UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU FAMÍLIA E PODER FAMILIAR: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos PERGENTINO HAMES BIGUAÇU, JUNHO DE 2008 i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU FAMÍLIA E PODER FAMILIAR: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos PERGENTINO HAMES Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Renato Heusi de Almeida BIGUAÇU, JUNHO DE 2008 ii AGRADECIMENTO A Deus que me deu forças para prosseguir, encarar os obstáculos desta jornada e nunca desistir; À minha mãe, pelo seu incentivo e por ter sido instrumento para concretização deste sonho e escolha deste curso, e que nos momentos de desespero esteve ao meu lado, fazendo carinho, me dando conselhos e me cobrando nos momentos necessários; À minha esposa, que nos momentos que estive nervoso sabia me compreender, pelas vezes que me auxiliou, conversou comigo e com sua paciência e amizade me acalmava; Aos meus filhos, que sem dúvida, são maravilhosos e muito especiais e, que em todos os momentos, orgulharam-se de mim, me incentivaram e deram forças; Ao meu professor e orientador MSc. Renato Heusi de Almeida por toda dedicação, atenção e compreensão, em todas as etapas deste trabalho, e, principalmente, por toda a sabedoria que me repassou; Enfim, a todas as pessoas que contribuíram direta e indiretamente, pois sem eles esta missão não teria sido cumprida. iii DEDICATÓRIA Este trabalho é dedicado: A Deus que me deu a vida e que é a base de tudo; À minha mãe, esposa e filhos que tanto amo e que possibilitaram a concretização desse sonho; Ao meu orientador Professor MSc. Renato Heusi de Almeida, pois com sua atenção, dedicação e sabedoria foi a peça principal, para o desenvolvimento deste trabalho; Aos meus amigos que são muitos e que me incentivaram e sempre torceram pelo meu sucesso; Aos meus familiares que colaboraram e muito com esse sonho e esta vitória. iv TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, junho de 2008 Pergentino Hames Graduando v PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Pergentino Hames, sob o título FAMÍLIA E PODER FAMILIAR: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos, foi submetida em dezesseis de junho do ano de 2008, à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor MSc. Renato Heusi de Almeida, Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica e Professor Gabriel Paschoal Pítsica, e aprovada com a nota 9,0 ([nove]). Biguaçu, junho de 2008 Professor MSc. Renato Heusi de Almeida Orientador e Presidente da Banca Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica vi ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS Art. Artigo CC Código Civil CC/1916 Código Civil de 1916 CC/2002 Código Civil de 2002 CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ECA Estatuto da Criança e do Adolescente vii ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que o Autor considera estratégico à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Dissolução “Rompimento de um contrato ou acordo, seja da sociedade conjugal, da parceria, da sociedade mercantil ou civil, da cooperativa, etc”1. Dissolução da sociedade conjugal “Além dos casos de morte de um dos cônjuges, ou da nulidade ou anulação do casamento, a dissolução dá-se de duas formas: pela separação judicial – consensual ou litigiosa -, que põe termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial dos bens, sem rompimento do vínculo de casamento; pelo divórcio -, que põe termo ao casamento, além dos efeitos já produzidos pela separação”2. Filho “Diz-se do indivíduo do sexo masculino com relação ao pai ou à mãe. Diz-se, também, do descendente em primeiro grau de uma pessoa”3. “1. Pessoa do sexo masculino, considerada em relação a seus pais. 2. Descendente. [...]”4. Genitor “Diz-se do que gera; do pai; do ascendente masculino em linha reta; do tronco comum de uma família”5. 1 SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Dicionário jurídico. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2002. p. 63. 2 NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. 2. ed. Rio de Janeiro: Fases, 1988. p. 423. 3 NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. p. 522. 4 5 LAROUSSE CULTURAL. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Universo, 1992. p. 196. NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos. p. 545. viii Guarda “Guarda de filhos é o poder-dever submetido a um regime jurídico legal, de modo a facilitar a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa condição. Leva-nos à crença de que a guarda não só é um poder pela similitude que contém com a autoridade parental, com todas as vertentes jurídicas, como é um dever, visto que decorre de impositivos legais, inclusive com natureza de ordem pública, razão pela qual se pode conceber esse exercício como um poder-dever”6. Guarda Compartilhada “Guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual. Para isso, é necessária a mudança de alguns paradigmas, levando em conta a necessidade de compartilhamento entre os genitores da responsabilidade parental e das atividades cotidianas de cuidado, afeto e normas que ela aplica”7. Poder Familiar “O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens de filho menor não emancipado. Se, porventura, houver divergência entre eles, 6 7 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 31. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 395. ix qualquer deles poderá recorrer ao juiz a solução necessária, resguardando o interesse da prole [...]”8. Proteção “1. Ato ou efeito de proteger. 2. Apoio, amparo. 3. Auxílio, ajuda”9. 8 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002). v. 5. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 447. 9 LAROUSSE CULTURAL. Dicionário da língua portuguesa. p. 355. x SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................ IX ABSTRACT ......................................................................................... X INTRODUÇÃO..................................................................................... 1 CAPÍTULO 1........................................................................................ 3 DA RESPONSABILIDADE DOS PAIS PERANTE OS FILHOS QUANDO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE FAMILIAR ............... 3 1.1 DAS FORMAS DE PROTEÇÃO.......................................................................3 1.1.1 ALIMENTOS ......................................................................................................4 1.1.2 ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E MORAL ................................................................7 1.1.3 PROTEÇÃO PESSOAL ........................................................................................9 1.2 DO DESTINO DO FILHO QUANDO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL ..........................................................................................................12 1.2.1 DO INTERESSE DO MENOR ...............................................................................12 1.3 ASPECTOS GERAIS DA GUARDA COMPARTILHADA ..............................16 1.3.1 DO CONCEITO DE GUARDA E DE GUARDA COMPARTILHADA ................................16 1.3.1.1 A tipificação legal do instituto da guarda compartilhada....................19 1.3.2 DOS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA GUARDA COMPARTILHADA ..................22 1.3.3 DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ..............................................25 CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 29 DA SOCIEDADE FAMILIAR ............................................................. 29 2.1 DA ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE FAMILIAR .....................................29 2.2 DO ESTADO DE FILHO .................................................................................36 2.2.1 DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS ..................................................................36 2.2.1.1 Das formas de reconhecimento.............................................................39 2.2.1.1.1 Reconhecimento voluntário ou espontâneo ...........................................39 2.2.1.1.2 Reconhecimento judicial ........................................................................42 2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOÇÃO ...................................46 2.4 DA IGUALDADE CONSTITUCIONAL DOS GENITORES PERANTE OS FILHOS .................................................................................................................50 2.4.1 DA DIVERGÊNCIA DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS ........................................52 CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 55 DA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS ........................................... 55 3.1 DA FILIAÇÃO .................................................................................................55 3.2 DO PODER FAMILIAR ...................................................................................61 xi 3.3 DA RESPONSABILIDADE DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS ...........65 3.4 ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS QUE ENVOLVEM OS BENS DOS FILHOS MENORES .....................................................................................70 3.5 DA PERDA DO PODER FAMILIAR ...............................................................76 CONCLUSÃO .................................................................................... 81 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 85 ANEXOS ............................................................................................ 93 ix RESUMO A presente monografia teve como finalidade, proceder um estudo da família e do poder familiar, assim como da guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos. Para tanto, utilizou-se o método indutivo, analisando a responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, a sociedade familiar e a relação entre pais e filhos, procurando proporcionar ao leitor através de pesquisas bibliográficas, subsídios para o desenvolvimento do tema e resposta às indagações sobre o referido instituto. Assim, procurou-se no primeiro capítulo, proceder a uma análise da responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, das formas de proteção, bem como do destino do filho quando da dissolução da sociedade conjugal e do interesse do menor, para, ao final, abordar-se os aspectos gerais da guarda compartilhada, a tipificação legal desta, seus pontos positivos e negativos e seu entendimento nos tribunais brasileiros. No segundo capítulo, abordou-se sobre a sociedade familiar e a administração desta, o estado de filho, o reconhecimento dos filhos e as formas de reconhecimento, assim como sobre algumas considerações sobre a adoção, a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, e, a divergência dos pais com relação aos filhos. No terceiro e último capítulo, passou-se ao estudo da relação entre pais e filhos, da filiação, do poder familiar, da responsabilidade dos pais em relação aos filhos, para, abordar-se os aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores e a perda do poder familiar. Palavras chave: Dissolução. Dissolução da sociedade conjugal. Filho. Genitor. Guarda. Guarda compartilhada. Poder familiar. Proteção. x ABSTRACT This monograph was to end, make a study of the family and of the family as well as the shared custody as a form of protection to children. For both, used as the inductive method, analyzing the responsibility of parents to their children when the dissolution of society family, society and family relationship between parents and children, trying to offer the reader through bibliographic searches, subsidies for the development of the theme and responding to questions about the institute. Thus, it was the first chapter, to examine the responsibility of parents to their children when the dissolution of the family society, form of protection, and the fate of the child when the dissolution of the conjugal society and the interest of the child, to the end, to address the general aspects of shared custody, the legal classification of this, their strengths and weaknesses and your understanding in Brazilian courts. In the second chapter, raised on the family and society of this administration, the state of child, the recognition of children and the forms of recognition, and on some considerations about the adoption, the constitutional equality of parents to their children and, the divergence of parents with respect to children. In the third and final chapter, it moved the study of the relationship between parents and children, of membership, of the family, the responsibility of parents for children so, to address the economic and financial aspects involving the property of children minors and the loss of the family. Key words: Dissolution. Dissolution of conjugal society. Son. Parent. Custody. Shared custody. Power family. Protection. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto a pesquisa sobre os aspectos legais relativos à família e o poder familiar: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos. O seu objetivo será analisar a guarda dos filhos nos casos em que os pais não vivem em família, decorrente de sua não formação ou da dissolução da mesma. Desta forma, buscar-se-á analisar a legislação brasileira sobre o tema, a posição dos doutrinadores brasileiros e alguns estrangeiros, bem como a posição do Poder Judiciário brasileiro quanto à definição da responsabilidade dos genitores em relação aos filhos não emancipados. A escolha do tema deve-se às alterações porque passa a família brasileira, principalmente, em relação à dissolução das sociedades familiares, ou até, quando os filhos são gerados, por pessoas que optaram em não viver juntas. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, das formas de proteção, tais como, alimentos, orientação educacional e moral e proteção pessoal, bem como do destino do filho quando da dissolução da sociedade conjugal e o interesse do menor, para, ao final, abordar-se os aspectos gerais da guarda compartilhada, o conceito de guarda e guarda compartilhada, a tipificação legal desta, seus pontos positivos e negativos e o seu entendimento perante os tribunais brasileiros. No Capítulo 2, tratar-se-á acerca da sociedade familiar e da administração desta, sobre o estado de filho, o reconhecimento dos filhos e as formas de reconhecimento, assim como de algumas considerações sobre a adoção, a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, e, finalmente, da divergência dos pais com relação aos filhos. 2 No Capítulo 3, abordar-se-á sobre a relação entre pais e filhos, bem como quanto à filiação, o poder familiar, a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, para, ao final, abordar-se os aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores e a perda do poder familiar, através de embasamentos que justificam a importância destes aspectos e buscam servir de alicerce para a compreensão do presente trabalho. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com a Conclusão, na qual serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a família e o poder familiar: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, e, nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 DA RESPONSABILIDADE DOS PAIS PERANTE OS FILHOS QUANDO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE FAMILIAR Neste capítulo abordar-se-á a responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, bem como sobre as formas de proteção dos filhos, quais sejam, alimentos, orientação educacional e moral e proteção pessoal, para, posteriormente, tratar-se do destino do filho quando da dissolução da sociedade conjugal e a prevalência de seu interesse, e, finalmente, sobre os aspectos gerais da guarda compartilhada, o conceito de guarda e guarda compartilhada, a falta de amparo legal desta última, seus pontos positivos e negativos, assim como sobre o seu entendimento perante os tribunais brasileiros. 1.1 DAS FORMAS DE PROTEÇÃO Leciona, inicialmente, Liane Maria Busnello Thomé que: A proteção aos filhos menores de idade sempre foi uma preocupação social, que em épocas remotas teve seu início quando os homens passaram a conviver em grupos e, posteriormente também uma preocupação jurídica, que se expressou na declaração universal dos direitos das crianças, nos textos constitucionais e na legislação infraconstitucional do ordenamento jurídico pátrio12. Baseado no acima transcrito abordar-se-á nos tópicos subseqüentes, sobre três das formas de proteção, quais sejam, alimentos e orientação educacional e moral, para, finalmente, demonstrar-se a proteção pessoal dos filhos, quando da dissolução da sociedade familiar. 12 THOMÉ, Liane Maria Busnello. A guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/06de2005/a_guarda_lianemariabusnellothome.html >. Acesso em: 26 fev. 2008. 4 1.1.1 Alimentos Inicialmente, cabe ressaltar, que o tema alimentos encontrase presente em vários institutos do Direito Civil, mas que possui maior destaque quanto aos institutos correlacionados ao direito de família, dentre os quais, citase, o parentesco e a dissolução da sociedade conjugal13. Neste sentido, também encontra amparo legal nos artigos 1.694 a 1.710, do atual Código Civil Brasileiro14 e, segundo Rolf Madaleno: Restritamente de seu conceito jurídico, os alimentos não são apenas aqueles necessários à nutrição da pessoa, porquanto o termo designa as despesas do alimentando para com o seu sustento, a sua habitação, o seu vestuário, a sua assistência médica e demais gastos destinados ao lazer. Ainda comportam os dispêndios com a instrução e a educação do alimentário, mesmo quando já fora do poder parental, conquanto se destinem à continuação dos estudos que conduzam à formação profissional do credor da pensão alimentar15. Partindo deste conceito inaugural de alimentos, corrobora Inacio de Carvalho Neto que “pode-se, portanto, conceituar os alimentos como uma prestação fornecida pelo devedor ao credor para o atendimento de todas as suas necessidades vitais”16. Eduardo de Oliveira Leite salienta que: O conceito se reveste de fundamental importância na medida em que resgata a noção de necessidade nesta matéria. Necessitar, este o verbo fundamental, ou o eixo central em torno do qual orbitam todas as demais decorrências da pensão alimentícia. E a necessidade a que alude o art. 1.694 do Código Civil, certamente “não se mede pela fortuna do alimentante. Não está obrigado a dividir os seus rendimentos. A responsabilidade limita-se a 13 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 160-161. 14 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 fev. 2008. 15 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. In: Obrigação, dever de assistência, e alimentos transitórios. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 565. 16 CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família. p. 177. 5 atender as exigências, v.g., de alimentação, moradia, vestuário e recreação. [...]17. Portanto, alimentos, no ramo jurídico, denomina-se a prestação fornecida a uma determinada pessoa, seja em dinheiro ou espécie, para que possa atender às necessidades da vida18. Fundamenta-se no princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e na solidariedade social e familiar, pois é direito personalíssimo devido pelo alimentante, seja em razão de parentesco, vínculo conjugal ou convivencial que o correlaciona ao alimentando19. Ante tais considerações, Inacio de Carvalho Neto aborda as características dos alimentos, afirmando que estes são intransmissíveis, irrenunciáveis, incompensáveis e impenhoráveis20. Discorda, no entanto, Silvio Luís Ferreira da Rocha, ao afirmar que a obrigação alimentar é transmissível, segundo dispõe o art. 1.700, do atual Código Civil21, imprescritível, irrenunciável, irrepetível, inalienável e impenhorável22. Frisa Carlos Roberto Gonçalves, que o direito aos alimentos é personalíssimo, incessível, impenhorável, incompensável, imprescritível, intransacionável, atual, irrepetível ou irrestituível e irrenunciável23. Diante do mencionado, dispõem os artigos 1.696 e 1.697, do Código Civil: 17 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 378. 18 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 418. 19 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 536-537. 20 Cf. CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família. p. 181-182. 21 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 fev. 2008. “Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”. 22 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 166-167. 23 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 458-468. 