Ano 7 • n°1 • Jan/Fev 2017 ISSN 2236-918X PREVALÊNCIA DE TABAGISMO EM ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA EXERCÍCIO FÍSICO SUPERVISIONADO EM ADOLESCENTES COM ANOREXIA NERVOSA: REVISÃO SISTEMÁTICA ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL, PARTE III: GRAVIDEZ PÓS-ESTUPRO – REVISÃO INTEGRATIVA CODEPENDÊNCIA ENTRE FAMÍLIAS DE USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DE FATO UMA DOENÇA? USO DE LÍTIO NO TRATAMENTO DA NEUTROPENIA INDUZIDA PELA CLOZAPINA: UM RELATO DE CASO SERVIÇO DE INTERCONSULTA PSIQUIÁTRICA EM HOSPITAL GERAL: UM SEGUIMENTO DE 7 ANOS ANÚNCIO /////////// APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Que comece 2017! Aqui estamos novamente apresentando nossa primeira edição do ano. Este número está bem variado: temos um artigo original, três revisões, um relato de caso e uma carta. No artigo original, que abre a edição, Sandra Márcia Carvalho de Oliveira e colaboradores relatam sua investigação sobre a prevalência de tabagismo em estudantes de Educação Física. Os autores encontraram uma baixa prevalência de fumantes na população estudada, porém destacaram o aumento do uso de outros produtos de tabaco, especialmente narguilé. Trata-se de um artigo com informações novas e muito interessantes sobre esse hábito tão presente na história da humanidade. Na sequência, três artigos de revisão. O primeiro é uma revisão sistemática sobre exercício físico supervisionado em adolescentes com anorexia nervosa, por Michele Casser Csordas e Carolina Panceri. Os efeitos do exercício físico supervisionado sobre o índice de massa corporal de adolescentes afetadas por esse transtorno são sistematicamente revisados para avaliar os possíveis benefícios/prejuízos. Os autores constatam que não há prejuízos em relação ao peso das pacientes, porém os ganhos não são tão evidentes. Na área de saúde da mulher, Gislene Cristina Valadares e colaboradores fazem uma revisão integrativa sobre o atendimento às vítimas de violência sexual que engravidam após estupro, com ênfase para o conhecimento e treinamento que os profissionais de saúde devem ter ao atender essas pacientes. O trabalho se baseia tanto na literatura como na experiência da primeira autora, revelando vulnerabilidades e oportunidades na área de prevenção das ofensas sexuais. No terceiro e último artigo de revisão, Alessandra Diehl e colaboradores discorrem sobre codependência entre famílias de usuários de álcool e outras drogas. Os autores avaliam o estado da arte sobre o constructo de codependência – conceito popular no meio clínico mas ainda controverso no meio científico – em familiares de usuários de álcool e outras drogas quanto à etiologia e outros fatores relacionados. Os autores concluem que mais estudos de campo são necessários para validar o conceito de codependência, a fim de corroborar sua real utilidade clínica e ampliação de evidência da existência desse fenômeno. O relato de caso de Luciana Valença Garcia e colaboradores descreve o uso (bem-sucedido) de lítio no tratamento da neutropenia induzida pela clozapina em um paciente com diagnóstico de esquizofrenia refratária. Segundo os autores, o caso sugere as possibilidades de usar novamente a clozapina em pacientes que tenham apresentado granulocitopenia, caso a associação com o lítio seja possível, e do uso prévio de lítio em pacientes com níveis baixos de leucócitos, mas que sejam candidatos a uso de clozapina. Fechando a edição, a carta de Camila Tanabe Matsuzaka e colaboradores traz um relato conciso de dados de seguimento de 7 anos para casos atendidos no serviço de interconsulta psiquiátrica do Hospital São Camilo. Uma bela seleção de textos para começar bem o ano. Boa leitura! Antônio Geraldo da Silva e João Romildo Bueno Editores Seniores, Revista Debates em Psiquiatria Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 3 //////////// EXPEDIENTE EDITORES SENIORES Antônio Geraldo da Silva - DF João Romildo Bueno - RJ DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Carmita Helena Najjar Abdo - SP Vice-Presidente: Alfredo José Minervino - PB Diretor secretário: Claudio Meneghello Martins - RS Diretor secretário adjunto: Maria de Fátima Viana de Vasconcellos - RJ Diretor tesoureiro: Antônio Geraldo da Silva - DF Diretor tesoureiro adjunto: Maurício Leão de Rezende - MG DIRETORES REGIONAIS Diretor Regional Norte: Cleber Naief Moreira - AM Diretor Regional Adjunto Norte: Kleber Roberto da Silva Gonçalves de Oliveira - PA Diretor Regional Nordeste: André Luis Simões Brasil Ribeiro - BA Diretor Regional Adjunto Nordeste: Everton Botelho Sougey - PE Diretor Regional Centro-Oeste: Renée Elizabeth de Figueiredo Freire - MT Diretor Regional Sudeste: Érico de Castro e Costa - MG Diretor Regional Adjunto Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Diretor Regional Sul: Eduardo Mylius Pimentel - SC Diretor Regional Adjunto Sul: Carla Hervê Moran Bicca - RS CONSELHO FISCAL Titulares: Itiro Shirakawa – SP Alexandrina Maria Augusta da Silva Meleiro – SP Ronaldo Ramos Laranjeira – SP Suplentes: Francisco Baptista Assumpção Junior – SP Marcelo Feijó de Mello – SP Sérgio Tamai - SP ABP - Rio de Janeiro Rua Buenos Aires, 48 – 3º Andar – Centro CEP: 20070-022 – Rio de Janeiro - RJ Telefax: (21) 2199.7500 Rio de Janeiro - RJ E-mail: [email protected] Publicidade: [email protected] 4 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 EDITORES-CHEFES Marcelo Feijó de Mello - SP Breno Satler Diniz - TX, USA José Carlos Appolinário - RJ Valeria Barreto Novais - CE EDITORES ASSOCIADOS Alexandre Paim Diaz - SC Antonio Peregrino - PE Carmita Helena Najjar Abdo - SP Érico de Castro e Costa - MG Itiro Shirakawa - SP Marcelo Liborio Schwarzbold - SC EDITORES JUNIORES Alexandre Balestieri Balan - SC Antonio Leandro Nascimento - RJ Camila Tanabe Matsuzaka - SP Emerson Arcoverde Numes - RN Izabela Guimarães Barbosa - MG Larissa Junkes - RJ CONSELHO EDITORIAL Almir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SP Analice de Paula Gigliotti - RJ Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros - RS Cássio Machado de Campos Bottino - SP César de Moraes - SP Elias Abdalla Filho - DF Eugenio Horácio Grevet - RS Fausto Amarante - ES Flávio Roithmann - RS Francisco Baptista Assumpção Junior - SP Helena Maria Calil - SP Humberto Corrêa da Silva Filho - MG Irismar Reis de Oliveira - BA Jair Segal - RS João Luciano de Quevedo - SC José Cássio do Nascimento Pitta - SP Marco Antonio Marcolin - SP Marco Aurélio Romano Silva - MG Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Maria Alice de Vilhena Toledo - DF Maria Dilma Alves Teodoro - DF Maria Tavares Cavalcanti - RJ Mário Francisco Pereira Juruena - SP Paulo Belmonte de Abreu - RS Paulo Cesar Geraldes - RJ Ricardo Barcelos - MG Sergio Tamai - SP Valentim Gentil Filho - SP Valéria Barreto Novais e Souza - CE William Azevedo Dunningham - BA CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL Antonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela) Jornalista Responsável: Brenda Ali Leal Revisão de Textos e Editoração Eletrônica: Scientific Linguagem Projeto Gráfico e Ilustração: Daniel Adler e Renato Oliveira Produção Editorial: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP Gerente Geral: Simone Paes Impressão: Gráfica Editora Pallotti //////////////// SUMÁRIO SUMÁRIO JAN/FEV 2017 6/original Prevalência de tabagismo em estudantes de Educação Física SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA, ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA, MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA, SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES 16/revisão Exercício físico supervisionado em adolescentes com anorexia nervosa: revisão sistemática MICHELE CASSER CSORDAS, CAROLINA PANCERI 24/revisão Atendimento às vítimas de violência sexual, parte III: gravidez pós-estupro – revisão integrativa GISLENE CRISTINA VALADARES, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, RENAN ROCHA, JOEL RENNÓ JR., HEWDY LOBO RIBEIRO, JULIANA PIRES CAVALSAN, AMAURY CANTILINO, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO 34/revisão Codependência entre famílias de usuários de álcool e outras drogas: de fato uma doença? ALESSANDRA DIEHL, DALZIRA DA SILVA, ALINE TAGLIATTI BOSSO * As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos. 44/relato de caso Uso de lítio no tratamento da neutropenia induzida pela clozapina: um relato de caso LUCIANA VALENÇA GARCIA, ANTÔNIO PEREGRINO, MILENA FRANÇA 48/carta Serviço de interconsulta psiquiátrica em hospital geral: um seguimento de 7 anos CAMILA TANABE MATSUZAKA, FABIO JOSÉ PEREIRA DA SILVA, NADĖGE DADERIO HERDY, YASKARA CRISTINA LUERSEN, ANTONIO CARLOS SEIHITI YAMAUTI Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 5 ARTIGO ORIGINAL SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES ARTIGO PREVALÊNCIA DE TABAGISMO EM ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PREVALENCE OF SMOKING IN PHYSICAL EDUCATION STUDENTS Resumo Introdução: Nos séculos XVII e XVIII, pintores célebres de toda a Europa já retratavam em suas telas personagens fumando, atestando como o tabagismo rapidamente se difundiu, constituindo um dos maiores fenômenos de transculturação do mundo. Objetivo: Avaliar a prevalência do tabagismo entre os estudantes de Educação Física da Universidade Federal do Acre (UFAC). Método: Trata-se de estudo transversal e analítico, onde foram aplicados questionários com base no Global Health Professions Student Survey e no teste de Fagerström. Resultados e discussão: Verificou-se que, dos 226 alunos, 58% eram do sexo masculino, 73,5% solteiros, com idade média de 24,16 anos. Na amostra, 219 (96,9%) eram não fumantes, e apenas sete (3,1%) eram fumantes (5,06 cigarros/dia), sendo uma prevalência baixa. Conviver com amigos que fumam teve um efeito significativo como um fator que leva ao hábito de fumar (p < 0,005). Isso se deve ao uso social do tabaco e à identificação com o grupo. Além disso, 31,5% da amostra já havia experimentado outros produtos de tabaco fumado, sendo que a prevalência de uso atual foi de 6,2%, superior ao cigarro. Conclusões: O século XXI vem apresentando alta prevalência para outros produtos do tabaco fumado, especialmente narguilé. Isso ocorre, por um lado, devido à transculturação e, por outro, ao êxito das ações antitabágicas. Palavras-chave: Tabagismo, prevalência, educação física, produtos do tabaco. 6 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 Abstract Introduction: As early as the 17th and 18th centuries, famous painters from all over Europe already depicted characters smoking – an indication of how quickly the habit of smoking spread to become one of the greatest acculturation phenomena in the world. Objective: To assess the prevalence of smoking among students of Physical Education at Universidade Federal do Acre (UFAC). Methods: This was a cross-sectional, analytical study. Questionnaires were applied based on the Global Health Professions Student Survey and the Fagerström test. Results and discussion: Of the 226 respondents, 58% were male and 73.5% were single; mean age was 24.16 years. In the sample, 219 (96.9%) were non-smokers, and only seven (3.1%) were smokers (5.06 cigarettes/ day), i.e., prevalence was low. Interacting with friends who smoke had a significant effect as a factor that leads to the habit of smoking (p < 0.005). This is due to the social use of tobacco and group identification. Also, 31.5% of the sample had already used other smoking tobacco products, and the current prevalence was 6.2% (higher than the prevalence of smoking). Conclusions: The 21st century has been showing a high prevalence of use of smoking tobacco products other than cigarettes, especially smoking hookahs. This occurs, on the other hand, due to acculturation, and on the other, to the success of anti-tobacco strategies. Keywords: Smoking, prevalence, physical education, tobacco products. SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA1, ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA2, MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA3, SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES4 Médica, Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), Rio Branco, AC. Professora adjunta, Curso de Graduação em Medicina, Centro de Ciências da Saúde e Desporto (CCSD), Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco, AC. 2 Médico, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Estado de Sergipe, Aracaju, SE. 3 Pesquisadora. 4 Professor adjunto, Curso de Graduação em Medicina, CCSD, UFAC, Rio Branco, AC. 1 IntRodução Segundo Rosemberg, ainda nos séculos XVII e XVIII, pintores célebres de toda a Europa já retratavam em suas telas personagens fumando ou aspirando rapé. Isso atesta como o tabagismo rapidamente se difundiu, constituindo um dos maiores fenômenos de transculturação do mundo, sendo a América o berço no qual se disseminou a nicotina conduzida pelo tabaco1. No mundo, consome-se anualmente 3 mil toneladas de nicotina contida em 7,3 trilhões de cigarros fumados por cerca de 1,3 bilhão de tabagistas, dos quais 80% vivem nos países em desenvolvimento2. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Brasil, a mortalidade anual atribuída ao tabagismo é de 200 mil3, sendo que 45% de todas as mortes são por câncer de pulmão, 75% por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e 35% por doenças cardiovasculares4. O Ministério da Saúde, em 1985, assumiu oficialmente a luta contra o tabagismo, criando o grupo Assessor do Ministério da Saúde para controle do tabagismo no Brasil5,6. O ingresso no ensino superior traz consigo sentimentos positivos de conquista, mas também de vulnerabilidade para o uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Assim, vários trabalhos sobre prevalência de tabagismo, com diversos estudantes da área da saúde, foram realizados em universidades nacionais e internacionais, pois existe o entendimento de que a avaliação de atitudes e comportamentos ligados ao uso do tabaco nesses grupos de estudantes nos fornece informações valiosas7-12. Este trabalho se justifica em função do impacto social e econômico do tabagismo na sociedade atual e no sistema público de saúde, bem como em função da crescente preocupação em se tentar abolir ou reduzir o consumo de tabaco, além da falta de estudos que possibilitem conhecer a prevalência real do tabagismo, o comportamento tabágico e as atitudes de controle do tabagismo nos estudantes de Educação Física da Universidade Federal do Acre (UFAC). Com este estudo, pretende-se identificar grupos de maior risco para o desenvolvimento desse vício, o que é importante para a elaboração de estratégias de prevenção capazes de reduzir o número de fumantes e atrair esses estudantes para a luta antitabágica. Método Amostra Trata-se de um estudo transversal, observacional, quantitativo, descritivo e analítico. A amostra foi constituída por 385 alunos do primeiro ao último ano do curso de graduação em Educação Física da UFAC, sendo 183 no bacharelado e 202 na licenciatura. Foram incluídos no estudo aqueles acadêmicos que estavam devidamente matriculados no ano de 2014, tinham mais de 18 anos de idade, concordaram em participar da pesquisa e estavam presentes no dia da aplicação do questionário. Foram excluídos acadêmicos que não estavam com a matrícula devidamente regularizada (que incluem alunos que faziam parte dos programas de mobilidade acadêmica nacional ou internacional), alunos que se recusaram a participar do estudo, aqueles que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, com idade menor ou igual a 18 anos ou que não se encontravam em sala de aula no momento da aplicação dos questionários. Foram observadas e obedecidas as diretrizes e normas preconizadas pela resolução CNS nº 466 de 2012, que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFAC com parecer nº 816.913 e data de relatoria de 02/10/2014. Procedimento Os participantes responderam dois questionários autoaplicativos. O primeiro tem como base o questionário Global Health Professions Student Survey (GHPSS), validado para a realidade brasileira pelo INCA13 e dividido em seis blocos: características socioeconômicas; prevalência de tabagismo; caracterização à exposição ao fumo passivo; atitudes e opiniões frente às políticas e leis antitabágicas e ao papel dos profissionais de saúde na cessação do tabagismo; conhecimento sobre o tabagismo; iniciativa de cessão do tabagismo. O segundo questionário é o teste de dependência à nicotina de Fagerström abreviado. Este teste é composto por duas perguntas, cada qual pontuado em uma escala de 0 a 3. Pontuações de 0-2 indicam baixa dependência nicotínica; 3-4, moderada dependência nicotínica; e 5-6, alta dependência nicotínica14. Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 7 ARTIGO ORIGINAL SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES Segundo recomendações da OMS e do US Centers for Disease Control and Prevention (CDC)15,16, os estudantes foram classificados em quatro categorias: os que nunca fumaram, ex-fumantes, não fumantes e fumantes atuais. Os que nunca fumaram são aqueles que nunca fizeram uso de nenhum tipo de tabaco ou aqueles que fumaram menos que 100 cigarros na vida toda; ex-fumantes são aqueles que fumaram pelo menos 100 cigarros na vida toda, mas deixaram de fumar pelo menos 1 mês antes do preenchimento do questionário; não fumantes incluem os ex-fumantes e os que nunca fumaram; e fumantes atuais aqueles que fumaram pelo menos 100 cigarros na vida toda e que fumam cigarros todos os dias (diário) ou alguns dias (não diário) por no mínimo 1 mês antes do preenchimento do questionário. Análise estatística Os dados coletados foram inseridos em banco de dados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para posterior análise. A análise estatística foi feita no programa SPSS versão 20.0, utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson, teste exato de Fisher e análise de variância (ANOVA). Os valores foram considerados estatisticamente significantes quando p < 0,05. Resultados No segundo semestre do ano de 2014, estavam matriculados no curso de Educação Física da UFAC 385 alunos distribuídos nos quatro períodos de graduação. Desse total, participaram da pesquisa 226 acadêmicos; 72 cursavam o segundo período, 64, o quarto, 46, o sexto, e 44, o oitavo, totalizando 58,7% do total de matriculados. As características sociodemográficas dos estudantes estudados estão dispostas na Tabela 1. Verificou-se que 58,6% dos alunos são do sexo masculino, 72,1% com idade entre 20 e 30 anos e com idade média de 24,16±5,10 anos. Com relação ao estado civil, 73,5% não têm companheiro(a). Quanto à procedência ou naturalidade, 68,0% é de Rio Branco, capital do estado do Acre. O nível socioeconômico dos alunos foi aferido indiretamente através do nível de escolaridade dos pais, sendo observado que os pais apresentaram baixo nível (< 8 anos) de escolaridade. 