Janela Aortopulmonar e Duplo Arco Aórtico. Uma

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Arq Bras Cardiol
2001; 77: 487-9.
Botura
e cols
Relato
de Caso
Janela aortopulmonar
Janela Aortopulmonar e Duplo Arco Aórtico. Uma Rara Associação
Evander Moraes Botura, Marcelo Piazzalunga, Flavio Barutta Jr, Douglas S. Grion, Milton F. Neves Fo,
Ricardo Ueda
Londrina, PR
Descrevemos caso de um paciente masculino, 27
anos, apresentando quadro de dispnéia aos esforços físicos. Avaliação clínica e exames complementares levaram
ao diagnóstico de janela aortopulmonar e duplo arco
aórtico. Segundo a literatura consultada pode tratar-se
da primeira descrição feita.
Janela aortopulmonar, fenestração aortopulmonar ou
defeito septal aortopulmonar é uma anomalia rara 1,2, representando 0,13 a 0,15% dos casos de cardiopatia congênita
encaminhados a um serviço de referência. Constitui-se
numa comunicação entre a aorta e tronco pulmonar. Devem
haver duas valvas semilunares distintas e separadas antes
que se possa firmar o diagnóstico, e diferenciá-la do tronco
arterioso. A abertura de tamanho variável é localizada adjacente às valvas semilunares ou mais próxima à origem da
artéria pulmonar direita. O diagnóstico costuma ser precoce
nos defeitos maiores devido à presença de shunt esquerdodireito significativo 1,2. Duplo arco aórtico 3-5 é, geralmente,
uma anomalia isolada, embora possa ocorrer de forma associada, sendo a tetralogia de Fallot e a transposição das grandes artérias, as mais freqüentes associações 6. Sua origem
deve-se à persistência do quarto arco branquial em ambos
os lados, estruturas que estão presentes na vida embrionária. Quando existe compressão traqueoesofágica, o diagnóstico habitualmente é feito nas primeiras semanas 4,5. As
anomalias mais comumente associadas à janela aortopulmonar são a origem aórtica da artéria pulmonar direita, a interrupção do arco aórtico 1,2,6-8, a tetralogia de Fallot, a origem
anômala da artéria coronária direita 8 e o arco aórtico à direita, não havendo descrição na literatura da associação de
janela aortopulmonar e duplo arco aórtico.
ULTRAMED-MEDTAC Imagem em Medicina
Correspondência: Marcelo Piazzalunga – Rua Santos, 646/102 – 86020-020 –
Londrina, PR – E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 21/7/00
Aceito em 13/12/00
Relato do caso
Paciente masculino, 27 anos de idade, procurou ambulatório de cardiologia em agosto/99 com queixa de dispnéia
aos grandes e médios esforços. Na história pregressa não
relatava nenhum antecedente médico-cirúrgico importante.
Exame físico mostrava paciente em bom estado geral,
anictérico, corado, cianótico e com presença de baqueteamento digital em extremidades superiores.
Pressão arterial era de 120/90mmHg, freqüência cardíaca de 75bpm, ritmo cardíaco regular em dois tempos e hiperfonese de 2ª bulha em 2º espaço intercostal esquerdo.
Abdômen e restante do exame físico eram normais.
Eletrocardiograma evidenciava ritmo sinusal e sobrecarga importante de câmaras direitas (fig. 1). Radiografia de
tórax em artéria pulmonar revelava acentuação do calibre
dos vasos arteriais hilares, mais evidente à esquerda e abaulamento do arco médio. Ecocardiograma mostrava ventrículo direito hipertrófico com dilatação e disfunção sistólica,
insuficiência tricúspide com pressão sistólica em ventrículo
direito estimada em 100mmHg (hipertensão arterial pulmonar significativa).
Diagnóstico clínico estabelecido foi de hipertensão
pulmonar de origem a ser esclarecida.
Estudo hemodinâmico revelou presença de hipertensão pulmonar de grau severo (PASP de 110mmHg), janela
aortopulmonar e duplo arco aórtico (fig. 2), e coronárias
normais.
Ressonância nuclear magnética demonstrou janela
aortopulmonar ampla (40mm no seu maior diâmetro) com dilatação importante de aorta ascendente e artérias pulmonares centrais e duplo arco aórtico completo (fig. 3). Observou-se compressão significativa de traquéia e esôfago ao
nível do duplo arco aórtico.
Radiografia contrastada de esôfago confirmou o achado de compressão extrínseca.
Discussão
Algumas características presentes neste caso são de
Arq Bras Cardiol, volume 77 (nº 5), 487-9, 2001
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Janela aortopulmonar
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Fig. 1 - Eletrocardiograma com ritmo sinusal e sobrecarga importante de câmaras
direitas.