6 Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais24. Sendo assim, assinala-se que os alimentos são devidos aos filhos menores, aos filhos maiores, pais e irmãos, assim como decorrem do casamento e da união estável25. Feita uma breve análise sobre o instituto dos alimentos, e uma vez que o referido capítulo trata da responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, assinala-se que “[...] para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”26, assim como nas famílias monoparentais, haverá necessidade constante de que a mãe solteira ou o pai solteiro, participem efetivamente do desenvolvimento de seu filho27. Salienta Sílvio de Salvo Venosa: No decorrer de nosso estudo, mormente quanto ao poder familiar, enfatizou-se que o dever de os pais proverem a subsistência e educação dos filhos é fundamental. Esse dever transmuta-se na obrigação legal de prestar alimentos. Não somente o Código Civil, como também a Lei do Divórcio, preocuparam-se com o problema. [...]. O art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o dever dos pais com relação aos filhos menores. [...]28. 24 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 fev. 2008. 25 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 381-390. 26 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 fev. 2008. 27 Cf. MENDES, Nívea Zênia dos Santos Martins. FAMÍLIA MONOPARENTAL NO DIREITO BRASILEIRO: efeitos na formação dos filhos. Disponível em: <http://www.usinadeletras.com.br/ exibelotexto.php?cod=8687&cat=Ensaios>. Acesso em: 26 fev. 2008. 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 2003. p. 384. 7 Neste diapasão, verifica-se que a obrigação de prestar alimentos inicia, mesmo antes do nascimento do filho, e, que, enquanto este se encontra sob o poder familiar, a obrigação advém do dever de sustento. Portanto, em casos de perda do poder familiar ou dissolução da sociedade familiar, não se exclui o dever de prestar alimentos29. Diante do exposto e vista a primeira das formas de proteção, passa-se para a próxima, qual seja, a orientação educacional e moral. 1.1.2 Orientação educacional e moral Sobre a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, mister se faz ressaltar que: O dever de educar implica obrigação de promover no filho o desenvolvimento pleno de todos os aspectos da personalidade, preparando-o para o exercício da cidadania e qualificando-o para o trabalho, seja através da educação informal, seja através da educação formal30. Para Waldyr Grisard Filho, a educação dos filhos cabe aos pais, conforme disciplina o artigo 384, I, do Código Civil de 1916, artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente e, artigo 229, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, posto que é dever voltado ao atendimento das necessidades, tanto materiais quanto morais do menor, intervindo o Estado, caso não haja o exercício deste dever31. Ilustra Maria Berenice Dias, que como os direitos e deveres da sociedade familiar, são exercidos igualmente por homem e mulher, a autoridade parental caberá a ambos os pais. Dissolvido o casamento ou união estável e, restando filhos em comum ao casal, importante se faz exercer as 29 Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 468-470. 30 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 102. 31 Cf. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 40. 8 prerrogativas decorrentes do poder familiar, dentre elas, a de orientação educacional e moral da criança ou adolescente32. Segundo Maria Helena Diniz: [...] os pais ou responsável, participando do processo pedagógico ou propostas educacionais, terão o dever de matriculá-lo em escola pública ou particular, onde lhe será assegurado o direito de ser respeitado pelos seus educadores, de contestar critérios avaliativos, de organizar e participar em entidades estudantis [...]33. Corrobora Waldyr Grisard Filho, que a orientação educacional e moral estende-se ao dever de correição e disciplina, devendo-se fixar limites, castigos moderados, obediência e respeito, deveres estes, morais e legais atribuídos aos pais34. Taisa Maria Macena de Lima, alude que o direito subjetivo público à educação de menores é papel atribuído ao Estado, mas que depende da colaboração dos pais, visto que a legislação civil reforça a atuação destes e estabelece o dever de criar e educar os filhos, algo bem mais amplo do que a simples formação escolar. Por este motivo, os pais devem estar sempre atentos às necessidades materiais, morais e intelectuais dos seus filhos, e, dispostos, para na medida de suas possibilidades, poder atendê-las35. Conseqüentemente, cabe observar que: [...] nada justifica atribuir exclusiva responsabilidade ao genitor guardião pelos atos praticados pelo filho, pelo simples fato de ele não estar na companhia do outro genitor. Este persiste no exercício do poder familiar, e entre os deveres dele decorrente está o de responder pelos atos praticados pelo filho. [...]. Ao depois, cuida-se de responsabilidade objetiva [...], o que confere 32 Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 380. 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 633. 34 Cf. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 41. 35 Cf. LIMA, Taisa Maria Macena de. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. p. 624-625. 9 plena atuação dos princípios da paternidade responsável e do melhor interesse da criança e do adolescente, deixando clara a importância do papel que os pais devem desempenhar no processo de educação e desenvolvimento da personalidade dos menores36. Para Denise Damo Comel, a educação ocorre em dois planos distintos, o da educação formal e informal. A informal consiste na educação direta e permanente dos pais na vida de seu filho e no contato diário que mantém com ele, conquanto a educação formal se trata da escolarização realizada mediante um estabelecimento oficial de ensino37. Taisa Maria Macena de Lima apud Cláudia Stein Vieira, ensina: Devem os genitores, solteiros, casados, separados, divorciados ou viúvos, ter a exata consciência de seu mister como pais e educadores de cidadãos do futuro, sendo certo que atos por ele praticados poderão gerar graves prejuízos em face desses filhos38. Desta forma, exposta, brevemente, a segunda forma de proteção, passa-se à última delas que abordará a proteção pessoal dos pais com relação aos filhos. 1.1.3 Proteção pessoal Ao tratar-se da proteção pessoal dos pais com relação aos filhos, mister se faz ressaltar que o atual Código Civil manteve, conforme o Código Civil de 1916, o capítulo destinado à proteção da pessoa dos filhos, como interligado às diversas situações decorrentes da dissolução do casamento39. 36 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 383-384. 37 Cf. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. p. 103. 38 LIMA, Taisa Maria Macena de apud VIEIRA, Cláudia Stein. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo Código Civil. p. 629. 39 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 273. 10 Elenca o referido diploma legal, em seu artigo 1.583, que “[...] no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-seá o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”40. Assinala Carlos Roberto Gonçalves sobre o artigo susomencionado, que “na separação consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos, presumindo-se que são os maiores interessados no futuro e bem-estar da prole”41. Outrora, ensina Maria Berenice Dias: A dissolução dos vínculos afetivos não se resolve simplesmente indo um para cada lado, quando da união nasceram filhos. O fim do relacionamento dos pais não leva à cisão nem quanto aos direitos nem quanto aos deveres com relação aos filhos. O rompimento da relação de conjugalidade dos genitores não pode comprometer a continuidade dos vínculos parentais, pois o exercício do poder familiar em nada é afetado pela separação. O estado de família é indisponível. A unidade familiar persiste mesmo depois da separação de seus componentes, é um elo que se perpetua. Deixando os pais de viver sob o mesmo teto, é mister definir na companhia de quem vão morar os filhos que estão sujeitos ao poder familiar. Há a necessidade de saber, afinal, quem vai assumir os encargos decorrentes: ambos ou apenas um dos genitores. [...]42. Porém, não havendo acordo dos pais quanto à proteção pessoal dos filhos, dispõe o artigo 1.584, do Código Civil: Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à 40 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 27 fev. 2008. 41 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 256. 42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 392. 11 pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica43. Maria Berenice Dias, diz que passando o filho a residir com um dos genitores, a este ficará deferida a guarda, expressão esta, que “coisifica” a situação do filho, que mais parece um objeto do que um sujeito de direitos44. Entretanto, Carlos Roberto Gonçalves faz referência ao parágrafo único, do artigo 1.584, do Código Civil: Em princípio, a guarda dos filhos constitui direito natural dos genitores. Verificado, porém, que não devem eles permanecer em poder da mãe ou do pai, o juiz deferirá a guarda preferencialmente a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges, “que revele compatibilidade” com a função, levando em conta a “relação de afinidade e afetividade” com os infantes, de acordo com o disposto na lei específica, que atualmente é o Estatuto da Criança e do Adolescente [...]45. Outrossim, vistos os casos de proteção dos filhos na separação consensual e litigiosa e no divórcio direto consensual, pergunta-se: e quanto à proteção aos filhos na separação de fato? Qual é o procedimento adotado? Silvio Rodrigues comenta: Ao que sei, o primeiro jurista que focalizou o problema da guarda dos filhos menores, em caso de separação de fato dos cônjuges, foi o meu sábio colega Washington de Barros Monteiro, em dois parágrafos de seu famoso livro sobre o direito de família. Anota esse escritor não haver a lei se preocupado com a hipótese; mostra que no caso nenhuma preferência assiste ao marido de reivindicar a guarda dos filhos e revela a tendência da jurisprudência no sentido de manter o status quo, a menos que se 43 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 27 fev. 2008. 44 Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 393. 45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 257. 12 apresentem motivos graves que, no interesse dos menores, aconselhem alteração46. Ensina Carlos Roberto Gonçalves, que além de o Código Civil não regulamentar tal matéria, a jurisprudência formada com base na Lei de Divórcio, utilizava o artigo 13 e correspondente ao artigo 1.586, do atual Código Civil47, para solucionar tal situação, através de ações de busca e apreensão entre pais separados de fato. Mas, como nenhum dos pais tem mais direito do que outro, devido ao poder familiar destinar-se a ambos, a tendência é de manter o status quo, deixando os filhos com quem se encontrem, até que haja o procedimento de separação judicial48. Uma vez demonstrada a terceira hipótese de proteção dos filhos, e verificado que mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, possuem os pais, em igualdade de condições, o direito e obrigação de prestar alimentos, orientação educacional e moral, como também proteção pessoal aos seus filhos, conforme se extrai tanto da doutrina quanto da legislação vigente, passa-se ao título subseqüente que abordará sobre o destino do filho quando da dissolução da sociedade familiar e o seu interesse, neste respectivo caso. 1.2 DO DESTINO DO FILHO QUANDO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 1.2.1 Do interesse do menor Neste título abordar-se-á sobre o destino dos filhos quando da dissolução da sociedade conjugal e, respectivamente, sobre o interesse do menor ou também denominado princípio do melhor interesse da criança. Neste sentido, esclarece, inicialmente, Waldyr Grisard Filho que: 46 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 279-280. 47 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 27 fev. 2008. “Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais”. 48 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 258. 13 É inquestionável que o legislador pátrio, na trilha do italiano, do francês, do alemão, do espanhol, para atribuir a guarda de filho menor a um ou a outro dos genitores, tomou como critério legal e universal o favor filial, ou seja, o interesse dos filhos, ao se referir a “prejuízo de ordem moral”, “verificado que não devem permanecer”, “a bem do menor”, isto é, que é interesse, ou circunstância, do pai ou da mãe. Na atribuição da guarda, respeita-se o direito dos pais que, entretanto, não pode chocar-se com o dos menores49. Partindo do trecho acima mencionado, explica Rodrigo da Cunha Pereira que o que se pode relatar com relação ao princípio do melhor interesse do menor, é a sua relação com os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente. Além de detentores de direitos fundamentais gerais da pessoa humana, estes têm direitos fundamentais especiais que lhe são dirigidos, o que significa atender os seus interesses50. Para reafirmar o escrito pelos doutrinadores, cita-se o artigo 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 198851 e o artigo 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente52 que corroboram com o princípio do melhor interesse do menor. Flávio Tartuce explica, então, que em casos de dissolução da sociedade conjugal, a culpa não mais influencia na guarda dos filhos, devendo aplicar-se o princípio que busca pela proteção integral ou o melhor interesse do 49 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 64. 50 Cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 129. 51 Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 27 fev. 2008. “[...] É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...]”. 52 Cf. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 27 fev. 2008. “[...]A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. 14 menor, mas sempre se resguardando o que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Código Civil, em seus artigos 1.583 e 1.58453. Rosana Fachin ao citar John Eeclkaar anota: O melhor interesse da criança, de acordo com John Eeclkaar, assume um contexto que, em sua definição, o descreve como “basic interest”, como sendo aqueles essenciais cuidados para viver com saúde, incluindo física, emocional e intelectual, cujos interesses, inicialmente, são dos pais, mas, se negligenciados, o Estado deve intervir para assegurá-los54. A infância e adolescência merecem destaque por possuírem caráter único e pela natureza transitória, com possibilidade de seqüelas irreparáveis, sendo por esta razão, que se prefere a expressão melhor interesse da criança55. Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira destacam: A aplicação do referido princípio deve ser observada em cada caso de litígio sobre guarda de criança. Na realidade, se a criança for suficientemente madura, os tribunais devem considerar a sua preferência. Mas esta manifestação volitiva da criança, por si só, não é suficiente. A estabilidade, continuidade e permanência na relação familiar também devem ser priorizadas. Nessas controversas decisões, destacamos a necessidade de se levar em conta a pessoa com quem a criança, sobretudo aqueles de tenra idade, mantém laços mais fortes de afetividade e carinho, 53 Cf. TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8468>. Acesso em: 27 fev. 2008. 54 FACHIN, Rosana apud EECLKAAR, John. In: DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. p. 125. 55 Cf. LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 32-33. 15 como resultado de atendimento diário às suas necessidades biofísicas e psicológicas56. De seu turno, Gustavo Ferraz de Campos Mônaco aduz que tanto a família nuclear quanto a alargada devem se ater ao princípio do melhor interesse do menor, isto é, nas decisões que tratem de criança ou adolescente, mas não confundindo este princípio com o direito subjetivo que esteja sendo desempenhado57. Deste modo, levando-se em consideração tanto o aspecto substantivo quanto adjetivo, ao tratar acerca de questões relevantes de crianças e adolescentes, como acontece na guarda e regulamentação de visitas, necessitase atribuir uma aplicação permanente ao princípio do melhor interesse da criança58. Finalmente, Waldyr Grisard Filho conclui: “Tratando-se”, enfim, “de posse e guarda de filho, o interesse do bem-estar do menor é o único critério a solucionar o problema [...]. A composição em benefício do filho deve ser a meta dos pais”, devendo prevalecer, ainda e sempre, em qualquer patamar em que se o discuta, quer o social, quer o jurídico, quer o psicológico, quer o sentimental. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O que responderá é o interesse do menor e não a pretensão do pai ou da mãe”, pois o seu conteúdo é o bem estar-material e emocional dos filhos, seus aspectos morais e espirituais, sua saúde corporal e intelectual, sem comprometer seu adequado desenvolvimento59. Isto posto, demonstrados os aspectos importantes relacionados ao interesse do menor quando da dissolução da sociedade conjugal, 56 GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. In: O princípio do “melhor interesse da criança” no âmbito das relações familiares. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 215. 57 Cf. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões controvertidas no direito de família e das sucessões. In: Atribuição da guarda na desunião dos pais: reconstrução do instituto a partir da figura primária de referência. São Paulo: Método, 2005. p. 125. 58 Cf. LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. p. 38. 59 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 67. 16 passa-se ao último título deste capítulo, que abordará sos aspectos gerais da guarda compartilhada. 1.3 ASPECTOS GERAIS DA GUARDA COMPARTILHADA Preliminarmente, cabe ressaltar, que neste tópico serão demonstrados aspectos gerais sobre a guarda compartilhada, o conceito de guarda e guarda compartilhada, a tipificação legal do instituto da guarda compartilhada, seus pontos positivos e negativos, bem como sobre o seu entendimento perante os tribunais brasileiros. 1.3.1 Do conceito de guarda e de guarda compartilhada Ao estudar um instituto como o da guarda compartilhada, importante se faz destacar primeiramente o conceito de guarda, para, posteriormente, demonstrar-se o da guarda compartilhada e seus fundamentos doutrinários. Diante disto, explica Gisele Leite que a expressão guarda manifesta uma obrigação imposta a determinadas pessoas de ter em vigilância, zelando pela sua conservação, coisas que lhe foram entregues ou confinadas, para que as possa manter em zelo e as proteger60. Pontes de Miranda elucida que guarda é o dever de sustentar, fornecer roupas, alimentos, recursos médicos e terapêuticos, assim como guardar significa acolher em casa sob vigilância e amparo e, educar, constitui em instruir, fazer instruir, moralizar e aconselhar61. 60 Cf. LEITE, Gisele. Ponderações sobre a guarda de menor. In: Universo Jurídico. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=1154>. Acesso em: 29 fev. 2008. 61 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado – parte especial. 4.ed. 2. tir. t. VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 94-101 17 Portanto, Márcia Cristina Ananias Neves conceitua “[...] guarda dos filhos como sendo o dever de proteção que os pais, tutores ou responsáveis pelo menor possuem para com estes”62. Outrossim, na lição de Karen Ribeiro Pacheco Nioac de Salles, a guarda compartilhada ou conjunta: [...] comporta o aspecto material e o aspecto jurídico. A parte material traduz-se na coabitação da criança com cada um dos progenitores, alternadamente, durante um certo período de tempo, que não tem de ser rigorosamente igual para ambos. Juridicamente, ambos os pais exercem simultaneamente todos os poderes-deveres relativos à pessoa do filho63. Claudete Carvalho Canezin, explica que na guarda compartilhada ou conjunta, ambos os genitores dividem a responsabilidade legal sobre os filhos, ao mesmo tempo, e compartilham as obrigações através de decisões importantes relativas ao menor, quando aqueles se encontram separados. Diferentemente dos outros modelos de guarda, a guarda compartilhada possibilita aos filhos que continuem a possuir um relacionamento familiar, convivendo com os pais e evitando abalos no desenvolvimento moral, que, normalmente, ocorrem na ausência de um dos genitores64. Segundo Maria Berenice Dias: Guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais 62 NEVES, Márcia Cristina Ananias. Guarda dos filhos – uma questão que ultrapassa os limites da lei. Disponível em: <http://www.fig.br/artigos/dir/n1/0001-04.doc>. Acesso em: 29 fev. 2008. 63 SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac. Guarda compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 91. 64 Cf. CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposição à guarda unilateral. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Claudete_guarda.doc>. Acesso em: 29 fev. 2008. 