8 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO Tabela 1 - Características da população estudada: estudantes de graduação do curso de Educação Física da Universidade Federal do Acre, 2014 Variáveis Sexo Feminino Masculino Idade (anos) < 20 20-30 ≥ 30 Período 2º período 4º período 6º período 8º período Estado civil Solteiro Casado União estável Divorciado Procedência Rio Branco Outros municípios do Acre Outro estado Mudou de residência para fazer faculdade Sim Não Mora com quem Sozinho(a) Com os pais Com colegas Companheiro(a) Escolaridade do pai (anos) ≤8 9-12 > 12 Escolaridade da mãe (anos) ≤8 9-12 > 12 n % 87 123 41,4 58,6 35 163 28 15.5 72,1 12,4 72 64 46 44 31,8 28,3 20,4 19,5 166 37 21 2 73,5 16,4 9,2 0,9 153 48 24 68,0 21,3 10,7 71 155 31,4 68,6 25 105 7 77 11,7 49,1 3,2 36,0 124 64 18 60,2 31,1 8,7 112 69 42 50,3 30,9 18,8 SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA1, ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA2, MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA3, SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES4 Médica, Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), Rio Branco, AC. Professora adjunta, Curso de Graduação em Medicina, Centro de Ciências da Saúde e Desporto (CCSD), Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco, AC. 2 Médico, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Estado de Sergipe, Aracaju, SE. 3 Pesquisadora. 4 Professor adjunto, Curso de Graduação em Medicina, CCSD, UFAC, Rio Branco, AC. 1 A Tabela 2 mostra a frequência dos desfechos estudados. Dos 226 alunos estudados, sete (3,1%) se declararam fumantes atuais e 219 (97,0%) não fumantes. Dentro do grupo dos fumantes, 28,6% são de fumantes regulares e 71,4% são de fumantes ocasionais. Entre os acadêmicos não fumantes, 20 foram classificados como ex-fumantes, o que corresponde a 8,8% do total da amostra. O uso de outros produtos do tabaco fumado (rapé, charutos, narguilé) esteve presente em 14 alunos (6,2%), e a prevalência de exposição ao fumo passivo foi de 46,0%. Tabela 2 - Prevalência dos desfechos estudados nos estudantes de Educação Física da Universidade Federal do Acre, 2014 Nunca fumaram Já experimentaram fumar Ex-fumantes Não fumantes Fumantes atuais Já experimentaram fumar outros produtos de tabaco fumado Fumantes atuais de outros produtos de tabaco fumado Exposição ao fumo passivo n 199 121 20 219 7 72 Total (n = 226) % (IC95%) 88,0 (83,2-91,6) 53,4 (47,0-59,9) 8,8 (5,8-13,3) 96,9 (93,7-98,5) 3,1 (1,5-6,2) 31,9 (26,1-38,2) Masculino (n = 123) n % (IC95%) 106 86,1 (78,9-91,2) 69 56,1 (47,3-64,5) 12 9,7 (5,7-16,3) 118 95,9 (90,8-98,2) 5 4,0 (1,7-9,2) 52 42,3 (33,9-51,1) Feminino (n = 87) n % (IC95%) 78 89,6 (81,5-94,5) 44 59,6 (40,3-60,8) 7 8,0 (3,9-15,6) 85 97,7 (92,0-99,4) 2 2,3 (0,6-8,0) 18 20,7 (13,5-30,3) 0,297 0,258 0,433 0,387 0,387 0,001 p* 14 6,2 (3,7-10,1) 13 10,5 (6,3-17,2) 1 1,1 (0,2-6,2) 0,005 104 46,0 (39,6-52,5) 52 42,3 (33,9-51,1) 43 49,4 (39,2-59,73) 0,188 * Teste qui-quadrado de Pearson. Fonte primária. Com relação à iniciação do comportamento tabágico, verificou-se que 121 alunos já tinham experimentado fumar cigarros, sendo a média de idade da primeira tentativa de fumar 14,58±3,01 anos. Setenta e dois (31,5%) estudantes relatam já ter experimentado outros produtos de tabaco fumado, sendo que o narguilé foi o mais comum. Da amostra total de fumantes (n = 7), a média de cigarros consumidos por dia foi de 5,06±2,12 cigarros. Com relação ao teste abreviado de Fagerström, todos os fumantes apresentaram uma dependência baixa à nicotina. Fumar porque o tabaco ajuda a aliviar o stress, por prazer e quando se está aborrecido foram as principais razões para o uso de tabaco. Mais da metade (60,0%) dos fumantes atuais tentou deixar de fumar, sendo que apenas 20,0% consideram não necessitar de ajuda profissional para abandonar o tabaco. Em relação aos ex-fumantes (n = 20), o tempo médio de abstinência do cigarro foi de 5,48±3,96 anos. Apenas 10,0% pararam de fumar por algum problema de saúde que foi causado ou que piorou por causa do cigarro. Nenhum ex-fumante precisou de algum tipo de tratamento com profissionais de saúde ou usou algum tipo de medicamento para parar de fumar. Na análise dos fatores associados ao tabagismo, verificou-se que, em estudantes que convivem com amigos fumantes, a prevalência de fumantes foi maior quando comparado com estudantes que não convivem com amigos que fumam. Sexo, idade, exposição ao fumo passivo, relato de fumantes na família, escolaridade materna e relato de mudança de residência após ingresso na faculdade não apresentaram associação com a presença de tabagismo (Tabela 3). Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 9 ARTIGO ORIGINAL SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES ARTIGO Tabela 3 - Fatores associados ao habito de fumar nos estudantes de Educação Física da Universidade Federal do Acre, 2014 Variáveis Período Primeiros períodos Últimos períodos Idade (anos) < 25 ≥ 25 Mudou de residência após entrar na faculdade Não Sim Exposição ao fumo passivo Sim Não Escolaridade mãe (anos) <8 9-12 > 12 Amigos fumantes Sim Não Fumantes na família Sim Não Não fumante n % Fumante n % 2 5 1,5 5,6 p* 0,091 134 85 98,5 94,4 0,267 135 84 97,8 95,5 3 4 2,2 4,5 150 69 96,8 97,2 5 2 3,2 2,8 101 118 97,1 96,7 3 4 3,3 2,9 0,615 0,588 0,068 111 68 39 99,1 98,6 92,9 1 1 3 0,9 1,4 7,1 0,005 43 176 89,6 98,9 5 2 10,4 1,1 60 159 93,8 98,1 4 3 6,3 1,9 0,102 * Teste exato de Fisher. Fonte primária. Em relação à concordância com a proibição de fumar em determinados locais públicos, a maioria dos estudantes concorda com essa medida, com taxas de respostas superiores a 80% para a proibição de fumar em locais de trabalho, no interior das escolas, no interior das universidades, restaurantes e cafés, no interior e exterior circundante das instalações dos serviços de saúde e transportes públicos. A proibição de fumar 10 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 em determinados locais, como em praças públicas, no exterior circundante de escolas e universidades, assim como em bares, discotecas e espaços comerciais e de lazer apresentaram taxas de concordância inferiores a 80% (Figura 1). As atitudes de controle do tabagismo foram significativamente mais positivas nos estudantes não fumantes quando comparados com os fumantes (p < 0,05, teste exato de Fisher). SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA1, ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA2, MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA3, SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES4 Médica, Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), Rio Branco, AC. Professora adjunta, Curso de Graduação em Medicina, Centro de Ciências da Saúde e Desporto (CCSD), Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco, AC. 2 Médico, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Estado de Sergipe, Aracaju, SE. 3 Pesquisadora. 4 Professor adjunto, Curso de Graduação em Medicina, CCSD, UFAC, Rio Branco, AC. 1 Figura 1 - Concordância com a proibição de fumar em determinados locais públicos nos estudantes de Educação Física da Universidade Federal do Acre, 2014. Fonte primária. No que diz respeito ao reconhecimento do tabagismo como doença, percebe-se que a maioria (99,5%) respondeu positivamente. Em relação ao reconhecimento da aproximadamente 90,0% dos estudantes consideram o seu papel de exemplo de não fumador importante para a sociedade. Quando questionados sobre a importância do PS importância dos profissionais da saúde (PS) na cessação do tabagismo, no nível da cessação tabágica, 94% dos estudantes concordam que os PS têm um papel relevante e ativo. Em relação à opinião dos estudantes sobre as políticas de controle do tabagismo, a grande maioria (99,5%) concorda que a venda de cigarros a crianças e adolescentes deve ser proibida e fiscalizada, assim como 88,0% da amostra concorda que a publicidade dos produtos do tabaco deve ser totalmente banida. Com relação à exposição ao fumo do tabaco no ambiente acadêmico, a maioria dos estudantes (87,1%) referiu que a proibição de fumar não é devidamente implementada e controlada nas instalações da faculdade. Mais da metade (54,9%) diz que “às vezes”, nos ambientes da faculdade, é incomodado pelo fumo do tabaco dos outros, e 30,0% dos estudantes costumam manifestar o seu desagrado por estarem expostos ao fumo do tabaco dos outros. dIsCussão Verificou-se, neste estudo, uma taxa baixa (3,1%) de prevalência de tabagismo nos estudantes de Educação Física da UFAC quando comparada aos resultados obtidos em diversos estudos realizados na área da saúde17-26. Com relação à prevalência do uso atual de outras formas do tabaco (rapé, cachimbos, cigarrilhas e narguilé), a taxa encontrada (6,2%) foi maior quando comparada ao uso de cigarros (3,1%). Setenta e dois (31,9%) estudantes responderam já ter experimentado outras formas de uso do tabaco. O narguilé é a mais frequente Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 11 ARTIGO ORIGINAL SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES (57,1%). Uma revisão de literatura sobre a prevalência de experimentação de narguilé entre estudantes da área da saúde mostrou prevalências de 51,7% em escolas médicas na Inglaterra27, 40,0% no Canadá28, 43,5% na África do Sul29 e 28,9% em uma escola de medicina na Turquia30, todas com taxas (19,0%) superiores às encontradas neste estudo (6,2%). O uso de narguilé é a primeira nova tendência de consumo de tabaco do século XXI. Esse uso está se espalhando ao redor do mundo e tornando-se tão elegante como o fumo de charutos no século passado, especialmente entre jovens profissionais e estudantes universitários31. De acordo com Morton et al., a prevalência de uso de narguilé por autorrelato é maior na população masculina do Vietnã (13,02%) e na população feminina da Rússia (3,19%), enquanto ainda permanece baixa no Brasil (0,18% e 0,10% entre homens e mulheres, respectivamente)32. Uma razão possível para a propagação do uso de narguilé é o sucesso de programas para prevenir a iniciação do fumo de cigarro e o incentivo na cessação do tabagismo (por cigarros) no Brasil e no mundo. Como resultado dessas campanhas antitabagismo, que têm como alvo os fumantes de cigarros, indivíduos suscetíveis optaram ou migraram para outras formas de uso de tabaco, especialmente o narguilé33. É comum as pessoas relatarem que não há mal em fumar narguilé de vez em quando, que essa é uma forma segura de consumo de tabaco e que o risco de dependência é baixo. No entanto, há evidências consideráveis do contrário34. Um estudo realizado no Egito mostrou que usuários de narguilé preenchem os mesmos critérios quanto à dependência da nicotina que os fumantes de cigarros35. Outro estudo utilizou uma versão de 10 itens da Lebanon Waterpipe Dependence Scale para avaliar adultos do sexo masculino que eram usuários de narguilé no Reino Unido23. Os autores demonstraram que, entre esses fumantes, os fatores de risco para a dependência de tabaco para narguilé incluíam ser de etnia árabe, ter baixo nível educacional, ter fumado sozinho a última vez que fumou, ter fumado em casa, em um café ou com amigos a última vez que fumou, ter sessões de fumo com maior duração e fumar diariamente. Os critérios diagnósticos para a dependência de nicotina foram preenchidos por 47% da amostra estudada por esses autores36. 12 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO Neste trabalho, se evidenciou uma associação significativa do convívio com amigos tabagistas com o uso de tabaco regular; no entanto, não se confirmou a associação com outras variáveis. Esse resultado sugere que os amigos influenciam o comportamento de fumar mais do que a família. Ivanovic et al.37 demonstraram risco de 9,8 vezes para o tabagismo em adolescentes com amigos fumantes. Já o estudo de Segat et al.38 encontrou risco de 5,2 para o tabagismo entre adolescentes com amigos ou irmãos fumantes. A exposição ao fumo passivo em casa ou na universidade foi de 46%. A maioria dos estudantes (87,1%) respondeu que a proibição de fumar não é devidamente controlada nas instalações da universidade. Segundo relato da literatura, ambiente livre do fumo pode ajudar a melhorar a qualidade do ar, reduzir os problemas de saúde associados com a exposição ao fumo do tabaco e apoiar e incentivar tentativas de cessação entre os fumantes que tentam parar de fumar. Além disso, a criação de áreas livres de fumo nas instituições de ensino envia uma mensagem clara para os educadores, estudantes, pacientes e médicos sobre o impacto negativo do tabaco39,40. Conclusão Conclui-se que a prevalência de tabagismo entre os estudantes de Educação Física da UFAC é baixa (3,1%). Por outro lado, observou-se que a prevalência do uso regular de outras formas do tabaco, como rapé, cachimbos, cigarrilhas e narguilé, foi maior quando comparada à do uso de cigarros. O tabagismo é reconhecido como doença pela maioria dos acadêmicos. O papel de exemplo de não fumador para a sociedade é considerado de grande relevância para os acadêmicos. Artigo submetido em 04/07/2016, aceito em 24/10/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fonte de financiamento: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Acre (FAPAC). Correspondência: Sandra Márcia Carvalho de Oliveira, Centro de Ciências da Saúde e do Desporto (CCSD), Universidade Federal do Acre, Campus Universitário, BR 364, km 4, Distrito Industrial, CEP 69915-900, Rio Branco, AC. Tel.: (68) 3901.2500. E-mail: [email protected] SANDRA MÁRCIA CARVALHO DE OLIVEIRA1, ANDRÉ LUCAS LIMA DA SILVEIRA2, MARIA APARECIDA BUZINARI DE OLIVEIRA3, SEBASTIÃO AFONSO VIANA MACEDO NEVES4 Médica, Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), Rio Branco, AC. Professora adjunta, Curso de Graduação em Medicina, Centro de Ciências da Saúde e Desporto (CCSD), Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco, AC. 2 Médico, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Estado de Sergipe, Aracaju, SE. 3 Pesquisadora. 4 Professor adjunto, Curso de Graduação em Medicina, CCSD, UFAC, Rio Branco, AC. 1 Referências 1. Rosemberg J. Nicotina droga universal. São Paulo: SES/CVE; 2003. 2. Organización Panamericana de la Salud. La epidemia de tabaquismo: los gobiernos y los aspectos económicos del control del tabaco. Washington: OPS; 2000. 3. Araújo JA, Menezes AMB, Dórea AJPS, Torres BS, Viegas CAA, da Silva CAR, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo. J Bras Pneumol. 2004;30:S1-S76. 4. 