Fig. 3 – Ressonância nuclear magnética em corte axial demonstrando ampla janela
aortopulmonar (seta). Ao- aorta; AP- artéria pulmonar.
Fig. 2 - Estudo hemodinâmico mostrando duplo arco aórtico (setas).
particular interesse. Além da raridade da incidência das
duas doenças isoladamente, a associação de ambas pode
estar sendo descrita pela primeira vez. Importante, também,
é o aparecimento tardio de sintomas significativos.
A janela aortopulmonar 1,2 costuma ser ampla e apresentar sintomas importantes nas primeiras semanas ou meses de vida, provocados por shunt esquerdo-direito significativo semelhantes àqueles observados na presença de
comunicação interventricular grande ou canal arterial calibroso. No caso relatado, o paciente apresentava cianose,
dispnéia aos médios esforços, devido à hipertensão pulmo488
nar instalada, além de baqueteamento digital, que é um
achado característico de cianose central (geralmente secundária à cardiopatia congênita cianótica ou doença pulmonar
com hipóxia). Não havendo correção cirúrgica, doença vascular pulmonar desenvolve-se precocemente ainda no primeiro ano de vida.
O diagnóstico da anomalia e sua distinção com canal
arterial e tronco arterioso persistente são feitos com ecocardiografia bidimensional 8, mas a identificação definitiva da
janela aortopulmonar e malformações associadas pode requerer o estudo hemodinâmico e angiocardiografia seletiva.
A anomalia de origem das artérias coronárias pode ocorrer
em cerca de 5 a 10% de pacientes com janela aortopulmonar,
é de difícil diagnóstico pré-operatório (uma vez que a alta
pressão de perfusão, conseqüente à comunicação aortopulmonar, favorece bom fluxo coronário) e exemplifica a importância do estudo hemodinâmico neste paciente 8. Embora
alguns pacientes possam sobreviver até a vida adulta com
janela aortopulmonar, a maior parte morre precocemente até
a segunda década, a menos que a correção cirúrgica seja
realizada. A operação eletiva é indicada em todos os lactentes sintomáticos entre o 3º e o 6º mês de idade.
O termo “anel vascular” 3-5 é utilizado para aquelas malformações do arco aórtico ou artéria pulmonar que exibem uma
relação anormal com a traquéia e o esôfago e que representam
menos de 1% das anomalias cardiovasculares congênitas.
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O “anel vascular” mais comum e sério é aquele produzido por um duplo arco aórtico no qual ocorre persistência
dos quartos arcos aórticos embrionários, direito e esquerdo.
No tipo mais comum de duplo arco aórtico há um ligamento
ou ducto arterioso esquerdo, e ambos arcos estão patentes,
sendo o direito maior que o esquerdo.
Os sintomas 4 produzidos pelos anéis vasculares dependem da constricção anatômica da traquéia e esôfago,
são habitualmente precoces no duplo arco aórtico completo e consistem, principalmente, de dificuldade respiratória,
cianose (associada especialmente com alimentação), estridor e disfagia.
O eletrocardiograma é normal, a menos que existam
anomalias cardiovasculares associadas. A radiografia
contrastada de esôfago é um procedimento útil de triagem
e geralmente mostra uma indentação posterior proeminente nos arranjos comuns de “anel vascular”. A angiografia
seletiva delineia a anatomia da aorta e seus ramos e o curso
das artérias pulmonares principais, mas são a tomografia
axial computadorizada e a ressonância nuclear magnética 9,10
que melhor mostram a relação espacial entre o “anel
vascular”e a traquéia e o esôfago, permitindo a melhor
programação cirúrgica.
A gravidade dos sintomas e a anatomia da malformação são os fatores mais importantes para se estabelecer o
tratamento adequado.
No presente caso, além do fato de não termos conhecimento de referências na literatura médica de tal associação,
sendo este, provavelmente, o primeiro a ser relatado, causa
surpresa a longa sobrevida livre de sintomas em presença
de janela aortopulmonar ampla e de duplo arco aórtico completo com compressão significativa de traquéia e esôfago,
cada uma das doenças por si só causadora de sintomatologia importante e precoce.
A dificuldade diagnóstica pela ecocardiografia inicial
deveu-se, provavelmente, à presença de hipertensão pulmonar severa com equalização das pressões, sistêmica e
pulmonar, e conseqüente baixo fluxo através do defeito.
De grande valia para o diagnóstico e análise das relações anatômicas, foram a angiocardiografia seletiva e a ressonância nuclear magnética, que permitiram a identificação
dos defeitos e suas repercussões.
Referências
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