CUIDADOS PALIATIVOS COMO FERRAMENTA DE HUMANIZAÇÃO PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS: REVISANDO A LITERATURA PALLIATIVE CARE AS TOOL OF HUMANIZATION FOR CANCER PATIENTS: REVIEWING THE LITERATURE Sinara Zucolotto: Enfermagem (Graduanda - EMESCAM) Thais Cristina Kiefer Machado: Enfermagem (Graduanda - EMESCAM) Bruno Henrique Fiorin: Enfermagem (Docente- EMESCAM) RESUMO Este artigo consiste em uma revisão bibliográfica dos últimos dez anos que visa discutir a assistência em Cuidados Paliativos sob a perspectiva da Humanização. Trazendo a possibilidade de evolução e avanços efetivos na qualificação da assistência à saúde com enfoque no profissional Enfermeiro, evidenciando o sujeito paciente, objeto de estudo e cuidado. Abordaremos o resgate da Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (PNH) consolidando o princípio da integralidade da assistência, que implica considerar todas as dimensões possíveis para se realizar intervenções que promova qualidade maior de vida a esses pacientes oncológicos em cuidados paliativos. O objetivo geral deste trabalho resume-se em discutir a atenção em Cuidados Paliativos a partir da reflexão sob a perspectiva da Política de Humanização. A metodologia utilizada foi um levantamento bibliográfico realizado através do banco de dados virtual BIREME, considerando sob seleção de filtros os principais artigos da saúde brasileira sobre o tema. A justificativa está pautada no relevante tema da atualidade que evidencia uma nova forma de assistência de promover qualidade de vida. A revisão revela ser imprescindível que a formação dos profissionais da saúde seja com enfoque no trabalho que use como ferramentas canais para valorizar a interação de sensibilidade e reflexão, pensando na complexidade da abordagem em Cuidados Paliativos e também em conformidade com a proposta da PNH. Descritores: Cuidados Paliativos. Humanização da Assistência. Enfermagem oncológica. ABSTRACT This article consists of a literature review of the last ten years is to discuss assistance in palliative care from the perspective of Humanization. Bringing the possibility of evolution and effective advances in the quality of health care with a focus on nurse professional, showing the individual patient, the object of study and care. We will cover the redemption of the National Policy of Humanization and SUS management (PNH) consolidating the principle of comprehensive care, which involves considering all possible dimensions to carry out interventions to promote better quality of life for these cancer patients in palliative care . The aim of this work boils down to discuss attention in Palliative Care from the reflection from the perspective of the Humanization Policy. The methodology was a bibliographical survey through virtual database BIREME considering under selection of the main filter articles of the Brazilian health on the subject. The justification is guided in the relevant theme of today which shows a new form of assistance to promote quality of life. The review revealed to be essential to the training of health professionals is focused on work that uses as tools channels to enhance the interaction of sensitivity and reflection, thinking of the complexity of the approach in palliative care and in accordance with the proposal of the PNH. Keywords: Palliative Care. Humanization. Oncology Nursing. 1. INTRODUÇÃO As representações sociais do corpo humano na contemporaneidade incluem a integralidade da assistência digna, na manutenção da saúde, no tratamento da doença e no acompanhamento da morte. Os Cuidados Paliativos definem-se como um conjunto de práticas e discursos voltados para o período final da vida de pacientes fora de possibilidades terapêuticas curativa, é uma nova especialidade da saúde, que reflete uma mudança de paradigma e de conceitos sobre o corpo humano, o adoecimento e a morte que inclui o suporte emocional, social e espiritual aos doentes e seus familiares desde o diagnóstico da doença ao final da vida e estendendo-se ao período de luto. O indivíduo já não é entendido apenas como um integrante de estudos acadêmicos ou epidemiológico, como um paciente submisso e indefeso ou como objeto de pesquisas científicas e tecnológicas. Ele é visto como um indivíduo que necessita de cuidados, que possui liberdade para decidir sobre sua própria vida e com direito garantido pelo Estado de ter sua totalidade e autonomia bio-psico-social-espiritual respeitada, assistida, atendida e orientada para uma existência salutar, ou pelo