TRANSMISSÃO VERTICAL DOS VÍRUS HIV E HTLV ATRAVÉS DO LEITE MATERNO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Marizete Argolo Teixeira1 Mirian Santos Paiva2 Ednéia Souza Melo3 Dera Carina Bastos Costa4 RESUMO Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva e bibliográfica. Teve como objetivo analisar resumos de estudos científicos sobre a transmissão vertical dos vírus HIV/aids e HTLV através da amamentação. A fonte de coleta de informações foi a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS – Aleitamento materno), Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Banco de Teses CAPES, com os descritores: AMAMENTAÇÃO and HIV, AMAMENTAÇÃO and HTLV, e Banco de Teses USP com os descritores HIV, HTLV, AMAMENTAÇÃO and TRANSMISSÃO VERTICAL. Foram analisados 36 resumos, utilizando-se da estatística simples e da análise de conteúdo temática. Constatou-se que a maioria dos estudos foi publicada entre 2001 e 2006; tendo sido encontrado igual percentual para as abordagens quantitativa e qualitativa (50%, respectivamente). Sendo que, os de abordagem quantitativa eram estudos clínicos e epidemiológicos, especialmente, os referentes ao HTLV. Os cenários mais utilizados foram os ambulatoriais (33,2%), tendo as mulheres (55,5%) como os sujeitos predominantes. A temática que mereceu destaque foi a dos sentimentos e significados de mulheres HIV positivas frente a não amamentação, seguida dos estudos epidemiológicos sobre HTLV. Conclui-se que a transmissão vertical em decorrência das infecções pelos vírus HIV/aids e HTLV, através da amamentação, são reais, sendo que a orientação quanto a não amamentação é uma das medidas preventivas a ser adotada para a prevenção da transmissão vertical. PALAVRAS CHAVES: amamentação; HIV/sida; HTLV 1 Enfermeira. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Saúde da Mulher. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Bolsista Capes - Brasil. Membro do Grupo de Estudos sobre a Saúde da Mulher (GEM) e do Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Enfermagem, Quotidiano, Imaginário e Saúde de Santa Catarina (NUPEQUIS/SC). E-mail: [email protected] 2 Doutora em Enfermagem pela USP. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Comunitária da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher/EEUFBAGEM. Orientadora. E-mail: [email protected] 3 Estudante do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Bolsista PIBIC/CNPQ. Bolsista do GEM. E-mail: [email protected]. 4 Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Membro do Grupo de Estudos sobre a Saúde da Mulher (GEM). E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO O leite materno é o melhor alimento para fornecer os nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento das crianças, além de trazer benefícios para a saúde da mulher, e vantagens para a família e sociedade, levando a Organização Mundial de Saúde, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e o Ministério da Saúde, entre outros organismos, a promover, proteger e apoiar a prática da amamentação. Porém, a década de oitenta do século passado foi marcada pelo surgimento do vírus da imunodeficiência humana (HIV) responsável pelo desenvolvimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), do vírus linfotrópico humano de células T (HTLV-I), que pode levar os indivíduos a desenvolver doenças como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL) e um quadro neurológico degenerativo crônico, a mielopatia/paraparesia espástica tropical associada ao HTLV-I (HAM/TSP) e do vírus HTLV-II, causador de doenças neurológicas similares a HAM/TSP e leucemia de linfócitos granulares, tendo sido, também, isolado ou detectado em pacientes com leucemia linfocítica crônica com neutropenia, leucemia prolinfocítítica, linfoma cutâneo, síndrome de Sézary, dermatite infecciosa, síndrome da fadiga crônica e distúrbios neurodegenerativos súbitos, tendo a amamentação como uma das principais vias de transmissão (FERNADES; SILVA, 2003; CENTRO DE CONTROLE DE DOENÇAS, 1993; BITTENCOURT; PRIMO; OLIVEIRA, 2006, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Em 1996, a infecção do HIV/aids aumenta entre as mulheres, em decorrência da heterossexualização, gerando o processo de feminização da epidemia e tendo como conseqüência a transmissão vertical do vírus. Esta infecção tornou-se responsável, no Brasil, no