ENQUALAB-2008 – Congresso da Qualidade em Metrologia Rede Metrológica do Estado de São Paulo - REMESP 09 a 12 de junho de 2008, São Paulo, Brasil CÁLCULO DE INCERTEZA EM ENSAIO DE TRAÇÃO COM OS MÉTODOS DE GUM CLÁSSICO E DE MONTE CARLO Bernardo José Guilherme de Aragão 1, Edmilson Sanches Silva 2 1 Fundação CPqD, Campinas-SP, Brasil, [email protected] Fundação CPqD, Campinas-SP, Brasil, [email protected] 2 Resumo: O Suplemento 1 do Guia para a Expressão da Incerteza de Medição (GUM) publicado pelo JCGM (Joint Committee for Guides in Metrology) analisa as condições de aplicação e as limitações do método GUM clássico que justifcam o emprego de métodos numéricos alternativos para o cálculo de incerteza. O método numérico mais comum é o método de simulação de Monte Carlo, cujos fundamentos são também descritos no Suplemento 1. Neste trabalho compara-se a incerteza de medição obtida por ambos os métodos no caso da determinação do limite de resistência mecânica de um material polimérico através do ensaio de tração. O cálculo da incerteza com o método de Monte Carlo resultou em um valor final menor do que a incerteza calculada com o método de GUM tradicional. não Gaussiana, e d) incerteza combinada de ordem de grandeza similar ao valor médio ou esperado do resultado de medição [1]. Este trabalho apresenta um estudo comparativo do método GUM clássico com o método de Monte Carlo de cálculo de incerteza de medição, visando verificar a diferença entre os valores de incerteza estimados por ambos os métodos, no caso de medições realizadas em ensaios de tração de materiais. O estudo foi aplicado na medição do limite de resistência de uma amostra de nylon conforme norma ASTM D 638 (Figura 1). Palavras chave: Ensaio de tração, incerteza, GUM, Monte Carlo 1. INTRODUÇÃO O método de Monte Carlo é um método numérico no qual se utiliza o modelo matemático para o cálculo da distribuição da variável de saída a partir das distribuições das variáveis de entrada. O cálculo é feito através de simulações, nas quais valores aleatórios das variáveis de entrada são combinados através do modelo matemático para gerar um valor da variável de saída. Para um número grande de simulações, obtém-se no final a faixa completa de possíveis valores da variável de saída [4]. Casos típicos de aplicação de métodos alternativos incluem a) falta de simetria da distribuição da incerteza combinada, quando esta desviar da distribuição Gaussiana, b) modelo complexo para o cálculo da incerteza combinada, por exemplo, devido ao número elevado de componentes da incerteza ou à dificuldade em calcular derivadas parciais, c) contribuição desigual das componentes de incerteza individuais na incerteza combinada, especialmente se uma ou mais delas apresentar falta de simetria ou distribuição Tensão O método de cálculo de incerteza do GUM satisfaz a muitos casos de cálculo de incerteza em laboratórios de ensaio. Além disso, o método é facilmente automatizado através de simples planilhas eletrônicas. Entretanto, existem casos onde os resultados obtidos por este método não se mostram adequados, quando então se deve recorre a métodos alternativos, tal como o método de Monte Carlo, descrito no Suplemento 1 do GUM [1], e que tem recebido interesse crescente pela comunidade envolvida em metrologia [2],[3]. Limite de resistência Deformação Fig. 1. Gráfico tensão vs. deformação do nylon 2. MÉTODO EXPERIMENTAL O ensaio de tração da amostra de nylon foi feito conforme a norma ASTM D 638, com cinco corpos-de-prova tipo I e utilizando-se velocidade de ensaio de 5 mm/min. As condições ambientais estavam controladas durante os ensaios em (23±3)°C e (55±5)% U.R., razão pela qual se desconsiderou, nos cálculos de incerteza, os efeitos de variação de temperatura. A célula de carga empregada tinha fundo de escala de 1000 kgf, cujos componentes de incerteza tipo B estão mostrados na Tabela 1. Para as distribuições Gaussianas foi utilizada a equação de Box-Müller (Eq. 1), onde x1 e x2 são dois números aleatórios com distribuição retangular. 