OS ESPAÇOS “VAZIOS” DO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira Uma simples palavra basta para caracterizar tanto o ambiente físico-biológico como o processo de ocupação espacial do município de Duque de Caxias: heterogeneidade. Nestes dois aspectos tudo é heterogêneo: os ambientes que compõe a base física do município, a forma de ocupação pelos seus habitantes, a vegetação, a rede hidrográfica, o relevo... Ao longo do eixo norte-sul, com quase 40 km em linha reta, nada se repete: a área densamente povoada da sede do município e do distrito de Campos Elísios em nada lembra os vazios demográficos dos distritos de Imabariê e Xerém. A Mata Atlântica localizada nos contrafortes Norte da Serra do Mar em nada se parece com os manguezais da Baía de Guanabara. Por outro lado, existe muito pouca correspondência entre a vegetação existente anteriormente no município de Duque de Caxias e a atual. Essa também é a principal característica da cobertura vegetal remanescente de toda a Baía de Guanabara, principalmente no que se refere à região do entorno imediato. Há que se destacar, no entanto, que a feição original destes ecossistemas não foi alterada em um único evento da história da sua ocupação, mas foi produto de uma sucessão mais ou menos paulatina de intervenções humanas sobre a paisagem original, com grande ênfase para os processos desencadeados nas últimas 4 décadas. O cenário ambiental primitivo da região da região de baixada de Duque de Caxias era caracterizado por grandes formações paludosas, com algum tipo de vegetação emersa. O rio Meriti formava um amplo estuário, com largura superior a 50 m, em frente do qual existiam diversas ilhas, entre as quais Saravatá e, em função da sua proximidade ao nível de base, descrevia meandros de maré num percurso de 8 km, até encontrar o Rio Pavuna, seu principal afluente. Recebia também como afluente o rio Acari. Para o interior, a partir dos manguezais, envolvendo seus afluentes, ocorriam vastas extensões de brejos de água doce e alagados, que se confundiam com várzeas fluviais. A área mal drenada era freqüentemente inundada, favorecendo o desenvolvimento de uma rica fauna e flora. Do rio Meriti até o Rio São Diogo, o litoral apresentava um trecho onde pequenas colinas chegavam ao litoral, sendo contornadas por um fino cordão arenoso. O rio Sarapuí, com suas nascentes nas vertentes das serras de Madureira e Bangú possuía um trecho desenvolvido em meandros de maré superior a 5 km, a partir do que atravessava colinas e terraços. Alguns quilômetros a seguir encontrava-se o rio Iguaçu desenvolvendo um sistema de meandros com extensão superior a 20 km, sendo revestido por um vasto manguezal. Nas proximidades deste rio, em local que mais tarde seria conhecido como Campos Elísios (onde se situa a REDUC), erguia-se, como o próprio nome indica, um campo revestido por vegetação arbustiva/herbácea. Esta formação, algo incomum para a Baía de Guanabara, era constituído de uma superfície arrasada da formação Macacu, por terraços marinhos ou por serem áreas de lavouras deixadas em pousio pelos Tupis-Guaranis, que possuíam aldeias na região. As margens da Baía de Guanabara e todo o seu recôncavo já estavam ocupados antes do final do século XVI, poucos anos após a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Neste aspecto, é de se destacar que a Baía de Guanabara e os rios da Baixada iriam exercer um papel fundamental para a colonização da região. Na impossibilidade de outra forma de acesso, devido aos pântanos, manguezais e brejos, estes rios tiveram um papel decisivo de penetração e ocupação da região. Pelas águas dos rios Meriti, Sarapuí, Iguaçu Pilar, Saracuruna, Inhomirim e outros é que foram subindo os desbravadores. Ao longo de suas margens foram se alinhando engenhos e fazendas e por eles que se escoava para o Rio de Janeiro a produção. Portanto, todos estes rios representaram o principal vetor de desmatamento e colonização da Baixada Fluminense. Com relação aos vários ecossistemas do município de Duque de Caxias, há que se estacar que a megadiversidade característica da mata atlântica é potencializada na Serra do Mar - fachada litorânea que atravessa o estado do Rio de Janeiro no sentido SW-NE - pela variedade de biótopos: sua altitudes variam de 0 a 2.200 m, apresentando encostas voltadas para diferentes quadrantes. Na bacia drenante da Baía de Guanabara e, em especial em Caxias, o principal ecossistema era a Floresta Ombrófila Densa (conhecida pela denominação geral de Mata Atlântica). Dentro desta categoria maior encontravam-se nas partes baixas do município os seguintes ecossistemas (alguns dos quais ainda existentes, sob diferentes estágios de degradação antrópica): a) Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas: Abrangia os ambientes situados entre cerca de 5 metros acima do nível do mar e a altitude de 50 m, estando assentadas sobre rochas do embasamento cristalino, rochas alcalinas e sedimentos da Formação Barreiras. Trata-se do ecossistema mais impactado e descaracterizado de todos os demais da Baía de Guanabara. Esta tipologia florestal pode abranger uma grande variedade de fitofisionomias, mas a característica maior é a conspícua presença de brejos e alagados o que, de certa forma, restringe a expressão da vegetação arbórea. Nos brejos, as espécies mais características eram as higrófilas graminóides, como Eleocharis, Typha e Cyperus. Tratam-se de brejos bastante ricos do ponto de vista da diversidade faunística, hábitat do jacaré de papo amarelo (Cayman latirostris) e de muitos mamíferos. Esta forma pioneira de Florestas de Terras Baixas deveria ter ocorrido, de acordo com a restituição ambiental de Amador (1997), em parte considerável do terreno hoje ocupado pela REDUC. Do que existia desta formação, não se dispõe atualmente nem mesmo de fragmentos, quer no município de Duque de Caxias, quer na Baía de Guanabara. b) Floresta Ombrófila Densa Submontana Este ecossistema ainda ocorre em grande extensão na bacia drenante da Baía de Guanabara, embora em localização distante da sede do município. Ocorre na faixa de altitude entre 50 e 500 metros, em áreas dissecadas da Serra do Mar, das serras litorâneas e dos maciços isolados, sobre rochas do embasamento cristalino e rochas ígneas. A orientação de encostas desta formação exerce grande importância na estrutura e composição da vegetação. Geralmente as vertentes voltadas para o quadrante sul apresentam menor susceptibilidade a incêndios e, por conseguinte, biomassa e diversidade de espécies maiores. No caso da bacia da Baía de Guanabara, a formação de maior extensão e com maior número de tributários (a Serra do Mar e especialmente a Serra dos Órgãos) apresenta todas as suas encostas voltadas para o quadrante sul, o que favorece as características acima relacionadas. c) Vegetação com influência fluviomarinha (manguezais) Na Baía de Guanabara, 40% dos seus manguezais foram eliminados à medida que a costa sofreu o processo de intensa urbanização (Kjerfve e Lacerda, 1993). Desde o início da fundação e durante a expansão da cidade do Rio de Janeiro, tais atividades se deram na maioria das vezes às custas da drenagem e aterro de brejos, mangues e lagunas, que estendiam-se por todo primitivo litoral do município do Rio de Janeiro.. Na região de Caxias, os manguezais devem ter ocorrido em três tipos fisiográficos: os ribeirinhos: desenvolvidos às margens de rios, geralmente até onde se faça sentir a presença de sal no substrato carreado pelas variações de maré; os de franja, presentes nas margens de costas protegidas, caracterizando-se por um intenso processo de inundação provocado pela ação freqüente das marés e os de bacia, situados nas partes mais interiores, em áreas caracteristicamente de pequena variação microtopográfica, onde a variação das águas ocorre de forma muito mais lenta da que observada nos demais tipos fisiográficos. Em grande parte, estas formações dever ter sido aterradas para edificação da planta industrial. Atualmente as partes baixas do município de Duque de Caxias são constituídas por ecossistemas inteiramente descaracterizados de sua condição original. Em sua não habitada (ou fracamente habitada), a baixada é constituída de pastagens, manguezais e áreas drenadas nas décadas de 40-50. Nestas, em grande parte a vegetação é constituída pela taboa (Tipha dominguensis), espécie muito comum em áreas não drenadas. De uma maneira geral estas três formações abertas são áreas de baixa diversidade biológica. Entre elas encontra-se a Cidade dos Meninos, um passivo ambiental antigo, mas de difícil solução. No entanto, dentro do quadro de elevada densidade demográfica que tanto o município como a própria baixada fluminense apresentam, estes espaços vazios têm grande importância para a vida do município e são relevantes os esforços feitos para a sua proteção. Do ponto de vista da circulação aérea, estas áreas representam um importante papel nas condições climáticas das áreas mais habitadas. Funcionam também como dispersores da poluição atmosférica, seja ela oriunda de veículos automotores ou da REDUC. Estas áreas planas desabitadas têm também grande importância no que se refere à circulação de águas subterrâneas do município. Em função de sua baixa altitude, estas áreas constituem um ambiente de tamponamento das águas provenientes das elevações e contribuem para minorar as enchentes. Enfim, estes espaços vazios representam um relevante papel para as condições de vida dos seus habitantes