menos confortável, até o processo de morte que escolher. Tornam-se cada vez mais necessários a reflexão e o debate sobre os modelos de gestão e de atenção, a formação profissional e o exercício desse cuidado, para que as práticas de atenção à saúde da população sejam viabilizadas em conformidade com os princípios do SUS. Neste sentido, a Política Nacional de Humanização se apresenta como estratégia de transformação do sistema em direção ao alcance dos princípios fundamentais defendidos nessa reforma sanitária. A política ajuda na reflexão sobre o conceito de humanizar, que é ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais (Brasil, 2004). O surgimento do conceito de humanização no campo da saúde remete ao paradigma de direitos humanos, expressos individual e socialmente. O núcleo deste conceito é a noção de dignidade e respeito à vida humana, com ênfase na dimensão ética na relação entre profissionais da saúde e pacientes. A preocupação com a humanização da assistência surge, nos anos 90, com propostas para assegurar direitos fundamentais diante de uma prática médica vista como impessoal e desumana. Em 1860, a enfermeira Florence Nightingale demonstrou a importância da utilização de dados estatísticos para a avaliação da atuação na saúde. O perfil epidemiológico brasileiro aponta as neoplasias como a segunda causa de mortalidade, passando nos últimos vinte e cinco anos do quinto para o segundo lugar. Projeções da Organização Mundial da Saúde estimam que em 2030, o número de mortes por câncer chegue a 23,4 milhões. Com essas estimativas de aumento progressivo dos diversos tipos de câncer, vem instigando novas pesquisas e estudos a prol de buscar desvendar a etiologia, bem como formas terapêuticas sem possibilidade de cura para tratamento. E através de uma abordagem paliativa multiprofissional humanizada dos sintomas físicos, psicológicos e espirituais dos pacientes com câncer avançado que se pode chegar num alívio de até 90%. A Resolução n. 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM), confere o conceito de ortotanásia para que haja cuidados necessários que aliviam os sintomas, evitando os sofrimentos. Segundo a referida resolução, na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. A abordagem da enfermagem dentro desse contexto exige empenho tanto individual quanto da equipe multidisciplinar, realizando assim um trabalho onde é introduzido o conceito da humanização, a prol de atender as necessidades do cliente e de sua família, que compreende o conforto e a qualidade de vida dos mesmos. Ressalta-se então a necessidade de que a formação profissional propicie essa articulação para que adotem uma visão integral do usuário, capacitando-os para atuar com a perspectiva da humanização. 2. OBJETIVO Realizar uma revisão bibliográfica relacionando os cuidados paliativos como ferramenta de Humanização aos pacientes sem possibilidades curativas acometido por câncer. 3. MATERIAL E MÉTODO O presente trabalho consiste em uma revisão bibliográfica do tipo narrativa sobre os cuidados paliativos para pacientes oncológicos, enquanto ferramenta de humanização. O levantamento bibliográfico foi realizado através da internet, pela BIREME, considerando os principais artigos da saúde brasileira dos últimos dez anos. Para o levantamento dos artigos, utilizamos as palavras-chave: Cuidados Paliativos. Humanização da Assistência. Enfermagem oncológica. 4. DESENVOLVIMENTO CUIDADOS PALIATIVOS E HUMANIZAÇÃO A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, define Cuidado Paliativo como a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. A OMS (2002) e Maciel (2008) aborda que esta definição exclui a expressão “fora de possibilidade de cura”, que constava na definição de 1990, já que para a maioria das doenças o que se busca com o tratamento é o controle, não a cura. Assim, torna-se subjetiva a definição do momento em que o paciente pode ser considerado “fora de possibilidades de cura”. A autora destaca, ainda, que consiste em um equívoco considerar que os Cuidados Paliativos somente se aplicam na fase do fim da vida, quando “não há mais nada a fazer”, pois esta abordagem pode ser realizada concomitantemente com o tratamento curativo, por qualquer profissional da saúde, sem que seja necessária uma equipe especializada. Cuidados Paliativos crescem em significado, passando a ser uma necessidade absoluta, quando se alcança a fase em que a incurabilidade da doença se torna uma realidade. Ou seja, nesta fase, entendida como aquela em que o processo de