0,7992 Y Y é o número aleatório gerado, é a média e o desvio padrão. A instrução para gerar os números aleatórios conforme Eq. 1 no MS-EXCEL é [5]: =(RAIZ(2*LN(ALEATÓRIO()))*SEN(2*PI()*ALEATÓRIO())) *SIGMA+MEDIA. Para as distribuições retangulares foi utilizada Eq. 2. Y a (b a) x 1 Os termos a e b são os limites inferior e superior da distribuição, respectivamente. x1 é um número aleatório com distribuição retangular. A instrução no MSEXCEL fica então [5]: =A+(B-A)*ALEATÓRIO(). Tabela 1: Incertezas tipo B da célula de carga Descrição Símbolo Tipo de distribuição Incerteza da calibração u95 normal Zero f0 triangular 0,0000 Resolução relativa a quadrática 0,4940 Incerteza do erro uE normal 0,3004 Valor (kgf) Já os componentes tipo B do paquímetro utilizado para a medição da largura do corpo-de-prova estão na Tabela 2, enquanto que os do micrômetro utilizado para medição da espessura estão na Tabela 3. Tabela 2: Incertezas tipo B do paquímetro Tipo de distribuição Descrição Símbolo Incerteza da calibração u95 normal Valor (mm) 0,02 Trava utrava quadrática 0,00 Paralelismo up quadrática 0,00 Resolução ures quadrática 0,02 2 ln( x 1 ) sen ( 2 x 2 ) (1) (2) Apesar de na Tabela 1 haver uma distribuição triangular (f0), esta não foi considerada nos cálculos, pelo fato de ela ser nula para a escala da célula de carga utilizada. 3. RESULTADOS A Tabela 4 mostra o valor médio e o desvio padrão da força máxima, da largura e espessura e do limite de resistência do nylon ensaiado. Tabela 3: Incertezas tipo B do micrômetro Tipo de distribuição Valor (mm) u95 normal 0,002 utrava quadrática 0,002 Paralelismo up quadrática 0,001 Resolução ures quadrática 0,001 Descrição Símbolo Incerteza da calibração Trava Calculou-se, inicialmente, pelo GUM clássico, a incerteza combinada individual da força, da largura e da espessura. Concomitantemente, foram determinadas, pelo método de Monte Carlo, as distribuições da força, largura e espessura através de um modelo aditivo simples das distribuições das componentes de incerteza dessas grandezas (ver Tabelas 1, 2 e 3). Em seguida calculou-se, novamente via GUM, a incerteza expandida com 95,45% do limite de resistência. Este cálculo foi repetido com o método de Monte Carlo, determinando-se, desta vez, o intervalo de abrangência com 95,45%. Para tal, utilizou-se o modelo tensão = força/(largura∙espessura), envolvendo as distribuições da força, largura e espessura anteriormente determinadas. Os modelos simples utilizados, o número de simulações (10000) e a ausência de variáveis correlacionadas permitiram que a simulação se fizesse no MS-EXCEL, conforme roteiro descrito em [5], baseado no Suplemento 1 do GUM [1]. Foram utilizadas as seguintes equações de geração de valores aleatórios: Tabela 4: Resultados das medidas Força (N) Largura (mm) Espessura (mm) Tensão (MPa) 5893±85 12,92±0,04 6,04±0,02 75,52±0,96 3.1. Determinação das incertezas da força, largura e espessura As Tabelas 5, 6 e 7 mostram o cálculo da incerteza combinada e expandida da força (uC,F), largura (uC,L) e espessura (uC,E), respectivamente, pelo método do GUM clássico. Tabela 5: Cálculo da incerteza da força Tabela 6: Cálculo da incerteza da largura Tabela 7: Cálculo da incerteza da espessura 100% 800 90% 700 80% 70% 600 60% 500 