período de 1983 a junho de 2006, por mais de mais de 80% do total de casos em indivíduos menores de 13 anos (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2006). Os vírus HIV/aids e HTLV-I/II podem ser transmitidos por via sexual, pela transfusão sanguínea, pela partilha de agulhas contaminadas, por via transplacentária ou durante a amamentação. A principal via de transmissão dos vírus HTLV-I é a que ocorre da mãe para o filho. Em áreas endêmicas para HTLV-I, aproximadamente 25% de crianças amamentadas, nascidas de mães soropositivas, adquirem a doença. A transmissão intra-uterina ou perinatal acontece, mas parece ser menos freqüente que a transmissão pela amamentação. Em torno de 5% de crianças de mães infectadas, mas não amamentadas, adquirem a infecção (BITENCOURT, 1998, 2OO6; FERNANDES; SILVA, 2003). Já o risco de transmissão do HIV/aids pelo leite materno varia de 7% a 22%. Em ambos os casos, a cada mamada, a criança fica mais exposta a adquirir o vírus através amamentação, que pode ocorrer tanto pelas mães sintomáticas, quanto pelas assintomáticas (BRASIL, 2005). Assim, o crescimento do número de mulheres em idade fértil, infectadas pelos vírus HIV/aids e HTLV-I/II tem sido considerado um importante fenômeno, trazendo consigo a não recomendação do aleitamento materno, o que tem confrontado com as recomendações do Ministério da Saúde quanto a importância do mesmo, levando as puérperas a enfrentar processos biológicos, emocionais, psicológicos e sociais, sem a devida assistência dos profissionais de saúde e despertando nas mulheres sentimentos de medo, tristeza, dor, angústia e culpa, pois além de serem portadoras e transmissoras do vírus, ainda se deparam com a impossibilidade de amamentar os filhos (SANTOS, 2004; GOMES, 2004; MOURA, 2002; PADOIN, 2006). Segundo Lamonier; Moulin; Xavier (2004), as doenças envolvendo tanto a mãe, quanto o recém-nascido, podem constituir obstáculos para a amamentação, sendo necessária, uma avaliação criteriosa por parte do profissional de saúde, para orientar adequadamente a viabilidade ou não do aleitamento materno, bem como, a forma segura de alimentar uma criança nos primeiros anos de vida. Assim, as gestantes portadoras dos vírus HIV/aids e HTLV - I/II, deverão ser orientadas para não amamentar seus filhos, nem os filhos de outras mulheres, assim como, não deverão deixar seus filhos serem amamentados por outras mulheres. Após o parto, a lactação deverá ser inibida mecanicamente com enfaixamento das mamas e com a utilização de medicação inibidora da lactação. A criança deverá ser alimentada com fórmula infantil durante os seis primeiros meses de vida, sendo necessária a introdução de alimentos complementares a partir daí (BRASIL, 2005). Assim, este artigo teve como objetivo analisar estudos científicos que versam sobre a transmissão vertical dos vírus HIV/aids e HTLV- I e II, através da amamentação, em bancos de dados da BVS – aleitamento materno, Banco de Teses Capes e Banco de Teses USP de 1997 a 2006. . METODOLOGIA Trata-se de estudo quantitativo, de caráter descritivo baseado no levantamento bibliográfico de resumos de artigos, dissertações e teses disponíveis nas bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde – Enfermagem (BVS – Aleitamento materno), Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Eletronic Library Online (SciElo) e Banco de Teses CAPES e Banco de Teses USP. Para realização das buscas dos resumos utilizou-se como descritores: AMAMENTAÇÃO and HIV e AMAMENTAÇÃO and HTLV. Sendo, também, utilizados HIV, HTLV e AMAMENTAÇÃO and TRANSMISSÃO VERTICAL, quando realizada a busca no Banco de Teses USP. Vale salientar, que ao realizar a pesquisa bibliográfica com os descritores amamentação and htlv, muitos resumos encontrados eram referentes à transmissão vertical do HIV, assim como, acontecia o inverso, ou seja, ao utilizar os descritores amamentação e hiv, alguns deles abordavam a transmissão vertical do HTLV. Foram encontrados na Biblioteca Virtual em Saúde: na LILACS (80), na SciELO (10) e no Banco de Teses da CAPES (29) resumos, quando utilizados os mesmos descritores. Já no Banco de Teses da USP, nenhum resumo foi encontrado. Todavia, para os descritores: “AMAMENTAÇÃO” e “TRANSMISSÃO VERTICAL” nada foi encontrado. Ao utilizar como descritor “HIV” apareceram 77 resumos, sendo que destes, apenas 2 abordavam a transmissão vertical do