18 o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual. Para isso, é necessária a mudança de alguns paradigmas, levando em conta a necessidade de compartilhamento entre os genitores da responsabilidade parental e das atividades cotidianas de cuidado, afeto e normas que ela aplica65. Para Waldyr Grisard Filho, a guarda compartilhada é uma forma de exercício da autoridade parental, que os pais desejam exercer comumente, mesmo quando fragmentada a sociedade conjugal66. Entretanto, Ana Maria Milano Silva apud Jeff Atkinson ensina: [...] a guarda conjunta não tem uma definição precisa. Ela pode cobrir um arranjo onde um dos genitores fica com as crianças durante o período escolar e o outro durante as férias, com direito a livre visitação; até arranjos mais tradicionais, onde o tempo despendido com prole é menos dividido, mas há a ênfase no “sharing parenting”, e o genitor que não detém a custódia tem participação em decisões chave relacionadas à saúde e educação dos menores67. Pode-se, então, afirmar com embasamento nos doutrinadores mencionados, que o modelo de guarda compartilhada ou conjunta observa que os genitores devem partilhar os deveres e direitos sobre seus filhos, sempre com o compromisso de fazê-lo em igualdade de condições. Nesta modalidade de guarda, um dos genitores pode deter a guarda física dos filhos, mas partilhando com o outro genitor o poder familiar, isto é, o genitor que não coabita com os filhos, não fica limitado a supervisionar os cuidados deles, porém participa efetivamente da sua educação, saúde, religião e lazer. Desta forma, a 65 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 395. 66 Cf. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 115. 67 SILVA, Ana Maria Milano apud ATKINSON, Jeff. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. p. 108-109. 19 guarda compartilhada permite uma convivência dos filhos com o genitor que não coabita com eles, tornando efetivos os laços afetivos68. Discorre Laura Affonso da Costa Levy: [...], esse novo modelo de guarda, atribui aos pais, de forma igualitária, a guarda jurídica, ou seja, a que define ambos os genitores como titulares do mesmo dever de guardar seus filhos, permitindo a cada um deles conservar seus direitos e obrigações em relação a eles. Nesse contexto, os pais podem planejar como lhes convém a guarda física (arranjos de acesso ou esquemas de visitas)69. Diante do exposto e visto o conceito de guarda e guarda compartilhada, passa-se ao subtítulo a seguir que abordará a tipificação legal do instituto da guarda compartilhada. 1.3.1.1 A tipificação legal do instituto da guarda compartilhada À época da elaboração deste trabalho, não existia, no direito positivo brasileiro, previsão legal que autorizasse a aplicação do modelo de guarda compartilhada, na seara do direito de família, porém, conforme verificarse-á, tal adoção não era vedada, e deveria ser estimulada, para melhor atender aos seus princípios70. Sendo assim, apesar da inexistência de norma legal que regulamentasse o instituto da guarda compartilhada, também não existia norma 68 Cf. CÉSARE, Wilfredo J. Guarda compartilhada: uma esperança para os filhos do pós-divórcio. Disponível em: <http://www.pailegal.com.br/textoimprime.asp?rvTextoId=-925126213>. Acesso em: 29 fev. 2008. 69 LEVY, Laura Affonso da Costa. O estudo sobre a guarda compartilhada. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/a_2691~p_1~O-estudo-sobre-a-guarda-compartilhada>. Acesso em: 29 fev. 2008. 70 Cf. BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Considerações sobre a guarda compartilhada. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 108, 19 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4352>. Acesso em: 02 mar. 2008. 20 que a impossibilite de ser pleiteada nos tribunais. Portanto, não ser exercido não significa que não exista possibilidade jurídica para o pedido71. Partindo destas informações e conforme o acima mencionado, mister se faz destacar que: Embora não esteja inserido de forma expressa na legislação, o modelo compartilhado é amplamente admitido no ordenamento jurídico, uma vez que as disposições legais que tratam do bemestar do menor e da igualdade dos genitores traduzem parecer favorável a esse modo de exercício. Além de não proibida, a guarda compartilhada é de todo recomendável. Dentre os deveres e direitos relacionados ao exercício do poder familiar, são atribuídos a ambos os pais o de dirigir a criação e a educação dos filhos e o de tê-los em sua companhia e guarda (CC 1.634). A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos (CC 1.632). Diante da discricionariedade do juiz nessa matéria, fundamentos jurídicos não faltam para determinar de ofício a guarda compartilhada, de forma a garantir maior participação de ambos os pais no crescimento e desenvolvimento do menor. Basta os autos revelarem que o compartilhamento melhor atende aos superiores interesses do menor e ser ela recomendada por equipe interprofissional de assessoramento. [...]72. Ademais, visto por este viés, o direito brasileiro se debruça no estudo desta modalidade de guarda, capaz de certificar o princípio constitucional, que garante aos pais, embora desunidos, o exercício dos deveres de assistir, criar e educar os filhos, edificado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável73. Deste modo: 71 Cf. PERES, Luiz Felipe Lyrio. Guarda compartilhada. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3533>. Acesso em: 02 mar. 2008. 72 73 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 396. Cf. LEVY, Laura Affonso da Costa. O estudo sobre a guarda compartilhada. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/a_2691~p_1~O-estudo-sobre-a-guarda-compartilhada>. Acesso em: 02 mar. 2008. 21 Como meio de comprovar a licitude desse modelo de guarda verifica-se que o texto constitucional, ao prever absoluta igualdade entre o homem e mulher (art. 5º, I) e a igualdade de direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal a serem exercidos pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), reclama uma paternidade responsável (art. 226, § 7º). Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo sobre a proteção integral do menor (art. 1º), impõe à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público o dever de assegurar ao menor uma convivência familiar à consideração de sua condição peculiar como pessoa em desenvolvimento. Por isso, é garantido ao menor o direito de participar da vida familiar (art. 16, inciso V) e de “ser criado e educado no seio de sua família”, (art. 19), submetendo-se ao poder familiar do pai e da mãe, exercido em igualdade de condições (art. 21), a quem, conjuntamente, a lei incumbe o dever de sustento, guarda e educação (art. 22)74. Portanto, verifica-se que a guarda compartilhada não se encontrava devidamente regulamentada, que se tratava de uma situação fatídica e não jurídica, mas expressava o acordo dos genitores neste sentido, ou seja, resultava da maturidade daqueles que já formaram um casal, uma família, sendo que tramitava no Congresso Nacional, desde o ano de 2002, um projeto de lei75, de autoria do deputado Tilden Santiago, que sugeria a regulamentação deste instituto e o colocava como primeira opção do magistrado, no momento de decidir a quem caberia a guarda76. Ocorre que, ao final deste trabalho, o instituto da guarda compartilhada foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República, motivo pelo qual, a Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, “altera os arts. 1.583 e 1.584 74 LEVY, Laura Affonso da Costa. O estudo sobre a guarda compartilhada. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/a_2691~p_1~O-estudo-sobre-a-guarda-compartilhada>. Acesso em: 02 mar. 2008. 75 76 Ver texto integral em anexos. Cf. ABATE, Alessandra. Guarda compartilhada. Disponível em: <ttp://www.correiadasilva.com .br/pdf/informativo58.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2008. 22 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada”77. Vistos os aspectos inerentes à tipificação legal do instituto da guarda compartilhada, passa-se ao título subseqüente que tratará dos pontos positivos e negativos desta, para, finalmente, demonstrar-se o seu entendimento perante os tribunais brasileiros. 1.3.2 Dos pontos positivos e negativos da guarda compartilhada A partir das informações fornecidas no decorrer deste capítulo, cabe destaque de que vários doutrinadores trazem à tona pontos positivos e negativos do instituto da guarda compartilhada ou vantagens e desvantagens desta. Inicialmente, ensina Waldyr Grisard Filho que: A guarda compartilhada faz um corte epistemológico nos sistemas vigentes – guarda única, guarda alternada, guarda dividida -, para privilegiar a continuidade da relação da criança com seus dois genitores após o divórcio, responsabilizando a ambos nos cuidados cotidianos relativos à educação e à criação do menor. Aqueles modelos não atendem a essas expectativas e exigências. Não mão inversa, assegura aos filhos o direito a ter dois pais, de forma contínua em suas vidas, sem alteração: fica mantida a ligação emocional com seus dois genitores78. Em face de tal consideração, pode-se elucidar que a guarda compartilhada permite aos genitores a divisão das responsabilidades nas decisões importantes e relacionadas aos filhos e, que, deste modo, ambos os pais possuem participação e influência na vida da criança, o que não ocorreria se somente um deles possuísse a guarda e outro apenas o direito de visita79. 77 BRASIL. Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm>. Acesso em: 17 jun. 2008. 78 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 169. 79 Cf. SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac. Guarda compartilhada. p. 100. 23 Nas lições de Raquel Alcântara de Alencar, as vantagens da guarda compartilhada ou conjunta são bem maiores do que as desvantagens, visto que há uma melhora na auto-estima do filho e em seu rendimento escolar, redução do sentimento de tristeza, aflição, rejeição e do medo de abandono, uma vez que permite o acesso a ambos os pais e sem dificuldades. Auxilia também na inserção de uma nova etapa familiar, de cada um dos genitores, além de possuírem uma convivência isonômica80. Neste sentido, Clovis Brasil Pereira assegura: Várias são as vantagens, ao nosso ver, protagonizadas pela guarda compartilhada, em prol do bem estar dos filhos, e do fortalecimento dos laços de afetividade e confiança entre eles, dentre as quais destacamos: o maior envolvimento do pai no cuidado dos filhos; maior contato dos filhos com os pais, estreitando o relacionamento íntimo entre ambos – pais e filhos aumentando, conseqüentemente, o grau de confiança e cumplicidade entre eles; as mães ficam liberadas em parte da responsabilidade da guarda unitária, que vigora como um primado cultural em nossa sociedade, liberando-a para buscar e perseguir outros objetivos, que não seja apenas o de cuidar dos filhos81. Dentre as diversas vantagens que possui a guarda compartilhada, cita-se a diminuição da dor da perda que a separação entre os genitores causa aos seus filhos, bem como a manutenção do forte e positivo papel dos pais na vida de seus filhos, a impossibilidade da angústia de a criança precisar escolher com quem ficará, após a dissolução da sociedade conjugal e a segurança pelo contato freqüente e direto com os pais82. 80 Cf. ALENCAR, Raquel Alcântara. Guarda compartilhada: a continuidade da relação entre pais e filhos. Disponível: <http://cemir1969.spaces.live.com/blog/cns!6A4DCD78EBBCFFCF!1087 .entry>. Acesso em: 02 mar. 2008. 81 PEREIRA, Clovis Brasil. A guarda compartilhada, como um ato de amor. In: Gazeta Jurídica. Disponível em: < http://www.gazetajuridica.com.br/index.php/2007/07/23/artigo-de-direito-defamilia-2/>. Acesso em 02 mar. 2008. 82 Cf. NEIVA, Deirdre de Aquino. Público participativo assistiu debate sobre guarda dos filhos. Disponível em: <http://br.geocities.com/participais/eventos/debate1.html>. Acesso em: 02 mar. 2008. 24 Dentre os destaques feitos com relação aos pontos negativos da guarda compartilhada, destaca Ana Maria Milano Silva: Quanto às desvantagens, também a questão do surgimento de males psicológicos é um dos principais óbices que se aponta contra a guarda compartilhada, com a alegação de que há necessidade de que a criança tenha estabilidade, ou seja, um lar definido83. Contudo, Waldyr Grisard Filho também elucida que pais em conflito constante, que agem em paralelo e sabotam um ao outro, contaminam o tipo de educação de seus filhos, sendo que, neste caso, os arranjos da guarda compartilhada podem ser bastante lesivos aos filhos84. Ana Maria Milano Silva comenta que: Finalmente, sem dúvida, o maior argumento contrário à guarda compartilhada é o que levanta a questão de que, na prática, a guarda conjunta só funciona quando os pais e mães se entendem. E, dizem seus opositores, não há o que se fazer a fim de que casais traumatizados por longos e dolorosos processos judiciais, de repente, possam conversar amigavelmente sobre os problemas dos filhos. Muitos advogados e magistrados ainda vêem a tese de compartilhamento com desconfiança, pois entendem que esse tipo de guarda dividirá o mundo das crianças, principalmente quando os pais não morrem de amores, mas de ódio um pelo outro85. Como ocorre com qualquer outra espécie de guarda, a guarda compartilhada também é alvo de desvantagens. Em regra, todo o plano de cuidado parental é seguido de problemas adicionais, e, deste modo, o que funciona bem para uma determinada família, poderá ocasionar sérios problemas à outra86. 83 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. p. 165. 84 Cf. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 177. 85 86 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. p. 168. Cf. LEVY, Laura Affonso da Costa. O estudo sobre a guarda compartilhada. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/a_2691~p_1~O-estudo-sobre-a-guarda-compartilhada>. Acesso em: 02 mar. 2008. 25 Em suma, argumenta-se que a guarda compartilhada priva os filhos de uma necessária estabilidade, pois este precisa adaptar-se a duas moradias e, com isto, gerando-lhe problemas práticos ou logísticos. Em contrapartida, os genitores têm maiores custos, precisam estar em constante adaptação, necessitam de emprego flexível e devem permanecer no mesmo local ou cidade, onde vive o grupo familiar87. Isto posto, vistos os pontos positivos e negativos da guarda compartilhada, estuda-se no próximo e último título deste capítulo sobre o entendimento dos tribunais brasileiros quanto ao referido instituto. 1.3.3 Do entendimento dos tribunais brasileiros Com base em pesquisas realizadas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, aplica-se a guarda compartilhada, apenas se houver convivência na mesma cidade, do filho com ambos os genitores, sob pena de prejuízo ao menor, conforme se vê, in verbis: [...] PRETENSÃO À GUARDA COMPARTILHADA OU CONCESSÃO DA GUARDA AO RECORRENTE, COM IMPEDIMENTO DE MUDANÇA DE RESIDÊNCIA (E CIDADE) POR PARTE DA MÃE. INADMISSIBILIDADE NA ESPÉCIE, JÁ QUE A GUARDA COMPARTILHADA PRESSUPÕE CONVIVÊNCIA NA MESMA CIDADE, SOB PENA DE ENORME PREJUÍZO À MENOR, CONSIDERANDO A DISTÂNCIA (450 KM) ENTRE ESTA CAPITAL E A CIDADE ONDE ALEGADAMENTE IRÁ RESIDIR A MÃE. [...]88. Em contrapartida, também decidiu o referido tribunal, que a denominada guarda compartilhada não consiste em tornar o filho um objeto à disposição dos genitores por um semestre, porém uma modalidade harmônica, que ajustada previamente, permite ao filho desfrutar da companhia de ambos os pais, isto é, para que seja concedida, é imprescindível que haja entre os pais uma 87 Cf. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. p. 180. 88 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento n. 70021670724. Sétima Câmara Cível. Rel. Ricardo Raupp Ruschel. j. 21/11/2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 02 mar. 2008. 26 relação harmoniosa sem disputas nem conflitos. Quando o litígio é uma constante entre ambos, a guarda compartilhada é, portanto, descabida89. Corrobora com o primeiro entendimento aqui demonstrado, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir: [...] GUARDA COMPARTILHADA. PLURALIDADE DE DOMICÍLIOS. INEXISTÊNCIA. LOCAL ONDE REGULARMENTE EXERCIDA. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DA MENOR. LEI N. 8.069/1990, ART. 147. PRECEDENTE. I. A guarda, ainda que compartilhada, não induz à existência de mais de um domicílio acaso os pais residam em localidades diferentes, devendo ser observada a prevenção do Juízo que homologou a separação do casal, mediante acordo. II. Preserva os interesses do menor o foro do local onde exercida regularmente a guarda para dirimir os litígios dela decorrentes [...]90. É entendimento predominante do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que a guarda compartilhada deva ser utilizada como um instrumento que garanta uma convivência familiar, assim como de fundamental importância para o desenvolvimento psicológico e social do menor, que conviverá sem restrição com seus pais, devendo a decisão a respeito desta, ficar atenta ao melhor interesse e bem-estar dos filhos de casais que estão se separando91. Portanto, é decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que a guarda compartilhada não seja aplicada em situações qde 89 Cf. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70005760673. Sétima Câmara Cível. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. j. 12/03/2003. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 02 mar. 2008. 90 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência n. 2003/0201570-9. Segunda seção. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. j. 25/08/2004. DJ 06.06.2005, p. 176. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=guarda+e+compartilhada&&b=ACOR&p =true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 02 mar. 2008. 91 Cf. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2001.012993-0, de Laguna. Rel. Des. Carlos Prudêncio. j. 25/03/2003. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra.do?p_id=AAAG5%2FAATAAAADmAAE&p_ uery=guarda+compartilhada&corH=FF0000>. Acesso em 02 mar. 2008. 27 constante alternância de ambiente familiar, visto que gerará para a criança, certa instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu desenvolvimento normal92. Neste jaez, decidiu também o Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe: [...] GUARDA COMPARTILHADA. CONVIVÊNCIA DESARMONIOSA ENTRE OS GENITORES E APEGO DOS MENORES AO PAI - LAUDOS SOCIAL E PSICOLÓGICO DESCABIMENTO. Consoante entendimento assente em nossos Tribunais Pátrios, a GUARDA COMPARTILHADA se mostra recomendável somente quando entre os genitores houver relação pacífica e cordial, hipótese inocorrente nos autos. Presente a litigiosidade entre os pais, não há como se acolher o pedido, impondo-se manter a GUARDA deferida com exclusividade ao genitor [...]93. Diante do aqui exposto, é entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que exercendo os pais a guarda compartilhada do filho, somente poderá haver a mudança desta espécie à outra, quando houver a ocorrência de fato grave, que ameace o bem-estar do menor e de forma a justificar tal tutela de urgência, o que não ocorre caso haja mudanças de residência da requerida, da cidade de Niterói para o Rio de Janeiro, uma vez que reduzida é a distância entre as duas cidades94. Na mesma maneira, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 92 Cf. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2002.013071-6, de Criciúma. Rel. Des. Mazoni Ferreira. j. 28/11/2002. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra.do?p_id=AAAG5%2FAATAAAADVAAF&p_q uery=guarda+compartilhada&corH=FF0000>. Acesso em 02 mar. 2008. 93 SERGIPE. Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe. Apelação cível n. 2007204406. Rel. Des. José Alves Neto. j. 16/07/2007. Disponível em: <http://www.tj.se.gov.br/tjnet/jurisprudencia/relatorio.wsp?tmp_numprocesso=2007204406&tmp_n umAcordao=20074878>. Acesso em 02 mar. 2008. 94 Cf. RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento n. 2008.002.04212. Décima Sexta Câmara Cível. Rel. Des. Mario Robert Mannheimer. j. 26/02/2008. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/scripts/weblink.mgw?MGWLPN=JURIS&LAB=XJRPxWEB&PGM=WEBJRP IMP&FLAGCONTA=1&JOB=9343&PROCESSO=200800204212>. Acesso em 02 mar. 2008. 