50% 400 40% 300 30% 200 20% 100 10% 0 -0,005 Probabilidade acumulada Freqüência Histograma 900 0% -0,003 -0,001 0,001 0,003 0,005 Bloco Freqüência % cumulativo Fig. 4. Espessura: resultado gráfico do método de Monte Carlo 3.1. Determinação da incerteza do limite de resistência As Figuras 2, 3 e 4 mostram graficamente as distribuições obtidas pelo método de Monte Carlo a partir da soma das componentes ui das Tabelas 1, 2 e 3. Pode ser visto que as distribuições seguem perfil similar ao perfil Gaussiano. As incertezas combinadas das Tabelas 5, 6, e 7 foram inseridas como as componentes de incerteza tipo B no cálculo da incerteza combinada da tensão (uC,T) pelo método do GUM, que está mostrada na Tabela 8. Tabela 8: Cálculo da incerteza da tensão 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% -0,2 0,6 1,4 Bloco Freqüência Com base na incerteza expandida da Tabela 8, o resultado final da tensão de ruptura do nylon, pelo método do GUM clássico, é (75,5 ± 1,2) MPa. % cumulativo Fig. 2. Força: resultado gráfico do método de Monte Carlo A Figura 5 mostra a distribuição e a probabilidade acumulada do limite de resistência obtida pela simulação de Monte Carlo. Observou-se que a distribuição foi novamente aproximadamente Gaussiana. 100% 800 90% 700 80% 70% 600 60% 500 50% 400 40% 300 30% 200 20% 100 10% 0 -0,05 Probabilidade acumulada Freqüência Histograma 900 0% -0,03 -0,01 0,01 0,03 0,05 Bloco Freqüência % cumulativo Fig. 3. Largura: resultado gráfico do método de Monte Carlo Histograma 500 100% 450 90% 400 80% 350 70% 300 60% 250 50% 200 40% 150 30% 100 20% 50 10% 0 Probabilidade acumulada -1 Freqüência -1,8 Probabilidade acumulada Freqüência Histograma 0% 73,5 74 74,5 75 75,5 76 76,5 77 77,5 Bloco Freqüência % cumulativo Fig. 5. Lim. de resistência: resultado do método de Monte Carlo 500 450 400 95% GUM 350 Freqüência A Figura 6 mostra a determinação da probabilidade de início do intervalo de abrangência [1]. Observou-se que o intervalo começou com uma probabilidade de 2,75% e a tensão correspondente foi de 74,7 MPa. Para um intervalo de abrangência de 95,45%, a probabilidade final foi de 98,20% (= 95,45% + 2,75%) e a tensão correspondente foi de 76,4 MPa, conforme mostrado na Figura 7. 300 95% Monte Carlo 250 200 150 100 50 2,5 Intervalo de abrangência 0 74,0 2 74,5 75,0 75,5 76,0 76,5 77,0 Tensão (MPa) 0,0275; 1,621002204 Monte Carlo GUM 1,5 Fig. 8. Comparação dos resultados obtidos pelo GUM e pelo método de Monte Carlo 1 0,5 0 0 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 Probabilidade acumulada inferior Fig. 6. Determinação da probabilidade de início do intervalo de abrangência Considerando a distribuição obtida pelo método de Monte Carlo como uma Gaussiana perfeita, então pode-se considerar o intervalo de abrangência de 95,45% igual a 1,7 MPa (= 76,4 MPa – 74,7 MPa) equivalente a um intervalo de confiança de 95,45%. Isto significa que o resultado final do limite de resistência do nylon calculado pelo método de Monte Carlo pode ser expresso como (75,50 ± 0,85) MPa, em contraste com o resultado de (75,5 ± 1,2) MPa medido pelo método do GUM. 1 76,3715; 0,982 Probabilidade acumulada 0,9 3. CONCLUSÕES 0,8 Foi determinada o limite de resistência de nylon através do ensaio de tração conforme norma ASTM D 638, sendo que a incerteza do resultado final foi avaliada através de dois métodos, o do GUM clássico e o de Monte Carlo. Foi observada que a incerteza final obtido pelo primeiro, expressa através da incerteza expandida com 95,45%, é maior que a incerteza obtida pelo segundo, expressa através do intervalo de abrangência com 95,45%. 