vírus HIV/aids, tendo sido possível identificar em seu conteúdo a questão específica amamentação e HIV/aids, porém de forma não aprofundada. Quando pesquisado pelo descritor “HTLV”, 3 resumos foram identificados, no entanto nenhum deles abordava e/ou relacionava os temas amamentação e HTLV. As buscas ocorreram durante o mês de agosto de 2007, tendo como critérios de inclusão resumos dos artigos, teses e dissertações que em sua publicação usavam o idioma português e que estavam cadastrados nas referidas bases de dados, no período de 1997 a 2006. E, como critério de exclusão as ocorrências que não possuíam resumos e/ou eram classificados como manuais, documentos, apresentação de capítulos de livros, resumo de conferências, dentre outros. Foram adotadas as seguintes variáveis: ano de publicação, tipos de estudos, referencial teórico-metodológico utilizado, temáticas abordadas, sujeitos das pesquisas e campos de coleta de informações. Das (90) ocorrências encontradas na LILACS e SciELO apenas (15) foram analisados, devido a alguns resumos estarem cadastrados em ambas as bases de dados. Além disso, algumas ocorrências não possuíam resumo e outros não explicitavam de forma clara o conteúdo. No Portal Capes, foram selecionados (21) resumos e nenhum do Banco de Teses USP, por não atender aos critérios selecionados. Os resultados foram analisados através da freqüência simples e apresentados em forma de tabelas e gráficos. No que se refere à análise das temáticas abordadas, fez-se necessário a utilização da análise temática proposta por Minayo (2000). Em seguida, procedeu-se a discussão com base na literatura científica que versa sobre a temática abordada, o que forneceu subsídios para a compreensão das informações encontradas. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS No Brasil, o primeiro caso de aids notificado em criança ocorreu em 1983 e o de transmissão vertical em 1985, no Estado de São Paulo (PRAÇA, 2007). Conforme Berer; Ray (1997), em 1985 foi realizado um estudo belga, no qual o vírus foi isolado no leite de três mulheres, porém, não ficou claro se podia ser transmitido. Foi, segundo estes mesmos autores, em um outro realizado na Austrália, em 1988, que se confirmou que o HIV podia ser transmitido pelo leite materno. Assim, desde o surgimento do primeiro caso de transmissão vertical, vários estudos vêm sendo desenvolvidos a fim de esclarecer os mecanismos de transmissão destes vírus através da amamentação. No que se refere à transmissão vertical do HIV/aids através da amamentação, já existem estudos que comprovam esta realidade (ZIEGLER et al. 1985; NDUATI et al., 1994; RUFF et al., 1994; VAN DE PERRE et al., 1991). Com relação ao HTLV-I, Lana (2001, p. 259) relata que “na ausência do aleitamento materno, a taxa de transmissão do HTLV é inferior a 3%, razão pela qual se contra-indica a amamentação”. Porém, cerca de 15% a 20% de crianças amamentadas por mãe soropositivas para o HTLV-I adquirem a infecção. A tabela 1 mostra que a cada ano vem crescendo o número de publicações sobre a temática, o que foi apreendido através dos resumos dos artigos, dissertações e teses encontrados nos bancos de dados pesquisados. Tabela 1 – Distribuição de artigos, dissertações e teses publicados no período de 1997-2006. Salvador, 2007. Período f % 1997 – 2000 03 08 2001 – 2003 11 31 2004 – 2006 22 61 Total 36 100 Do total de resumos analisados 15 foram provenientes de artigos, predominando as pesquisas empíricas (9), seguidas da revisão bibliográfica (5) e artigo de reflexão (1); os demais resumos advinham de dissertações (17) e de teses (4), demonstrando o interesse e a necessidade da produção de conhecimentos sobre a temática. Com relação à metodologia utilizada, observou-se que dos 15 resumos provenientes dos artigos, (9) eram estudos de natureza qualitativa e (6) de natureza quantitativa, sendo que destes, (5) foram relativos aos estudos sobre o HTLV. Dos resumos advindos das dissertações (11) eram de natureza quantitativa, destas, (6) eram sobre o HIV/aids e (5) sobre o HTLV; As de natureza qualitativa (6) tinham como foco o HIV/aids. Quanto às teses apenas (1) era de natureza quantitativa e abordava a temática HIV/aids e HTLV e (3) eram de natureza qualitativa, sendo que todas abordavam a temática HIV, conforme demonstrado pelo Gráfico 1. GRÁFICO 1 – Freqüência de estudos produzidos sobre amamentação, HIV, HTLV segundo abordagem, no período 1997-2006. Salvador-Ba, 2007. 