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Foi encontrado um total de 591 artigos. Destes, foram selecionados três, que analisaram os efeitos do exercício físico supervisionado sobre o IMC em adolescentes durante o tratamento para anorexia nervosa. Não houve prejuízos em relação ao peso das pacientes, porém os ganhos não foram tão evidentes por marcadores clínicos ou biológicos. Há uma carência de estudos que avaliem a validade de atividade física durante o tratamento de anorexia em adolescentes. Palavras-chave: Atividade física, anorexia, adolescência. Abstract Several studies have investigated supervised physical activity in the treatment of anorexia nervosa, but there are disagreements in relation to the potential benefits/harms of this practice. The objective of this paper was to systematically review the effects of supervised physical exercise on body mass index (BMI) in adolescents receiving treatment for anorexia nervosa. The following databases were searched: 16 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 PubMed, EMBASE, Cochrane Library, and SCOPUS. The search terms used were exercise, anorexia, and adolescent; articles were selected based on BMI outcomes. A total of 591 articles were retrieved. Of these, three were selected, which examined the effects of supervised physical exercise on BMI in adolescents receiving treatment for anorexia nervosa. There were no negative effects in relation to the patients’ weight, but the benefits were not very evident based on clinical or biological markers. There is a lack of studies assessing the validity of physical activity during treatment for anorexia in adolescents. Keywords: Physical activity, anorexia, adolescence. Introdução A forma, peso e aparência do corpo são motivos constantes de insatisfação1, e o culto ao corpo se tornou uma modalidade que vem chamando a atenção por produzir uma obsessão pela forma e pela saúde2. Essa preocupação exacerbada pode resultar no desenvolvimento de transtornos alimentares (TA)3. Adolescentes, em geral, têm uma grande preocupação em relação a seu corpo4. Quando a insatisfação com o físico ultrapassa o limite adequado, os adolescentes iniciam uma dieta alimentar para perder peso e, gradualmente, de­senvolvem uma intensa preocupação em emagrecer1,3. Essa busca exagerada pode levá-los a um quadro de anorexia nervosa (AN). A AN é um transtorno alimentar onde os pacientes utilizam métodos extremos para emagrecimento, como jejum e excesso de atividade física1. Dessa forma, o exercício físico muitas vezes não é prescrito no MICHELE CASSER CSORDAS, CAROLINA PANCERI Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS. tratamento clínico pela incerteza do efeito benéfico ou deletério nesses indivíduos. Por outro lado, a saúde e a qualidade de vida podem ser preservadas e aprimoradas pela prática regular de atividade física5. O exercício físico sistematizado acarreta diversos benefícios, tanto na esfera física quanto na esfera mental do ser humano, em todas as idades5,6, seja através de uma ação preventiva em pessoas saudáveis ou terapêutica em pessoas doentes6. Vários estudos observacionais prospecti vos verificam uma relação inversa entre ati vidade física regular e doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral tromboembólico, hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, osteoporose, obesidade, cancro do cólon e da mama, doenças psiquiátricas, entre outras7. Devido à relação dose-resposta entre ati vidade física e saúde, os indivíduos que desejam alcançar benefícios adicionais na melhoria da sua aptidão física e redução do risco de doenças crônicas podem se beneficiar com a realização de uma dose excedente à mínima recomendada 8 . Entre os benefícios dos exercícios sobre a área emocional, estudos evidenciam resultados que possibilitam a redução da ansiedade e da depressão, a melhora do autoconceito, da autoimagem e da autoestima, aumento do vigor, melhora da sensação de bem-estar, melhora no humor, aumento da capacidade de lidar com estressores psicossociais e redução dos estados de tensão6,9. Durante a adolescência, especificamente, há evidências de que a atividade física traz benefícios associados também à saúde esquelética, como no conteúdo mineral e na densidade óssea, e ao controle da pressão sanguínea e da obesidade10. O tratamento para a AN envolve intervenção multidisciplinar, com a atuação de médicos, nutricionistas, psicólogos, terapeutas de família, educadores físicos, entre outros11. Alguns grupos recomendam a prática de atividade física orientada como componente de tratamento de recuperação de peso, reduzindo a ansiedade, elevando o humor e auxiliando na alimentação12. Embora o exercício aeróbico intenso seja inadequado devido ao alto gasto energético12, outras formas de exercício destinadas a aumentar a massa muscular podem ajudar a regular os comportamentos excessivos típicos da AN10,13. Entretanto, é importante que o paciente tenha uma supervisão direta de profissional capacitado, controlando o peso corporal e o índice de massa corporal (IMC). Os estudos a respeito desse tema divergem em relação aos possíveis benefícios/prejuízos, não havendo um consenso dessa prática. Assim, a presente revisão sistemática busca examinar os efeitos do exercício físico supervisionado sobre o IMC em adolescentes durante o tratamento para AN. MetodoloGIa Critérios de elegibilidade Foram incluídos ensaios clínicos randomizados ou não randomizados com adolescentes que participaram de programas de atividade física supervisionada durante o tratamento de AN. O desfecho incluído foi em relação ao IMC. Estudos com dados incompletos e estudos sem dados do grupo controle foram excluídos. Estratégia de busca Foram pesquisados os seguintes bancos de dados eletrônicos: MEDLINE (acessado via PubMed), Register of Controlled Trials (Cochrane Central), EMBASE e Web of Science. Ainda foi realizada uma busca manual nas referências de estudos já publicados sobre o assunto. A busca foi realizada em setembro de 2013 e compreendeu os seguintes termos em inglês: adolescent, exercise e anorexia. A estratégia de busca completa utilizada para o PubMed pode ser observada na Tabela 1. Não houve restrição de idioma na busca. Seleção dos estudos e extração dos dados Todos os artigos identificados pela estratégia de busca foram avaliados por dois revisores de forma independente. Os títulos e resumos foram primeiramente examinados, selecionando para a segunda fase os que preenchiam os critérios de inclusão ou aqueles que não forneciam informações suficientes sobre estes critérios. Nessa segunda fase, os artigos completos foram avaliados pelos mesmos revisores de forma independente. Discordância entre os revisores foram resolvidas por consenso e, se a discordância persistisse, por um terceiro revisor. Para evitar uma Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 17 ARTIGO DE REVISÃO MICHELE CASSER CSORDAS CAROLINA PANCERI possível contagem dupla de participantes incluídos em mais de um artigo dos mesmos autores, os períodos de recrutamento e as características dos participantes foram avaliadas. A extração dos dados foi conduzida de forma independente por dois revisores no que diz respeito às características metodológicas dos estudos, intervenções e resultados através de formulários padronizados; discordâncias foram resolvidas por consenso ou por um terceiro revisor. ARTIGO Resultados A busca inicial identificou 591 artigos, dos quais 15 estudos foram recuperados para análise detalhada. Desses, 12 foram excluídos por não relatarem os desfechos de interesse, por falta de dados, dados incompletos ou por não terem grupo controle conforme os critérios de inclusão, restando três artigos incluídos na revisão sistemática, totalizando 78 pacientes. A Figura 1 demonstra o fluxograma dos estudos incluídos, e a Tabela 2 resume as características desses estudos. Figura 1 - Fluxograma dos estudos incluídos. 18 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 MICHELE CASSER CSORDAS, CAROLINA PANCERI Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS. Tabela 1 - Características dos estudos e IMC dos grupos nos períodos pré e pós-intervenção Grupo experimental Amostra Idade* Del Valle et al.13 11 14,7 (0,6) Tokomura et al.14 9 14 Touyz et al.15 19 15,9 (2,4) Grupo controle Intervenção Tempo IMC pré* Exercícios anaeróbicos 2x/semana por 60-70 min 12 semanas 18,7 (1,7) Exercícios aeróbicos e anaeróbicos Exercícios anaeróbicos 5x/semana por 18,8 30 min (0,5) 6-12 meses 3h por semana 14,82 6 semanas (1,01) IMC pós* 18,2 (2,2) 21,7 (0,5) Protocolo IMC pré* IMC pós* 11 14,2 (1,2) Mantiveram o nível de atividade física que já tinham 18,2 (1,5) 18,3 (1,6) 8 14 Não realizaram atividade física 19,6 (0,7) 20,2 (0,5) 20 20 (5,2) Amostra Idade* Não realizaram 14,28 atividade física (1,32) * Dados apresentados como média (desvio padrão). DP = desvio padrão; IMC = índice de massa corporal. No estudo de Dell Valle et al.13, os autores selecionaram 35 pacientes adolescentes em atendimento com AN numa mesma instituição para a participação em um estudo com a orientação de atividade física. Um total de 22 pacientes aceitou participar do estudo, e estes foram randomizados em dois grupos de mesmo tamanho, um com atividade física orientada e outro sem atividade orientada. A idade média (desvio padrão, intervalo) na formação do grupo com atividades e no grupo controle foi de 14,7 (0,6, 14-16) anos e 14,2 (1,2, 12-16) anos, respectivamente. Aos participantes do grupo controle sem exercício, foi orientado que mantivessem o seu nível de atividade física usual durante o período do estudo. Para assegurar que o nível de atividade física fosse semelhante nos dois grupos, houve avaliação dos níveis de atividade física em ambos os participantes durante o período de intervenção, usando um acelerômetro uniaxial. Participantes do grupo de intervenção foram inscritos em atividades duas vezes por semana. Cada sessão de atividade tinha a duração de 60-70 minutos. Cada subgrupo de três participantes contava com um profissional responsável pela supervisão das atividades. Dos 11 participantes do grupo de intervenção, nove completaram todas as sessões planejadas. Não foi observado nenhum efeito adverso ou problema cardíaco em nenhum participante. O principal achado do estudo foi que o programa de treinamento realizado em ambiente hospitalar não induz ganhos significativos na capacidade funcional, incluindo a capacidade aeróbica de jovens, nem na sua capacidade de lidar com as atividades físicas da vida diária. Embora não melhore significativamente a qualidade de vida dos pacientes, a intervenção do treinamento foi bem tolerada, e não houve quaisquer efeitos deletérios sobre a saúde dos pacientes, além de não induzir perdas significativas em seu peso ou IMC. A diferença entre os grupos no tempo médio decorrido desde o diagnóstico (42 e 72 meses para o grupo com treinamento e o grupo controle, respectivamente) pode ter influenciado, ao menos em parte, alguns resultados. No entanto, deve-se manter em mente que as variáveis dos principais resultados, incluindo o IMC, foram semelhantes nos dois grupos. No estudo de Tokomura et al.14, 17 adolescentes com AN foram submetidas a uma prova de esforço para avaliar sua capacidade de exercício depois de recuperado seu peso para um valor clinicamente estável. Para nove pacientes (com idades entre 12 e 17 anos, mediana de 14 anos), foi prescrito um treinamento (30 minutos de bicicleta ergométrica, supervisionado, cinco vezes por semana). Oito pacientes não participaram do programa de treinamento físico e serviram como grupo controle. Os dois grupos não eram significativamente diferentes em suas características na admissão, como idade, duração da AN, altura ou peso. Todos os nove pacientes no grupo do exercício seguiram a prescrição completa Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 19 ARTIGO DE REVISÃO MICHELE CASSER CSORDAS CAROLINA PANCERI de exercícios e concluíram o programa, cuja duração variou de 6 a 12 meses, com média de 10 meses, sem qualquer resposta inadequada ao exercício. Nenhum dos pacientes, nos dois grupos, apresentou recaída durante o período de observação, e não houve diferenças significativas nos valores de parâmetros basais entre o grupo com exercício e o grupo controle. Houve um aumento no IMC após 1 ano de intervenção, comparado ao inicial em ambos os grupos, e seu ganho foi maior no grupo de intervenção. O estudo de Touyz et al.15 apresentou uma amostra composta por 39 pacientes com AN. Todos os pacientes foram submetidos a um programa comportamental brando e flexível, que permitiu que mantivessem um maior grau de controle sobre o seu processo de realimentação. O grupo total foi dividido em dois. Não havia uma diferença significativa de média de peso entre as participantes dos dois grupos. O primeiro grupo (n = 19) utilizou o programa comportamental brando e flexível, incluindo 3 horas por semana de um programa estruturado de exercícios anaeróbios que envolviam alongamento, aprimoramento da postura, musculação, esporte social e atividade aeróbica ocasional. O segundo grupo (n:20) recebeu o mesmo programa comportamental brando e flexível, sem os exercícios anaeróbicos. A quantidade de peso ganho durante o período de 4 a 6 semanas foi calculada a partir dos gráficos de peso dos pacientes, e não houve diferença significativa no IMC dos grupos, com ou sem prática. Não houve uma diferença significativa, também, na taxa de ganho de peso entre os pacientes que participaram do programa de exercícios e os que não participaram. Discussão Os estudos selecionados corroboram o fato de que não há prejuízo evidente na prática de atividade física em adolescentes em tratamento para AN. Deixam claro, entretanto, que o programa de treinamento a ser proposto deve respeitar o grau de gravidade da doença. Os adolescentes devem estar em uma fase do tratamento onde o peso já foi recuperado e o IMC não ponha o paciente em risco. Esses fatores reforçam a modalidade do exercício, preferencialmente não aeróbico16. 20 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO Outros estudos recomendam que, para pacientes com AN, a recuperação do peso corporal deve ser o principal foco17,18. Por isso, praticar apenas atividades físicas predominantemente aeróbicas não seria recomendado17,18. Esses pacientes, geralmente, possuem histórico de uso abusivo de exercícios físicos, sendo essencial o aconselhamento e a supervisão direta de profissional capacitado para a prática saudável, principalmente em relação à quantidade e à intensidade19. Belmont17 apresenta em seu estudo os objetivos e cuidados que devem ser seguidos em um programa de exercícios como coadjuvante no tratamento de pacientes com TA hospitalizados. Alguns dos objetivos do programa são: a promoção de saúde por meio da educação e da prática regular de exercícios; a ênfase do cuidado com a saúde, com a imagem corporal e com a autoestima; a colaboração com a recuperação de peso, promovendo, principalmente, ganho de massa magra e diminuição do tecido adiposo; o incentivo da prática de exercícios como uma alternativa de atividade social e a desmistificação de crenças e mitos referentes à prática excessiva e inadequada. Existem, dessa forma, duas vertentes da relação das atividades físicas com os transtornos alimentares: a prática excessiva e compulsiva de pessoas com algum TA como método para perder peso e a possível intervenção com atividades supervisionadas em conjunto com o atendimento clínico19. Alguns autores se mostram contra a prática de exercícios físicos para pacientes com AN em fase de recuperação de peso. Embora utilizando termos diferentes, compulsivo e excessivo, sustentam que se deve observar a qualidade e a quantidade de exercício físico desses pacientes contraindicando12. Ainda, não apenas o exercício precisa ser avaliado, mas as atividades físicas não estruturadas, como atividades domésticas, que podem ser usadas como forma de gasto energético12. Em contrapartida, em um estudo de revisão, os autores recomendam sessões de exercícios como componente do tratamento de recuperação do peso no intuito de reduzir a ansiedade, elevar o humor e ajudar na alimentação17. Apesar das evidências dos benefícios da atividade física em níveis clínicos e orgânicos nos mais diversos marcadores, os estudos selecionados nesta revisão sistemática demonstram que os benefícios em relação MICHELE CASSER CSORDAS, CAROLINA PANCERI Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS. ao IMC se mantiveram similares em grupos controle que continuaram com suas atividades usuais e nos que não participaram da intervenção, mas eram assistidos pelos estudos em questão, embora a qualidade metodológica dos estudos encontrados, o pequeno tamanho amostral e o pequeno número de estudos dificultem uma definição sobre o tema abordado. Importante evidência são os benefícios psicológicos propiciados pela realização das atividades propostas6,9,20,21. Esses benefícios são esperados pelos eventos biológicos ocasionados através da atividade física, como no aumento dos níveis de triptofano, conduzindo a uma síntese aumentada de serotonina, bem como de seu metabolismo22,23, e no aumento do fator neurotrófico derivado do cérebro23,24, e também podem ser justificados pelo fator neurotrófico estar envolvido em processos de regeneração neuronal, nomeadamente dos neurônios serotoninérgicos, e o seu aumento parece desencadear um efeito antidepressivo25. No entanto, não foi relatado um consenso sobre esse aspecto nos estudos. Os resultados subjetivos dos exercícios nos grupos de pacientes foram exclusivamente positivos, como a melhora no humor26 e na sociabilização, podendo complementar a fase do tratamento em que se trabalha para a recuperação dos hábitos saudáveis do paciente. O exercício físico como modalidade terapêutica é acessível, tem poucos efeitos adversos, custo reduzido e pode ser mantido por um longo período de tempo, permitindo obter benefícios não só psicológicos, mas também físicos27, no que diz respeito à melhoria dos padrões de sono, aumento da força muscular e melhor controle glicêmico, condições estas que frequentemente estão presentes no quadro do paciente anoréxico. ConClusão Ainda que haja consenso a respeito dos inúmeros benefícios da prática de atividade física para a população em geral e em algumas doenças, a revisão sistemática pode trazer novas considerações em se tratando de pacientes com AN, no qual se questionam os riscos/ benefícios dessa prática. O exercício orientado e supervisionado pode ser um complemento ao tratamento realizado na AN; no entanto, poucos estudos foram encontrados com o desfecho de interesse, limitando qualquer conclusão a respeito. Percebe-se, assim, que a literatura sobre o tema ainda é escassa. Além disso, os referidos estudos não contemplavam os comportamentos alimentares, aspecto relevante na composição do IMC, assim como tinham um pequeno tamanho amostral e intervenções com metodologias diferentes. A realização de mais estudos com maior número amostral e metodologia mais rigorosa é necessária para que seja possível prescrever exercícios físicos para pacientes com AN com segurança, além de definir um protocolo nesse sentido. Pesquisas com intervenção de exercício físico abordando, além do IMC, os demais índices antropométricos, adesão ao tratamento, aspectos psicológicos e qualidade de vida seriam interessantes para um olhar integral sobre a saúde do adolescente com AN. Artigo submetido em 17/08/2016, aceito em 12/09/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Correspondência: Carolina Panceri, Rua Ramiro Barcelos, 2350/845, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS. Tel.: (51) 3359. 8144. E-mail: [email protected] Referências 1. 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Benefícios do exercício físico sobre a área emocional. Movimento. 2002;8:7-16. UK Department of Health. Exercise referral systems: a national quality assurance framework. London: Department of Health; 2001. Haskell WL, Lee IM, Pate RR, Powell KE, Blair SN, Franklin BA, et al. Physical activity and public health: updated recommendation for adults from the American College of Sports Medicine and the American Heart Association. Med Sci Sports Exerc. 