28 GUARDA DE MENOR - Decisão agravada que suspendeu o direito da mãe de ter seu filho nos dias estipulados no compartilhamento da guarda - Psicóloga que denuncia estar o menor sofrendo surras, falta de cuidados, bem como desabonando a conduta da mãe - Relatório subscrito por profissional sem compromisso judicial - Prova unilateral - Fase processual que autoriza a valoração pelo Juiz de relatório assinado por profissional, que responderá nas esferas civil, penal e administrativa caso fraude a verdade - Elementos dos autos que recomenda, no momento, a suspensão do regime de guarda compartilhada - Fatos narrados pelo agravado que, se verdadeiros, poderão comprometer de modo irremediável a incolumidade física e emocional da criança - Prevalência do melhor interesse da criança - Alteração do regime de visitas, permitindo à mãe, até que se esclareça a situação, visitar o filho aos domingos, nas 9:00 às 18:00 horas - Necessidade de imediata realização do estudo interdisciplinar, com psicólogo e assistente social- Recurso provido em parte, com observação95. Portanto, vistos os variados entendimentos dos tribunais brasileiros acerca da guarda compartilhada, pode-se identificar com clareza, que esta, busca primordialmente o bem-estar social e psicológico do menor, sempre atendendo ao princípio do melhor interesse da criança, motivo pelo qual, proporciona uma maior gama de vantagens do que desvantagens, podendo ser concedida aos genitores que residem próximos e desejam conviver em harmonia e respeito e em benfeitoria à prole. Isto posto, após um estudo acerca da responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, passa-se ao capítulo seguinte, que abordará sobre a sociedade familiar. 95 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de instrumento n. 469.911.4/3-00, Valinhos. Rel. Des. Francisco Loureiro. j. 15/02/2007. Disponível em: <http://cjo.tj.sp.gov.br/juris/getArquivo.do?caminho=//10.33.192.138/JUR-ACORDAOS/Antigos /PD F/TJ/2007/FEVEREIRO/28022007/01228838>. Acesso em 02 mar. 2008. 29 CAPÍTULO 2 DA SOCIEDADE FAMILIAR 2.1 DA ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE FAMILIAR Neste capítulo, abordar-se-á sobre a sociedade familiar e sua administração, bem como sobre o estado de filho, seu reconhecimento e formas, para, posteriormente, tratar-se da adoção, bem como da igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, e, ao final, demonstrar as conseqüências da divergência dos pais em relação aos filhos. Antes adentrar ao título em tela, qual seja, da administração da sociedade familiar, mister se faz destacar que dentre as sociedades familiares ou famílias propriamente ditas, no direito, podem ser estas classificadas em duas modalidades: as famílias constitucionais e as não constitucionais96. As famílias constitucionais, como a própria denominação indica, são as previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, e são três: a) a instituída pelo casamento; b) pela união estável entre homem e mulher; e, c) a família monoparental. As famílias não constitucionais são as demais e não lembradas pelo constituinte, como, por exemplo, as provenientes de parcerias entre pessoas do mesmo sexo e as famílias não-monogâmicas97. Sendo assim, verifica-se que em cada uma destas famílias haverá direitos e deveres pertinentes aos cônjuges ou companheiros e que conforme disciplina o artigo 226, § 5º, da Constituição da República Federativa do 96 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 15. 97 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 15. 30 Brasil de 1988: “[...] os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”98. Desta maneira, com relação à família instituída através do casamento, dispõem os artigos 1.565, § 2º e 1.56699. Partindo destes pressupostos iniciais, são obrigações de ambos os cônjuges na administração da sociedade familiar, alguns deveres recíprocos que correspondem às regras básicas de ordem social, ética, psicológica, moral e econômica, que buscam a estabilidade e o sucesso da organização familiar100. Ao analisar os incisos referentes do artigo 1.566, do Código Civil, disserta Silvio Luís Ferreira da Rocha: O art. 1.566, I, do novo CC refere-se inicialmente ao dever pessoal e recíproco de fidelidade. Tradicionalmente, a fidelidade é a expressão da exigência monogâmica do relacionamento entre os cônjuges. O casamento proíbe os cônjuges de terem relações sexuais com pessoa diversa do outro cônjuge. Atualmente, ganha relevo uma outra dimensão do dever de fidelidade. Ser fiel não se trata, apenas, de assegurar exclusividade ao outro nas relações sexuais, mas em dedicar-se ao outro, física e espiritualmente, de maneira exclusiva e sincera101. Neste diapasão, observa-se que o Código Civil não define o que seja a fidelidade recíproca, mas a doutrina e jurisprudência sempre a 98 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 15 out. 2007. 99 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 15 out. 2007. “Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. [...]. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos”. 100 Cf. SOARES, Orlando. Direito de família: de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 272. 101 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 96. 31 conceituaram como sendo o dever de abster-se, cada cônjuge, de praticar relações sexuais com terceiro. Atualmente, com a previsão legal de igualdade entre os consortes, a fidelidade recíproca ganha uma conotação mais ampla e envolve também os aspectos espirituais102, como susomencionado. No tocante ao inciso II, do artigo 1.566, do Código Civil, dizse que “quem casa assume a obrigação de viver com o cônjuge. Para que o casamento realmente estabeleça a comunhão plena de vida entre os cônjuges, como quer a lei [...], é necessário que eles a comunguem”103. Este inciso estabelece o dever de coabitação, que apesar dos comentários mencionados, não é um dever absoluto, podendo haver alguns casos em que não seja possível a moradia sob o mesmo teto, como, por exemplo, a prisão de um dos cônjuges104. Entretanto, com relação ao dever de mútua assistência, previsto no inciso III, do artigo 1.566, do Código Civil, salienta-se que é o terceiro dever decorrente do casamento, que se funda em sentimento ético de solidariedade dos cônjuges, em prestar um ao outro o auxílio material e moral que são indispensáveis na constância do casamento. Deste dever decorrem, então, o dever dos consortes de amarem-se, respeitarem-se, auxiliarem-se mutuamente, de ampararem-se na vida, de unirem-se em um bom entendimento e de lutarem conjuntamente pela felicidade familiar105. Sobre o quarto dever, qual seja, o relativo ao sustento, guarda e educação dos filhos, afirmar-se que é acima de tudo, um dever constitucional e não apenas um dever que provém da celebração do casamento e o conseqüente nascimento dos filhos106, posto que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seus artigos 227, caput e 229: 102 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 128. 103 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 51. 104 Cf. CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família. 2. ed. 2. tir. totalmente atualizada de acordo com o novo Código Civil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 108-109. 105 106 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 100. Cf. ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. São Paulo: Harbra, 2004. p. 55. 32 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...]. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade107. Disciplina também o Código Civil, em seu artigo 1.568, quanto ao exposto, que “os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial”108. Quanto ao último dever elencado no artigo 1.566, do Código Civil, isto é, o dever de respeito e considerações mútuos, vale frisar que é aquele fundado na base para a felicidade do casal e que se fundamenta na dignidade da pessoa humana. Nele, proíbem-se, os maus-tratos, as humilhações, os cerceios à liberdade de ir e vir e a intimidade de cada consorte109. No entanto, além destes deveres pessoais referentes à administração da sociedade familiar, insta salientar, ainda, disposição relativa aos artigos 1.567, caput e 1.642, do Código Civil, in verbis: Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. [...]. Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: 107 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 16 out. 2007. 108 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 out. 2007. 109 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 101. 33 I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecidas no inciso I do art. 1.647; II - administrar os bens próprios; III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647; V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente110. A teor do artigo 1.642, do Código Civil, compete a cada um dos cônjuges, durante a constância do casamento, administrar os bens comuns e determinados bens particulares, em virtude do regime matrimonial adotado ou de pacto antenupcial, cabendo-lhes gerir o patrimônio comum do casal, bem como os incomunicáveis111. Contudo, tanto o marido quanto a mulher passaram a ter a obrigação de velar pela direção material da família, conforme preceitua o artigo 1.565, do Código Civil, motivo pelo qual, o consorte, se o regime matrimonial não for o da separação de bens, pode praticar os atos de mera administração, excluindo-se apenas os relativos à alienação e disposição de bens imóveis112. 110 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 out. 2007. 111 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 202-203. 112 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 203-204. 34 Ademais, vale ressaltar que em relação à preservação do patrimônio familiar e as restrições à liberdade de ação dos cônjuges, dispõe o artigo 1.647, do Código Civil113. Além destas normas descritas no Código Civil, vale destacar que a Lei nº 8.009/90, que instituiu o bem de família legal ou involuntário, estabelece que com a finalidade de preservar o patrimônio da sociedade familiar, a impenhorabilidade, não apenas do único imóvel rural ou urbano da família e destinado à moradia permanente, excluindo as casas de campo ou praia, mas abrangendo a plantação, construção, benfeitorias, bem como equipamentos de uso profissional e os móveis que o guarnecem, desde que devidamente quitados114. Vistas as peculiaridades inerentes à administração da sociedade familiar advinda com o casamento e seus fundamentos legais e doutrinários sobre os deveres pessoais e patrimoniais dos cônjuges, salienta-se com relação à união estável que “[...] a exemplo do matrimônio, gera efeitos pessoais e efeitos patrimoniais”115. Tatiana Moschetta Assef aduz que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência recíprocos; e de guarda, sustento e educação dos filhos”116. Neste sentido, Rodrigo da Cunha Pereira elucida: O casamento foi, é e parece que continuará sendo, na cultura ocidental, o mais forte paradigma de constituição de família. Em razão disso, tudo que se regulamenta sobre união estável tem o 113 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 out. 2007. “[...] Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada”. 114 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 215-2166 115 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 146. 116 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 130. 35 casamento como referência. Os deveres pessoais entre os companheiros, como lealdade, respeito e assistência são os mesmos estabelecidos para os cônjuges, à exceção da coabitação. [...]117. Outrossim, verificando-se que os deveres pessoais relativos à administração da sociedade familiar são basicamente os mesmos entre o casamento e a união estável, excluindo-se apenas o da coabitação, como anteriormente suscitado, em relação aos bens demonstra-se: [...], prevalecerá o que os conviventes tiverem convencionado no contrato de convivência (CC, art. 1.725). Se tiverem, por exemplo, concordado em que cada um continuaria com seu próprio patrimônio, dividindo-se apenas as despesas em certa proporção, no fim da união estável, nenhum deles pode reclamar qualquer participação nos bens adquiridos pelo outro durante a convivência. A menos, é claro, que prove ter concorrido com seus recursos para a aquisição, cabendo-lhe, nesse caso, a participação proporcional à sua contribuição. Se nada constarem a respeito dos bens, aplica-se às relações patrimoniais entre os companheiros o regime da separação parcial (CC, art. 1.725, in fine). [...]118. Então, subentende-se que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou ambos os companheiros na constância da união estável pertencem a ambos. Existindo a união estável, os bens adquiridos pelo convivente durante a sua vigência devem ser partilhados igualmente, independentemente de prova para contribuição de sua aquisição, pois o fundamento da partilha de bens não é mais esta contribuição para construção do patrimônio, porém a comunhão de interesses presentes na união estável119. Assim sendo, demonstrados também os aspectos inerentes aos efeitos pessoais e patrimoniais da união estável com relação à administração da sociedade familiar, cumpre destacar sobre a família monoparental, que é a 117 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. 4. ed. 2. tir. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 229. 118 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 128-129. 119 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 147. 36 terceira modalidade de família constitucional. Prevista no § 4º, do artigo 226, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “[...] entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”120. Explica Fábio Ulhoa Coelho que esta “[...] é a constituída por homem ou mulher, não vinculado conjugalmente a ninguém (solteiro, separado, divorciado, viúvo etc.), e seus descendentes (naturais ou civis) [...]”121. Destarte, vistos os aspectos norteadores da administração da sociedade familiar com relação às famílias constitucionais, quais sejam, a família instituída através do casamento, da união estável e a monoparental, e, demonstrando-se os efeitos pessoais e patrimoniais decorridos destas, passa-se ao tópico subseqüente que tratará do estado de filho, do reconhecimento dos filhos e das formas de reconhecimento. 2.2 DO ESTADO DE FILHO Neste tópico abordar-se-á sobre o reconhecimento dos filhos, bem como sobre as formas de reconhecimento e os aspectos legais e doutrinários pertinentes ao registro da filiação. 2.2.1 Do reconhecimento dos filhos Sobre o reconhecimento dos filhos, insta salientar que é ato correlacionado à filiação biológica e que não pode ter por objeto a instituição de uma filiação adotiva ou sócio-afetiva. Sua finalidade é a de conferir o registro de nascimento do filho com a verdade biológica de sua concepção, seja por parte da mãe ou do pai e eliminada a hipótese de filiação por substituição122. Para Maria Helena Diniz, o reconhecimento provém de declaração de filiação havida fora do casamento e estabelece juridicamente o 120 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 18 out. 2007. 121 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 134. 122 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 171. 37 parentesco entre pai e mãe e seu respectivo filho. Não cria a paternidade, mas visa a declaração de um fato que gera conseqüências de direito. Aliás, é ato declaratório e não constitutivo, pois estabelece a relação dos genitores e a prole, bem como origina efeitos jurídicos desde o instante do reconhecimento válido123. Tatiana Moschetta Assef assinala que, como os filhos havidos na constância da sociedade conjugal presumem-se advindos das relações sexuais do casal, normalmente, o reconhecimento de filiação provém de relações extramatrimoniais. Porém, nem sempre assim ocorre, visto que pode ser a legitimidade do filho contestada durante o casamento ou união estável124. Eduardo de Oliveira Leite também esclarece que: A matéria de reconhecimento dos filhos (ilegítimos), de fundamental importância antes do advento da Constituição de 1988, perdeu muito de seu interesse após a promulgação daquela Carta constitucional e da legislação ordinária que alterou profundamente a matéria de filiação. O disposto no art. 227, § 6.º da C.F. estabelecendo a igualdade na filiação e permitindo o registro a qualquer tempo dos filhos havidos fora do casamento esvaziou o significado daquele capítulo no Código Civil. [...]. Atualmente, o nascimento de um filho durante ou fora do casamento tornou-se irrelevante, já que o dispositivo constitucional proibiu qualquer referência no registro de casamento125. Todavia, apesar destas significantes modificações, disciplina o Código Civil em seus artigos 1.607 a 1.617, com relação ao reconhecimento dos filhos, que é ato voluntário, pessoal, que pressupõe a inexistência de registro de nascimento que atribua a paternidade a uma outra pessoa, sendo, também, 123 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 445. 124 Cf. ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 74. 125 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 227-228. 38 considerado ato irrevogável e incondicional126, conforme preceituam os artigos 1.610 e 1.613, in verbis: Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento. Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho127. Dispõe também o artigo 1.607, do mesmo diploma legal, que “[...] o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”128. Outrossim, segundo o artigo 1.608, do Código Civil “a maternidade constante do termo de nascimento do filho somente a mãe poderá contestá-la, provando a falsidade do termo ou das declarações nele contidas”129. Assim sendo, ensina Silvio Rodrigues: Na verdade, o que juridicamente estabelece o parentesco entre pai, mãe e o filho assim concebido é o reconhecimento. Este ato, espontâneo ou forçado, é que, criando a relação de parentesco entre pais e filhos, gera toda uma série de conseqüências na órbita do direito. Antes do reconhecimento não há, em rigor, parentesco, dentro da esfera do direito. Desde o momento do reconhecimento válido, a filiação fica proclamada, dela defluindo os efeitos permitidos na lei130. No entanto, “de acordo com o disposto no art. 1.611 do Código Civil de 2002, o filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos 126 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 153. 127 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 20 out. 2007. 128 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 20 out. 2007. 129 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 74. 130 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 346. 39 cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro”131, assim como: Art. 1.612. O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor. [...]. Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação. [...] Art. 1.617. A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo sem as condições do putativo. [...]132. Diante do exposto, após breve elucidação quanto ao reconhecimento da filiação, passa-se ao tópico subseqüente que tratará das formas de reconhecimento dos filhos. 2.2.1.1 Das formas de reconhecimento Neste título, como susomencionado, serão destacadas as duas formas de reconhecimento dos filhos, sendo importante salientar, que estas, se dividirão em: a) reconhecimento voluntário ou espontâneo; e, b) reconhecimento judicial. 2.2.1.1.1 Reconhecimento voluntário ou espontâneo Explica Fábio Ulhoa Coelho, que só se reconhecem, voluntariamente, os filhos havidos fora do matrimônio, pois os nascidos de mulher casada, durante o casamento, têm sempre pai, que é o seu cônjuge. Neste caso, a paternidade poderá ser contestada se não houver fundamento genético para o 131 SOARES, Orlando. Direito de família: de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. p. 458. 132 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 20 out. 2007. 40 pedido, motivo pelo qual, tanto a iniciativa quanto o ônus da prova caberá ao marido da mãe133. Silvio Rodrigues corrobora dizendo que o reconhecimento voluntário ou espontâneo é ato solene e público que alguém, de acordo com a lei, declara que certa pessoa é seu filho. Este tipo de reconhecimento, se a filiação originou fora do casamento, compete ao pai ou a mãe. Porém, dadas estas circunstâncias, que, normalmente, fazem certa a maternidade, raramente a mãe foge do reconhecimento do filho, dada a ocasião da abertura de seu assento de nascimento134. Eduardo de Oliveira Leite, também declara: De acordo com o art. 1.º da Lei 8.560/1992 (Lei da Averiguação Oficiosa de Paternidade), o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento pode ser feito de 4 (quatro) formas, atualmente reproduzidas no art. 1.609 do novo Código Civil. São elas: 1. no registro de nascimento; 2. por escritura ou escrito particular (a ser arquivado em cartório); 3. por testamento (ainda que incidentalmente manifestado); 4. por manifestação direta e expressa perante o juiz, (ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém)135. O reconhecimento feito no registro de nascimento é a modalidade mais comum136, pois o pai ou procurador munido de poderes especiais, comparece frente ao oficial do Registro Público e presta informações 133 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 172. 134 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 347. 135 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 228-229. 