morte se desencadeia de forma irreversível e o prognóstico de vida pode ser definido em dias a semanas, os Cuidados Paliativos se tornam imprescindíveis e complexos o suficiente para demandar uma atenção específica e contínua ao doente e à sua família, prevenindo uma morte caótica e com grande sofrimento. Para Kübler-Ross (2008), Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011) o termo paliar se origina do latim palliare, que significa “encobrir, tampar, diminuir a dificuldade de um processo”. O primeiro a escrever sobre Cuidados Paliativos foi o médico William Osler, no início do século XX, com uma abordagem centrada nas pessoas e não em suas doenças, baseando-se no respeito ao sofrimento humano. Por volta de 1960 surgiram os conceitos atuais dos Cuidados Paliativos com Cecily Saunders, criadora do Movimento Hospice e Cuidados Paliativos e fundadora do Saint Christopher‟s Hospice, em Londres, o primeiro hospital destinado ao tratamento de pacientes na fase do fim da vida. Saunders buscava identificar as reais necessidades dos pacientes, enfatizando a excelência no tratamento de sintomas e abordando a pessoa como totalidade, em seus aspectos físicos, emocionais e espirituais. Contribuições importantes também foram realizadas pela psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross que, em seu livro On Death and Dying, publicado em 1968, descreve a crise psicológica dos pacientes terminais, apontando suas necessidades e discutindo autonomia e a ideia de morrer com dignidade. O Manual de Cuidados Paliativos, elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (2009) indica que o Cuidado Paliativo, sem dúvida, é o exercício da arte do cuidar aliado ao conhecimento científico, em que a associação da ciência à arte proporciona o alívio do sofrimento relacionado com a doença. Por ser parte fundamental da prática clínica, pode ocorrer de forma paralela às terapias destinadas à cura e ao prolongamento da vida. O foco da atenção em Cuidados Paliativos é a adequada avaliação e o manuseio dos sintomas, constituindo-se como uma proposta terapêutica aos diversos sintomas que acarretam em sofrimento físico, psíquico, social ou espiritual, com o intuito de melhorar a qualidade de vida. Oferecendo cuidado ao paciente e sua família em todas as fases da trajetória da doença, esta abordagem avança como um modelo terapêutico que possibilita um maior entendimento dos mecanismos de doenças e sintomas e disponibiliza diversas opções terapêuticas para sintomas físicos e psíquicos, englobando bioética, comunicação e natureza do sofrimento. São princípios dos Cuidados Paliativos, conforme determinados pela OMS (2002): Alívio da dor e de sintomas estressantes para o doente. Visão da morte como um processo natural, pois a compreensão do processo de morrer permite ao paliativista ajudar o paciente a compreender sua doença, a discutir claramente o processo da sua finitude e a tomar decisões importantes para viver melhor o tempo que lhe resta. Não antecipar ou postergar a morte, mas propor medidas que melhorem a qualidade de vida e, se possível, retardem a evolução da doença, de forma que as ações, sempre ativas e reabilitadoras, sejam realizadas dentro de um limite para que não signifiquem mais desconforto ao paciente do que a própria doença. Integrar aspectos psicossociais e espirituais, o que implica que o cuidado seja conduzido por uma equipe multiprofissional, na qual cada membro tenha seu papel específico, mas todos ajam de forma integrada. Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente uma vida tão ativa quanto possível até sua morte, o que significa não poupar esforços para promover o bem-estar, somente recorrendo à sedação pesada quando forem esgotados todos os recursos para o controle do quadro. Oferecer um sistema de suporte à família para que se sintam amparados durante o processo da doença. Quando os familiares compreendem todo o processo de evolução da doença e participam ativamente do cuidado sentem-se mais seguros e amparados. Algumas complicações no período do luto podem ser prevenidas. É preciso ter a mesma delicadeza da comunicação com o doente, aguardar as mesmas reações diante da perda e manter a atitude de conforto após a morte. Iniciar os Cuidados Paliativos o mais precocemente possível incluindo todas as investigações necessárias para melhor compreender e manejar os sintomas. A integração do paliativista com a equipe que promove o tratamento curativo possibilita a elaboração de um plano integral de cuidados, que perpasse todo o