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 73,5 74,7183; 0,0275 74,5 75,5 76,5 77,5 Tensão (MPa) Fig. 7. Determinação do intervalo de abrangência de 95,45% A curva do gráfico da Figura 6 se apresentou levemente assimétrica, confirmando o caráter aproximadamente mas não inteiramente Gaussiano da distribuição dos valores do limite de resistência [5]. A Figura 8 compara as distribuições da tensão obtidas pelo método GUM clássico e pelo método de Monte Carlo. As distribuições são muito próximas para ambos os métodos. Porém, nota-se uma diferença grande entre a incerteza expandida, obtida pelo GUM, e o intervalo de abrangência, obtido pelo método de Monte Carlo, sendo que o primeiro é maior que o segundo. A razão está no fato de que o método do GUM é um método analítico, que calcula a propagação de incertezas que assumem valores fixos. Já o método de Monte Carlo é um método numérico de propagação de distribuições [4]. O cálculo é feito através de simulações repetidas, sendo que em cada simulação valores aleatórios das variáveis de entrada são combinados através de um modelo matemático para gerar um valor da variável de saída. O intervalo de abrangência determinado é o menor intervalo de valores gerados que contém o percentual estabelecido dos valores da variável de saída. Além disso, no exemplo tratado neste trabalho, apesar das distribuições obtidas após todas as simulações apresentarem perfil similar ao Gaussiano, o perfil verdadeiro não é um perfil verdadeiramente Gaussiano. A razão está no fato de que várias das componentes de incerteza da força, largura e espessura apresentaram distribuição quadrática, algumas de ordem de grandeza próxima à da distribuição Gaussiana dos demais componentes (Tabelas 5, 6 e 7). Isso acaba desviando a distribuição das variáveis de saída do perfil Gaussiano puro. O exemplo analisado mostra que, mesmo para casos simples de cálculo de incerteza, com baixo número de componentes de incerteza e ausência de componentes correlacionados, o método de Monte Carlo pode ser uma alternativa viável para melhorar a estimativa e reduzir o valor da incerteza das medições. Essas aplicações simples do método de Monte Carlo podem ser rapidamente implementadas através de planilhas eletrônicas. 4. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a G. D. Donatelli e A. C. Konrath, da Fundação CERTI, pelas planilhas do MS-EXCEL que serviram de suporte nas simulações de Monte Carlo feitas para este trabalho. REFERÊNCIAS [1] “Evaluation of measurement data – Supplement 1 to the ‘Guide to the expression of uncertainty in measurement’ – Propagation of distributions using a Monte Carlo method”,, JCGM (Joint Committee for Guides in Metrology), 2007. [2] D. H. da Jornada, F. H. da Jornada, “Cálculo de Incerteza da Medição: Estudo comparativo do GUM, de Monte Carlo e de Integração”, ENQUALAB-2007 – Congresso da Qualidade em Metrologia, Rede Metrológica do Estado de São Paulo – REMESP, 11 a 14 de junho de 2007, São Paulo, Brasil. [3] W. Link, M. F. F. Pereira, “Monte Carlo ou Método da Convolução, uma Análise de Vantagens e Desvantagens”, ENQUALAB-2007 – Congresso da Qualidade em Metrologia, Rede Metrológica do Estado de São Paulo – REMESP, 11 a 14 de junho de 2007, São Paulo, Brasil. [4] “M3003 - The Expression of Uncertainty and Confidence in Measurement”, Edition 2, UKAS (United Kingdom Accreditation Service), January 2007. Disponível em http://www.ukas.com/Library/downloads/publications/M300 3.pdf. Último acesso em 11 de abril de 2008. [5] G. D. Donatelli, A. C. Konrath, “Fundamentos da Avaliação da Incerteza de Medição por Simulação de Monte Carlo”, Fundação CERTI, CMI – Centro de Metrologia e Instrumentação, 2007.