40 36 35 30 25 20 18 18 15 10 5 0 Quantitativa Qualitativa Total O grande número de estudos (29) que não explicitou o referencial teórico se pautou, principalmente, na abordagem quantitativa (24 – 66,7%), enquanto que os demais (6 -16,6%) eram de natureza qualitativa. Vale ressaltar, que os seis resumos (16,6%) que não referiram referencial teórico eram de natureza qualitativa, sendo um deles proveniente de uma tese de doutorado. Tabela 2 – Referenciais teóricos que sustentaram os estudos no período de 1997-2006. Salvador, 2007. Referencial Teórico f Não se aplica * 24 66,7 Não referido 06 16,6 04 11,1 Representações Sociais 01 2,8 Interacionismo Simbólico 01 2,8 Total 36 100 Fenomenologia % * Refere-se à revisão bibliográfica, artigo reflexivo e pesquisa quantitativa Entre os referenciais teóricos usados nos estudos de abordagem qualitativa a Fenomenologia apresenta-se em destaque em 4 (11%) resumos analisados, seguidos da Teoria das Representações Sociais 1 (2%) e do Interacionismo Simbólico 1 (2%). Estes referenciais teóricos vêm fundamentando diversos estudos no Brasil, principalmente na área da saúde. A Fenomenologia como “movimento filosófico pretende descrever o fenômeno tal qual ele aparece, reconhecendo nessa caminhada a essência do ser, da vida, das relações (...) acontecem dentro de um determinado tempo e espaço e precisam ser mostrados para que se alcance a compreensão da vivência levando-nos a refletir sobre como esta modalidade de pensar pode contribuir para o viver cotidiano” (TERRA et al, 2006, p.673). Portanto, tem no contexto da saúde, especialmente na enfermagem, uma importante contribuição para o seu pensar e seu fazer ao lidar com questões existenciais dos seres humanos. A Teoria das Representações Sociais tem sido amplamente utilizada na pesquisa social em saúde, sendo perfeitamente aplicável à enfermagem (ESCUDEIRO; SILVA, 1997), uma vez que “a realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito, mas não desligada de sua inserção social” (ARRUDA, 2002, p. 131). Assim, as representações sociais tornam-se importante para a vida cotidiana dos sujeitos, pois eles precisam estar informados sobre o mundo a sua volta, a fim de se ajustarem a ele e para isso precisam criar representações frente a um mundo de objetos, pessoas e acontecimentos ou ideais, partilhando esse mundo com os outros, servindo de apoio para compreendê-lo, administrá-lo e enfrentá-lo, guiando-os de modo a definir e nomear os diferentes aspectos da realidade diária (JODELET, 2001). O Interacionismo Simbólico é uma outra abordagem teórica que vem sendo bastante utilizada nos estudos na área da saúde, especialmente na enfermagem, por permitir descobrir, perceber e compreender a diversidade de ações que envolvem o cuidado, a partir dos significados que as coisas têm para os indivíduos (TEIXEIRA, 2005), o que permite cuidar das pessoas de forma individualizada, com base em crenças e valores que foram construídos individual e socialmente. Quanto aos sujeitos que participaram das pesquisas empíricas, clínicas e epidemiológicas, como não poderia deixar de ser, dada à temática, as mulheres soropositivas (gestantes, parturientes, puérperas, nutrizes e mães), conforme mostra a tabela 3, foram as mais escolhidas (55%), conforme mostra a tabela 3. Tabela 3 – Delimitação dos Sujeitos nas pesquisas empíricas, clínicas e epidemiológicas no período de 1997-2006. Salvador, 2007. Categorias de Sujeitos f % Mulheres soropositivas 20 55,5 RN, crianças e adolescentes 04 11,1 Doadores de sangue 01 2,8 Mulheres e crianças 01 2,8 Mulher e criança indígenas 01 2,8 Profissionais de saúde 01 2,8 Dados secundários * 03 8,3 Não se aplica ** 05 13,9 Total 36 100 * Prontuários de RN, de gestantes e crianças e de doadores de sangue; ** Refere-se à pesquisa bibliográfica e análise teórica Assim, percebe-se que nos estudos as mulheres (55,5%) constituem-se nos sujeitos de maior interesse, uma vez que não se tem como abordar o fenômeno HIV/aids/HTLV/Amamentação, ou seja, a transmissão vertical destes vírus pela amamentação, sem ouvir as vozes de quem realmente pode contribuir para elucidar o que é ser portadora destes vírus, poder ser fonte de contágio e, ainda, se privar do ato de amamentar o(a) filho(a), numa sociedade, onde a amamentação é definida como o ato que confere sentido de