tratamento, desde o diagnóstico até a morte e o período após a morte do doente. OMS, (2002) acrescenta que é recomendado considerar que a fase final da vida pode propiciar momentos de reconciliação e crescimento pessoal, sendo fundamental o respeito à autonomia e a valorização do sujeito, de forma a favorecer uma morte digna, respeitando o local de escolha do paciente. Ressaltam também a importância de que haja o reconhecimento e a aceitação dos valores e prioridades do sujeito. Neste sentido, cabe lembrar a proposta da PNH como qualificação da atenção em saúde. No âmbito das diretrizes reforçadas pela PNH, destaca-se a proposta de Clínica Ampliada, que oferece importantes orientações que devem ser aplicadas à atenção em Cuidados Paliativos, pois esta proposta supõe um compromisso com o sujeito doente visto de modo singular e coloca como exigência aos profissionais de saúde “um exame permanente dos próprios valores e dos valores em jogo na sociedade. O que pode ser ótimo e correto para o profissional pode estar contribuindo para o adoecimento de um usuário”. O acompanhamento dos sintomas a que se refere a prática dos Cuidados Paliativos implica a avaliação periódica e o registro acessível a todos os integrantes da equipe, a individualização do tratamento e a atenção a possíveis mudanças no quadro clínico. Com a abordagem paliativa iniciada precocemente é possível prevenir e antecipar sintomas. Cada sintoma deve ser minuciosamente estudado e valorizado, sendo que para aliviar os sintomas, a abordagem deve seguir o princípio da hierarquização e da não-maleficência. As medidas terapêuticas não devem limitar-se a recursos farmacológicos, mas incluir psicoterapia, acupuntura, massagens, terapia ocupacional, entre outros, desde que confortáveis e aceitos pelo paciente. Rego & Palácios (2006) também apontam a inadequação do sistema de saúde brasileiro na oferta de Cuidados Paliativos, afirmando que a maioria das unidades hospitalares no país não possuem diretrizes sobre como cuidar de pacientes com doenças que ameaçam a continuidade da vida e também não possuem informações sistematizadas sobre a maneira como pacientes e seus familiares vivem os últimos momentos. O campo da Saúde Coletiva/Saúde Pública deve, então, “contribuir para o planejamento de serviços e sistemas de saúde que contemplem a questão do cuidado no fim da vida, assim como formular e contribuir na implementação de políticas setoriais específicas, inclusive na formação de recursos humanos em saúde. Neste sentido, a PNH, com sua proposta de valorização dos sujeitos e fomento a sua autonomia e protagonismo, pode ser mencionada como forma de promover a atenção integral aos sujeitos no fim da vida. Além da falta de diretrizes claras em Cuidados Paliativos para que os serviços de saúde contemplem esta modalidade de atenção, deve-se destacar a dificuldade dos profissionais na atuação nesta área. “Um dos aspectos que mais tem chamado a atenção, quando da avaliação dos serviços, é o despreparo dos profissionais e demais trabalhadores para lidar com a dimensão subjetiva que toda prática de saúde supõe”. A dificuldade em lidar com a subjetividade e com os problemas levantados no cotidiano do trabalho em saúde muitas vezes gera nos profissionais o sentimento de impotência, frustração e revolta. A dor e a morte estão presentes no cotidiano dos profissionais da saúde, o que se torna difícil especialmente porque a morte, atualmente, é vista como interdita, vergonhosa, oculta, como um fracasso do corpo e do sistema de saúde. Surge, então, um impasse para o profissional da saúde: o conflito entre salvar o paciente, evitando ou adiando a morte a todo custo, e cuidar, priorizando a qualidade de vida. Além disso, devese considerar que a impossibilidade de evitar a morte ou aliviar o sofrimento do paciente pode ser extremamente dolorosa para o profissional da saúde por defrontá-lo com sua própria morte ou finitude. Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011) abordam a falta de preparo dos profissionais para lidar com pacientes no fim da vida. Ressaltam que a reflexão acerca de temas como sofrimento e morte, inerentes à vida humana, é de extrema importância para qualquer pessoa, independentemente de sua profissão, e destacam a atuação do médico apontando que para este profissional, refletir sobre tais temas é condição imprescindível para sua prática. Os autores indicam: O que melhor prepara para a morte é uma postura realista, profunda, “transcendente”, para usar a linguagem filosófica, em relação à própria vida. Quer dizer: é necessário balizar a vida em termos objetivos, contando com a limitação do tempo e da própria existência. Isso implica que, para enfrentar a morte com coragem, sem medo, enfim, para saber morrer com dignidade, é preciso aprender a viver pautado em valores perenes, que estruturem um alicerce sólido. Saber morrer é, antes de tudo, saber viver, pois a morte é um passo a mais – o último – no caminho da vida. Diante de dilemas ou problemas morais, os responsáveis pela assistência à saúde em geral acabam por recorrer à racionalização, buscando aumentar o grau de certeza e ancorar-se em bases científicas. Assim, o atendimento às necessidades dos pacientes no final da vida passa a ser visto como uma questão econômica, de quantos recursos estão envolvidos em sua assistência, uma abordagem utilitarista que desconsidera o sofrimento dos pacientes e seus familiares. Kübler-Ross (2008) ressalta que o foco em recursos e procedimentos acarretam em mais sofrimento para o paciente, senão física, emocionalmente e questiona: A capacidade de defesa será a razão desta abordagem cada vez mais mecânica e despersonalizada? E será esta abordagem o meio de reprimirmos e lidarmos com as necessidades que um paciente em fase terminal ou gravemente doente desperta em nós? O fato de ser focado em equipamentos e em pressão sanguínea não será uma tentativa desesperada de rejeitar a morte iminente, tão apavorante e incômoda, que nos faz concentrar nossas atenções nas máquinas, já que elas estão menos próximas de nós do que o rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar, uma vez mais, nossa falta de onipotência, nossas limitações, nossas falhas e, por último, mas não menos importante, nossa própria mortalidade? O profissional de saúde em contato com esses diversos aspectos vividos pelos pacientes e pelos familiares no momento de aproximação da morte tem conflitos sobre como se posicionar diante do sofrimento e dor, que nem sempre pode aliviar, tendo também que elaborar perdas de pacientes, principalmente daqueles com quem forma vínculos mais intensos. Esse convívio com dor, perda e morte traz ao profissional de saúde a vivência de seus próprios processos internos, de sua fragilidade, sua vulnerabilidade, seus medos e suas incertezas que nem sempre têm um espaço de compartilhamento. Outro aspecto fundamental a ser considerado, é a dificuldade de comunicação, um aspecto fundamental para uma assistência adequada em Cuidados Paliativos. Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011) apontam por não terem recebido nenhuma forma de treinamento formal em Cuidados Paliativos ou para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, muitos médicos têm dificuldades em comunicar más notícias adequadamente e tratar de temas relacionados à dor, sofrimento e morte. Assim, sentem-se desconfortáveis em atuar em contextos em que esses temas são predominantes. Estudantes também se queixam de que não lhes é ensinado nenhum meio que os auxilie a lidar com os sentimentos que emergem em cenários de cuidados aos pacientes terminais. Ao contrário, costumam receber conselhos para não se envolverem e, sim, manterem uma distância confortável de pacientes e familiares. O modo como são comunicadas as más notícias determina a forma como o paciente irá reagir, apontando que esta questão é subestimada e que a formação profissional deveria dar mais atenção a este fator. É imprescindível que, ao comunicar más notícias, o profissional ofereça conforto ao paciente, deixando claro que será feito tudo que for possível, senão para prolongar sua vida, para aliviar seu sofrimento. A autora salienta ainda que, para que o profissional seja capaz de falar sobre assuntos como doenças graves e morte, deve antes examinar sua atitude pessoal frente a estes temas. Diante das dificuldades encontradas para que o sistema de saúde ofereça uma atenção em Cuidados Paliativos adequada às necessidades dos pacientes e seus familiares, a PNH pode representar uma importante contribuição para avançar no debate acerca da importância do investimento em políticas, práticas e serviços de saúde capacitados a oferecer esta modalidade de atenção, fundamental para que se concretize o ideal de integralidade da assistência, com um atendimento humanizado. A humanização na atenção à saúde passou a ser tema de proposições políticas governamentais de forma mais ampla no final da década de 1990. Em 2001 é lançado o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que tem como foco a necessidade de