136 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 349. 41 sobre a descendência do registrado, assinando o termo na presença de testemunhas137. Por derradeiro, explica Sílvio de Salvo Venosa sobre o reconhecimento através de escritura pública ou escrito particular: O reconhecimento formalizado em escritura pública para esse fim é irretratável. Não se exige, no entanto, que a escritura tenha o fim precípuo da perfilhação. Esse reconhecimento pode ser incidente em qualquer ato notarial idôneo, como, por exemplo, em uma escritura de doação. O que se requer é que a declaração seja explícita e inequívoca. O escrito particular pode redundar em expresso reconhecimento. Pode ser formalizado em uma simples declaração ou missiva, por exemplo, mas com a finalidade precípua de reconhecimento. É evidente que o escrito particular, menos formal, fica mais sujeito às vicissitudes da dúvida e da anulabilidade. O escrito particular, ou o início de prova escrita, sempre foi admitido, porém, como adminículo para a ação de investigação de paternidade. [...]138. “A terceira forma de reconhecimento é manifestada mediante testamento, ou ato de última vontade, mesmo que não dirigido particularmente para aquela finalidade”139. Vale como reconhecimento voluntário e é irrevogável. Por isso, quando o testador indica determinada pessoa como seu filho, este assume a condição de herdeiro e herda a legítima140. Dar-se-á o reconhecimento através de testamento cerrado, público ou particular, mesmo que, incidentalmente manifestado, como também por testamento especial. Mesmo que nulo ou revogado, o reconhecimento nele encontrado vale de per si, inclusive se tratar-se de simples menção incidental à filiação, a menos que provenha de fato que justifique sua nulidade, como, por exemplo, por demência do testador141. 137 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 453. 138 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 261-262. 139 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 439. 140 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 229. 141 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 456. 42 Por fim, elucida Arnaldo Rizzardo: A quarta modalidade consiste na manifestação direta e expressa feita normalmente pelo pai perante o juiz, mesmo que em ação não dirigida especificamente para obter o reconhecimento. Assim acontece nas ações de alimentos, onde o acionado expressamente admite a paternidade. Não importa que a finalidade objetivada não se dirigia ao reconhecimento. Com a admissão externada na declaração (depoimento pessoal, ou petição assinada pelo pai), providencia-se o registro, o que é viável através de mandado expedido pelo juiz, ou ofício, e até por requerimento da própria parte, mas com o deferimento do juiz142. Sendo assim, a quarta modalidade é aquela inicialmente prevista no artigo 2º, § 3º, da Lei nº 8.560/1992, que migrou para o artigo 1.609, IV, do atual Código Civil e que dispõe sobre a manifestação inequívoca de que o manifestante é o pai, e, na qual, o juiz a reduzirá a termo e encaminhará certidão para averbação no registro de nascimento do filho143. Demonstrado o conceito, peculiaridades e modalidades referentes ao reconhecimento voluntário, passa-se ao título seguinte que abordará sobre os aspectos do reconhecimento judicial ou proveniente de condenação em ação de investigação de paternidade. 2.2.1.1.2 Reconhecimento judicial Inicialmente, explica Maria Helena Diniz que: O reconhecimento judicial de filho resulta de sentença proferida em ação intentada para esse fim, pelo filho, tendo, portanto, caráter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continuá-la. A investigação pode ser ajuizada contra o pai ou a mãe ou contra os dois, desde que se observem os pressupostos legais de admissibilidade de ação, considerados como pressupostos de fato144. 142 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 440. 143 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 230. 144 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 456. 43 Todavia, Silvio Luís Ferreira da Rocha ensina que não havendo o reconhecimento voluntário ou espontâneo de paternidade, o filho não reconhecido pode ajuizar ação de investigação de paternidade, com natureza constitutiva, que uma vez julgada procedente, ocasionará a atribuição de paternidade ao réu145. Esta ação de investigação de paternidade é a que cabe aos filhos em face dos seus pais ou herdeiros, para demandar-lhes o reconhecimento da filiação146, isto é, o filho poderá propor contra a genitora ou genitor a referida ação, sempre que pretenda ver retratado no assento civil a verdade biológica da sua concepção147. Observa Tatiana Moschetta Assef que: A ação de investigação de paternidade corresponde a um processo contencioso que se desenvolve segundo o rito ordinário e que, por se tratar de uma ação de estado da pessoa, requer a intervenção do Ministério Público, nos moldes do art. 82, II, do Código de Processo Civil brasileiro148. “Esta ação tem como causa de pedir a união estável da mãe com o pretenso pai, a ocorrência de relações sexuais da mãe com o pretenso pai ou a confissão escrita do pai"149. Insta observar que só não possui direito à ação de investigação de paternidade o filho havido dentro do casamento ou de união estável, por meio de fertilização assistida heteróloga, uma vez que a dissociação entre o registro de nascimento e a verdade biológica é juridicamente incontornável150. 145 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 154. 146 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 269. 147 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 174. 148 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 76. 149 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 154. 150 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 174. 44 Outrora, quanto à imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade, insta salientar, que é empregada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica abaixo: CIVIL - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E ALTERAÇÃO DE REGISTRO - AJUIZAMENTO APÓS A MAIORIDADE PRESCRIÇÃO - INEXISTÊNCIA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RECONHECE A IMPRESCRITIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL - PRETENDIDA REFORMA - IMPROVIMENTO. É imprescritível a ação de investigação de paternidade e alteração de registro de nascimento, mesmo na hipótese de vencido o prazo de 4 (quatro) anos, após a maioridade. Merece realce o entendimento segundo o qual "a ação de investigação de paternidade é imprescritível. O tempo não pode impedir nenhuma pessoa humana de buscar o seu verdadeiro pai. E o sistema de direito positivo que nasceu com a Constituição de 1988 consagrou, sem dúvida, esse postulado de ordem pública" (cf. Resp nº 158.086-MS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 28/08/2000). Iterativos precedentes. - Agravo improvido151. Assim, depois de ajuizada a mencionada ação, o suposto pai que é réu nesta, poderá alegar em sua defesa, a negativa de ocorrência do fato afirmado pelo autor da inicial, ou mesmo, alegar a inautenticidade do escrito ou exceção de pluralidade de relações sexuais da mãe com homens diferentes, durante os primeiros cento e vinte dias, dos trezentos que antecederam o nascimento152. Elucida Maria Helena Diniz que: Nesta ação, bastante difícil é a questão das provas da filiação, porque as relações sexuais são, na maior parte dos casos, impossíveis de ser comprovadas, devendo-se, então, contar com indícios e presunções mais ou menos certos e seguros [...], e, principalmente, com o exame de DNA. 151 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no Recurso Especial nº 2001/0182845-5, Quarta Turma, Min. Rel. Hélio Quaglia Barbosa. j. 21/09/2006. DJ 13.11.2006, p. 263. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=imprescritibilidade+e +a%E7%E3o+e+investiga%E7%E3o+e+paternidade&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 25 out. 2007. 152 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 154. 45 Se o DNA é a solução mais avançada para identificar a paternidade, com um grau de certeza quase que absoluto, não há como prosperar a presunção pater est quem nuptiae demonstrat, substituindo a verdade real pela ficta153. Complementa-se, ainda, que poderão ser produzidas provas testemunhais, documentais ou periciais e que se destacam dentre as perícias, os exames hematológicos e o DNA. O primeiro afasta a paternidade, conquanto o segundo e último estabelece com um absoluto grau de certeza da paternidade, porque a probabilidade de duas pessoas terem o mesmo padrão genético é de uma em trinta bilhões de pessoas, vez que na Terra existem apenas três bilhões de habitantes154. Desta forma, Fábio Ulhoa Coelho comenta: A sentença que julgar procedente a ação investigatória pode determinar, se isso for do interesse do menor, que seja criado e educado fora da companhia dos pais ou daquele que resistiu a reconhecer-lhe a paternidade ou maternidade (CC, art. 1.616)155. Com certeza, não reúne, em princípio, plenas condições para desincumbir-se com amor das árduas tarefas à função de pai ou mãe aquela pessoa que ostensivamente não deseja o autor da demanda como seu filho156. Diante do exposto, apesar de o réu não ser obrigado a permitir que o seu material genético seja periciado e devendo arcar com o ônus dessa atitude, permite-se, ao magistrado, julgar a ação procedente se outras provas forem favoráveis ao autor da demanda. Portanto, a sentença de procedência atribui a paternidade ou maternidade do autor ao réu, motivo pelo 153 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 464-465. 154 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 154. 155 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 25 out. 2007. “[...] A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade”. 156 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 175. 46 qual, a sentença deve estipular alimentos devidos ao filho, e produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento157. Assim, arrazoados os conceitos e fundamentos pertinentes ao reconhecimento judicial de paternidade ou maternidade, passa-se ao título a seguir, que esboçará algumas considerações sobre o instituto da adoção. 2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOÇÃO Inicialmente, pode-se denominar o instituto da adoção como um ato civil solene, no qual, determinada pessoa, aceita um estranho na qualidade de seu filho, através de algumas formalidades legais158. Fábio Ulhoa Coelho aduz que: A adoção é processo judicial que importa a substituição da filiação de uma pessoa (adotado), tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal (adotantes). Ela está regida, no direito civil brasileiro, pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), quando o adotado tem até 12 anos de idade incompletos (criança) ou entre 12 e 18 anos de idade (adolescente). Sendo maior de 18 anos o adotado, a adoção regese pelo Código Civil de 2002 (arts. 1.618 a 1.628). Esse diploma, por conter normas de caráter geral, não revogou o ECA, lei especial para a infância e adolescência [...]. Também são aplicáveis as disposições específicas do ECA na adoção feita por residente ou domiciliada no exterior, mesmo que o adotado não seja criança ou adolescente (CC, art. 1.629)159. Para Válter Kenji Ishida, a adoção visa a preservação da continuidade de uma família, foi disciplinada no Brasil com o Decreto nº 181, de 1890 ou Estatuto da Criança e do Adolescente e é ato pelo qual traz-se uma 157 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 155. 158 Cf. SOARES, Orlando. Direito de família: de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. p. 463. 159 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 162. 47 pessoa estranha a certa família, mediante ficção jurídica e na qualidade de filho160. Orlando Gomes a define como sendo: Ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriação, o vínculo de filiação. Trata-se de uma ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, de laço de parentesco do primeiro grau em linha reta161. De seu turno, Silvio Luís Ferreira da Rocha conceitua a adoção explicando que é através dela que o adotado é fictamente considerado para todos os fins legais, sem nenhuma exceção, como filho dos adotantes. Ela desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais e parentes biológicos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais162. Esta é a definição do artigo 41, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente163, repetida pelo artigo 1.626, do Código Civil164. Visto o conceito deste instituto que sofreu grandes transformações, mesmo antes da promulgação da Constituição da República Federativa de 1988165, verifica-se que a adoção será feita através de processo judicial, uma vez comprovado o cumprimento dos requisitos necessários para a sua concessão, tais como: 160 Cf. ISHIDA, Válter Kenji. Direito de família e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. p. 234. 161 GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. 3. tir. Rio de Janeiro: 2002. p. 36. 162 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Introdução ao direito de família. p. 156. 163 Cf. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 27 out. 2007. “Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. [...]”. 164 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 27 out. 2007. “Art. 1.626. A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento. Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes”. 165 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 531. 48 [...]. a. idade mínima para adotar – somente as pessoas maiores de 18 (dezoito) anos é que poderão adotar [...]. b. diferença mínima de idade entre o adotante e o adotado – o adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho do que o adotando; c. consentimento das partes – a adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar e da concordância deste, se contar com mais de 12 (doze) anos. [...]. d. intervenção judicial – [...] a adoção somente será deferida mediante processo judicial, observando-se o cumprimento dos requisitos exigidos para o ato, [...]166. Para tanto, após verificar-se o conceito e requisitos da adoção, bem como aspectos inerentes às legislações que a norteiam, pode-se afirmar também que esta possui efeitos pessoais e patrimoniais. Maria Helena Diniz disserta que os efeitos pessoais decorrentes da adoção são: [...]. 1) Rompimento automático do vínculo de parentesco com a família de origem [...]. 2) Estabelecimento de verdadeiros laços de parentesco civil entre o adotado e o adotante [...]. 3) Transferência definitiva e de pleno direito do poder familiar para o adotante, se o adotado for menor [...]. 4) Liberdade razoável em relação à formação do nome patronímico do adotado [...]. 5) Possibilidade do adotante de promoção da interdição e inabilitação do pai ou mãe adotiva pelo adotado ou vice-versa [...]. 6) Inclusão do adotante e do adotado entre os destinatários da proibição de serem testemunhas e entre aqueles com relação aos quais o juiz tem impedimentos. 166 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 78-79. 49 7) Determinação do domicílio do adotado menor de idade [...]167. Por conseguinte, sobre os efeitos patrimoniais, assinala-se, que se têm àqueles relativos ao direito de família e das sucessões. Portanto, o adotante terá a obrigação de sustentar o adotado e de prestar-lhe alimentos, após o trânsito em julgado da sentença, salvo se o adotante falecer no curso do procedimento, caso em que esta terá força retroativa à data do óbito168. Complementa Maria Helena Diniz, que além dos efeitos mencionados acima, são efeitos jurídicos patrimoniais decorrentes da adoção: [...]. a) Direito do adotante de administração e usufruto dos bens do adotado menor [...]. b) Obrigação do adotante de sustentar o adotado enquanto durar o poder familiar ( CC, art. 1.634). c) Dever do adotante de prestar alimentos ao adotado [...]. d) Direito à indenização do filho adotivo por acidente de trabalho do adotante, para fins de sub-rogação do seguro, em matéria de responsabilidade por fato ilícito. e) Responsabilidade civil do adotante pelos atos cometidos pelo adotado, menor de idade (CC, arts. 932, I, 933 e 934). f) Direito sucessório do adotado [...]. g) Reciprocidade nos efeitos sucessórios [...]. h) Filho adotivo não está compreendido na exceção do Código Civil, art. 1.799, I, que confere à prole eventual de pessoas designadas pelo testador [...]. i) Rompimento de testamento se sobreviver filho adotivo [...]. j) Direito do adotado de recolher bens deixados pelo fiduciário [...]. l) Superveniência de filho adotivo pode revogar doações feitas pelo adotante [...]. 167 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 494-496. 168 Cf. ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de família e das sucessões. p. 80. 50 m) Possibilidade de o adotado propor ação de investigação de paternidade para obter o reconhecimento de sua verdadeira filiação [...]. 169. Após breves considerações conforme a legislação e doutrina acerca do instituto da adoção, veja-se no título a seguir, um estudo sobre a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, para, ao fim, demonstrarse as conseqüências decorrentes da divergência dos pais em relação aos filhos. 2.4 DA IGUALDADE CONSTITUCIONAL DOS GENITORES PERANTE OS FILHOS Sobre a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, salienta-se que foi estabelecida no artigo 226, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no artigo 1.567, caput, do atual Código Civil. Partindo destes pressupostos iniciais, pode-se afirmar que a igualdade de direitos e deveres referentes à sociedade conjugal partiu de uma igualização, em virtude da qual originou a isonomia entre marido e mulher, implicando-se uma igual obrigação de sustento dos filhos170. Carlos Dias Motta aponta que: O sistema patriarcal de família, de domínio do homem sobre a mulher sofreu o impacto da realidade cambiante, com a integração da mulher no mercado de trabalho, desempenhando atividade semelhante à do homem. Cedeu lugar à família corporativa, na qual o marido e mulher, ou companheiro e companheira, tomam as decisões domésticas em conjunto171. Menciona Silvio Rodrigues, que apesar de o Código Civil de 1916, conferir a chefia da sociedade conjugal ao homem, pela leitura da 169 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 2007. p. 497-499. 170 Cf. SOARES, Orlando. Direito de família: de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. p. 273. 171 MOTTA, Carlos Dias. Direito matrimonial e seus princípios jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 295. 51 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e conseqüente alteração do Código Civil, a chefia da sociedade conjugal, é, atualmente, de ambos os cônjuges, pois participam de todos os direitos e arcam com todas as obrigações dentro do lar172. Ao vislumbrar a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, Euclides Benedito de Oliveira observa, ainda, que: O dispositivo constitucional menciona exercício de direitos e deveres "referentes à sociedade conjugal", assim delimitando sua aplicação aos casados. Não obstante, conjugando-se com o princípio geral da igualdade consagrado no art. 5º da Constituição, a norma do art. 226, § 5º mostra-se extensiva ao tratamento que da mesma forma se há de dispensar ao homem e à mulher em outros planos da relação familiar, especialmente na união estável, excluindo qualquer espécie de discriminação. Não importa a origem, a raça, idade, sexo ou a forma pela qual se enquadre em um núcleo de convivência, a pessoa terá direito, sempre e sem nenhuma ressalva, a igual tratamento dentro da ordem jurídicosocial173. Assim sendo, destaca-se que o Brasil tardou ao reconhecer expressamente a igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher e que a redação do Código Civil de 2002, é superior à redação inserida no dispositivo constitucional que versa sobre o princípio da paridade entre os cônjuges, posto que não permite a indevida diferenciação entre a titularidade e o exercício de direito quanto aos homens e mulheres no casamento174. Fazendo-se uma breve análise sobre o que foi dito até aqui sobre o tema em tela: [...] o novo Código Civil ao conferir à esposa o direito de decidir conjuntamente com o marido sobre as questões essenciais de interesse familiar, substitui o poder decisório do marido pela 172 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 139. 173 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Igualdade de direitos do marido e da mulher. In: Pai legal. Net. Disponível em: <http://www.pailegal.net/forum/viewtopic.php?p=19834&sid=a23929ebd5a051 4ee1535a9e68bb4ef2>. Acesso em: 01 nov. 2007. 174 Cf. MOTTA, Carlos Dias. Direito matrimonial e seus princípios jurídicos. p. 299. 