2007;39:1423-34. Silva PSB, Ferreira CES. Exercício físico e humor: uma revisão acerca do tema. Educ Fis Rev. 2011;5:1-8. Tassitano RM, Bezerra J, Tenório MCM, Colares V, Barros MVG de, Hallal Pedro Curi. Atividade Física em adolescentes brasileiros: uma revisão sistemática. Rev Bras Ciantropom Desempenho Hum. 2007;9:55-60. Cartwright MM. Eating disorder emergencies: understanding the medical complexities of the hospitalized eating disordered patient. Crit Care Nurs Clin North Am. 2004;16:515-30. 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Med Sci Sports Exerc. 1989;21:66-70. 17. Beumont PJ, Arthur B, Russell JD, Touyz SW. Excessive physical activity in dieting disorder patients: Proposal for a supervised exercise program. Int J Eat Disord. 1994;15:21-36. 18. Cook BJ, Hausenblas HA. The role of exercise dependence for the relationship between exercise behavior and eating pathology: mediator or moderator? J Health Psychol. 2008;13:495-502. 19. Weis A. Transtorno alimentar e variáveis comportamentais relacionadas ao exercício físico em academia de ginástica [tese]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2013. 20. Hausenbias HA, Cook BJ, Chittester NI. Can exercise treat eating disorders? Exerc Sports Sci Rev. 2008;36:43-7. 21. Peluso MA, Guerra de Andrade LH. Physical activity and mental health: the association between exercise and mood. Clinics (São Paulo). 2005;60:61-70. 22. Chaouloff F, Elghozi JL, Guezennec Y, Laude D. 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HEWDY LOBO RIBEIRO JULIANA PIRES CAVALSAN AMAURY CANTILINO JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO ARTIGO ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL, PARTE III: GRAVIDEZ PÓS-ESTUPRO – REVISÃO INTEGRATIVA CARING FOR VICTIMS OF SEXUAL VIOLENCE, PART III: PREGNANCY AFTER RAPE – INTEGRATIVE REVIEW Resumo O cuidado às vítimas de violência sexual exige conhecimento das evidências e treinamento. Exame e acompanhamento psiquiátrico da interrupção legal da gestação e atendimento a grupos familiares incestuosos revelam janelas de vulnerabilidades e oportunidades na prevenção das graves consequências dessas ofensas. O objetivo deste estudo foi reunir conhecimento crítico sobre gravidez indesejada pós-estupro, suas repercussões e abordagens, contribuindo para o desenvolvimento de protocolos e boas práticas. Tratase de revisão integrativa, coleta de dados em fontes secundárias (MEDLINE, EMBASE, PsycINFO), com base na experiência vivenciada pela primeira autora. Os seguintes descritores nas línguas portuguesa e inglesa foram utilizados: transtorno mental, violência sexual, estupro, gravidez e aborto. A amostra foi de 32 artigos científicos e dois da mídia leiga. Com o adoecimento mental e físico das vítimas de violência sexual, a economia mundial perde mais de 8 trilhões de dólaresano (hospitalizações psiquiátricas, dependência de álcool e drogas, suicídio, obesidade, enxaqueca, doenças cardiovasculares, problemas obstétricos), havendo maior peso estatístico para portadoras de déficit intelectual e adolescentes. Existem 37 unidades de saúde no Brasil que atendem gravidez pós-estupro – três possuem assistência psiquiátrica. Milhares dessas gravidezes não são reveladas, geram conflitos, riscos e desafios relativos aos filhos gerados. O aborto legal envolve dificuldades institucionais e emocionais dos profissionais e pacientes frente a decisões complexas e dolorosas antes, durante e após o procedimento. A prontidão cognitivo-afetiva 24 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 para receber cuidados, quando tardia, compromete a vida de vítimas e seus filhos. Conclui-se que combater e prevenir a transmissão transgeracional da violência de gênero e gravidez pós-estupro deve ser prioridade de saúde pública. Palavras-chave: Violência sexual, gravidez indesejada pós-estupro, aborto, transtorno mental. Abstract Caring for victims of sexual violence requires knowledge of the evidence available and training. Screening and psychiatric follow-up of legally terminated pregnancies and assistance to incestuous families reveal windows of vulnerabilities and opportunities in preventing the serious consequences of these offenses. The objectives of this study were to gather critical knowledge about unwanted pregnancy after rape, its repercussions and approaches, contributing to the development of protocols and best practices. This was an integrative review, with data collected from secondary sources (MEDLINE, EMBASE, PsycINFO), based on the first author’s experience. The following keywords were used in Portuguese and English: mental disorder, sexual violence, rape, pregnancy, and abortion. The sample comprised 32 scientific articles and two from the lay press. Mental and physical illnesses affecting victims of sexual violence cost the world economy over 8 trillion dollars a year (psychiatric hospitalizations, alcohol and drug addiction, suicide, obesity, migraine, cardiovascular diseases, obstetric problems), with a higher statistical power among women with intellectual disabilities and adolescents. Currently, 37 health units in Brazil offer GISLENE CRISTINA VALADARES1, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA2, RENAN ROCHA3, JOEL RENNÓ JR.4, HEWDY LOBO RIBEIRO5, JULIANA PIRES CAVALSAN5, AMAURY CANTILINO6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO7 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. Diretor científico, PROPSIQ. Presidente, ABP. 3 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 4 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 6 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 7 Especialista em Psiquiatria pela ABP. Pesquisador, Grupo de Psiquiatria - Transtornos Relacionados ao Puerpério, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS. 1 2 assistance to cases of pregnancy after rape – three offer psychiatric assistance. Thousands of these pregnancies are not revealed, generate conflicts, risks, and challenges related to the children born after rape. Legal abortion involves institutional and emotional difficulties for both professionals and patients while facing complex and painful decisions before, during, and after the procedure. Cognitive-affective readiness to receive care, when delayed, compromises the lives of victims and their children. We conclude that combating and preventing transgenerational transmission of gender violence and pregnancy after rape should be a public health priority. Keywords: Sexual violence, unwanted pregnancy after rape, abortion, mental disorder. IntRodução O cuidado na atenção às vítimas de violência sexual (VVS) exige dos profissionais de diversas áreas envolvidos (saúde, justiça, assistência social, educação, etc.) conhecimento sobre a gravidade do problema e treinamento que sustente, com evidências, as avaliações, o tratamento e a prevenção desse mal que assola de forma prevalente as relações humanas. A insegurança dos agentes públicos e privados e as dificuldades emocionais, sociais, ideológicas e materiais para a abordagem das VVS ganham notoriedade na mídia e nas publicações científicas, com a participação e crescente protagonismo de mulheres, adolescentes, crianças, homossexuais e transgêneros como pesquisados e pesquisadores. Observam-se, na prática psiquiátrica cotidiana, evidências insuficientes para abordar a violência de gênero (VG) e a violência sexual (VS), reduzindo seu foco à listagem de sintomas, dificultando a ressignificação dos traumas e a prevenção. A experiência em ambulatório de saúde mental de mulheres examinando VVS que engravidam e necessitam avaliação e acompanhamento psiquiátrico para a interrupção legal da gestação (IG), bem como o atendimento a grupos familiares incestuosos, revelam janelas de vulnerabilidades e oportunidades na prevenção das ofensas sexuais (OS). Estressores diários e sociais somados agravam os sintomas da VVS. O cotidiano de dificuldades materiais, de moradia, desemprego e doenças aparecem associados à forma mórbida como a VS é disseminada na comunidade, nas escolas, nas redes sociais e nas famílias, gerando julgamento, culpabilização e estigmatização das vítimas e justificativas atenuantes ao estuprador1. Esse contexto contribui para o adoecimento e deterioração psíquica das VVS e também para a subnotificação, sendo que o registro desse crime ocorre apenas em 35% dos casos nos EUA, 15% na Austrália em 2010, e somente 7,5% no Brasil, onde 10% são notificados apenas via sistema de saúde, sem alcançar a esfera judicial. Estima-se que, no mínimo, 527 mil pessoas sejam estupradas por ano no país. Foram registrados judicialmente 47.646 estupros no Brasil em 2014, e pelos dados da saúde, temos uma vítima por minuto dessa barbárie2. Não é sem fundamento que 67% da população das grandes cidades brasileiras têm medo de ser VVS, e 90% das mulheres temem ser violentadas sexualmente3. oBJetIVos O objetivo deste artigo foi reunir o conhecimento e pensamento crítico sobre o tema da gravidez indesejada pós-estupro (GIPE), suas repercussões e abordagens, e contribuir para o desenvolvimento de protocolos e procedimentos apoiados nas boas práticas e nas evidências em OS e GIPE. Método Trata-se de uma revisão integrativa4, com coleta de dados a partir de fontes secundárias, incluindo levantamento bibliográfico (MEDLINE, EMBASE, PsycINFO), e baseada na experiência vivenciada pela primeira autora. Foram utilizados os seguintes descritores e suas combinações na língua portuguesa e na língua inglesa: transtorno mental, violência sexual, estupro, gravidez e aborto. Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português e inglês nos últimos 10 anos; e artigos na íntegra referentes aos cuidados com vítimas de OS que engravidam. A síntese dos dados foi elaborada de forma descritiva, buscando observar, relatar, descrever e classificar as informações. Resultados A amostra final desta revisão foi constituída por 32 artigos científicos e dois artigos da mídia leiga, seguindo critérios de inclusão previamente estabelecidos. Percebe-se um aumento no número de artigos científicos Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 25 ARTIGO DE REVISÃO GISLENE CRISTINA VALADARES ANTÔNIO GERALDO DA SILVA RENAN ROCHA JOEL RENNÓ JR. HEWDY LOBO RIBEIRO JULIANA PIRES CAVALSAN AMAURY CANTILINO JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO publicados sobre o tema em foco nos últimos anos nas disciplinas de saúde, justiça, sociologia e a perspectiva de construção de uma metodologia de pesquisa e prática baseada em evidências. Violência sexual e transtornos mentais A VS é bastante prevalente; 40% das mulheres sofreram ou sofrerão uma OS ao longo de sua vida5. A VS é questão de saúde pública em todo o mundo, e o estupro, uma das mais perversas apresentações da VG, com impacto no desenvolvimento de doenças físicas e psíquicas graves e incapacitantes, elevando a maior utilização dos serviços de saúde. A VG independe de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual ou condição social da vítima e do ofensor, e é responsável por 1 em cada 5 anos potenciais de vida saudável perdidos, afetando o bem-estar, segurança, possibilidades de educação e desenvolvimento pessoal. Historicamente, a VS acompanha outras formas de violação dos direitos femininos: diferença de remuneração em relação aos homens, agravando a injustiça na distribuição de renda; tratamento desumano nos serviços de justiça e saúde; assédio sexual e moral nas ruas, no trabalho, no convívio social e virtual. Esses constrangimentos contra a mulher e sua invisibilidade custam à economia mundial mais de US$ 8 trilhões por ano6. A inter-relação entre OS precoce, posterior risco de VG e transtornos mentais vem sendo descrita, apesar de ser complexo o mapeamento de dados retrospectivos, factíveis de equívocos no sequenciamento dos fatos, e da dificuldade no reconhecimento pois vários tipos de ofensa podem ocorrer ao mesmo tempo, especialmente em ambiente familiar onde o ofensor pode alienar a vítima ativa ou passivamente7. Em função da transmissão transgeracional da violência, nota-se que crianças expostas têm grande chance de ofenderem ou serem ofendidas e violentadas sexualmente em sua vida adulta. As mulheres que relataram qualquer trauma não sexual na infância apresentaram maior prevalência de VG ao longo da vida8. Mulheres que sofreram OS com penetração apresentam mais do dobro de probabilidade de serem obesas (em média 11 kg a mais se vítimas de OS e abuso físico), três vezes mais chances de sofrer distúrbios mentais com necessidade de hospitalização, quatro vezes mais chances de depender de álcool, 26 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO cinco vezes mais risco de depender de drogas e mais de seis vezes a probabilidade de tentar suicídio9. As VVS também tiveram aumento de 38% em chance de sofrer enxaquecas, de forma quantitativamente dependente ao número de abusos, se comparadas a controles10,11. Demonstrou-se que as portadoras de déficit intelectual estão mais expostas à violência de gênero, com incapacitação mais severa e pior qualidade de vida7. Os abusos físicos e sexuais precoces no gênero feminino estão relacionados à comorbidade de transtornos de ansiedade e depressivos com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)12. Já o início mais precoce de trauma infantil por abuso emocional, sexual ou negligência estão vinculados a tentativas de suicídio, ciclagem rápida e maior número de episódios depressivos no transtorno bipolar13. Pacientes psicóticos de início precoce e história de trauma sexual na infância apresentaram níveis mais elevados de sintomas depressivos, sintomas positivos, negativos e maniformes versus pacientes com trauma em idade avançada que mostraram apenas mais sintomas negativos. Esses resultados sugerem que a idade no momento da exposição ao trauma tem um efeito modulador sobre os sintomas nesses pacientes14. Há insuficiência de evidências associando OS ao diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno somatoforme15. As mulheres portadoras de doenças psiquiátricas graves e crônicas são parte do grupo de alta vulnerabilidade para VS. Tais pacientes, por não se conscientizarem da gestação, podem apresentar risco de infanticídio logo após o parto, sem emoção ou culpa, pois os fetos não são inscritos na psique materna, não existindo para elas. Alguns desses casos podem ser inimputáveis e aparecem na mídia provocando comoção pública. A gravidez indesejada pós-estupro (GIPE) Mesmo na atualidade, existem crianças concebidas sem a consciência das mães e não porque elas esqueceram seu contraceptivo. A GIPE é um risco, junto a doenças sexualmente transmissíveis (DST), caso a mulher não seja adequadamente assistida nas 72 horas após esse flagelo. Desde agosto de 2013, a lei nº 12.845, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, garante direito GISLENE CRISTINA VALADARES1, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA2, RENAN ROCHA3, JOEL RENNÓ JR.4, HEWDY LOBO RIBEIRO5, JULIANA PIRES CAVALSAN5, AMAURY CANTILINO6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO7 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. Diretor científico, PROPSIQ. Presidente, ABP. 3 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 4 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 6 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 7 Especialista em Psiquiatria pela ABP. Pesquisador, Grupo de Psiquiatria - Transtornos Relacionados ao Puerpério, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS. 1 2 de atendimento emergencial, integral e multidisciplinar nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) às mulheres VVS, bem como àquelas em risco de morte por complicações perinatais ou gerando fetos anencefálicos, que desejam abortar16. No Brasil, temos 68 hospitais que dispensam esse procedimento, segundo o Ministério da Saúde, porém apenas 37 estão em atividade e não contam com nenhuma expansão ou atualização qualificada dos profissionais envolvidos há 10 anos. Apenas três serviços possuem assistência psiquiátrica às vítimas. Em sete estados brasileiros, não há essa infraestrutura. Alguns centros de atendimento fazem exigências ilegais, como boletim de ocorrência, exame de corpo de delito médico legal ou aprovação de cada caso em comitê de ética da instituição16. O acesso também é dificultado por pouca informação das mulheres e dos profissionais de saúde (PS) sobre os direitos da VVS. A GIPE deve ser tratada de forma diferenciada, de acordo com a história pessoal, com as circunstâncias do estupro e a capacidade de resiliência da vítima, pois algumas mulheres encontrarão no filho gerado um motivo para viver, enquanto outras enxergarão no bebê a figura do estuprador, revivescência viva e contínua do trauma. Estas últimas buscam a interrupção da gravidez (IG) por vias legais ou ilegais e, quando não conseguem abortar, são mais propensas a doar o bebê logo após o nascimento, para serem criados em uma família onde o fantasma do agressor não se revele através da criança. Uma minoria de mulheres aceita que a criança não tem responsabilidade e evoca um sentimento materno que as desvia dos horrores vividos, permitindo um exorcismo da culpa inconsciente, ligada às situações de VS. A gravidez resultante de incesto e pedofilia pode ocorrer até mesmo em meninas pubescentes, imaturas para elaborar o significado emocional da GIPE. Nessa circunstância, existe modificação nos padrões de filiação, quando a figura do ofensor está superposta à do pai ou irmão. Essas mulheres têm que enfrentar a transgressão de uma lei fundamental e estruturante da sociedade e são oprimidas pelo estigma e por um discurso ambivalente, sustentado por sua mãe, que se manteve em silêncio, impondo uma sensação de abandono e culpa à grávida. Um dos motivos de poucas denúncias do fato à justiça é “não poder trair os laços familiares”, mesmo quando definições e limites foram abandonados17,18. Há