Catequese do Patriarcado de Lisboa Despertar da Fé—Maio 2017 Complemento formativo para os Educadores 2 I. Coração Imaculado de Maria, centro da mensagem de Fátima Na segunda aparição, a 13 de Junho, Maria mostra o seu Imaculado Coração de Mãe, cercado de espinhos, como quem revela a sua dor pelos pecados dos homens e que pede reparação. Aponta à Lúcia a sua missão, encorajando-a a garantindo a sua presença e conforto no meio do sofrimento: «Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus. 1 » Jacinta exclamava: «Eu gosto tanto do seu Coração! É tão bom! Gosto tanto do Coração Imaculado de Maria! É o coração da nossa Mãezinha do Céu» e «Não me canso de lhes dizer que os amo [a Nossa Senhora e a Nosso Senhor] 2» Lúcia assumirá como missão da sua vida transmitir a todos o amor de Deus manifestado no Coração Imaculado de Maria. Viverá para recordar ao mundo, não a miséria do que existe, mas a grandeza da misericórdia divina, deixando assim transparecer «o que as aparições de Nossa Senhora, na Cova da Iria, tinham de mais íntimo». É na fidelidade a esta missão que, mesmo a partir da clausura da sua vida monástica, dará testemunho ao mundo de 1 GUARDA, Pe Jorge—As Aparições de Fátima e a vida dos pastorinhos, Narrativas. Diocese de Santarém, Março de 2017, pp.14-15 2 BUENO DE LA FUENTE, Eloy – Dimensão teocêntrica da Mensagem de Fátima. In COUTINHO, Vítor (Coordenação) – Mensagem de esperança para o mundo, Acontecimento e significado de Fátima. Santuário de Fátima, Setembro 2012, pp. 89 e 98 3 que o segredo da felicidade é viver no amor. O protagonismo de Deus Trindade na nossa história, a sua proximidade e a sua providência tornam-se visíveis na Virgem Maria, de modo mais concreto no seu Coração Imaculado. Para os pastorinhos, o coração da Senhora era o Santuário do seu encontro com Deus: «Não nos diz o Sagrado Evangelho que Maria guardava todas as coisas em Seu coração? E quem melhor que este Imaculado Coração nos poderia descobrir os segredos da Divina Misericórdia?». Esse coração é o “lugar” onde experimentavam a luz divina e a mensagem lhes era comunicada: «O que seria, se soubessem o que Ela nos mostrou em Deus, no seu Imaculado Coração, nessa luz tão grande!». A misericórdia de Deus, o palpitar do seu coração diante dos pecadores e dos desgraçados, encontra um ícone privilegiado no coração de Maria. Neste coração imaculado reflete-se a força da graça, a ação do Espírito, que no momento da anunciação a cobriu com a sua sombra, e já desde a sua conceção tinha antecipado nela a ação redentora do mistério pascal: é eleita para ser «Mãe de Deus “toda santa” e “imune de toda a mancha de pecado”, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura». O coração da Mãe é verdadeiramente ícone da «graça e misericórdia», as palavras que, na aparição de Tuy, em 13 de junho de 1929, ilustram a visão da Trindade, que Lúcia acolhe; duas palavras que tão bem condensam a mensagem de Fátima. Por isso, a devoção ao Imaculado Coração de Maria converteu-se num traço característico da espiritualidade de Fátima. Na Virgem Maria, no seu coração materno, transparece a vontade misericordiosa de um Deus Trindade que não é indiferente à situação das suas criaturas, que não abandona o pecador na sua culpa, que não esquece os 4 desgraçados no seu sofrimento, que não ignora as vítimas e os excluídos, que sempre oferece o seu perdão e a sua consolação, que abre sempre a porta da esperança, quando os seres humanos se fecham no seu egoísmo ou na sua inconsciência3. II. A mensagem de Fátima e a paz As aparições de Maria tiveram lugar na Cova da Iria, no ano de 1917. O contexto nacional e internacional era dramático: Portugal atravessava uma crise política, religiosa e social profunda e a Europa estava, como nunca antes na sua história, imersa numa guerra mundial, em que também o nosso país estava envolvido. O convite à oração e ao compromisso com a construção da paz sacudiu as consciências no limiar de um século conflituoso e trágico. Quando a humanidade agonizava numa violência de alcance mundial, a Virgem de Fátima veio pedir a oração do Rosário pela paz, anunciando para breve o fim da guerra e pedindo a conversão dos homens para que não ocorresse outro conflito; nesse sentido, que o mundo e a Rússia fossem consagrados ao seu Coração Imaculado, sob a promessa de que «por