52 autoridade conjunta dos cônjuges, e instaura efetivamente a isonomia conjugal tanto nos direitos e deveres do marido e da mulher, como no exercício desses direitos175. Diante de uma breve elucidação sobre a igualdade constitucional dos genitores perante seus filhos, verifica-se que não há mais uma obrigação do marido sustentar sua mulher, porém continua existindo o dever recíproco de sustento, guarda e educação dos filhos e de mútua assistência176, visto que o princípio da igualdade entre os cônjuges visa primordialmente a igualdade de condições entre eles, bem como uma ponderação com outros princípios jurídicos de direito matrimonial177. Vistos, então, os aspectos inerentes à igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, analisa-se o último subtítulo do presente capítulo, que tratará da divergência dos pais em relação aos filhos. 2.4.1 Da divergência dos pais em relação aos filhos Uma vez que ambos os cônjuges ou companheiros possuem igualdade de direitos e deveres perante seus filhos e conforme se observou no título anterior, pergunta-se: e se ambos os genitores divergirem com relação a educação e sustento dos filhos? O que há de se fazer? Disciplinam, respectivamente, os artigos 1.567, parágrafo único e 1.631, parágrafo único, do Código Civil e o artigo 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 1.567. [...]. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses. 175 CABRAL, Karina Melissa. A mulher e o Código Civil de 2002: a confirmação do princípio da isonomia. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 524, 13 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6028>. Acesso em: 02 nov. 2007. 176 Cf. VELOSO, Zeno. Mulher casada e pedido de alimentos. Disponível <http://www.soleis.adv.br/artigocasadaealimentos.htm>. Acesso em: 02 nov. 2007. 177 Cf. MOTTA, Carlos Dias. Direito matrimonial e seus princípios jurídicos. p. 302. em: 53 Art. 1.631. [...]. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo178. Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência179. Assim, em casos de divergência entre os pais no cumprimento de seus deveres, deve-se recorrer ao magistrado que irá decidir pelas razões mais ponderadas em ação de suprimento judicial de consentimento, uma vez que cabe diretamente aos pais com relação aos filhos: a) realizar a assistência e a representação, conforme a idade do menor; b) a busca e apreensão, se alguém de forma indevida ou ilegítima o estiver detendo; c) manter o menor sob os seus cuidados, dirigindo a sua educação e a sua criação, seja formação moral, religiosa ou profissional; d) realizar a companhia e guarda; e) autorizar ou não o casamento; f) nomear tutor; g) exigir obediência e respeito, bem como o exercício dos serviços próprios de sua idade e condição; e, h) administrar os seus bens180. Neste sentido, é da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: [...] CIRURGIA EM FILHO MENOR. DIVERGÊNCIA DOS PAIS. O FILHO, SOB A GUARDA DA MÃE, DIVERGINDO OS PAIS A RESPEITO DE CIRURGIA QUE ENVOLVE RISCO DE VIDA, CABE AO JUDICIÁRIO SE MANIFESTAR NO SENTIDO DA MAIOR PROTEÇÃO AO MENOR, SUSPENDENDO QUALQUER 178 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 05 nov. 2007. 179 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 05 nov. 2007. 180 Cf. MONFARDINI, Luciano Pasoti. Tutela jurídica da criança e do adolescente. Disponível em: <sistemasunisal.liceu.com.br/downloads/www_content/ /Tutela_juridica_da_Crianca_e_do_Ad olescente/files/3a_aula_4o_ano.doc>. Acesso em: 05 nov. 2007. 54 TENTATIVA DE SUBMETÊ-LO A UMA NOVA CIRURGIA CARDÍACA, [...]181. Destarte, havendo divergências dos pais com relação aos filhos, caberá ao Estado, através do Poder Judiciário, intervir para preservar o fim da união estável ou do casamento, assegurando sempre a melhor solução para o desacordo existente, se os filhos forem menores de dezoito anos. Apesar da inversão destes papéis, ou seja, da transformação do filho em objeto de dissenso, ser uma crueldade, frisa-se que a mensuração da gravidade e afronta psíquica que um pai ou uma mãe faz à criança ou ao adolescente, pode e deve ser avaliada judicialmente, para posterior alteração de guarda, formas de visitação, etc182. Sendo assim, explica Luiz Edson Fachin: Cumpre, antes de tudo, preservar o bem-estar da criança e do adolescente [...]. O consenso dos pais deve ser almejado, e se não for possível o acordo, caberá ao juiz, diante da pretensão específica, avaliar as circunstâncias do caso183. Expostos os fundamentos sobre a sociedade familiar e a administração desta, o estado de filho, o reconhecimento dos filhos e as formas de reconhecimento, assim como com relação à algumas considerações sobre a adoção e a igualdade constitucional dos genitores perante os filhos, para, ao final, expor-se acerca da divergência dos pais em relações aos filhos, passa-se ao último capítulo da presente monografia que abordará a relação entre pais e filhos. 181 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 599064656, Oitava Câmara Cível. Relator Des. Antônio Carlos Stangles Pererira. j. 09/09/1999. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 06 nov. 2007. 182 Cf. FACHIN, Luiz Edson. Direito à visitação. In: Carta Forense. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=entrevistas&identrevista=46>. Acesso em: 07 nov. 2007. 183 FACHIN, Luiz Edson. Direito à visitação. In: Carta Forense. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=entrevistas&identrevista=46>. Acesso em: 07 nov. 2007. 55 CAPÍTULO 3 DA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS 3.1 DA FILIAÇÃO Preliminarmente é importante salientar que neste capítulo tratar-se-á sobre a relação entre pais e filhos, bem como quanto aos aspectos gerais sobre a filiação, as peculiaridades do poder familiar, a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, os aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores, para, ao final, destacar-se a perda do poder familiar. Diante disto, ao conceituar a filiação, entende Maria Helena Diniz que é o vínculo entre pais e filhos, ou mesmo, uma “[...] relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida”184. Para Fábio Ulhoa Coelho, há de falar-se também da filiação sócio-afetiva e da adoção, posto que a primeira constitui-se através do relacionamento de um adulto e uma criança ou adolescente, que sob o ponto de vista das relações sociais e emocionais, assemelha-se à de pai ou mãe e seu respectivo filho, isto é, se um homem, mesmo sabendo não ser o genitor da criança ou do adolescente, o trata como se, seu filho fosse, torna-se pai dele. A mulher, assim, se torna mãe daquele de quem cuida como filho, durante um determinado lapso de tempo. Com relação à segunda (adoção), é processo judicial que importa a substituição da filiação de uma pessoa chamada de adotado, tornando-se filho de outro homem, mulher ou casal, que são os denominados adotantes. Portanto, com a adoção, rompe-se os vínculos do 184 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 378. 56 adotado com seus pais e parentes consangüíneos, atribuindo-se a situação de filho do adotante, para todos os fins185. De seu turno, explica Arnaldo Rizzardo quanto aos aspectos históricos da filiação: Desde a antigüidade, a relação de filiação é o vínculo mais importante da união e aproximação das pessoas. Constitui um liame inato, emanado da própria natureza, que nasce instintivamente e se prolonga ao longo da vida dos seres humanos, embora se atenue o sentimento com o passar do tempo. Mesmo que falte ou desapareça a união entre os pais, os laços de parentesco jamais desaparecem, porquanto se revelam em um componente ôntico da pessoa, tanto que diverso, mais perene e profundo que qualquer outro relacionamento. [...]186. Portanto, denota-se que “o termo filiação encerra a relação que se criou entre o filho e as pessoas que o geraram”187. Para Carlos Roberto Gonçalves, a filiação de parentesco consangüíneo, quando se der em primeiro grau e em linha reta, ligará uma pessoa àquelas que a conceberam ou lhe receberam como se a tivesse gerado. Todas as regras inerentes ao parentesco consangüíneo estruturam-se através da noção da filiação, porque a mais próxima, uma das mais importantes, a principal relação de parentesco é aquela que se forma entre pais e filhos188. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), também aborda a filiação e destaca em seu artigo 20: 185 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 160/162. 186 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 404. 187 188 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 403. Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 3. ed. rev. e atual. v. VI. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 273. 57 Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação189. Comenta Munir Cury, sobre o artigo susomencionado, que além de ser uma transcrição literal do artigo 227, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, põe fim àquela antiga distinção entre a filiação legítima, ilegítima e adotiva, recepcionada pelo Código Civil de 1916, pois: [...]. § 6º - Proscreveu-se, outrossim, o emprego de designações discriminatórias, tais como filho legítimo, ilegítimo, adulterino, incestuoso, adotivo etc., o que não impede a simples referência para fins didáticos ou doutrinários190. Neste sentido, a Lei nº 8.069/90, também dispõe em seus artigos 26, 27 e 41, § 1º, in verbis: Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. [...]. § 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes. [...]191. 189 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. em: 190 CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 33. 191 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. em: 58 Entretanto, verifica-se que houve grandes modificações na estrutura do Código Civil de 2002 quanto à filiação, modificações estas que procuraram recepcionar as inovações da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Lei nº 8.069/90, abandonando-se definitivamente a distinção entre filiação legítima, ilegítima e legitimação, passando-se a tratar apenas da filiação como um todo192. Disciplina, então, o artigo 1.596, do Código Civil de 2002 que: “[...] Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”193. Explica Maria Helena Diniz: É preciso lembrar que nem sempre esse liame decorre de união sexual, pois pode provir de (a) de inseminação artificial homóloga (CC, art. 1.597, III) (como ocorreu com Kim Casali, que foi artificialmente inseminada com esperma que seu marido, doente de câncer, havia depositado num banco de sêmen, em Londres, dando à luz, após 16 meses de óbito do esposo) ou heteróloga (adultério casto), desde que tenha havido autorização do marido (CC, art. 1.597), ou (b) de fertilização in vitro ou na proveta (CC, art. 1.597), como se deu em 1978, com Louise, filha de Lesley e John Brown, pois o óvulo de sua mãe foi extraído do ovário e fecundado em tubo de ensaio com esperma de seu pai, e colocado novamente no útero 7 horas depois. [...]194. Discorre Silvio Rodrigues que existe diferença, no entanto, entre o filho nascido através do casamento, daquele havido fora das núpcias e o adotivo, uma vez que os filhos havidos de uma relação conjugal, usufruem do benefício da presunção de paternidade195. 192 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações ao novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). v. 6. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 340. 193 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. 194 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 378-379. 195 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 340. 59 O Código Civil de 2002 enumera em seus artigos 1.597 a 1.602, sobre as hipóteses de concepção de filhos durante a constância do casamento, bem como sobre características inerentes à presunção de paternidade196. Esclarece Carlos Roberto Gonçalves: A Constituição de 1988 (art. 227, § 6º) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916. Naquela época, dada a variedade de conseqüências que essa classificação acarretava, mostrava-se relevante provar e estabelecer a legitimidade197. Nos moldes do Código Civil de 2002, apesar de a filiação ser tratada como um todo, importante se faz salientar sobre a presunção legal juris tantum de paternidade, que viabiliza a prova de paternidade e presume matrimoniais os filhos gerados e concebidos durante a constância do casamento198. Destarte, Sílvio de Salvo Venosa explana: A igualdade de direitos dos filhos, independentemente de sua origem, tal como fixada na atual ordem constitucional, representa o último estágio da problemática e traduz tendência universal. Desse modo, derrogam-se todos os dispositivos do sistema que façam distinção da natureza da filiação, ainda que essa revogação não tenha sido expressa. Assim, muitos artigos do Código Civil de 1916, do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outros diplomas perderam eficácia. [...]199. Apesar de serem vedadas quaisquer discriminações entre os filhos decorridos ou não de constância matrimonial, se a filiação matrimonial é 196 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. 197 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 273-274. 198 Cf. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 382. 199 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 255. 60 aquela decorrente de um casamento, afirma-se, então, que a filiação nãomatrimonial é aquela provinda de relações extraconjugais, podendo classificar-se os filhos dela gerados, em naturais ou espúrios, adulterinos e/ou incestuosos200. Outrossim, a principal prova da filiação de que trata o artigo 1.603, do Código Civil de 2002, será a certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil. Ninguém poderá argumentar o contrário do que consta do registro de nascimento, salvo provando possuir erro ou falsidade (artigo 1.604, do Código Civil de 2002)201. Carlos Roberto Gonçalves reitera o acima descrito e afirma que “prova-se também a filiação pelos meios de prova elencados no artigo 1.609, do Código Civil como modos de reconhecimento voluntário dos filhos havidos fora do casamento”202. Quanto à falta ou defeito no termo de nascimento, enumera o artigo 1.605, do Código Civil de 2002: Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos203. Se os pais desaparecerem ou falecerem sem registrar seu filho, não procederem ao registro de nascimento por qualquer motivo ou se houver destruição ou desaparecimento do livro de registros ou outro obstáculo 200 Cf. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 394. 201 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. 202 203 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 291. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. 61 para obter-se a certidão a termo, pode-se utilizar qualquer outro meio de prova, conforme consta do artigo acima transcrito204. Isto posto, demonstrados os aspectos inerentes à filiação, conforme a legislação pátria vigente e doutrinas acerca do assunto, passa-se ao título subseqüente que abordará os aspectos concernentes ao poder familiar. 3.2 DO PODER FAMILIAR A noção de pátrio poder que foi transmitida pelo Direito Romano e fundamentada na absoluta autoridade paterna sobre os filhos, encontra-se atualmente alterada205, pois “até o advento da Constituição Federal, consignava-se exclusivamente ao chefe da família, o cônjuge varão, o pátrio poder no interesse do casal e dos filhos, com o auxílio da mulher”206. Acontece que várias modificações ocorreram em decorrência de alguns fatores fáticos e legais, motivo pelo qual, houve o desaparecimento da família patriarcal e a sua substituição pela família nuclear, estruturada na igualdade e companheirismo, conforme estabelece o artigo 226, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 quanto à absoluta igualdade de direitos e deveres entre marido e mulher, que na sociedade conjugal, ocasionou sérias alterações nas relações entre pais e filhos207. Josiane Rose Petry Veronese, Lúcia Ferreira de Bem Gouvêa e Marcelo Francisco da Silva, explicam: O instituto do Poder Familiar, chamado até 2002 de pátrio poder, estava previsto na Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil – na Parte Especial, Livro I, Título V, Capítulo VI, contando com dezessete artigos (arts. 379 a 395). Hoje a matéria encontra- 204 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 292. 205 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 276. 206 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. 4. ed. rev. e atual. v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 299. 207 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 276. 62 se disciplinada nos arts. 1630 a 1638 e 1689 a 1693 do novo Código Civil – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Matéria concernente ao instituto também é encontrada em legislação extravagante, como, v.g., na Lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos; na Lei 6.515/77 – Divórcio e Separação Judicial -; na Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – e na Lei 8.560/92 – Investigação de Paternidade208. Silvio Rodrigues elucida que o poder familiar é um complexo de direitos e obrigações atribuídos aos genitores, com relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, levando-se em consideração a proteção deles. Assim, o fato de a lei impor deveres aos pais, com o objetivo de proteger os filhos, destaca o caráter de munus público do poder familiar, o que o torna irrenunciável209. De seu turno, Maria Helena Diniz ensina: O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens de filho menor não emancipado. Se, porventura, houver divergência entre eles, qualquer deles poderá recorrer ao juiz a solução necessária, resguardando o interesse da prole (CC, art. 1.690, parágrafo único)210. Carlos Roberto Gonçalves contribui, ao afirmar que este instituto é resultante de uma necessidade natural, posto que “constituída a família e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-los crescer à lei da natureza, como os animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los”211. 208 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; SILVA, Marcelo Francisco da. Poder familiar e tutela: à luz do novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 22. 209 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 398. 210 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 447. 211 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 358. 63 Válter Kenji Ishida anota que o poder familiar: É exercido em iguais condições pelo pai e pela mãe. De fato, a antiga distinção do art. 380, caput, do CC de 1916 se findou. Este previa o exercício do pátrio poder durante o matrimônio pelo marido, com a colaboração da mulher, evidenciando uma superioridade masculina. A igualdade no exercício do pátrio poder foi evidenciada pelo art. 21 do ECA que prevê: “O pátrio poder será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe na forma que dispuser a legislação civil...” (grifo nosso). E também o CC de 2002 em seu art. 1.631: “durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento a um deles, o outro exercerá com exclusividade”212. O poder familiar é considerado tanto uma autorização quanto um dever legal, para que uma determinada pessoa exerça as atividades de administração dos bens e de segurança ao desenvolvimento de direitos biopsíquicos de um filho incapaz, não importando a origem da filiação213. Corrobora com o acima exposto, Silvio Rodrigues ao abordar sobre as pessoas sujeitas ao pátrio poder: Os filhos, qualquer que seja a natureza da filiação, estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores. Quando nascidos fora do casamento, só estarão os que forem legalmente reconhecidos, pois como para aqueles filhos só o reconhecimento estabelece, juridicamente, o parentesco, é óbvio que sem aquele não se pode falar em pátrio poder. [...]. Havendo o § 6º do art. 227 da Constituição equiparado os filhos, qualquer que fosse a natureza da filiação, hoje todos os filhos menores [...] estão sujeitos ao pátrio poder214. Partindo destes pressupostos, verifica-se que o poder familiar originou-se como instituto de direito privado, evoluiu e com o passar dos tempos, adquiriu peculiaridades de um direito com conotação social, pois apesar 212 ISHIDA, Válter Kenji. Direito de família e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 238. 213 Cf. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. p. 301. 214 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 401. 