poucos dados sobre crianças geradas de estupro, mas sabemos que houve mais de 10.000 durante o genocídio da guerra em Ruanda19. Como nos conflitos entre grupos de traficantes no Brasil, o estupro, coletivo ou não, se utiliza como instrumento de dominação em áreas de disputa. Existem milhares de GIPE não reveladas por ano, devido aos sentimentos de vergonha e medo das repercussões, permanecendo o desafio de conhecer como estas mães criam seus filhos. As crianças são, em sua maioria, mornamente recebidas, mesmo com a imensa capacidade de sedução dos bebês direcionada a obliterar a culpa por não terem sido desejados. Uma postura reativa, superindependente e autossuficiente dessas crianças pode levá-las a um aprisionamento afetivo de difícil saída, e sua psique pode ser irreversivelmente moldada após viver diversas formas de violência precoce e intrafamiliar. A adoção de mecanismos de defesa perversos pode levá-las à marginalização e delinquência. Essas crianças sobrevivem com a dificuldade ou a impossibilidade de pensarem sobre si mesmas em seu real lugar na sociedade. Cada gravidez tem sua história e um desdobramento. A criança confronta seu destino com deficiências de variados portes, e seu desenvolvimento depende principalmente da qualidade afetiva dos pais e do suporte pelo meio social e familiar que acolhe e acompanha o seu desenvolvimento17,18. Com a decisão de manter a GIPE, por escolha própria, medo, culpa ou falta de opção, algumas VVS desenvolvem pensamentos e sentimentos de que os bebês são sua força para uma vida melhor, mas durante o parto podem reviver o trauma, reativando as lembranças e a dissociação. Essas vítimas podem manter atitude de distância e dificuldade na ligação emocional com o filho; têm que cuidar de uma criança enquanto se refazem do trauma de terem sido violentadas e podem sofrer de TEPT com provável agravamento e cronificação. Há relatos de contínua oscilação e ambivalência entre rejeitar e aceitar a criança. A amamentação pode também ser traumática por relembrar detalhes do estupro, porém outras mulheres, ao amamentarem, podem desenvolver uma visão positiva de seu corpo, auxiliando a ligação com o bebê. Certas Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 27 ARTIGO DE REVISÃO GISLENE CRISTINA VALADARES ANTÔNIO GERALDO DA SILVA RENAN ROCHA JOEL RENNÓ JR. HEWDY LOBO RIBEIRO JULIANA PIRES CAVALSAN AMAURY CANTILINO JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO mães relatam desconforto ao dar banho ou trocar as fraldas do neonato, ao limpar os genitais de meninas ou ao perceber que seu filho tem uma ereção; não conseguem olhar ou tocar o bebê, prejudicando inclusive a higiene. A dificuldade em tocar amorosamente a criança é um continuum com outras formas de demonstrar afeto19. Medo e sentimentos de descontrole durante a gravidez, parto e pós-parto podem também conectar a VVS a experiências precoces de violência. Memórias traumáticas reveladas e ressignificadas diminuem a autoacusação e o senso de violação, abrindo perspectiva para um reencontro interno e externo com figuras amorosas, atenuando a ambivalência e permitindo compartilhar a experiência com alguém de sua confiança. A mãe necessita transpor a visão do bebê como parte estragada de si e ver-se como mãe da criança que ela optou por amar e proteger17,18. São frequentes os problemas obstétricos relacionados ao estresse durante o trabalho de parto e ao nascimento do bebê como o prolongamento do primeiro estágio, sangramento no pré-parto e uso emergencial de fórceps em mulheres expostas a VS, com leve aumento deste risco nas adolescentes20. A representação materna da criança pode estar enormemente comprometida. Grande parte dos efeitos psicológicos, sociais e culturais do estupro repercute na díade mãe-bebê, incluindo raiva e vergonha, alicerces para que a violência permaneça encoberta como “proteção” para mãe e criança. A mãe pode se defender reagindo à criança rejeitando-a, tentando descontar nela sua dor e humilhação, tornando-se depressiva e hiperreativa, não suportando o choro, deixando de lado as necessidades básicas do filho, sentidas como demandas de um homem adulto. As mulheres com convicções religiosas e suporte familiar têm maior possibilidade de aceitar a gestação e a criança, e algumas dizem não admitir revitimizála. Algumas poucas sentem que não interromper a gestação é curar a sua ferida interna, recomeçar a vida, e persistir com a gestação significa uma vitória sobre o estupro, possibilidade de recuperação da autoestima perdida, um ato de coragem e generosidade17,18. Entretanto, algumas VVS desejam firmemente a IG ou a doação do bebê e evitam qualquer laço emocional. Essas vítimas não desejam ver o ultrassom, ouvir os batimentos cardiofetais ou olhar o recém-nascido 28 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO logo após o parto17,19. Assim, com frequência, sentem que nada de bom sairá de seus corpos, enfrentam profundos conflitos, tendem ao uso de drogas, à prostituição, e não buscam cuidados pré-natais. Diante de tamanhas dificuldades e ambivalências, a opção da mulher VVS deve ser respeitada e sua escolha apoiada, de acordo com a ética e a legislação, sendo o suporte e aconselhamento livres de julgamento, fundamentais para esclarecer suas dúvidas e temores. Interrupção da gravidez Há elevada prevalência de abortos legais e ilegais em culturas que convivem de forma naturalizada com a violência contra mulheres. A VS é a principal causa de IG, seguida, à distância, pelo risco de morte materna e malformação fetal21. A indicação de IG, assim como o seu contexto e as práticas clínicas relacionadas a ela necessitam de mais estudos sistemáticos. Muitas mulheres quando engravidam nessa circunstância desejam a morte para si e para seu filho. Pensar ou olhar a criança pode ser muito doloroso, pelas lembranças do perpetrador e de si própria enquanto vítima, o que constrói projeções negativas quanto ao bebê, visto como quem a pune ou “emissário do demônio”22. Várias dificuldades da VVS e dos serviços podem promover atrasos na busca e no atendimento, chegando mesmo a inviabilizar a realização do procedimento. A decisão sobre a IG é geralmente tomada antes ou próxima ao teste de gravidez para a maioria das VVS, que, numa corrida contra o tempo, sob tensão do trauma, insegurança, vergonha, humilhação e indignação, encontram-se num momento de fragilidade para decidir. Algumas vítimas relacionam a decisão a outras razões, como separação do parceiro agressor, dúvidas, etc., e quando o suporte de familiares e amigos não é possível, o acolhimento pelo profissional do serviço de saúde deve ser respeitoso e sem julgamento moral. É sempre difícil falar, e o desejo de “se livrar de tudo, esquecer e seguir a vida” desponta às entrevistas: “Só falo sobre isso porque preciso fazer a IG”, “Sempre critiquei quem aborta e nunca me perguntei por que uma mulher tomaria essa decisão”. Apenas 20% dos serviços utilizam protocolos para a provisão de cuidados e análise de dados. Países que GISLENE CRISTINA VALADARES1, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA2, RENAN ROCHA3, JOEL RENNÓ JR.4, HEWDY LOBO RIBEIRO5, JULIANA PIRES CAVALSAN5, AMAURY CANTILINO6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO7 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. Diretor científico, PROPSIQ. Presidente, ABP. 3 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 4 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 6 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 7 Especialista em Psiquiatria pela ABP. Pesquisador, Grupo de Psiquiatria - Transtornos Relacionados ao Puerpério, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS. 1 2 adotam protocolos incluem avaliação psicológica e psiquiátrica das mulheres que demandam a IG. No Brasil, apenas três serviços contam com a presença da psiquiatria no fluxo de atendimentos das pacientes. Em 50% dos países onde o aborto não é criminalizado, existe o rastreio de rotina de VS como causa de gestação não desejada, devido à sua alta prevalência, e isso amplia o foco dos cuidados após a IG21. Serviços prestadores de IG legal devem oferecer suporte multiprofissional, integrando as necessidades e pontos de vista das mulheres atendidas, inclusive sobre o melhor momento para o uso das fontes de apoio, cuidados clínicos e psicossociais22-24. Algumas mulheres que demandam IG apresentam elevados níveis de angústia psíquica antes do procedimento e níveis significativamente reduzidos após o mesmo19,21. Ambas as experiências emocionais, positivas e negativas, são ligadas ao aborto. Sentimentos complexos de ser “solitariamente responsável pela escolha e por sua fertilidade, por tirar uma vida”, de ser “responsável por evitar vida de sofrimento para um ser indesejado” e “por sua própria vida pós IG” são expressos por mulheres jovens em situação de aborto, em etapas iniciais da gravidez25-27. Elas têm preocupações sobre o tempo de espera para o procedimento, aspectos emocionais durante o processo, insegurança com o ambiente hospitalar e cuidados e relatam pensamentos e reflexões existenciais sobre a vida, a morte e a moralidade22,24. Informações sobre o que esperar durante o processo de aborto permite que as pacientes se sintam partícipes valorizadas nas etapas da IG. Andersson et al. desenvolveram um estudo sistematizado, qualitativo e esclarecedor sobre as experiências, sentimentos e pensamentos da mulher que se submete à IG no segundo trimestre. Encontraram mulheres que consideraram o feto como uma criança, desde o início da gestação, necessitando auxílio profissional com atitude empática para que estas VVS se sentissem seguras durante a IG28. Algumas mulheres buscam mais informação e apoio em quem já viveu esse dilema do que junto aos profissionais dos serviços de saúde. São recentes os websites que esclarecem e fomentam discussão sobre os efeitos do estupro, orientam o que fazer em caso de VS e GIPE, auxiliam a pensar sobre manter ou não a gestação, sobre a IG legal e também sobre como é cuidar e educar uma criança concebida através de estupro. Sentir e pensar: aspectos emocionais da interrupção da GIPE Quanto mais adiantada a gestação, mais fortes e conflitantes são as emoções, independente do motivo da IG. O pensamento racional costuma ofuscar os sentimentos difíceis, e a participação dos profissionais de saúde mental, sensíveis às necessidades das vítimas, pode facilitar a elaboração e ampliação de perspectivas para elas. Antes e depois do aborto, são expressos sentimentos positivos e negativos de tristeza, libertação, culpa, medo, desrealização, alegria, dor, vergonha, nojo, ambivalência, responsabilidade, pânico, vazio, respeito, angústia, desespero, luto, raiva, abandono, alívio, desvalia, maturidade, perplexidade. Por não ser frequente a demonstração de indiferença, podemos constatar o nível de ambivalência presente nesse momento e a importância do apoio multiprofissional do serviço de saúde, somado ao amparo de uma pessoa amiga ou parente para transformar preocupações sobre algo desconhecido em sentimentos de gestão de uma experiência nova e extremamente difícil. Poucos estudos têm abordado a opção por visualizar ou não as imagens do ultrassom antes da IG inicial e no segundo trimestre. Antes e depois do aborto, a maioria das mulheres não quer ver o feto ou não sabe se gostaria de vê-lo. Elas temem que a visualização cause mais dor, problemas mentais futuros e evitam pensar sobre o concepto. Em alguns estados americanos, há a obrigatoriedade de mostrar as imagens ultrassonográficas e os batimentos cardiofetais como estratégia para inibir a opção das VVS pela IG. Nenhuma orientação específica ou recomendação a respeito da visualização do feto após um aborto induzido por GIPE existe, gerando preocupação entre profissionais sobre como lidar com mulheres que desejam ver o feto após a expulsão. As equipes receiam aumentar o risco de TEPT e de suicídio entre as VVS submetidas a aborto no segundo trimestre, cuja procura tardia aumenta as complicações e instiga apreensão21,28. Perguntas, raramente feitas, sobre os pensamentos, sentimentos e desejo de visualização do feto através de exames objetivam ampliar a participação Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 29 ARTIGO DE REVISÃO GISLENE CRISTINA VALADARES ANTÔNIO GERALDO DA SILVA RENAN ROCHA JOEL RENNÓ JR. HEWDY LOBO RIBEIRO JULIANA PIRES CAVALSAN AMAURY CANTILINO JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO e compreensão das VVS durante o processo, desde a decisão até o cuidado pós-aborto. A razão subjacente real para o aborto nem sempre é revelada à equipe, portanto, é importante ter a mente aberta às necessidades e desejos das VVS27,29. Uma atitude compreensiva e ausente de julgamento tem grande impacto tranquilizador no enfrentamento pelas mulheres da IG por GIPE. Experiência de partos e abortos anteriores parece influenciar a dor durante o aborto, mesmo quando percebida como algo novo e diferente de qualquer experiência prévia. Mulheres com GIPE são focadas na dor física e têm medos antecipados de sangramento e morte, enquanto as mulheres com anomalias fetais se concentram mais na dor mental28. Após a IG, o alívio é a impressão dominante e se expressa com maior frequência do que a culpa. Gerenciar e superar algo emocional e fisicamente desafiador contribui para deslocar o foco de sentimentos como a mágoa e indica a importância de proporcionar oportunidades de elaboração individual, independentemente da causa do aborto, como o fim de uma etapa e da gravidez em si. Observa-se uma tendência das mulheres a se preocuparem mais com o feto, parceiro, filhos e familiares do que consigo mesmas; nem todas desejam incluir seu parceiro ou familiar no processo, para não sobrecarregálos, e mesmo as bem jovens muitas vezes escolhem ficar sozinhas durante o aborto. A dor física e mental vivida é descrita como especialmente difícil. Dores físicas de forte intensidade, coincidindo com a expulsão do feto e que, comparadas às dores menstruais, de trabalho de parto ou de aborto espontâneo ou induzido anterior, são avaliadas como “muito pior do que o esperado”, especialmente para as nulíparas e mesmo com o uso de opioide para reduzir e encurtar o pico doloroso. A dor emocional foi considerada pior do que a física. Sobreviver a complicações, sangramento e dor traz uma sensação de fortaleza e segurança, denotando capacidade de lidar com o medo da morte e com a IG. Para algumas mulheres, é importante sentir que a decisão foi sua, própria e independente da opinião de outros, mesmo sendo emocionalmente difícil. O fato de focar em gerir a situação, admitindo que as coisas difíceis não podem ser evitadas, que têm que ser vividas, faz emergir um 30 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO poder, de dentro de si mesmas, que ajuda a atravessar o período do aborto. A maioria das mulheres aprecia ter um parente ou amigo presente durante o processo; entretanto, outras escolhem ter tempo para reflexão e reparar sua integridade sozinha. Mulheres que recebem acompanhamento psíquico e podem falar sobre o aborto apreciam esse cuidado. Algumas VVS são surpreendidas pela memória global do aborto ser positiva, sem sentimentos negativos e de culpa consistentes, visto não ser o aborto em si um preditor estatisticamente significativo de ansiedade posterior, transtornos de humor, transtorno de controle de impulso, transtornos alimentares ou ideação suicida30,31. Os profissionais de saúde e o aborto Os profissionais dos serviços de saúde habilitados à atenção de VVS que fazem IG de forma legal têm sido objeto de poucos estudos, em comparação à extensa literatura sobre os aspectos médicos do aborto. A investigação de seus pontos de vista, experiências de trabalho e sua visão de futuro profissional demonstra que ginecologistas, enfermeiros, parteiras, psiquiatras e assistentes sociais não duvidam da importância de sua participação nesse processo, apesar de experimentarem situações complexas e difíceis, como repetição e abortos tardios, conflitos morais e éticos, ameaças e hostilidade por parte de pacientes e colegas. Experimentam seu trabalho como paradoxal e frustrante, mas também como estimulante e gratificante, de forma similar às mulheres quando necessitam submeter-se à IG. Ressalta-se a rara oferta de orientação, supervisão e educação continuada profissional. A interação entre os profissionais dos serviços de saúde, quando fundamentada em confiança recíproca, alivia a carga de responsabilidades. Observamos necessidade de fóruns de debate e reflexão, devido inclusive ao progressivo número de abortos realizados medicamente e maior probabilidade futura de abortos domiciliares com parteiras e enfermeiras 32. A solidão declarada por membros das equipes de policiais civis, militares, das delegacias de infância e adolescência e delegacias de mulheres repete a solidão dos ginecologistas obstetras, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras nos serviços de saúde e apontam a necessidade de GISLENE CRISTINA VALADARES1, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA2, RENAN ROCHA3, JOEL RENNÓ JR.4, HEWDY LOBO RIBEIRO5, JULIANA PIRES CAVALSAN5, AMAURY CANTILINO6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO7 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. Diretor científico, PROPSIQ. Presidente, ABP. 3 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 4 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 6 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 7 Especialista em Psiquiatria pela ABP. Pesquisador, Grupo de Psiquiatria - Transtornos Relacionados ao Puerpério, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS. 1 2 melhor integração, preparo e suporte psicoemocional e legal para os que cuidam das mulheres nessa difícil situação. dIsCussão FInal Quarenta por cento das mulheres do mundo vivem em países com leis restritivas ao aborto, que o proíbem ou só o