fim, [...] triunfará», e será concedido ao mundo «algum tempo de paz». Ainda hoje, quando vivemos, como diz o papa Francisco, uma «terceira guerra combatida em episódios», a mensagem da Senhora de Fátima agita as nossas consciências para que reconheçamos a tarefa desta hora históri3 Cf. CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA – Carta Pastoral no Centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, 08 de Dezembro de 2016, 9-10 5 ca: a tarefa de não nos deixarmos cair na indiferença diante de tanto sofrimento; de respeitarmos a memória de tantas vítimas inocentes; de não deixarmos que o nosso coração se torne insensível ao mal tantas vezes banalizado. A mensagem de Fátima alimenta, assim, o compromisso profético com o mundo presente face às injustiças e a todos os fenómenos de exclusão, qualquer que seja a sua raiz. Fiéis ao carisma de Fátima, somos chamados a acolher o convite à promoção e defesa da paz entre os povos, denunciando e opondo-nos aos mecanismos perversos que enfrentam raças e nações: a arrogância racionalista e individualista, o egoísmo indiferente e subjetivista, a economia sem moral ou a política sem compaixão. Fátima ergue-se como palavra profética de denúncia do mal e compromisso com o bem, na promoção da justiça e da paz, na valorização e respeito pela dignidade de cada ser humano. A missão dos cristãos manifesta-se no esforço por tentar tudo fazer, para que o poder do mal seja detido e continuem a crescer as forças do bem. Na fortaleza da Mãe revela-se a fortaleza de Deus; e nesta convicção se aviva e revitaliza a fortaleza dos crentes4. 4 Cf. Idem, 1, 6 e 15 6 III. «Gosto tanto do Santo Padre!» (Jacinta) A 13 de Julho, após a visão do inferno e da promessa de que o Imaculado Coração de Maria triunfará, os pastorinhos tiveram ainda outra visão, a chamada terceira parte do segredo: E vimos numa luz imensa que é Deus algo semelhante a como se vêem as pessoas num espelho quando lhe passam por diante um Bispo vestido de Branco; tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre. Vários outros Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo, com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz, foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus5. 5 Santuário de Fátima in http://www.fatima.pt/pt/pages/narrativa-das-aparicoes 7 A pequena Jacinta, grande alma e de coração universal, penitente e orante, tinha uma sensibilidade extraordinária. Seu coração ardia de amor pelos pecadores, pelos doentes, pelos pobres, pelos que lhe pediam orações. Mas ela viu mais longe, voou mais alto. O Céu tinha-lhe falado do Papa. Pediu orações por ele. A Jacinta entendeu bem, na visão que lhe foi dado contemplar, que o Papa sofria muito, que necessitava de orações. Ficou “apaixonada” por ele. A paixão pelo Papa levava-a a rezar muito pelo Santo Padre, a sacrificar-se por ele, mesmo, ao que parece, sem saber bem quem era e que nome tinha. Dizia com frequência, refere a sua prima Lúcia, “coitadinho do Santo Padre”, e relatava novamente o que vira na célebre visão: o Papa em sofrimento, em oração, insultado, perseguido, caluniado. Ela, com seu coração de santa, sofria muito e o sofrimento fazia brotar-lhe a oração pelo Papa. Tinha necessidade de rezar por ele e de pedir a outros que rezassem. O sofrimento, as perseguições a que o Papa era submetido faziam-na vibrar de amor, de oração, de dor, de paixão. A Irmã Lúcia afirmou que a pequena Jacinta, quando o número de peregrinos começou a aumentar, dizia com certa tristeza: “Vem cá tanta gente, só o Santo Padre é que não”. O seu desejo, feito profecia, vai-se realizando6 . 6 Cf. PEDROSO, Dário - Jacinta, a paixão pelo Papa, Março de 2010 in http:// www.agencia.ecclesia.pt/noticias/dossier/jacinta-a-paixao-pelo-papa/ 8 IV. A canonização dos pastorinhos7 - Em 1922 o Bispo de Leiria manda instaurar o processo canónico sobre os acontecimentos de Fátima - Em 1960, a pedido do Bispo de Leiria (D. João Venâncio), o Pe. Kondor, de origem húngaro-alemã e pertencente à Congregação do Verbo Divino, inicia o seu papel como Vice-Postulador do processo de canonização da Jacinta e do Francisco. Estava a trabalhar em Portugal desde 1954. - Entre 1960/62, o Pe. Kondor funda a Liga de Oração e Sacrifício pela causa da beatificação, publicando um boletim em 7 línguas, que chega aos Bispos