transformação cultural no ambiente hospitalar, modificando os padrões de assistência aos usuários. Este programa expressa a necessidade de agregar à eficiência técnica e científica a dimensão ética que possibilite o respeito à singularidade das necessidades de usuários e profissionais, o acolhimento do desconhecido e imprevisível. A PNHAH além da preocupação com os direitos dos usuários, a valorização dos trabalhadores da área da saúde, buscando capacitá-los para lidar com a dimensão psicossocial de usuários e suas famílias. O programa destaca ainda a importância do trabalho em equipes multiprofissionais, bem como o papel do gestor, para a eficácia do processo de humanização da assistência. Com o intuito de expandir a humanização para além do ambiente hospitalar, o Ministério da Saúde, em 2003, a Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS – HumanizaSUS (PNH), visando atingir todos os níveis de atenção à saúde. Os direitos dos pacientes embora variem conforme os contextos culturais e sociopolíticos, o crescente consenso internacional considera como direitos fundamentais a privacidade, a confidencialidade de informações médicas, o direito de consentir ou recusar tratamento e à informação sobre os riscos relevantes dos procedimentos médicos. A PNH foi proposta diante de um duplo problema a banalização da humanização e a fragmentação das práticas nos programas de humanização da saúde. Orientando para a construção de novas formas de produção de saúde e de sujeitos, a política impõe mudanças no modelo de atenção e de gestão na saúde, se apresentando como um meio de qualificação das práticas de saúde. Para facilitar a humanização da gestão e da atenção, destaca-se ainda a proposta de Equipe de Referência e Apoio Matricial. Com esta proposta, facilita-se o vínculo entre profissionais e usuários, possibilitando que a gestão esteja mais centrada nos fins do que nos meios. Assim, além da responsabilização da equipe sobre a assistência aos usuários, esta proposta se refere à divisão de poder gerencial, propondo um maior equilíbrio de poderes nas relações estabelecidas entre os trabalhadores e com os usuários, evitando alimentar conflitos corporativos, de maneira a colocar o usuário no centro do processo gerencial e da atenção. Ao invés de uma atuação segmentada, o trabalho realizado pelas Equipes de Referência e Apoio Matricial propõe o resgate do compromisso com o sujeito, não mais recortado em partes ou patologias, mas reconhecido na complexidade de seu adoecer e de seu projeto terapêutico. Esta proposta apresenta grande potencial resolutivo e de satisfação para usuários e trabalhadores. Para concretizá-la, são exigidas novas competências, um aprendizado coletivo para que gestores e trabalhadores adquiram novas capacidades técnicas e pedagógicas. À equipe cabe exercitar uma abertura para o imprevisível e para o novo e lidar com a possível ansiedade que essa proposta traz. Nas situações em que só se enxergava certezas, podem-se ver possibilidades. “Nas situações em que se enxergava apenas igualdades, podem-se encontrar, a partir dos esforços do PTS, grandes diferenças. Nas situações em que se imaginava haver pouco o que fazer, pode-se encontrar muito trabalho”. A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se manifesta. Correspondem a experiências singulares e subjetivas, impossíveis de serem reconhecidas e significadas integralmente pela palavra. Quando se trata de um tema tão sensível e complexo quanto a morte, os aspectos subjetivos não podem ser desconsiderados. Por isso, é fundamental que os profissionais da saúde sejam capazes de oferecer, além de seus conhecimentos técnicos, o apoio e um olhar atento à singularidade, respeitando o processo de morrer de cada paciente como uma experiência única, subjetiva e singular. Adquirir familiaridade com o mundo do paciente e buscar conhecer o contexto em que vive e suas crenças foram consideradas ferramentas essenciais para um bom cuidado. Tal atitude permitiu que fossem feitos diagnósticos em muitos níveis e detectadas questões cruciais que não teriam sido evidenciadas em uma abordagem superficial. Para que os profissionais da saúde estejam capacitados a atuar em Cuidados Paliativos, a formação profissional deve promover o desenvolvimento de competências e habilidades específicas que o cuidado em fim da vida requer. Isso implica abordar a morte como evento da vida, não como um fracasso, incapacidade ou incompetência, como é vista por muitos profissionais da saúde, que a consideram, então, como algo a ser