permitem para proteger a vida da mulher ou sua saúde física ou mental. Nesses países, as VVS têm de recorrer a intervenções clandestinas a fim ter a gravidez indesejada encerrada, emergindo as consequentes taxas elevadas de abortos inseguros, com um número estimado de mortalidade materna de 70.000 por ano em 2014, sem quantificação para as consequências nocivas e complexas à saúde física, mental e sexual de curto e longo prazo32-34. A gravidade das sequelas da VS depende do tipo de assistência recebido21, do contexto do estupro, da GIPE, das condições psicossociais e culturais da VVS, da experiência da mulher em lidar com essa situação e seus desdobramentos, dos suportes internos e externos com os quais pode contar e dos eventos de vida subsequentes. Diversos contextos e condições podem estar intrinsecamente relacionados à família (como violência pelo parceiro íntimo ou incesto) e à comunidade (date rape com ou sem uso de drogas e álcool, estupro por pessoa conhecida ou namorado, estupro de trabalhadoras do sexo por clientes, estupro de moradoras de rua, estupro durante inconsciência ou uso de drogas lícitas ou ilícitas, durante internação psiquiátrica, em rituais ou cultos, durante guerras civis, em prisões, como limpeza étnica, como tortura, por integrantes de grupos pacificadores, em campos de refugiados, exilados, pós-desastres naturais, etc.). Em todas as situações, as mulheres carregam o isolamento, o sentimento de perda e a culpa por sobreviverem além do trauma do estupro. O uso de serviços de aconselhamento e planejamento familiar pós-aborto é encorajador, mas ainda inconclusivo em relação à sua efetividade isolada, necessitando ser melhor explorado30,31. A prevenção de outra GIPE e da revitimização por exposição naturalizada às diversas formas de violência nos faz questionar o alcance de uma única abordagem ou sequência de intervenções para atingir as necessidades dessa população. As intervenções necessitam priorizar a atenção de acordo com a necessidade individual de cada VVS, promovendo seu empoderamento, auxiliando sua consciência crítica, sua independência e liberdade, durante o cuidado de suas feridas físicas e psíquicas. Há pouco na literatura sobre tratamentos psicoterápicos individuais ou de grupo para as VVS que optaram por manter a GIPE, comparadas às que optaram pela IG. Observamos que as pacientes abandonam precocemente a psicoterapia, elegem outros aspectos da vida como emergentes e mais desafiadores, porém retornam sem elaboração adequada ao seu ambiente. Apesar da função crucial do profissional de saúde mental ser reduzir a intensa projeção sobre a relação dessas vítimas consigo e com seus filhos e parceiros, muitas mulheres irão procurar atendimento mais tarde e com filhos portadores de variados problemas psiquiátricos, dificultando a explicitação da origem desses transtornos mentais em uma GIPE anterior. Deparamo-nos extemporaneamente com padrões de ligação maternofilial infantilizados, com a representação confusa do pai e com fraco desenvolvimento de uma autoestima positiva na díade mãe-filho. Focando na prática clínica e no desenvolvimento de políticas de saúde, salientamos a importância de serviços de suporte à mulher vítima de estupro, às equipes hospitalares e ambulatoriais e serviços de saúde mental interligados, de forma a facilitar à mulher, e eventualmente aos seus filhos, segurança para buscar e receber tratamento adequado e efetivo. Salvaguardar o direito das mulheres de viver sem violência assegura proteção à sua saúde mental e ao seu bem-estar, assim como de seus filhos. Proteger as crianças de testemunhar ou experimentar VG deve ser uma prioridade de saúde pública, prevenindo VS e GIPE no futuro. Artigo submetido em 09/05/2016, aceito em 19/07/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Dra. Gislene Cristina Valadares, Rua do Ouro, 686, Serra, CEP 30220-000, Belo Horizonte, MG. Tel.: (31) 3223.2389. E-mail :[email protected] Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 31 ARTIGO DE REVISÃO GISLENE CRISTINA VALADARES ANTÔNIO GERALDO DA SILVA RENAN ROCHA JOEL RENNÓ JR. HEWDY LOBO RIBEIRO JULIANA PIRES CAVALSAN AMAURY CANTILINO JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO Referências 1. Verelst A, De Schryver M, De Haene L, Broekaert E, Derluyn I. The mediating role of stigmatization in the mental health of adolescent victims of sexual violence in Eastern Congo. Child Abuse Negl. 2014;38:1139-46. 2. Bueno S, Cerqueira DRC, Lima RS. Crimes contra a liberdade sexual, estupro. In: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública; 2015. p. 6, 7, 36, 48. 3. Mariz R. Exigências fora da lei dificultam acesso a aborto após estupro, diz pesquisa [Internet]. 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Presidente, ABP. 3 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 4 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 6 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 7 Especialista em Psiquiatria pela ABP. Pesquisador, Grupo de Psiquiatria - Transtornos Relacionados ao Puerpério, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS. 1 2 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. RI, et al. Obstetric outcomes of mothers previously exposed to sexual violence. PLoS One. 2016;11:e0150726. 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Resumo O conceito de codependência, embora muito popular no meio clínico do campo das dependências químicas, segue sendo considerado um constructo muito criticado e controverso no meio científico. Nosso objetivo foi avaliar o estado da arte sobre o constructo de codependência de familiares de usuários de álcool e outras drogas quanto à etiologia e outros possíveis fatores relacionados. Tratase de uma revisão da literatura através da busca de artigos indexados em bases de dados, publicados nos idiomas inglês, português e espanhol, utilizando-se os descritores codependência, transtornos relacionados ao uso de substâncias e família. Foram incluídos 16 artigos nesta revisão, os quais retratam que o conceito de codependência segue teorizado e pouco explorado de forma empírica. Tentativas de escalas de rastreio foram realizadas sem replicações de estudos de campo. De uma forma geral, aqueles que se autoidentificam como pessoas codependentes, uma vez que recebem suporte, relatam alguns benefícios positivos. O termo, mais do que um conceito psicológico de fato validado, parece representar um movimento social que deu empoderamento aos membros das famílias de usuários de álcool e outras drogas. Mais estudos de campo sobre a validação conceitual da codependência e os fatores a ela relacionados devem ser conduzidos, a fim de corroborar sua real utilidade clínica e ampliação de evidência da existência desse fenômeno. Palavras-chave: Codependência, transtornos relacionados ao uso de substâncias, família. 34 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 Abstract The concept of codependency is very popular in the clinical setting in the field of addiction but continues to be a highly criticized and controversial construct in the scientific literature. The objective of this paper was to evaluate state-of-the-art information on the construct of codependency of family members of users of alcohol and other drugs with regard to etiology and other possible related factors. In this literature review, databases were searched for indexed articles published in English, Portuguese, and Spanish, using the keywords codependency, substance-related disorders, and family. A total of 16 articles were included in the review; according to these articles, the concept of codependency continues to be essentially theoretical and little explored empirically. Attempts have been made to use screening scales, but replication in field studies are lacking. Overall, individuals who self-identify as codependent report positive benefits – probably because they receive support. The term codependency, more than a validated psychological concept, seems to represent a social movement that has empowered family members of users of alcohol and other drugs. More field studies are necessary to achieve the conceptual validation of codependency, as well as to investigate factors related to it. Only then will the real clinical usefulness of this phenomenon be confirmed, and the body of evidence of its existence expanded. Keywords: Codependency, substance-related disorders, family. ALESSANDRA DIEHL1, DALZIRA DA SILVA2, ALINE TAGLIATTI BOSSO2 Psiquiatra e educadora sexual. Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 2 Assistente social. Especialista em Dependência Química pela UNIFESP, São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 1 IntRodução Vários estudos têm demonstrado que a dependência de substâncias psicoativas e suas consequências são um grave problema de saúde pública em vários locais do mundo, com grande impacto social e econômico para os países1, os quais afetam não somente o indivíduo que usa álcool e drogas, mas também todo o seu núcleo familiar2-4. Em termos da proporção dessa interferência familiar do consumo de álcool e drogas, chama a atenção o fato de que mais de 25 milhões de indivíduos brasileiros habitam com um membro usuário de substâncias psicoativas, segundo informações do Levantamento Nacional de Famílias de Dependentes Químicos (amostra com 3.153 famílias), cujas informações foram divulgadas em 2013 pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Os dados dessa pesquisa confirmam a interferência da vulnerabilidade social presente nos lares, tanto para um indivíduo como para todo o núcleo familiar, visto que, para cada dependente, há outras quatro pessoas convivendo com o problema dentro de casa5. Assim sendo, a família exerce um papel crucial tanto para o campo preventivo como para o domínio das intervenções terapêuticas associadas aos transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras substâncias psicoativas. Isso porque ora a família pode induzir riscos, ora pode servir como um sistema encorajador e protetor, tanto na iniciação e experimentação de substâncias psicoativas como no processo de recuperação para aqueles que já adoeceram devido ao consumo6,7. A busca pelo entendimento do impacto das relações entre familiares de dependentes químicos, de como elas se constroem e, a partir delas, quais são os resultados gerados deu origem, em meados dos anos 70, a uma tentativa de definir um fenômeno comportamental caracterizado por uma extrema dedicação em cuidar, bem como de “salvar” o membro da família envolvido no consumo de substâncias psicoativas, os quais chegam a adquirir características e comportamentos tão disfuncionais quanto aqueles observados pelo membro da família dependente de álcool e outras drogas8. Tal fenômeno foi denominado de codependência9. O constructo inicialmente foi utilizado para descrever a pessoa, parente ou amigo, que tem uma relação direta e íntima com um dependente de álcool e o torna mais propenso à manutenção da dependência química8. A partir de uma perspectiva de intercâmbio social e da teoria da aprendizagem, argumenta-se que os tipos de estratégias de controle que os codependentes utilizam não são apenas ineficazes, mas eles realmente funcionam para reforçar a probabilidade do abuso de substâncias ser repetido no futuro, principalmente através dos tipos de comunicação negativa entre os envolvidos8,10. Argumenta-se que a natureza paradoxal da estrutura de poder dentro do relacionamento do codependente e seus familiares usuários de álcool e/ou drogas coloca limites sobre os tipos de estratégias de controle que codependentes podem utilizar em suas tentativas de extinguir o comportamento do consumo de substâncias do seu parceiro ou de sua parceira10. Apesar de a terminologia codependência ter adquirido muito rapidamente um espaço no campo das dependências químicas11, ser amplamente utilizada e extremamente popular, observa-se, ainda nos dias atuais, que a mesma segue sendo considerada um constructo muito criticado e controverso no meio científico. Isso porque parece existir uma carência de pesquisas destinadas a promover a validação da codependência enquanto conceito ou constructo psicológico, existindo mais no campo teórico do que no empírico, que possa corroborar de fato sua utilidade clínica e a ampliação de evidência da existência desse comportamento, o qual foi primeiramente descrito em esposas de dependentes de álcool12-14. Muitas outras definições de codependência vêm sendo realizadas, como por exemplo: a codependência como um sistema de vida que emerge em famílias disfuncionais de origem, produzindo uma estagnação no desenvolvimento e nos resultados dos processos de interação dessa família; como uma pessoa que tem uma reação exagerada ao exterior e com baixa sensibilidade interna para solucionar problemas8; como um comportamento de uma pessoa essencialmente “normal” que faz um esforço para se ajustar a um cônjuge e a um evento de vida estressante; ou, ainda, como um padrão de dependência dolorosa sobre os outros, comportamentos compulsivos na busca de aprovação, para tentar encontrar segurança, autoestima e identidade. Também tem sido definida como um padrão de comportamento atrelado a traços de personalidade Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 35 ARTIGO DE REVISÃO ALESSANDRA DIEHL DALZIRA DA SILVA ALINE TAGLIATTI BOSSO claramente identificáveis de um membro da família que tem um dos entes afetado por dependência de substâncias psicoativas15. Outra definição encontrada na literatura e bastante utilizada por profissionais da área é que se trata de uma doença primária presente em todos os membros da família que têm um dependente químico em seu seio, com manifestações psicossomáticas, o que pode muitas vezes ter um prognóstico pior do que a própria dependência química. Codependência também se define como uma característica emocional e psicológica do comportamento que ocorre como consequência de um conjunto opressivo de regras que impedem a manifestação aberta de sentimentos e o diálogo sobre problemas pessoais e interpessoais14. Também o termo codependência foi definido como uma condição para o vínculo que se manifesta pela tendência excessiva em “carregar” ou cuidar de outros. Trata-se de um padrão na realização de autonomia e identidade. O conceito de codependência tem sido usado também para descrever um padrão exagerado de dependência que faz com que o indivíduo, em detrimento de si mesmo, acabe desequilibrando sua própria vida pessoal, familiar, de trabalho e áreas sociais, com prejuízo de sua própria identidade16. O codependente, em geral, tende a perder o controle de sua própria vida e de seus limites, investindo toda a sua energia em ser útil e pertencer à vida do outro8. Ao mesmo tempo em que muitas tentativas de definições foram formuladas, resultados empíricos adquiridos através da investigação científica têm levantado dúvidas sobre a validade do conceito e do constructo17. O psicólogo Dr. Robert Westermeyer, em texto de publicação não indexada, fez uma crítica bastante severa ao conceito de codependência em artigo que intitulou “The codependency idea: when caring becomes a disease”, o qual, na tradução literal quer dizer “A ideia da codependência: quando cuidar tornou-se uma doença”. Ele afirma que o termo codependência para ele é uma das “mais confusas e iatrogênicas ideias no reino da psicologia clínica”. O autor justifica reforçando o que outros autores já haviam mencionado com relação ao fato de não haver estudos empíricos suficientes sobre a temática e a carência de cientificidade avaliando essa condição e a terminologia. Ele critica dizendo que a ideia da codependência tende a patologizar uma tendência 36 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO natural de cuidar dos outros. Também critica o fato de que cuidar da parceria é de algum modo responsável pela manutenção do “comportamento adicto” do outro18. Outros críticos argumentam que o modo como este fenômeno vem sendo conceituado e, sobretudo, utilizado pelos conselheiros em dependência química e grupos de mútua ajuda tende a colocar um holofote sobre a questão, de forma a patologizar um comportamento interpessoal ou de “medicalizar” um comportamento dito “desviante”, principalmente de mulheres (esposas de dependentes de álcool), diminuindo a identidade feminina e reforçando uma cultura sexista e de vitimização, o que, em geral, tende a aumentar a estigmatização da condição, sobretudo das mulheres esposas de usuários de álcool e outras drogas19,20. Por outro lado, o modelo de codependência praticado e amplamente difundido pelos grupos de mútua ajuda destinados a acolher familiares de dependentes químicos, como, por exemplo, o Al-Anon, Nar-Anon e o Alateen, tem se mostrado uma ferramenta importante2124 , que promove segurança, estabilidade e esperança às famílias cujos membros são portadores da síndrome de dependência ao álcool. Além disso, tende a fornecer suporte social e eficácia no potencial para mudar o comportamento do bebedor e do uso de drogas25-29. Portanto, justifica-se a importância de conduzir uma revisão da literatura na tentativa de verificar qual é o estado da arte tanto do conceito quanto da etiologia e de outros fatores relacionados ao constructo codependência entre familiares de usuários de álcool e outras drogas, sendo este o objetivo deste estudo. Métodos Trata-se de uma revisão da literatura realizada através da busca de artigos científicos nas bases de dados LILACS, MEDLINE, PubMed e SCIELO utilizando os seguintes descritores combinados: no idioma português, codependência, família, transtornos relacionados ao uso de substâncias; no idioma inglês, codependency, substance-related disorders, family; e em espanhol, combinados e separados com codependencia, trastornos relacionados con sustancias, familia. Foram selecionados artigos publicados na década de 1980, quando o conceito de codependência começou a ser difundido, até 2016, nos idiomas português, inglês e espanhol, indexados nas ALESSANDRA DIEHL1, DALZIRA DA SILVA2, ALINE TAGLIATTI BOSSO2 Psiquiatra e educadora sexual. Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 2 Assistente social. Especialista em Dependência Química pela UNIFESP, São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 1 bases de dados mencionadas. Foram utilizados como critérios de inclusão: artigos que retrataram aspectos relacionados ao termo codependência em usuários de substâncias psicoativas e algum envolvimento de análise de famílias. Foram utilizados como critérios de exclusão: artigos que versavam sobre outras morbidades que não a dependência de substâncias, como, por exemplo, jogo patológico ou dependência de sexo; artigos que não tivessem o abstract nos idiomas mencionados; e artigos que avaliaram codependência em profissionais da saúde. A busca de artigos foi realizada no período de agosto de 2015 a julho de 2016. Resultados Foram rastreados potenciais 55 artigos, sendo incluídos nesta revisão 16 artigos que preencheram os critérios de inclusão e exclusão mencionados para esta revisão8,9,14,17,30-41. A Tabela 1 mostra os artigos incluídos, suas respectivas metodologias e os principais achados e comentários dos estudos avaliados. Tabela 1 - Metodologia e principais achados dos estudos selecionados sobre codependência entre familiares de usuários de álcool e outras drogas (2016) Autores Knapek & Kuritárné Szabó14 Ano Metodologia 2014 Revisão da literatura Noriega et al.30 2008 Estudo de corte transversal com 845 mulheres Dear & Roberts31 2005 Revisão de quatro estudos da aplicação da escala Holyoake Codependency Index Principais achados - A codependência varia num espectro de gravidade entre psicopatologia da personalidade, dependência comportamental ou “comportamento feminino excessivo”. - Etiologia ligada a hipóteses de insuficiência do córtex pré-frontal para inibir respostas empáticas, multiplicidade de experiências aversivas em uma família disfuncional, alterações na percepção do papel de mulher. - 25% da amostra foi positiva para codependência. - As mulheres com um roteiro cultural de submissão foram oito vezes mais propensas a desenvolver codependência do que aqueles sem essa programação. Fatores associados a mais chance de codependência: parceiro com dependência de álcool, pai com problemas de álcool, maus tratos físicos e sexuais pelo parceiro e história de maus tratos emocionais. A validade do constructo foi encontrada nos subitens da escala e demostraram associações significativas com outras variáveis psicológicas e demográficas. Comentários - Homens também podem se tornar codependentes. - Condição subreconhecida. - Pode cursar com sintomas depressivos e mascarar a necessidade de receber atenção também para a codependência. Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 37 ARTIGO DE REVISÃO ALESSANDRA DIEHL DALZIRA DA SILVA ALINE TAGLIATTI BOSSO Autores Ano Metodologia Rotunda et al.32 2003 Estudo de corte transversal com 42 indivíduos dependentes de álcool e seus familiares utilizando um instrumento chamado The Behavioral Enabling Scale 33 2003 Estudo piloto com Harkness amostra heterogênea de homens e mulheres 2001 Estudo piloto de Harkness34 corte transversal com pequena amostra de famílias que convivem com dependência de substâncias 1999 Estudo de corte Nisikawa et longitudinal com 1 al.35 ano de seguimento com 105 esposas de dependentes de álcool; 87 responderam ao seguimento Teichman & Basha36 Hinkin & Kahn37 Miller17 38 1996 Estudo de corte transversal em três comunidades terapêuticas de Israel 1995 Estudo de corte transversal com 97 mulheres que conviviam com algum dependente de álcool 1994 Artigo de comentários críticos e discussão do autor sobre alguns dos problemas do modelo de doença de codependência revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO Principais achados A maioria dos pacientes e parceiros relataram que o parceiro assumiu tarefas ou deveres do dependente de álcool em algum momento durante a relação, bebeu ou usou outras drogas com o paciente e mentiu ou deu desculpas para os outros para encobrir o bebedor. Comentários O comportamento codependente tende a amplificar a relação entre a família de origem e os problemas médicos crônicos. Não houve associação significativa que suporte presença de dependência de substância na estrutura intrafamiliar ou o desenvolvimento de codependência entre seus membros. Equilíbrio entre coesão familiar e capacidade de adaptação familiar esteve relacionado com maiores taxas de abstinência do parceiro. Houve mudanças no nível de codependência e nas percepções de suas relações familiares entre o início e as fases iniciais e tardias do tratamento dos residentes. Os resultados revelaram níveis significativamente maiores de sintomatologia psicológica entre os indivíduos que convivem com algum dependente de álcool e têm uma história familiar de alcoolismo, os quais foram, em parte, consistentes com a sintomatologia hipotética de codependência. O entendimento do campo da codependência e sua capacidade de ajudar o cônjuge são limitadas, a menos que outras conceituações possam ser consideradas. O envolvimento excessivo das esposas com os problemas de álcool dos maridos não levou à abstinência dos mesmos. Não houve diferença entre a frequência de participação em grupos de apoio de familiares para a manutenção da abstinência do membro da família afetado pelo alcoolismo. As associações não foram significativas. ALESSANDRA DIEHL1, DALZIRA DA SILVA2, ALINE TAGLIATTI BOSSO2 Psiquiatra e educadora sexual. Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 2 Assistente social. Especialista em Dependência Química pela UNIFESP, São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 1 Autores Hawks et al.38 Ano Metodologia 1994 Estudo de corte transversal com 293 adolescentes e seus pais Principais achados O número de problemas de comportamento de adolescentes esteve associado com atitude perseguidora dos pais e com sofrimento. O’Gorman9 1993 Revisão narrativa exploratória da literatura Izquierdo8 2002 Revisão da literatura com descrição de uma metodologia de tratamento baseado na psicoterapia interpessoal 2008 Revisão narrativa da literatura - Codependência como um aprendizado no desamparo. - Empoderamento necessário para aqueles que crescem em famílias disfuncionais. Conceituada como uma doença primária, ou Etiologia multifatorial. uma característica de personalidade, ou uma resposta a uma situação de stress como forma de cuidar. Hernández Castañón & Villar Luis39 Blanco40 Bortolon et al.41 dIsCussão 2013 Estudos de casos de mulheres codependentes que frequentam grupos de autoajuda e sofreram violência 2016 Estudo de corte transversal avaliando 550 famílias de usuários de álcool e outras drogas Comentários As associações de uso de substâncias e comportamentos problemáticos com codependência não foram moderadas por preferência religiosa ou por ser um membro de uma religião que prega a abstinência. A codependência está fundamentada na divisão de gêneros. Resultados dialogam com a questão da resiliência e responsabilidade pela sua busca de autonomia. Mães e esposas com menos de 8 anos de educação têm mais sintomas de codependência. Quanto maior o nível de codependência imposta ao familiar, maior a carga significativa sobre o bem-estar físico e emocional dos afetados, resultando em problemas de saúde, reatividade, autonegligência e responsabilidades adicionais. Através da análise dos estudos incluídos nesta revisão, pode-se observar uma heterogeneidade de estudos com diferentes métodos e medidas de desfechos, onde o conceito de codependência segue um modelo teorizado. Isso significa dizer que apesar de amplamente utilizado na prática clínica de muitos serviços de atenção aos usuários de substâncias psicoativas e popularizado entre os grupos de mútua ajuda23,24 para familiares cujo algum dos membros tem problemas com álcool e drogas, segue sendo um constructo pouco explorado de forma empírica e não pode ainda ser considerado de fato uma doença14,18. Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 39 ARTIGO DE REVISÃO ALESSANDRA DIEHL DALZIRA DA SILVA ALINE TAGLIATTI BOSSO Apenas os estudos de Dear & Roberts31 demonstraram validade do constructo, mesmo com amostras pequenas de sujeitos avaliados. Hinkin & Kahn37 e Bortolon et al.41 mostraram níveis significativamente maiores de sintomatologia psicológica entre os indivíduos que convivem com algum dependente de álcool e têm uma história familiar positiva de alcoolismo, os quais sugerem que os achados são parcialmente consistentes com a sintomatologia hipotética descrita para a codependência31,41. Além disso, percebe-se que os conceitos existentes de codependência dentro de um modelo de doença parecem sugerir que uma vez codependente, para sempre codependente em recuperação, não havendo uma clara noção de cura. Outras abordagens psicológicas de famílias de dependentes químicos podem compreender que existe uma diferença entre ser codependente e estar codependente, havendo uma compreensão de que tal condição faz parte de um sistema familiar e que é possível transitar para uma condição de melhora e remissão de sintomatologia6,7. Tentativas de escalas de rastreio para a codependência utilizaram a Holyoake Codependency Index, como no estudo conduzido por Dear & Roberts31, que mostraram validade do construto encontrada nos subitens da escala e demostraram associações significativas com outras variáveis psicológicas e demográficas. No entanto, a replicação da utilização dessa escala em estudos de campo com amostras maiores não foram observadas em outras pesquisas31. O’Gorman sugere que o termo “codependência”, mais do que um conceito psicológico de fato validado, parece representar uma necessidade de identidade do movimento social iniciado na década de 1970 e que serviu para empoderar os membros das famílias de usuários de álcool e outras drogas9. Knapek et al. sugerem que a origem da chamada codependência é multifatorial e especulam algumas hipóteses, tais como: a insuficiência do córtex préfrontal para inibir respostas empáticas, multiplicidade de experiências aversivas em uma família disfuncional, abuso emocional e negligência e alterações na percepção do papel da mulher do dependente químico14. Entre outras causas aventadas para o desenvolvimento da 40 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 ARTIGO codependência, estariam questões psicodinâmicas relacionadas principalmente aos tipos de vinculações afetivas durante a infância e a manifestação de uma forma sutil de direito narcisista8. Miller questiona a capacidade de o conceito de fato ajudar os cônjuges identificados como codependentes e a necessidade de ampliação de outras conceituações17. No entanto, de uma forma geral, aqueles que se autoidentificam como codependentes, uma vez que recebem suporte, relatam alguns benefícios com relação à mudança de comportamento8,36,40. Estes achados já foram observados em outros estudos que avaliaram desfechos semelhantes e positivos nos grupos AlAnon22-25. Entre as principais limitações metodológicas desta revisão, está o fato de que a grande maioria dos estudos não utilizou pesquisa de campo com amostras representativas que possam de fato ser generalizadas. Os estudos de revisão, por sua vez, apoiaram-se também em bibliografia e referências de construções teóricas oriundas de livros (incluindo livros desenvolvidos com a característica de serem de autoajuda), capítulos de livro e textos não indexados. Assim sendo, o estado da arte atual quanto ao conceito, origem e fatores relacionados à codependência entre os usuários de álcool e outras drogas e seus familiares permanece sujeito a críticas e ceticismo. Conclusão Mais estudos de campo sobre a validação conceitual da codependência e os fatores a ela relacionados devem ser conduzidos, a fim de corroborar sua real utilidade clínica e ampliação de evidência da existência desse fenômeno e, por conseguinte, a inserção do conceito dentro de uma ótica de apoio e suporte aos indivíduos dependentes de substâncias psicoativas e seus familiares. Artigo submetido em 11/07/2016, aceito em 25/07/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Alessandra Diehl, Rua Borges Lagoa, 570, Vila Clementino, CEP 04038-020, São Paulo, SP. Tel./Fax: (11) 5571.7254. E-mail: [email protected] ALESSANDRA DIEHL1, DALZIRA DA SILVA2, ALINE TAGLIATTI BOSSO2 Psiquiatra e educadora sexual. Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 2 Assistente social. Especialista em Dependência Química pela UNIFESP, São Paulo, SP. Instituto Américo Bairral de Psiquiatria, Itapira, SP. 1 Referências 1. Krupski A, West II, Graves MC, Atkins DC, Maynard C, Bumgardner K, et al. Clinical needs of patients with problem drug use. J Am Board Fam Med. 2015;28:605-16. 2. Greenfield TK, Karriker-Jaffe KJ, Kerr WC, Ye Y, Kaplan LM. Those harmed by others’ drinking in the US population are more depressed and distressed. Drug Alcohol Rev. 2015 Sep 1. doi: 10.1111/dar.12324. [Epub ahead of print] 3. Huhtanen P, Tigerstedt C. Women and young adults suffer most from other people’s drinking. Drug Alcohol Rev. 2012;31:841-6. 4. O’Farrell TJ, Fals-Stewart W. Family-involved alcoholism treatment. An update. Recent Dev Alcohol. 2001;15:329-56. 5. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (IMPAD), Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD). 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Iniciada a clozapina, observou-se excelente resposta, porém houve o achado de neutropenia significativa na 11ª semana de uso do medicamento, quando, então, foi decidida sua suspensão. Face à gravidade do caso e boa resposta à clozapina, o carbonato de lítio foi usado como agente estimulador de granulopoiese e, após normalização e estabilização da contagem de neutrófilos, a clozapina foi reinserida ao esquema terapêutico. O paciente obteve boa melhora clínica, alta hospitalar e vem mantendo-se estável desde então. O caso sugere as possibilidades de usar novamente a clozapina em pacientes que tenham apresentado granulocitopenia, caso a associação com o lítio seja possível, e do uso prévio de lítio em pacientes com níveis baixos de leucócitos, mas que sejam candidatos a uso de clozapina. Palavras-chave: Clozapina, lítio, neutropenia. Abstract Clozapine is the antipsychotic of choice for the treatment of refractory schizophrenia. Agranulocytosis, however, is a serious side effect that may limit its use. We describe the case of a 25-year old patient, hospitalized, diagnosed with refractory schizophrenia. Clozapine was initiated, with excellent response, but significant neutropenia was observed at 11 weeks of drug use, and clozapine was then discontinued. Given 44 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 the seriousness of the case and the good response obtained with clozapine, lithium carbonate was used as a granulopoiesis stimulating agent. After neutrophil count normalization and stabilization, clozapine was reintroduced to the therapeutic scheme. The patient showed a good clinical response, was discharged, and has been stable since then. The case suggests the possibilities of using clozapine again in patients who have presented granulocytopenia when the associated use of lithium is possible, and of using lithium previously in patients with low leucocyte levels who are candidates for clozapine use. Keywords: Clozapine, lithium, neutropenia. Introdução A clozapina é o antipsicótico de escolha para o tratamento da esquizofrenia refratária. Um efeito colateral temido e que limita seu uso é a neutropenia1-12. O caso relatado é de um paciente com diagnóstico de esquizofrenia grave e refratária que obteve excelente resposta clínica à clozapina acompanhada, porém, de neutropenia progressiva, o que levou à interrupção do tratamento. Após a retirada da clozapina, o paciente apresentou piora significativa do quadro clínico. Por questões operacionais, não foi possível a realização de eletroconvulsoterapia (ECT), então decidiu-se por tratamento com o lítio visando ação hemopoiética e futura tentativa de associação de lítio e clozapina. Após restituição dos leucócitos, a associação foi iniciada, e o paciente voltou a melhorar clinicamente. Após 9 meses de reinício da clozapina, a leucometria do paciente se mantém dentro da normalidade. Diante de tal relato, a LUCIANA VALENÇA GARCIA1,2, ANTÔNIO PEREGRINO2, MILENA FRANÇA1 1 Hospital Ulysses Pernambucano, Recife, PE. 2 Faculdade de Ciências Médicas, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, PE. associação do lítio com a clozapina é posta como uma possibilidade terapêutica para pacientes neutropênicos. Relato de Caso Paciente do sexo masculino, pardo, 26 anos, solteiro, desempregado, sem religião definida, teve o diagnóstico de esquizofrenia aos 20 anos. Como traços pré-mórbidos, genitora do paciente relata que ele sempre fora diferente de seus irmãos: era mais isolado e agressivo. Estudou até a 5ª série do ensino fundamental, tendo trabalhado como auxiliar de pedreiro em estaleiro e como auxiliar de serviços gerais em um centro comercial. A família relata que o paciente não fazia uso de bebidas alcoólicas, porém era sabido que já havia feito uso de maconha (a família não sabe precisar quanto e por quanto tempo) e que fumava cigarros comuns (seis maços/ano). Não há relato de que o paciente seja portador de doenças crônicas ou que tenha tido passado de traumatismo cranioencefálico ou convulsões. Na família, é dito que o pai do paciente, já falecido, tinha comportamento similar ao dele, porém nunca teria sido internado ou feito acompanhamento psiquiátrico. O primeiro episódio psicótico do paciente se deu aos 19 anos, após término do primeiro e único relacionamento afetivo que teve. Passou a assumir comportamento de andarilho, ora trajava vestes rasgadas e sujas, ora estava desnudo. Seu