de todo o mundo. Esta Liga permite conhecer e divulgar a fama de santidade dos pastorinhos em todo o mundo. - O processo de canonização de Francisco e Jacinta chega ao Vaticano em 1979 mas não entra devido a uma norma de Pio XI (1937) em que se cancelavam os processos de canonização de crianças muito novas. A justificação era que não tinham maturidade e entendimento suficientes para serem capazes de viver em grau heróico as virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade). Caso tivessem morrido como mártires já eram aceites, mas como “confessoras” não. O santo mais jovem canonizado como “confessor” foi Domingos Sávio, com 14 anos. 7 M.J. Ataíde 9 - Até 1981 só eram aceites causas de santidade de pré-adolescentes que morressem mártires. Na época, a visão da infância era redutora e dizia-se que as crianças não entendiam o mistério... - Em Abril e início de Maio de 1981 João Paulo II faz rever esta norma, criando para esse fim uma comissão multidisciplinar composta por teólogos de diferentes áreas, médicos e psiquiatras, pedopsiquiatras. Há unanimidade em aceitar que as crianças, mesmo muito novas, são capazes de santidade, embora de forma diferente do adulto. Assim, o Santo Padre, poucos dias antes do atentado que sofreu, abriu os processos de santidade a crianças. - A 13 de Maio de 1989, no 72º Aniversário da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima, o Bispo de Leiria-Fátima anuncia ao mundo que “João Paulo II decretara a heroicidade das virtudes dos Servos de Deus, Francisco e Jacinta Marto, concedendo-lhes o título de veneráveis”. Na escala da santidade, o 1º degrau é Veneravel, o 2º é Beato e o 3º é Santo. - Francisco e Jacinta Marto são os mais jovens beatos na história da Igreja – João Paulo II vem a Fátima presidir à sua beatificação em 13 de Maio de 2000. - A 23 de Março de 2017 o Papa Francisco aprova o milagre que conclui o processo de canonização de Francisco e Jacinta Marto. Entrevista da Postuladora da Causa dos Pastorinhos, Irmã Ângela Coelho, in Observador, 23/3/2017 10 V. O Papa Francisco e a sua devoção mariana8 Presença do Papa Francisco - Que percurso? Que espiritualidade? O Papa é profundamente mariano e explica porquê: “ Tive a graça de crescer numa família na qual se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé…foi ela quem me ensinou a rezar…contava-me historias de santos...Desde pequenos ensinaram-nos em casa a rezar as três avemarias e a realizar pequenas devoções.” (conversa com representantes dos movimentos eclesiais, 18/5/2013) Alem da influencia da família, Francisco atribui a maior importância e valoriza a piedade popular “ A imagem da Igreja de que gosto é a do povo santo e fiel de Deus. É a definição que uso mais vezes, e é a da Lumen Gentium ,nº 12. A pertença a um povo tem um forte valor teológico [ ...] O povo é sujeito. E a Igreja é o Povo de Deus a caminho na história, com alegrias e dores”. Na Evangelii Gaudium (124) o Santo Padre recorda, referindo-se à América Latina : “Naquele amado continente, onde uma multidão imensa de cristãos 8 M.J. Ataíde 11 exprime a sua fé através da piedade popular, os bispos chamam-lhe também ‘espiritualidade popular’ ou ´mística popular´. Trata-se de uma verdadeira ‘espiritualidade encarnada na cultura dos simples ‘ “ (Alexandre Awi Mello, Maria é minha Mãe, Principia editora, Cascais 2015) Antonio Spadaro, na sua entrevista, descreveu muito bem a espiritualidade do Papa Francisco: ela “não é feita de ‘energias harmonizadas’, como ele as chamaria, mas de rostos humanos: Cristo, São Francisco, São José, Maria”. Eu diria que a sua espiritualidade é feita de encontros pessoais. E o encontro com Nossa Senhora é parte essencial do seu caminho espiritual. ( entrevista à revista La Civilità Cattolica de 19/8/2013 ) “ A Virgem Imaculada intercede por nós no Céu como uma boa mãe que guarda os seus filhos. Maria ensina-nos, com a sua existência, o que significa ser discípulo missionário (...) Eis aqui, queridos amigos, o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, pôs-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas”. (Jornadas Mundiais da Juventude, missa final e Angelus, Rio de Janeiro, 28 julho 2013) “ Ela é minha mãe. É a única pessoa com quem me atrevo a chorar.” (Alexandre Awi Mello, Maria é minha Mãe, Principia editora, Cascais 2015) 12