade nesta condição é consideravelmente alta 5.
Relatamos um caso onde manobra salvadora foi empregada em paciente com ruptura protraída de ventrículo esquerdo, ocorrida na UTI, dando tempo para controle hemodinâmico, reoperação e reparo intraventricular.
Bristol Heart Institute, Bristol Royal Infirmary, University of Bristol, Bristol,
United Kingdom (UK)
Correspondência: Walter J. Gomes - Disciplina de Cirurgia Cardiovascular - EPM
Universidade Federal de São Paulo - Rua Botucatu, 740 - 04023-900- São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 6/3/02
Aceito em 8/4/02
Relato do Caso
Paciente de 75 anos de idade, com história de dispnéia
aos exercícios, foi submetido a cirurgia eletiva de troca de
valva mitral. O ecocardiograma transtorácico pré-operatório
revelou insuficiência mitral importante com ventrículo esquerdo dilatado, mas com boa contratilidade (diâmetro diastólico final 65mm; diâmetro sistólico final 44mm). O cateterismo cardíaco mostrou artérias coronárias normais e fração
de ejeção de 85%. Na cirurgia, a inspeção da valva mitral revelou ser mixomatosa com fenda no folheto posterior e folheto anterior redundante e prolapsado. A valva mitral foi
substituída, usando uma bioprótese Intact 31mm (Medtronic Inc, Minneapolis, USA), com preservação do folheto
posterior.
A operação transcorreu sem intercorrências e o paciente foi conduzido à UTI em condições hemodinâmicas estáveis. Três horas após foi observado o início súbito de drenagem de sangue arterial em grande quantidade pelo dreno
mediastinal, com deterioração hemodinâmica. Infusão rápida de sangue e solução cristalóide permitiram um controle
temporário das condições hemodinâmicas, enquanto o tórax
era reaberto na UTI. Uma suave luxação medial do coração
permitiu a identificação de uma laceração de 2cm na parede
posterior do ventrículo esquerdo, envolta em hematoma,
junto ao sulco atrioventricular esquerdo. Um jato de sangue
arterial era ser visto fluindo através dessa lesão. Usando a
mão esquerda, o cirurgião pressionou uma compressa pequena contra o local da lesão sangrante, conseguindo finalmente o controle temporário do sangramento. Novamente,
infusão rápida de volume permitiu o controle hemodinâmico
do paciente, conduzido com urgência de volta ao centro cirúrgico.
A circulação extracorpórea foi reiniciada com canulação bicaval, a aorta foi pinçada e cardioplegia sangüínea
normotérmica infundida intermitentemente cada 20min, com
a temperatura corpórea mantida normotérmica durante todo
o procedimento. O átrio esquerdo foi reaberto e a bioprótese retirada, sendo possível observar, em meio ao hematoma, a laceração junto ao anel mitral posterior. Um retalho de
Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 5), 544-6, 2002
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pericárdio bovino foi suturado, usando prolene 4-0, ao endocárdio do ventrículo esquerdo, com pontos profundos
no miocárdio sadio adjacente, para recobrir completamente
a região da laceração e do hematoma. Uma prótese mecânica de duplo folheto Sorin 27mm foi inserida, usando pontos
separados de Ethibond 2-0, incorporando nessa sutura o
retalho de pericárdio bovino. Adicionalmente, um retalho
de celulose (Surgicel; Johnson & Johnson) embebido com
cola de cianoacrilato (Glubran, Lucca, Italy) foi aplicado ao
epicárdio para reforçar o reparo e evitar sangramento. O
pinçamento aórtico foi liberado e o coração voltou a bater
em ritmo sinusal, e a circulação extracorpórea desligada com
mínimo suporte inotrópico. O cateter de balão intra-aórtico
foi inserido e a contrapulsação iniciada para diminuir o trabalho do ventrículo esquerdo e reduzir a tensão na linha de
sutura do reparo ventricular. Houve sangramento difuso
após a operação que demandou várias horas de hemostasia
cuidadosa. Apesar disso, a dificuldade de se obter hemostasia fez com que o tórax fosse selado com compressas cirúrgicas, mantido aberto e o paciente retornou à UTI em
condições hemodinâmicas estáveis. As compressas cirúrgicas foram removidas no dia seguinte, com controle da
hemostasia, e o tórax fechado de maneira convencional. O
cateter de balão intra-aórtico foi retirado no 2º dia de pósoperatório. O ecocardiograma transtorácico, realizado no 9º
dia de pós-operatório demonstrou boa função ventricular
esquerda (diâmetro diastólico final 54mm) com hipocinesia
do septo anterior (fig. 1). Não houve alteração eletrocardiográfica ou de enzimas cardíacas, e o paciente recebeu alta
hospitalar no 16o dia pós-operatório.