discurso era desconexo, perseverante, de pobreza conceitual, místico, autorreferente e bizarro. Apresentava alucinações auditivas, solilóquios, agressividade, com desorganização crescente, chegando a passar dias desaparecido, o que culminou em seu primeiro internamento, aos 20 anos. Ao longo de 4 anos, foi internado 12 vezes, fez uso de haloperidol, risperidona, clorpromazina e olanzapina, todos em doses terapêuticas e por mais de 8 semanas, sem que apresentasse melhora que o sustentasse em tratamento ambulatorial ou em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). No último internamento, já aos 24 anos, o paciente foi admitido emagrecido, agressivo, delirante e desorganizado: havia sofrido recentes agressões nas ruas enquanto desaparecido, trajava vestes em farrapos que amarrava em si mesmo, alimentava-se de lixo, não estava em uso de medicações. Foi estabilizado clinicamente e foi feita ressonância magnética de encéfalo com contraste. O exame mostrou apenas alterações inespecíficas, como atrofia cortical leve, embora não compatível com a idade cronológica do paciente, o que foi atribuído à própria esquizofrenia. Reiniciou-se olanzapina, chegando à dose de 30 mg/ dia, sem melhora, quando foi decidida troca do esquema terapêutico. Com 2.600 neutrófilos/µL no leucograma da semana em questão, foi iniciado tratamento com clozapina na dose de 25 mg/dia. Com 2 semanas de tratamento e dose ainda de 75 mg/dia de clozapina, foi detectado o início da queda da leucometria, quando atingiu-se a contagem de 1.100 neutrófilos/µL. Optou-se em dar seguimento ao tratamento, retirando os fármacos associados que também poderiam causar agranulocitose, como ácido valproico1 e fenotiazinas13. A lamotrigina, então, foi introduzida lentamente, com a progressão da dose da clozapina, com o objetivo de servir tanto como potencializadora do tratamento da esquizofrenia2 (que, neste paciente, tratava-se de um caso grave e refratário)2, quanto para protegê-lo de convulsões: risco inerente ao tratamento com clozapina, podendo aumentar quando da associação desta com lítio1. A leucometria continuou decrescendo, tendo o paciente apresentado neutropenia de 800/µL na quinta semana. A suspensão da clozapina ocorreu na 11ª semana de tratamento com a medicação, com contagem de neutrófilos de 1.100/µL (Figura 1), quando a dose de clozapina era de 400 mg/dia. Considera-se, em geral, interromper o uso da clozapina quando se conclui que a neutropenia é causa direta do uso da medicação e a contagem de neutrófilos está < 1.000/µL, havendo variações entre diretrizes estadunidenses, que apenas consideram grave a neutropenia < 500/µL, e inglesas, que já preconizam interrupção do uso da clozapina com 1.500 leucócitos/µL ou menos, por exemplo. Na Figura 1, o gráfico mostra os efeitos da clozapina, com ou sem o lítio, na contagem absoluta de neutrófilos, durante as semanas de tratamento, a partir da primeira tentativa de uso da clozapina. Nas primeiras 11 semanas de tratamento com clozapina, sem a associação do lítio, vê-se contagem de neutrófilos com tendência de queda. A primeira seta representa a interrupção da clozapina, na 11ª semana após o início do uso da medicação. A segunda seta aponta o início da prescrição de lítio, na 13ª semana, e a terceira seta mostra quando a litemia Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 45 RELATO DE CASO LUCIANA VALENÇA GARCIA ANTÔNIO PEREGRINO MILENA FRANÇA RELATO Figura 1 - Efeitos da clozapina e da associação de lítio com clozapina na contagem absoluta de neutrófilos ao longo das semanas de tratamento. de 0,8 mEq/L foi atingida, e a clozapina reiniciada, na 19ª semana. A contagem de neutrófilos, desde então, manteve-se dentro da normalidade. Com o uso da clozapina, o paciente havia apresentado a primeira melhora significativa do quadro psiquiátrico e, por agravamento do quadro de desorganização mental e agressividade após sua suspensão, não pôde ser admitido no serviço público que dispunha de eletroconvulsoterapia na cidade. A neutropenia ainda se manteve por 2 semanas após a retirada da clozapina, quando, então, foi iniciado tratamento com lítio. A contagem de neutrófilos voltou a aumentar, e optou-se por aguardar até que a litemia de 0,8 mEq/L fosse atingida (faixa entre 0,6 e 1,2 mEq/ L)1,14 para que, então, o tratamento com a clozapina em associação fosse recomeçado. A contagem de neutrófilos passou de 1.200/µL, quando do início do lítio, para 2.700 neutrófilos/µL, quando reiniciada a clozapina. O paciente teve alta cerca de 3 meses após o reinício da clozapina, com dose de 800 mg/dia, associada a lítio com dose de 1.500 mg/dia e lamotrigina com dose de 46 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 200 mg/dia, atingindo-se, posteriormente, dose de 300 mg/dia para prevenção de convulsões e otimização terapêutica. Cerca de 9 meses após a alta hospitalar, o paciente encontra-se estável, em acompanhamento ambulatorial, calmo e colaborativo, globalmente orientado, discurso organizado e espontâneo, sem alterações na sensopercepção ou sinais de agressividade; modula o afeto e está em uso regular das medicações. Mantém certo grau de autonomia, joga futebol com colegas do bairro onde mora, conhece suas medicações e horários, faz planos de ter novos relacionamento e emprego. Discussão O caso mostra uma possibilidade de tratamento para o paciente neutropênico e candidato ao uso da clozapina: a associação com o lítio. O relato também sugere que tratar novamente o paciente com neutropenia induzida por clozapina seja possível após a introdução do lítio no esquema terapêutico. Outros casos também bem-sucedidos já foram relatados em diversos centros de tratamento5-9. LUCIANA VALENÇA GARCIA1,2, ANTÔNIO PEREGRINO2, MILENA FRANÇA1 1 Hospital Ulysses Pernambucano, Recife, PE. 2 Faculdade de Ciências Médicas, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, PE. Os mecanismos pelos quais a clozapina induz a neutropenia ainda não são completamente entendidos, porém há evidências de que haja redução de fatores estimuladores de colônia granulócitos e macrófagos5,15. Sabe-se que o lítio age liberando tais fatores, o que acarretaria a proliferação de neutrófilos viáveis, funcionantes1,14,15. Essa ação do lítio justifica seu uso na tentativa de aumentar a contagem de neutrófilos do paciente grave com indicação de uso da clozapina. A associação do lítio com a clozapina, embora benéfica no caso em questão, não é isenta de riscos, como o risco aumentado de convulsões e de síndrome neuroléptica maligna1,12. A adição de anticonvulsivantes ao esquema terapêutico, feita rotineiramente por diversos centros quando do uso de clozapina 4, pode ser uma opção ao utilizar-se do lítio em conjunto, além da maior vigilância clínica. Estudos futuros, prospectivos, de caso-controle, tanto com o lítio em associação com a clozapina quanto com outros fármacos indutores de neutropenia, são necessários para validar o lítio no tratamento da neutropenia. Uma melhor elucidação da farmacodinâmica do lítio e da clozapina também é de grande valia para melhor esclarecer alguns dos questionamentos que o caso em questão traz. 4. Artigo submetido em 22/07/2016, aceito em 17/08/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Luciana Valença Garcia, Hospital Ulysses Pernambucano, Av. Conselheiro Rosa e Silva, 2130, Tamarineira, CEP 52050-020, Recife, PE. Tel.: (81) 98877.7425. E-mail: [email protected] 11. Referências 1. Esposito D, Rouillon F, Limosin F. Continuing clozapine treatment despite neutropenia. Eur J Clin Pharmacol. 2005;60:759-64. 2. Elkis H. Treatment-resistant schizophrenia. Psychiatr Clin North Am. 2007;30:511-33. 3. Dunk LR, Annan LJ, Andrews CD. Rechallenge with clozapine following leucopenia or neutropenia during previous therapy. Br J Psychiatry. 2006;188:255-63. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 12. 13. 14 15. Williams AM, Park SH. Seizure associated with clozapine: incidence, etiology, and management. CNS Drugs. 2015;29:101-11. Silverstone PH. Prevention of clozapine-induced neutropenia by pretreatment with lithium. J Clin Psychopharmacol. 1998;18:86-8. Suraweera C, Hanwella R, de Silva V. Use of lithium in clozapine-induced neutropenia: a case report. BMC Res Notes. 2014;7:635. Hodgson RE, Mendis S. Lithium enabling use of clozapine in a patient with pre-existing neutropenia. Br J Hosp Med (Lond). 2010;71:535. Brunoni AR, Kobuti Ferreira LR, Gallucci-Neto J, Elkis H, Velloso ED, Vinicius Zanetti M. Lithium as a treatment of clozapine-induced neutropenia: a case report. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2008;32:2006-7. Kutscher EC, Robbins GP, Kennedy WK, Zebb K, Stanley M, Carnahan RM. Clozapine-induced leukopenia successfully treated with lithium. Am J Health Syst Pharm. 2007;64:2027-31. Pinninti NR, Houdart MP, Strouse EM. 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Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 47 CARTA AOS EDITORES CAMILA TANABE MATSUZAKA FABIO JOSÉ PEREIRA DA SILVA NADĖGE DADERIO HERDY YASKARA CRISTINA LUERSEN ANTONIO CARLOS SEIHITI YAMAUTI CARTA SERVIÇO DE INTERCONSULTA PSIQUIÁTRICA EM HOSPITAL GERAL: UM SEGUIMENTO DE 7 ANOS CONSULTATION-LIAISON PSYCHIATRY IN A GENERAL HOSPITAL SETTING: A 7-YEAR FOLLOW-UP De acordo com Lipowski1, o artigo publicado por George Henry no American Journal of Psychiatry em 1929 marca o início da interconsulta psiquiátrica como disciplina científica. No Brasil, o serviço de interconsulta psiquiátrica vem ganhando destaque desde 19802. A atividade da interconsulta psiquiátrica é complexa, abrange ampla diversidade de encaminhamentos e exige adequado conhecimento dos profissionais: manejo das comorbidades médicas, dos aspectos legais e éticos, expertise e experiência farmacológica, além de habilidades de comunicação para lidar com demais profissionais, não psiquiatras, equipes multidisciplinares e membros da família de pacientes3. Com o objetivo de ressaltar o papel da interconsulta psiquiátrica e discutir aspectos desse serviço no contexto brasileiro, avaliamos o número de atendimentos realizados pela equipe de interconsulta psiquiátrica do Hospital São Camilo (Unidade Pompeia), em São Paulo (SP), de janeiro de 2009 a dezembro de 2015, durante o período de 7 anos completos. Nessa contagem, levouse em consideração o número total de atendimentos, mesmo que fosse uma reavaliação do mesmo paciente. Os atendimentos foram divididos entre: casos atendidos na urgência (serviço de pronto-socorro) ou casos internados. Esses dados foram coletados pela própria equipe de interconsulta. A equipe é formada por cinco a seis psiquiatras. Os casos atendidos na urgência têm prioridade no atendimento e são assistidos no prazo de 2 horas da solicitação. Os casos internados são solicitados na rotina do serviço e contam com prazo de 24 horas para o atendimento. De acordo com a avaliação da equipe, o caso é acompanhado com reavaliações durante a internação, conforme necessidade. O número de atendimentos realizados está descrito na Figura 1. 48 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 O número de atendimentos do serviço de interconsulta psiquiátrica do Hospital Geral São Camilo (Unidade Pompeia) vem aumentando exponencialmente entre os casos internados. Observa-se que, em 2009, o número de atendimentos total foi de 266 e, em 2015, de 2.194. O número de casos vistos na urgência segue com pouca variação ao longo dos anos. Em abril de 2015, houve inauguração de novo prédio com acréscimo de 86 leitos (30% do número de leitos anterior), resultando no total de 370 leitos desde então. No ano de 2015, observouse aumento no atendimento dos casos internados; no entanto, esse aumento progressivo nos atendimentos já vinha ocorrendo previamente ao aumento de leitos, possivelmente por reconhecimento da demanda e maior solicitação dos demais profissionais. Os benefícios dos atendimentos são observados em relatos não somente do paciente (cliente direto), como da família e das diversas equipes multidisciplinares. Pela experiência da equipe, houve maior entrosamento entre outras diversas especialidades médicas e demais equipes de diferentes disciplinas, tais como psicologia, serviço social, terapia ocupacional, fisioterapia, nutrição, entre outras. O serviço de interconsulta psiquiátrica no Brasil está comumente associado aos programas de residência dos centros universitários. Vale salientar que, com portaria do Ministério da Saúde nº 224 de 19924 e instituição da Lei Federal nº 10.2165 em 2001, houve redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. A partir daí, a criação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais passa a ser recomendada, tornando norma a aproximação da psiquiatria às demais especialidades. Consequentemente, o serviço de interconsulta psiquiátrica passa a ser incorporado nestes hospitais gerais públicos6. Nesse mesmo período, o serviço de interconsulta psiquiátrica CAMILA TANABE MATSUZAKA1, FABIO JOSÉ PEREIRA DA SILVA2, NADĖGE DADERIO HERDY3, YASKARA CRISTINA LUERSEN4, ANTONIO CARLOS SEIHITI YAMAUTI5 1 Psiquiatra e psicogeriatra pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Pesquisadora, Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (PROVE), UNIFESP, São Paulo, SP. 2 Psiquiatra pela UNIFESP, São Paulo, SP. Chefe, Setor de Saúde Mental, Serviço de Saúde do Corpo Discente da PRAE, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Psiquiatra pela UNIFESP, São Paulo, SP. Colaboradora e Supervisora de Psiquiatria Psicodinâmica, Ambulatório de Personalidade (AMBORDER), UNIFESP, São Paulo, SP. 4 Psiquiatra pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Supervisora de Residência Médica da UNIFESP, São Paulo, SP. 5 Psiquiatra pela UNIFESP, São Paulo, SP. Coordenador, Serviço de Interconsulta, Hospital São Camilo – Unidade Pompeia, São Paulo, SP. Figura 1 - Número de atendimentos realizados pela equipe de interconsulta psiquiátrica do Hospital São Camilo (Unidade Pompeia), São Paulo (SP), de 2009 a 2015. também vem sendo introduzido em hospitais privados, como é o caso do Hospital São Camilo. Muitos destes serviços do setor privado estão sendo incentivados para obtenção de certificação de programas de acreditação/ qualificação, como é o caso da Acreditação Internacional Joint Commission e Acreditação Canadense (Accreditation Canada). Portanto, esse estímulo também está vinculado ao investimento em práticas médicas baseadas em evidencias. Lipowski et al.7 sugeriram as seguintes medidas para avaliação de serviço de interconsulta em psiquiatria: redução de custos, opinião de pacientes e profissionais, Jan/Fev 2017 - revista debates em psiquiatria 49 CARTA AOS EDITORES CAMILA TANABE MATSUZAKA FABIO JOSÉ PEREIRA DA SILVA NADĖGE DADERIO HERDY YASKARA CRISTINA LUERSEN ANTONIO CARLOS SEIHITI YAMAUTI efeito na duração da internação, concordância das recomendações pela equipe titular e seguimento pósalta (funcionamento social posterior, taxa de recaída). Baseando-se nessas medidas, uma atual revisão sistemática pesquisou a efetividade da interconsulta psiquiátrica8. Foram encontradas evidências de que esses serviços apresentam custo-benefício favorável, redução de tempo de internação quando casos são prontamente encaminhados e alta concordância com as recomendações propostas na interconsulta. Porém, outros aspectos sobre a interconsulta de psiquiatria precisam ser considerados, tais como: dificuldade em padronizar desfechos dos casos e subjetividade das opiniões de pacientes, familiares e demais profissionais. Portanto, as medidas que evidenciam a efetividade da interconsulta psiquiátrica não devem ser levadas em conta isoladamente, tendo em vista a dificuldade de realizar estudos metodologicamente consistentes. Há, globalmente, nítida escassez de estudos recentes sobre interconsulta psiquiátrica8. No Brasil, Botega et al. salientavam a desconsideração do trabalho do interconsultor psiquiátrico, tanto pelo Sistema Único de Saúde como nos hospitais privados9. Com os dados apresentados, demonstramos um maior investimento no setor, ainda que incipiente, e apesar de nossas limitações metodológicas, pois não apresentamos desfechos qualitativos ou quantitativos que avaliem a efetividade do atendimento. A inclusão da psiquiatria em hospitais gerais é notoriamente necessária, dada a comum comorbidade de transtornos físicos e mentais e a importância do suporte biopsicossocial ao indivíduo preconizado pela Organização Mundial de Saúde. Em nosso estudo, observamos aumento progressivo no número de atendimento dos casos internados de 2009 a 2015. Avanços nas metodologias de pesquisa são necessários. Integração e colaboração entre diferentes equipes de diferentes hospitais também devem ser estimuladas para futuras pesquisas. 50 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2017 CARTA Artigo submetido em 07/07/2016, aceito em 19/09/2016. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Camila Tanabe Matsuzaka, Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, Rua Borges Lagoa 570, 10º andar, CEP 04038-000, São Paulo, SP. E-mail: [email protected] Referências 1. Lipowski ZJ. Consultation-liaison psychiatry at century’s end. Psychosomatics. 1992;33:128-33. 2. Nogueira-Martins LA. A interconsulta como instrumento da psiquiatria de hospital geral. Cad IPUB. 1997:6;33-44. 3. Botega NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência Porto Alegre: Artmed; 2002. 4. Brasil, Ministério da Saúde (MS), Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Portaria n.224 [Internet]. Diário Oficial da União, 30 janeiro 1992. [cited 2016 Dec 21]. http://www.prefeitura. sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/legislacao/ index.php?p=6453 5. Brasil, Casa Civil. Lei Federal 10216 [Internet]. 6 de abril de 2001. [cited 2016 Dec 21]. planalto. gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm 6. Machado AL, Colvero LA. 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