combatido a qualquer custo. A morte tem sido compreendida como algo que deve ser absolutamente afastado. Nesse sentido, introduzir a morte e o processo de morrer como temática para a formação dos profissionais de saúde pode parecer indevido, já que não atenderia à lógica imposta por esse entendimento do processo de trabalho em saúde. Entretanto, temas como o sofrimento, morte e processo de morrer não podem ser negligenciados para que seja possível oferecer um cuidado humanizado e pautado na integralidade. Ressalta: Há inúmeras possibilidades de oferecimento de espaços para a reflexão e discussão sobre o tema da morte na graduação, pósgraduação, especialização e aperfeiçoamento, envolvendo temas como: atitudes e mentalidades frente à morte, morte no processo do desenvolvimento humano, perdas e processo de luto, comportamentos autodestrutivos e suicídio, pacientes gravemente enfermos e a proximidade da morte, os profissionais de saúde e a morte, e Bioética nos cuidados no fim da vida. A PNH se constitui como uma possibilidade de pensar sobre os modelos de atuação em Cuidados Paliativos. Em especial, o PTS pode se caracterizar como um dispositivo de grande importância para o trabalho da equipe de saúde em Cuidados Paliativos. É importante lembrar que quando ainda existem possibilidades de tratamento para uma doença, não é muito difícil provar que o investimento da equipe de saúde faz diferença no resultado. No entanto, não se costuma investir em usuários que se acreditam “condenados”, seja por si mesmos, como no caso de um alcoolista, seja pela estatística, como no caso de uma patologia grave. Se esta participação do usuário é importante, é necessário persegui-la com um mínimo de técnica e organização. Não bastam o diagnóstico e a conduta padronizados. Nos casos de “prognóstico fechado”, ou seja, de usuários em que existem poucas opções terapêuticas, como no caso dos usuários sem possibilidade de cura ou controle da doença, é mais fácil ainda para uma equipe eximir-se de dedicar-se a eles, embora, mesmo nesses casos, seja bastante evidente que é possível morrer com mais ou menos sofrimento, dependendo de como o usuário e a família entendem, sentem e lidam com a morte. O PTS nesses casos pode ser importante como ferramenta gerencial, uma vez em que constitui um espaço coletivo em que se pode falar do sofrimento dos trabalhadores em lidar com determinada situação. A presunção de “não envolvimento” compromete as ações de cuidado e adoece trabalhadores de saúde e usuários, porque, como se sabe, é um mecanismo de negação simples, que tem eficiência precária. O melhor é aprender a lidar com o sofrimento inerente ao trabalho em saúde de forma solidária na equipe. É imprescindível que a formação dos profissionais da saúde seja com enfoque no trabalho em equipes, pensando na complexidade da abordagem em Cuidados Paliativos e também em conformidade com a proposta da PNH. Assim, os Cuidados Paliativos devem englobar a educação continuada, levando em consideração habilidades individuais e do grupo, capacitando os profissionais a atuar com a interação em cinco aspectos do cotidiano da prática paliativa: com o paciente, a família, a equipe de saúde, a sociedade e o sistema de saúde discutem essa ideia. Para a atenção em Cuidados Paliativos, a ênfase no trabalho em equipe é de extrema importância, pois com sua proposta cooperativa, possibilita que os profissionais da saúde tenham um suporte para lidar com as inúmeras dificuldades e com a sobrecarga emocional já mencionada anteriormente. Como aponta Kovács (2008), as equipes, ao possibilitarem a discussão dos procedimentos, ampliam a possibilidade de compartilhamento dos sentimentos que surgem no cotidiano de trabalho. Deve ser ressaltada a importância do compartilhamento e da troca de saberes no trabalho em saúde, entre as diferentes áreas e com os usuários, valorizando as contribuições que podem ser feitas por diferentes disciplinas, inclusive aquelas de outros campos que não o da saúde. Certamente, o ensino das Humanidades (Literatura e Artes em geral), o qual vem sendo introduzido em muitas escolas de saúde com o objetivo de proporcionar um maior conhecimento do ser humano e preparar estudantes e jovens médicos a lidar melhor com as questões que emergem, por exemplo, em um cenário de Cuidados Paliativos, tem se mostrado, de alguma forma, benéfico. No entanto, esse ensinamento somente é útil quando realizado paralelamente à prática e proporcionado por profissionais que consigam transitar livremente pelos dois mundos – o das artes e o da vida real. Cabe lembrar ainda os apontamentos de Czeresnia (2003), que aborda a aproximação entre a filosofia, a literatura e a medicina, afirmando a exigência de revalorizar a aproximação complementar – na ação – entre formas de linguagem essencialmente diferentes entre si. Trata-se de relativizar o valor de verdade dos conceitos científicos; utilizá-los, mas não acreditar totalmente neles, abrindo canais para valorizar a interação de sensibilidade e pensamento. 