64 de regular relações privadas, o Estado pode interferir, fiscalizar e proteger estas, como em casos de abuso de prerrogativas215. Ademais, importa frisar que o poder familiar ou pátrio poder, possui as seguintes características: “[...] é um munus público; irrenunciável, não podendo os pais abrir mão dele; indisponível; inalienável, não podendo ser transferido pelos pais; imprescritível; é incompatível com a tutela”216. Para tanto, complementa Sílvio de Salvo Venosa: O poder familiar é indivisível, porém não seu exercício. Quando se trata de pais separados, cinde-se o exercício do poder familiar, dividindo-se as incumbências. O mesmo ocorre, na prática, quando o pai e a mãe em harmonia orientam a vida dos filhos. Ao guardião são atribuídos alguns dos deveres inerentes ao pátrio poder, o qual, no entanto, não se transfere nessa modalidade, quando se tratar de família substituta. O poder familiar também é imprescritível. Ainda que, por qualquer circunstância, não possa ser exercido pelos titulares, trata-se de estado imprescritível, não se extinguindo pelo desuso. [...]217. Sendo assim, após breves considerações sobre o instituto do poder familiar, antes denominado de pátrio poder, e elencado, neste tópico, dentre os artigos 1.630218, 1.631219, 1.632220 e 1.633221, do Código Civil, passa-se 215 Cf. VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; SILVA, Marcelo Francisco da. Poder familiar e tutela: à luz do novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 19. 216 ISHIDA, Válter Kenji. Direito de família e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. p. 239. 217 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 372-373. 218 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. 219 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. “Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo”. 220 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. “Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações 65 ao tópico subseqüente que versará sobre a responsabilidade dos pais em relação aos filhos. 3.3 DA RESPONSABILIDADE DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS Após verificar-se o conceito, as características e demais peculiaridades do instituto do poder familiar, deve-se ressaltar que a responsabilidade dos pais em relação aos filhos decorre do exercício deste, conforme o disposto no artigo 1.634, do atual Código Civil: Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição222. Sílvio de Salvo Venosa explana que cabe à figura dos pais dirigir a criação e educação dos filhos, para que lhes proporcione a sobrevivência. Compete também aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade, sendo a atitude entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”. 221 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 14 set. 2007. “Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor”. 222 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 set. 2007. 66 deles fundamental à formação da criança. Ao faltar com estes deveres, o progenitor faltoso poderá ser submetido a reprimendas no âmbito cível e criminal, razão pela qual, responderá pelos crimes tanto de abandono material quanto moral e intelectual, segundo redação dos artigos 224 a 246, do Código Penal. Dentre as responsabilidades de criação, insta salientar, que caberá aos pais fornecer meios para tratamentos médicos, quando for necessário223. Da mesma forma, Roberto Senise Lisboa aduz: Tal poder incumbe: a) na constância do casamento, aos cônjuges, em relação aos filhos menores ou portadores de outra incapacidade; b) após a dissolução da sociedade conjugal, ao pai e à mãe, pouco importando quem se encontra na guarda do filho, até que este último complete a maioridade e se torne capaz (ao filho maior, porém incapaz, aplicam-se as regras referentes à guarda e aos alimentos – art. 1.590 do CC -, sendo necessária a nomeação de curador); c) na união estável, aos conviventes, em relação aos filhos menores ou portadores de outra incapacidade; d) na relação monoparental, ao ascendente, em relação ao descendente menor de idade ou portador de alguma incapacidade224. Estudando-se o artigo 1.634, do Código Civil, verifica-se que em relação ao seu inciso II, “esse não é só um direito dos pais como também é um dever em relação aos filhos para que possam supervisioná-los e orientálos”225. Maria Helena Diniz anota: [...] esse direito de guarda é, concomitantemente, um poder-dever dos titulares do poder familiar. Dever porque aos pais, a quem 223 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 374. 224 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. p. 300. 225 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. 2. tir. São Paulo: Editora de Direito, 2006. p. 29. 67 cabe criar, incumbe guardar. Constitui um direito, ou melhor, um poder porque os pais podem reter os filhos no lar, conservando-os junto a si, regendo seu comportamento em relações com terceiros, proibindo sua convivência com certas pessoas ou sua freqüência a determinados lugares, por julgar inconveniente aos interesses dos menores. Se confiarem a guarda de seus filhos a pessoa que sabem que os prejudicará material ou moralmente cometerão o delito previsto no Código Penal, art. 245. Como os pais são civilmente responsáveis pelos atos dos filhos menores que estão em sua companhia e guarda, o direito de guarda abrange, necessariamente o de vigilância, que torna efetivo o poder de dirigir a formação moral do menor. Além do mais, como os pais têm o direito de ter a prole em sua companhia, com eles vivendo, fixam o domicílio dos filhos menores. Se os pais estiverem separados de fato, os direitos de ter os filhos em sua companhia e guarda cabem tanto ao pai como à mãe. Se os filhos menores forem confiados à guarda da mãe, não há ofensa ao poder familiar, porque o direito de guarda é da natureza, e não da essência, do poder familiar, podendo até ser confiado a outrem [...]226. Com relação ao inciso III, do artigo 1.634, do Código Civil, é uma prerrogativa conferida aos pais, que diferentemente de outros sistemas legislativos, em que é absoluta, não tem no sistema brasileiro uma grande importância, visto que o consentimento paterno poderá ser suprido por meio de ato judicial227. Carlos Roberto Gonçalves explica que esta prerrogativa contida no inciso III, do artigo 1.634, do Código Civil: Pressupõe que ninguém poderá manifestar maior interesse pelo filho do que os seus pais. Daí a razão da prerrogativa a eles concedida. O consentimento deve ser específico, para o casamento com determinada pessoa, não bastando ser manifestado em termos gerais. Em razão da isonomia, no tocante aos direitos e deveres que resultam do casamento, consagrada na Constituição (art. 226, § 5º), será exigida a anuência de ambos os genitores ou do 226 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 452-453. 227 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 404. 68 representante legal. Havendo recusa injustificada, o juiz poderá suprir o consentimento [...]228. Por conseguinte, “a faculdade de nomear tutor (inciso IV) é de pouca utilização prática, objetivando também o cuidado com a prole, mormente na morte do progenitor”229. Neste diapasão, Eduardo de Oliveira Leite disserta que a prerrogativa de nomear tutor só aplica-se quando ocorrer a morte ou a incapacidade do outro cônjuge ou companheiro, que seja titular do poder familiar230. No que tange ao inciso V, do artigo 1.634, do Código Civil: A representação dos filhos ocorre até que estes completem 16 anos. Dessa idade, até os 18 anos, os menores são assistidos (inciso V). A regra é repetida pelo art. 1.690, do presente Código. Reporta-se ao que estudamos em nosso Direito civil: parte geral (Capítulo 9). Ato praticado por menor absolutamente incapaz sem representação é nulo; ato praticado por menor relativamente incapaz sem assistência, é anulável231. Deste modo, note-se que, o inciso em comento, deriva do poder familiar, que diferencia o menor impúbere, até dezesseis anos, que deverá ser representado pelos pais por ser absolutamente incapaz e, o menor púbere, dos dezesseis aos dezoito anos, que deverá ser assistido por ser considerado relativamente incapaz232. Contudo, o inciso VI, do artigo 1.634, do Código Civil disciplina que é direito conferido aos pais reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha, ou seja, é direito que só legitima-se quando dirigido em face de outra pessoa, que ilegalmente detenha o filho, de forma que, se o réu guarda 228 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 366-367. 229 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 374. 230 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 280. 231 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 374-375. 232 Cf. SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. p. 30. 69 legalmente em sua companhia o filho de outrem, não há como se atender ao pedido do autor233. Maria Helena Diniz ao ponderar sobre o inciso VI, aponta que os pais podem reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha através de ação de busca e apreensão, sendo que o juiz ao receber este pedido, se convencido da ilegalidade de detenção do menor, feita pelo réu, ordenará a expedição de mandado liminar, sem audiência234. Por fim, com relação ao inciso VII, do artigo 1.634, do Código Civil, insta salientar: Dentre as prerrogativas do pai, acima aludidas, o direito de exigir obediência e respeito é parte da educação e, para alcançar esses fins, pode o pai castigar o filho, contanto que o faça moderadamente. Permite a lei que os pais exijam dos filhos serviços próprios de sua idade e condição. É óbvio que a regra implica a permissão para os pais guardarem parte ou mesmo todo o salário do filho menor, pois a idéia do legislador é a de que os filhos que trabalham, embora menores, devem participar da mantença da família. Nos lares menos afortunados, a contribuição dos filhos é uma das fontes importantes da receita235. Sendo assim, afirma-se com base no acima mencionado, que não há subordinação hierárquica entre pais e filhos, porém que os pais devem exigir respeito e obediência de seus filhos. O respeito deve ser recíproco. Se a desarmonia e a falta de respeito forem extremas, podem resultar na suspensão ou perda do poder familiar. Podem também, os pais, exigir serviços apropriados à idade do menor, de acordo com as regras dispostas na legislação trabalhista236. 233 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 404. 234 Cf. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 453. 235 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 405. 236 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 375. 70 Uma vez apresentadas as regras de responsabilidade dos pais em relação aos filhos, conforme a legislação e doutrinas pertinentes ao assunto aqui tratado, aborda-se, por conseguinte, os aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores. 3.4 ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS QUE ENVOLVEM OS BENS DOS FILHOS MENORES Ao tratar dos aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores, destaca-se primeiramente que vêm esculpidos nos artigos 1.689 a 1.693, do Código Civil237. Elucida Silvio Rodrigues que “dentro da esfera patrimonial o primeiro dever imposto aos pais, no exercício do pátrio poder, é o de administrar os bens dos filhos”238. Diante do acima afirmado, são atributos na ordem patrimonial, a administração dos bens e o direito ao usufruto239, que em conformidade com o artigo 1.689, competem ao pai e à mãe enquanto no respectivo exercício do Poder Familiar, conforme se vê: “[...] o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I - são usufrutuários dos bens dos filhos; II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade”240. Sílvio de Salvo Venosa, explica: Os filhos menores não possuem capacidade de direito para administrar seus bens, que a eles podem advir de várias formas, mormente por doação ou testamento ou por fruto de seu trabalho. Geralmente, no entanto, a situação de administração ocorre com a morte de um dos pais, com relação aos bens que os menores recebem como herança do falecido. [...]. Em princípio, salvo disposição em contrário, os pais são administradores naturais dos 237 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 16 set. 2007. 238 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 405. 239 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 368. 240 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 25 set. 2007. 71 bens dos filhos menores, de acordo com o art. 1.689, II. Os atos de mera administração não autorizam, em princípio, a alienação. A administração a que se refere a lei abrange apenas os atos restritos de administração, como locação, aplicações financeiras, pagamento de impostos, defesa de direitos, por exemplo241. Sendo assim, pode-se verificar, conforme o artigo 1.690, do Código Civil: Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados. Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária242. Portanto, se são os pais, em igualdade de condições, os administradores legais dos bens pertencentes aos filhos menores sob a sua autoridade, havendo divergência, reclamação da solução necessária 243 poderão recorrer ao magistrado para . No entanto, quando se tratar de alienação ou colisão de interesses, salienta os artigos 1.691 e 1.692, do Código Civil: Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo: I - os filhos; II - os herdeiros; 241 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 375-376. 242 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 25 set. 2007. 243 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 369. 72 III - o representante legal. Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial244. Destaca-se sobre o artigo 1.691, do Código Civil, que a alienação, ou mesmo, imposição de ônus real sobre determinados bens, somente serão permitidas mediante autorização judicial e condicionadas à prova de necessidade ou evidente interesse da prole, uma vez que pode ser o ato indevidamente praticado, anulado pelos filhos, herdeiros ou representante legal245. Para Maria Helena Diniz: Havendo infração das normas acima mencionadas poderão opor nulidade dos atos dela resultantes (a) o filho, após a sua maioridade ou emancipação; (b) os herdeiros e o representante legal do filho, se durante a menoridade cessar o poder familiar (CC, art. 1.691, parágrafo único), ou seja, havendo falecimento do menor ou sucessão do pai ou mãe na sua representação246. Na administração dos bens dos filhos menores, os pais devem zelar pela preservação do patrimônio que cuidam, não podendo praticar atos que resultem alienação direta ou indireta de bens, ou das quais possa ocasionar uma certa diminuição patrimonial. Porém, esta restrição impõe ressalva, visto que podem os pais exorbitar dos atos de administração, em casos de necessidade evidente ou até utilidade da prole, através de autorização concedida judicialmente247. Sobre o artigo 1.692, do Código Civil, explica Sílvio de Salvo Venosa que quando ocorrer a colisão de interesses entre os pais e o filho menor: 244 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 25 set. 2007. 245 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 408. 246 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 455-456. 247 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 406. 73 [...] este deverá ser representado ou assistido por curador especial, a requerimento do filho ou do Ministério Público, também como aplicação dos princípios gerais sobre conflitos entre representantes e representados (art. 1.692 do atual Código). Tal colisão de interesses deve ser vista objetivamente, sempre que as vantagens colimadas ou os direitos na berlinda possam afrontar ou ferir os interesses do filho. Assim, se o pai demonstrar necessidade ou utilidade para venda ou hipoteca de imóvel do filho, ao ser deferida a autorização judicial, incumbe ao juiz que nomeie o curador. [...]248. Deste modo, verifica-se que pela administração dos bens dos filhos menores, os genitores não têm qualquer direito à remuneração e que no caso do artigo 1.692 e a colisão entre os interesses de ambos, deverá o Ministério Público, a pedido do filho, fiscalizar a solução do conflito, zelar pelo bem do menor, receber em seu nome doação que os pais irão lhe fazer, bem como intervir na permuta entre o filho menor e os pais e levantar a inalienabilidade que pesa sobre um determinado bem de família249. Outrossim, é redação do artigo 1.693, do Código Civil, in verbis: Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais: I – os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; II – os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos; III – os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; IV – os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão250. 248 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 377. 249 Cf. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 455. 250 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 25 set. 2007. 74 A partir destas informações, o inciso I, ao tratar sobre os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento, visa impedir que o reconhecimento seja somente fruto do intuito do pai de beneficiar-se com o usufruto ou a administração dos bens do filho menor. Se o desejo do pai que pretende reconhecer o filho, não é o de aproveitar-se da sua fortuna, ele com certeza o reconhecerá de qualquer forma, como também se privando do usufruto e administração dos bens do menor251. Por conseguinte, menciona Carlos Roberto Gonçalves quanto ao inciso II, do artigo 1.693: Denota-se, na regra em epígrafe, a influência do direito romano e da vetusta teoria dos pecúlios, que só reconhecia ao filius famílias o direito de fazer seu, com exclusão do domínio e interferência paterna, aquilo que obtinha na atividade militar (pecúlio castrense), em atividades públicas (pecúlio quase-castrense), ou que vinha a adquirir por outros meios (pecúlio adventício e profectício)252. Assim, os valores e bens auferidos pelo filho menor, como fruto de seu trabalho, são considerados bens próprios e reservados. Em regra, como a lei trabalhista dispõe sobre o trabalho somente ao maior de dezesseis anos, os valores adquiridos pelo menor, apesar de não ser permitido o seu trabalho regular, pertencerão à administração e usufruto dos pais. Porém, quando este completar dezesseis anos, poderá, então, usufruir e administrar seus valores e bens, da forma que desejar, motivo pelo qual, excluirá o usufruto e administração dos pais, segundo o inciso II, do artigo em comento253. Quanto aos incisos III e IV, do artigo 1.693, do Código Civil, ensina Sílvio de Salvo Venosa: Na terceira hipótese, o doador ou testador pode incluir cláusula vedando a administração ou usufruto dos bens. Há de ser obedecida a vontade do disponente, nesses negócios gratuitos. 251 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 409. 252 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 371. 253 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 379. 75 Se não for nomeado administrador, incumbe ao juiz fazê-lo, na hipótese de ambos os pais terem sido vetados para o encargo. Também não podem ser administrados ou usufruídos pelos pais os bens que couberem aos filhos na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. A regra tem evidente cunho moral254. Explica Carlos Roberto Gonçalves, que poderá o doador ou testador ser um dos pais, que se encontra separado do outro e não deseja que os bens sejam administrados e usufruídos por este. Neste caso específico, terá ele o direito de nomear terceiro para o ato ou reservar para si o exercício do encargo, se for através de doação. Se não fizer, caberá ao juiz nomear um administrador, sob a forma de curador especial. Mas, se o doador ou testador for um terceiro, vetará a administração dos bens por um ou ambos os pais. Neste caso, também será designado um administrador, pelo juiz255. Em contrapartida, sobre o inciso IV, do artigo 1.693, Silvio Rodrigues complementa: A exclusão por indignidade, de que cogita a lei (CC/1916, arts. 1.595 e s.; CC/2002, arts. 1.814 e s.), é uma pena que se aplica ao herdeiro ingrato e que consiste em privá-lo da sucessão. Como os efeitos da pena são pessoais, ela não atinge os filhos do indigno, que, dessa maneira, herdam como se seu pai morto fosse. Ora, se o indigno pudesse administrar ou ter o usufruto dos bens havidos por seu filho, em sucessão de que foi excluído, a pena a ele imposta perderia parte de sua eficácia. E sua ingratidão ficaria apenas parcialmente punida. Por isso a lei tira-lhe tanto a administração como o usufruto sobre tais bens256. Sendo assim, demonstrados os aspectos econômicos e financeiros que envolvem os bens dos filhos menores, suas disposições legais e entendimentos doutrinários, passa-se ao último tópico do presente trabalho que versará sobre a perda do poder familiar. 254 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 379. 255 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 371. 256 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 410. 