Há dois anos, o paciente encontra-se bem, com ausculta apresentando ruído de prótese normal sem sopro de
regurgitação mitral.
Discussão
A ruptura do ventrículo esquerdo após a cirurgia de
troca valvar mitral tem sido classificada de acordo com o
tempo de aparecimento (imediata, protraída e tardia) e com o
Fig. 1 - Ecocardiograma transtorácico no 9o dia de pós-operatório. A seta indica o
retalho usado internamente no reparo da parede do ventrículo esquerdo. Ao- aorta;
LA-átrio esquerdo; LV- ventrículo esquerdo.
local de ruptura (tipos 1, 2 e 3). Quando a ruptura ocorre junto ao sulco atrioventricular esquerdo (tipo 1), o prognóstico
é considerado extremamente grave.
A mortalidade relatada na literatura varia entre 65 e
100%, para todos os tipos 3,4 , e esta alta mortalidade é devida, principalmente, à dificuldade técnica encontrada para
reparar a lesão do ventrículo esquerdo, e ao mesmo tempo,
evitar danos às estruturas cardíacas adjacentes. Entretanto,
a mortalidade na forma protraída é muito maior, pois o evento acontece quando o paciente já saiu do centro cirúrgico e
encontra-se na UTI. A sobrevivência nesses casos tem sido
ao redor de 11% dos casos 5.
As técnicas, inicialmente descritas, para correção desta complicação envolviam o uso de pontos profundos ancorados no miocárdio, tanto interna como externamente, com
o risco de causar lesão da artéria circunflexa adjacente, e
conseqüente infarto do miocárdio. A técnica de sutura interna do retalho de pericárdio, recobrindo a lesão ventricular, evita essa complicação, mas demanda uso de circulação extracorpórea, aumentando o tempo de pinçamento
aórtico.
A manobra empregada de bloquear o local do sangramento e a expansão do hematoma é simples, sendo usada
freqüentemente em cirurgia de urgência e acidentados. Essa
manobra mostrou ser eficiente, permitindo tempo para a
ressuscitação, estabilização hemodinâmica e transferência
ao centro cirúrgico para o início da circulação extracorpórea. Manobra, que deve ser cuidadosa na luxação medial do
coração para visualização e reparo da lesão, a fim de evitar a
extensão do rasgo. O mesmo cuidado deve ser tomado após
o reparo cirúrgico, evitando levantar o coração para inspecionar a parede posterior.
O uso do retalho de celulose embebido em cola e aplicado externamente no epicárdio cobrindo o hematoma constitui
também um eficiente adjuvante para controle da lesão e do
sangramento, já que algumas vezes é difícil a identificação
precisa do local de sangramento em meio ao hematoma 6.
O uso do balão intra-aórtico após o reparo objetiva
descomprimir o ventrículo esquerdo e diminuir a tensão na
área lesada, ajudando portanto a preservar a integridade do
reparo cirúrgico 7, juntamente com sedação prolongada
também para reduzir a tensão na zona de reparo.
Toda a atenção deve ser dada na prevenção desta
complicação. O aspecto mais importante para se evitar a
ruptura tipo 1 é a preservação do folheto mitral posterior 8.
Entretanto, como neste relato, isto pode ser insuficiente
para prevenir esta terrível complicação e medidas adicionais
devem ser empregadas, que incluem a colocação cuidadosa
das suturas, mínima tração do ânulo valvar mitral durante a
excisão/inserção, evitando a excessiva manipulação do coração durante as manobras de retirada de ar.
Concluindo, a ruptura protraída do ventrículo esquerdo, após a cirurgia de troca valvar mitral pode ser temporariamente controlada na UTI com manobra simples, dando
tempo para estabilização hemodinâmica e transferência ao
centro cirúrgico para o reparo intraventricular.
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Ruptura protraída do ventrículo esquerdo
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2002; 79: 544-6.
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