5. CONCLUSÃO Conclui-se diante da revisão de literatura que é necessário, então, o investimento na discussão sobre os Cuidados Paliativos, incluindo esta abordagem nas políticas de saúde e na formação profissional, afim de resgatar na humanização a ferramenta para o desenvolvimento da melhor assistência de cuidados a pacientes oncológicos. Evidencia-se, assim, uma situação paradoxal, pois o sofrimento e a morte são inerentes à vida humana, mas acabam sendo temas negligenciados por aqueles que lidam com a vida, isto é, os profissionais da saúde em ênfase enfermeiros (as). 6. REFERÊNCIAS 1. OMS. Organização mundial da saúde. Disponível em: http://www.who.int/about/es/ Acesso em: 14 janeiro 2016. 2. Floriani CA, Schramm FR. Cuidados paliativos: interfaces, conflitos e necessidades. Cien Saude Colet 2008;13(Supl. 2):2123-2132. 3. Menezes, R. A. Em busca da “boa morte”: uma investigação sócioantropológica sobre Cuidados Paliativos. Tese (IMS-UFRJ). Rio de Janeiro: 2004. 4. Brasil. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização com eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004a. 5. ______. HumanizaSUS: a clínica ampliada. Brasília: Ministério da Saúde. 2004b. 6. Gonzalez, A. D.; Almeida, M. J. Integralidade da saúde: norteando mudanças na graduação dos novos profissionais. Ciência & Saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 757-762, 2010. 7. Vaitsman, J.; Andrade. G. R. B. Satisfação e responsabilidade formas de medir a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 599-613, 2005. 8. Calil, A.M.; Prado, C. O ensino de oncologia na formação do enfermeiro. Rev Bras Enferm, Brasília 2010 maio-jun; 62(3): 467-70. 9. Stumm, E. M. F.; Leite, M. T.; Machio, G. Vivências de uma equipe de enfermagem no cuidado a pacientes com câncer. Cogitare Enferm, p. 75-82, mar-abr. 2008. 10. Caponeiro, R.; Coradazzi, A. L.; Oliveira, J. S. Cuidados paliativos: Manejo dos sintomas mais comuns do câncer. Associação brasileira de cuidados paliativos, p. 30-4, nov-dez. 2013. 11. Resolução CFM Nº 1.805/2006 (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169). 12. Silva, M. M.; Moreira, M. C. Sistematização da assistência de enfermagem em cuidados paliativos na oncologia: visão dos enfermeiros. Acta Paul Enferm, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 172-8, 2011. 13. Maciel, M. G. S.; Rodrigues, L. F.; Naylor, C.; Bettega, R.; Barbosa, S. M.; Burlá, C.; Melo, I. T.V. Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil: documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2006. 14. Kubler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. Tradução de Paulo Menezes. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 15. Pinheiro, T. R. S. P.; Benedetto, M. A. C.; Blasco, P. G. Ambulatório Didático de Cuidados Paliativos: aprendendo com os nossos pacientes. Revista Brasileira de Medicina. Rio de Janeiro, v. 68, p. 19-25, 2011. 16. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009. 17. Brasil. Clínica ampliada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 18. Rego, S.; Palácios, M. A finitude humana e a saúde pública. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 1755-1760, 2006. 19. Brasil. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 20. Kovács, M. J. Cuidando do cuidador profissional. In: OLIVEIRA, R. A. Cuidado Paliativo. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008. p. 91-100. 21. Brasil. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Série C. Projetos, Programas e Relatórios, n. 20 Brasília: 2001. 22. Fortes, P. A. C. Ética, direitos dos usuários e políticas de humanização da atenção à saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 13, n. 3, p. 30-35, 2004. 23. Benevides, R.; Passos, E. A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 571, 2005. 24. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 25. Czeresnia, D. O conceito de saúde e a diferença prevenção e promoção. In: Czeresnia, D.; Freitas, C. M. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 39-53.