76 3.5 DA PERDA DO PODER FAMILIAR Quando trata-se da perda do poder familiar, mister se faz salientar que encontra amparo legal no artigo 1.638, do Código Civil e que “como medida drástica, pode ocorrer nos casos em que gravíssimos atos de agressão aos deveres paternos restarem comprovados”257. Conforme redação do artigo 1.638, do Código Civil: Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente258. No entanto, há de diferenciar-se a suspensão, a extinção e a perda do poder familiar, vez que a primeira é um impedimento temporário do exercício deste259, que encontra embasamento legal no artigo 1.637, do Código Civil, enquanto a extinção é aquela em que ocorrerá nas hipóteses previstas do artigo 1.635, do Código Civil260. No tocante à perda do poder familiar, entretanto, há de destacar-se que Roberto Senise Lisboa, a compreende dentre as causas de extinção do poder familiar261. Esta encontra amparo legal no artigo 1.638, do 257 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada: posicionamento judicial. p. 33. 258 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 01 out. 2007. 259 Cf. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. p. 304. 260 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 01 out. 2007. 261 Cf. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. p. 305-306. 77 Código Civil, anteriormente citado, como também nos casos de incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo 1.637, caput, que assim disciplina: Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. [...]262. Para Válter Kenji Ishida, uma conduta excedente dos genitores pode levar à perda do poder familiar, de acordo com o artigo 1.638, do Código Civil de 2002. Já, a extinção do poder familiar ocorrerá nos casos do artigo 1.635, do mesmo diploma legal263. De seu turno, Eduardo de Oliveira Leite destaca: A extinção ocorre nos casos enumerados no art. 1.635 e, em se tratando de filho menor, acarreta nomeação de um tutor. Mais grave que a suspensão, a extinção do poder familiar implica na interrupção definitiva daquele poder. As hipóteses de extinção, arroladas no art. 1.635 são taxativas (numerus clausus), não se admitindo o invocar de outras, porque acarretariam restrição de direitos fundamentais. A perda do poder familiar ocorre nos casos enumerados no art. 1.638. A perda é decretada por sentença judicial. Embora seja permanente pode restabelecer-se o poder anteriormente outorgado, dentro de cinco anos, contados da imposição da penalidade264. O atual Código Civil não procede, como se vê, a diferenciação entre a destituição ou perda e a extinção do poder familiar. Ambas as matérias são tratadas sob o tema extinção do poder familiar, conforme elucida Roberto Senise Lisboa, que as diferencia aduzindo que a destituição é um 262 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 02 out. 2007. 263 Cf. ISHIDA, Válter Kenji. Direito de família e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. p. 240-241. 264 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. p. 282. 78 impedimento definitivo, através de decisão judicial, conquanto a extinção é o término do exercício do poder-dever sobre o filho, mediante diversos fatores265. Salienta Silvio Rodrigues: A suspensão e a destituição do pátrio poder constituem, assim, sanções aplicadas aos pais pela infração ao dever genérico de exercerem o pátrio poder de acordo com regras estabelecidas pelo legislador, e visam atender ao maior interesse do menor. [...]. A perda do pátrio poder é sanção de maior alcance e corresponde à infringência de um dever mais relevante, de modo que, embora não se revista de inexorabilidade, não é como a suspensão, medida de índole temporária. Ademais, a destituição é medida imperativa e não facultativa266. Diante do exposto, a perda ou destituição do poder familiar é a mais grave sanção conferida aos pais que carecerem com as obrigações em relação aos filhos267. Carlos Roberto Gonçalves corrobora aludindo que a extinção por decisão judicial (perda do poder familiar), não existia no Código Civil de 1916, motivo pelo qual, castigar imoderadamente o filho, significa usar de violência, de excessivos castigos e causar-lhe maus tratos. Deixar o filho em abandono é privar-lhe da convivência familiar e comunitária, faltar com a assistência material, colocando em risco a sua saúde e sobrevivência, bem como carecer de abandono moral e intelectual, importando em descaso com a sua educação e moralidade. Quanto à prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, buscou o legislador evitar o mau exemplo dos pais, que possa prejudicar a formação moral de seu filho. Um exemplo contrário à moral e aos bons costumes seria, por exemplo, o alcoolismo, a mendicância, o uso de substâncias entorpecentes, assim como a prática de prostituição. Já, com relação ao inciso IV, do artigo 1.638, é causa de destituição ou perda do poder familiar que visa impedir que os 265 Cf. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. p. 306. 266 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 411-412. 267 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 382. 79 genitores abusem em repetir condutas que podem acarretar, isoladamente, somente a pena mais branda de suspensão, no exercício do munus em tela268. Finalizando, complementa Sílvio de Salvo Venosa: Os fatos graves relatados na lei devem ser examinados caso a caso. Sevícias, injúrias graves, entrega do filho à delinqüência ou sua facilitação, entrega da filha à prostituição etc. são sérios motivos que devem ser corretamente avaliados pelo juiz. Abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem assistência material: abrange também a supressão do apoio intelectual e psicológico. A perda poderá atingir um dos progenitores ou ambos. Os procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar terão início por iniciativa do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, conforme o art. 24 e art. 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Trata-se de processo, pois há que se assegurar ao réu o princípio do contraditório e da ampla defesa. A competência para essas ações será dos juízos da infância e do adolescente (art. 148, parágrafo único, b, da mesma lei). O procedimento é regulado pelos arts. 155 ss do ECA. A sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar deverá ser averbada no registro de nascimento do menor (art. 164 do ECA e art. 102, § 6º, da Lei dos Registros Públicos)269. Vistos os casos em que se aplica a suspensão, a extinção e a perda do poder familiar, deve-se ressaltar o artigo 1.636, do Código Civil, pois o pai ou a mãe que contrai novas núpcias ou que estabelece união estável, não perde com relação aos filhos do relacionamento anterior, os direitos inerentes ao poder familiar, podendo os exercer sem interferência do novo cônjuge ou companheiro, sendo igual preceito, aplicado ao pai e mãe solteiros que se casarem ou estabelecerem união estável270. 268 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 373-375. 269 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 382-383. 270 Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 04 out. 2007. 80 Ante tais considerações, procurou-se através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, estabelecer um paralelo entre o explanado nos dois primeiros capítulos e, neste último, com o intuito não de esgotar o presente assunto ou todas as suas possibilidades, porém elucidar eventuais dúvidas e expor sobre a família e o poder familiar: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos. 81 CONCLUSÃO A presente monografia teve como principal finalidade proceder a uma análise científica dos aspectos jurídicos que envolvem a família e o poder familiar: guarda compartilhada como forma de proteção aos filhos, tema este que é bastante comum e discutido nos dias. Para a melhor compreensão do trabalho desenvolvido, dividiu-se a presente monografia em três capítulos, sendo no primeiro capítulo feita uma análise, de forma pormenorizada, da responsabilidade dos pais perante os filhos quando da dissolução da sociedade familiar, no segundo capítulo, um estudo sobre a sociedade familiar; e, no terceiro e último capítulo, um exame da relação entre pais e filhos, visando estabelecer um paralelo entre o demonstrado nos dois primeiros capítulos e o abordado no último, com o objetivo de elucidar eventuais dúvidas e expor considerações sobre o instituto da guarda compartilhada. Diante de um tema tão inovador, pode-se, concluir, em suma, que a guarda compartilhada visa dividir a responsabilidade legal dos genitores perante seus filhos menores, isto é, compartilhar obrigações relativas a eles enquanto sob o poder familiar e decidir aspectos inerentes a esta responsabilidade, quando os pais encontram-se separados. Diferente dos modelos de guarda, previstos, a guarda compartilhada prima pelo relacionamento familiar e viabiliza aos filhos uma continuidade à mantença de um bom relacionamento com seus pais, evitando o surgimento de abalos morais decorrentes, normalmente, da ausência de um dos genitores. 82 Assim, afirma-se que esta atribui maiores prerrogativas a ambos os genitores, que visa a presença contínua e intensa destes na vida de seus filhos e que pode ser compreendida também, como forma de exercer-se a autoridade parental. Apesar de poder-se defini-la através de diversos ensinamentos encontrados e expostos no decorrer deste trabalho, defendem alguns doutrinadores que a guarda compartilhada não possui uma concepção precisa, vez que pode dar-se frente a diversas situações hipotéticas. Neste norte, observa-se, então, que a guarda compartilhada ou também denominada conjunta, pressupõe a partilha de direitos e deveres sobre os filhos e com um compromisso de igualdade de condições. Sendo assim, um dos genitores irá deter a guarda física dos filhos, mas dividirá com o outro os deveres, ou seja, a educação, cuidados, saúde, proteção, desenvolvimento e lazer do menor. Nota-se, por derradeiro, que a adoção do modelo de guarda compartilhada não era prevista nem tampouco vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, à época da elaboração deste trabalho, mas que já estava sendo praticada em decisões e estimulada para atender ao princípio do melhor interesse do menor. Portanto, serve para não somente estimular, mas para certificar o princípio constitucional que garante aos pais, apesar de dissolvida a sociedade familiar, o direito ao exercício de assistir, criar e educar seus filhos, com base na dignidade humana e paternidade responsável. Partindo destas informações pesquisadas e frente aos posicionamentos favoráveis e desfavoráveis dos doutrinadores encontrados, verificou-se, que, a participação e influência dos pais, na vida de seus filhos é de primordial importância; que as vantagens são bem maiores do que as desvantagens, e, que, principalmente, há uma melhora significativa na autoestima e desenvolvimento emocional e psicológico das crianças e adolescentes, que são auxiliados na inserção de uma nova etapa familiar com seus genitores. 83 Dentre as vantagens, cita-se que há um maior fortalecimento dos laços afetivos, da confiança e envolvimento dos pais com seus filhos, como também uma considerável diminuição da dor da perda, que a separação dos genitores ou não formação familiar pode ocasionar aos filhos. Outrossim, haverá a manutenção do papel positivo de ambos os pais na vida de seus filhos e a impossibilidade de uma angústia transmitida à criança, que necessita optar com quem ficará após a dissolução da sociedade familiar. Frisa-se, entretanto, que a guarda compartilhada não se aplica aos genitores que possuem conflitos constantes e, que, por tratar-se de plano de cuidado parental, às vezes, poderão ocorrer alguns problemas adicionais. Porém, embasando-se nas pesquisas realizadas dentre os vários tribunais brasileiros, identifica-se com clareza, que a guarda compartilhada busca primordialmente o bem-estar social e psicológico do menor, sempre procurando atender ao princípio do melhor interesse da criança, preconizado no Estatuto da Criança ou Adolescente, razão pela qual, possibilita e proporciona uma maior gama de vantagens do que desvantagens, podendo ser concedida pelo magistrado, aos genitores que residem próximos e que desejam conviver em plena harmonia e respeito, mas, sem sombra de dúvidas, em benfeitoria da sua prole. Neste sentido, destaca-se, que na elaboração deste trabalho, tramitava no Congresso Nacional, desde o ano de 2002, um projeto de lei, de autoria do deputado Tilden Santiago, que propunha a regulamentação deste instituto e o colocava como primeira opção do magistrado no momento de decidir a quem caberia a guarda. Além disso, cabe destacar que a guarda compartilhada não deve ser aplicada em situações de constante alternância familiar, pois pode ocasionar ao menor uma instabilidade emocional e psíquica. Como em toda situação prática, ela deverá analisar cada questão incluindo todos os seus 84 interessados e chegar a uma determinada solução que beneficie tanto os menores, como também seus pais, para que nenhum deles possa negligenciar o exercício de criação e educação de seus filhos. Ademais, observa-se que o vínculo parental depois da dissolução da sociedade familiar deverá ser sempre preservado, como era antes do seu rompimento. Ademais, acredita-se, ser a guarda compartilhada uma nova forma de proteção aos filhos quando da dissolução da sociedade conjugal, visto que busca, primordialmente, alicerçar e solidificar bases para um saudável desenvolvimento dos filhos. Sendo assim, com base em todo o exposto, anota-se, ainda, que o instituto da guarda compartilhada foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República Federativa do Brasil, motivo pelo qual a Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, alterou os artigos 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada. Neste jaez, diz-se, finalmente, que o instituto da guarda compartilhada possui intrínseca relação com o poder familiar, uma vez que é dever jurídico comum dos genitores, encargo que a lei lhes atribui, decidirem sobre a vida e o patrimônio de seus filhos, tanto durante como depois da separação, cabendo ao juiz cobrar-lhes o exercício do múnus desta forma, compartilhadamente, razão pela qual repousa aí o fundamento normativo da guarda compartilhada no novo Código Civil. 85 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABATE, Alessandra. Guarda compartilhada. Disponível em: <ttp://www.correiadasilva.com.br/pdf/informativo58.pdf>. 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Autor: Deputado Tilden Santiago Relator: Deputado Sérgio Miranda I – RELATÓRIO O Projeto de Lei n.º 6.530, de 2002, pretende introduzir em nosso direito privado o instituto da guarda compartilhada, acrescentando-o ao novo Código Civil. Estabelece que essa modalidade de guarda seja a adotada preferencialmente, reservando-se as demais modalidades apenas se as partes expressamente assim o desejarem ou se isso não corresponder ao melhor interesse da criança. Apenso encontra-se o Projeto de Lei 6.315, de 2002 do Deputado Feu Rosa, que pretende acrescentar parágrafo único ao art. 1583 à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, também determinando que “poderá ser homologada a guarda compartilhada dos filhos”, nos casos de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, quando feita a dissolução consensualmente. A Comissão de Seguridade Social e Família aprovou ambos os projetos, na forma de um Substitutivo. A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar as propostas sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, sendo a apreciação conclusiva (art. 24, II do Regimento Interno). 94 No prazo, não foram oferecidas emendas. É o Relatório. II - VOTO DO RELATOR As propostas, em análise, encontram-se isentas de vícios de natureza constitucional ou de juridicidade. Quanto à técnica legislativa, ambos os projetos, e também o Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família - CSSF, dissentem do estatuído pela Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Ao modificarem dispositivos do Código Civil, deveriam trazer em seu final as iniciais NR entre parênteses, como determina aquele diploma legal complementar à Constituição Federal. A cláusula de vigência colacionada pelo Projeto de Lei 6.350, de 2002, não encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, mormente por não se tratar de lei excepcional ou temporária. Tanto os projetos aprovados como o Substitutivo da CSSF são meritórios e oportunos, como bem destaca o autor da proposição principal, ao asseverar que “A continuidade do convício da criança com ambos os pais é indispensável para o desenvolvimento emocional da criança de forma saudável”, o que tem sido repetidamente confirmado por psicólogos, pedagogos e operadores jurídicos especializados em questões de Direito de família. Como defendida pelo projeto principal, a guarda compartilhada dos filhos, crianças ou adolescentes, em que os poderes e deveres parentais são exercidos igualmente por pai e mãe, parece, realmente, ser a melhor forma de resguardar o interesse deles. Os pais devem, e têm o direito de educar e resguardar sua prole. Já não é mais tempo de “pais-de-fim-de-semana” ou “mães-de-feriados”, como lembrado pelos autores. A presença diária dos pais é indispensável, e seus deveres não cessam com o fim do casamento. 95 O projeto principal e o a ele apensado não são contraditórios. São, na verdade, complementares, juntando uma visão sociológica avançada, compatível com a realidade social de nossos dias e com os dispositivos constitucionais que asseguram a plena isonomia entre o homem e a mulher, com a visão prática, a voz da experiência de quem atua e acompanha, no foro, cotidianamente, os processos de separação, divórcio e guarda dos filhos. O Substitutivo aprovado na CSSF conseguiu, por sua vez, de forma exemplar, unificar os melhores aspectos das duas proposições. Para que as incorreções de técnica legislativa acima apontadas sejam efetivamente sanadas, apresentamos, ao final, Substitutivo aos projetos, com mínimas alterações para dar maior clareza a alguns de seus dispositivos. Pelo exposto, votamos pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e no mérito pela aprovação dos Projetos de Lei n.ºs 6.350 e 6.315, de 2002 e do Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família, na forma do Substitutivo que apresentamos em anexo. Sala da Comissão, em de de 2005. Deputado SÉRGIO MIRANDA Relator 2005_6887 SÉRGIO MIRANDA_058 COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA SUBSTITUTIVO AOS PROJETOS DE LEI Nº 6.350, E 6.315, DE 2002) Dispõe sobre a guarda compartilhada. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º. Esta Lei institui a possibilidade de guarda compartilhada dos filhos menores pelos pais em caso de separação judicial ou divórcio. 96 Art.° 2º . O art. 1.583 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: "Art. 1.583. .............................................................. § 1º Na audiência de conciliação, o juiz explicará para as partes o significado da guarda compartilhada, incentivando a adoção desse sistema. § 2º Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização dos pais, dos direitos e deveres decorrentes do poder familiar para garantir a guarda material, educacional , social e de bem estar dos filhos. § 3º Os termos do sistema de guarda compartilhada consensual deverão ser estabelecidos de acordo com as regras definidas pelos pais. “ (NR) Art. 3º. Acrescente-se os §§ 2º e 3º, renumerando o atual parágrafo único como § 1º, ao art. 1584 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o qual passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1584 Decretada a separação judicial ou divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, ela será atribuída segundo o interesse dos filhos, incluído, sempre que possível, o sistema da guarda compartilhada. § 1º .......................................................................... §2º Deverá ser nomeada equipe interdisciplinar composta por psicólogo, assistente social e pedagogo, que encaminhará relatório com informações psicossociais dos pais e da criança, incorporada à sugestão dos pais, objetivando subsidiar o juiz, nos termos do acordo, no prazo máximo de 60 dias. 97 §3º Na impossibilidade do cumprimento do §2º deste artigo, o Judiciário utilizar-se-á do Conselho Tutelar relacionado com aquela jurisdição para emitir relatório psicossocial, no prazo máximo de 60 dias.” (NR) Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Sala da Comissão, em de de 2005. Deputado SÉRGIO MIRANDA Relator 98 Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 11.698, DE 13 JUNHO DE 2008. Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada. Mensagem de veto O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação. § 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. § 4o (VETADO).” (NR) “Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; 99 II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. § 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. § 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. § 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. § 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.” (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação. Brasília, 13 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto José Antonio Dias Toffoli Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.6.2008