ser mulher e mãe e, consequentemente reafirma a maternidade. O quantitativo de recém-nascidos, crianças e adolescentes (11,1%), sugere que esta categoria de sujeitos pesquisados advém da necessidade da realização de estudos epidemiológicos que confirmem a transmissão vertical por estes vírus, especialmente, os que foram amamentados. Ao observarmos a tabela 4, no que se refere à variável campo de estudos, constatamos uma predominância do cenário em unidades de pré-natal, com 6 (16,7%) resumos destacando tal campo. Os centros de referência (11%) e as maternidades (11%) aparecem em seguida totalizando juntos um percentual de (22%), entre os cenários mais utilizados. Tabela 4 – Distribuição dos campos de estudos citados nos resumos, período 1997-2006 Salvador, 2007. Campos de estudo f % Ambulatório de pré-natal 06 16,7 Ambulatório Infantil 02 5,5 Centro de referência do HIV 04 11,0 Gerência de DST/aids 01 2,8 Hospital Universitário 02 5,5 Maternidade Pública 04 11,0 Hemocentro 02 5,5 Instituto Fernandes Figueira 01 2,8 Instituto Evandro Chagas 01 2,8 Aldeia indígena 01 2,8 Rede Municipal de Saúde 01 2,8 Não referido 06 16,7 Não se aplica* 05 14,0 Total 36 100 * Refere-se a pesquisa bibliográfica e análise teórica Ao se observar esta distribuição e, somar o quantitativo de lócus para pesquisa, nota-se que a rede ambulatorial merece destaque, totalizando 12 redes ambulatoriais com um percentual de (33,2%). Este fato foi identificado por Oliveira et al (2006), como uma situação que reflete um maior interesse dos pesquisadores no que concerne à perspectiva preventiva. As temáticas abordadas nos estudos qualitativos foram as seguintes: sentimentos e significados do não amamentar para mulheres HIV positivas 8 (44,5%); prevenção da TV pelo HIV e HTLV 7 (38,9%); ser mulher e mãe HI positiva 2 (11,1%) e revisão de literatura sobre HTLV 1 (5,5%), Conforme mostra o gráfico 2. GRÁFICO 2 – Freqüência de estudos produzidos sobre amamentação, HIV, HTLV segundo temas na abordagem qualitativa no período 1997-2006. Salvador, 2007 18 Sentimentos e Significados do não amamentar para mulheres HIV positivas 16 14 Prevenção da TV para HIV e HTLV 12 Freq 10 Ser mulher e mãe HIV positiva 8 6 Revisão de literatura sobre HTLV 4 2 Total 0 Freq. Temas As temáticas abordadas nos estudos qualitativos demonstraram a necessidade e importância de direcionar um olhar para a subjetividade das mulheres que enfrentam a impossibilidade de amamentar seus filhos por serem portadoras de vírus que causam sérios danos ao organismo dos seres humanos. São doenças que, apesar de se buscar controle sobre elas, ainda não têm cura, acarretando nos indivíduos sérios problemas de saúde, a partir do estabelecimento de doenças graves como a aids, a leucemia de células T e a paraparesia espástica. A ameaça da infecção pelos vírus HIV/aids e HTLV é representada pelas mulheres a partir da percepção da susceptibilidade à infecção que leva à possibilidade de transmissão vertical. Além disso, identificam problemas biológicos (mamas ingurgitadas); sociais (o que justificar diante da não amamentação); econômicos (necessidade de comprar o leite artificial, uma vez que o Ministério da Saúde somente o distribuía com as portadoras do HIV) e psicológicos (tristeza, medo, dor). Estes problemas desnudam a carência de medidas preventivas e de políticas públicas atuantes que dêem suporte para estas mulheres enfrentarem a não amamentação decorrente de sua soropositividade. Com relação às temáticas abordadas nos estudos quantitativos, destacam-se: os epidemiológicos 14 (77,8%) e os avaliativos de programas de prevenção e medidas de controle 4 (22,2%), conforme mostra a Gráfico 3. GRÁFICO 3 – Freqüência de estudos produzidos sobre amamentação, HIV, HTLV segundo temas na abordagem quantitativa, no período 1997-2006. Salvador, 2007. 18 16 Estudos epidemiológicos 14 12 Freq. 10 Estudos avaliativos de programas de prevenção e medidas de controle 8 6 Total 4 2 0 Freq. Temas Os estudos epidemiológicos demonstraram a necessidade de conhecer os mecanismos de transmissão e prevalência dos vírus, especialmente o HTLV. Estes estudos contribuem para a adoção de medidas de prevenção e controle, ao tempo em que auxiliam na implantação e implementação de políticas públicas. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA FINALIZAR ESTE MOMENTO Ao analisar a produção de conhecimento sobre a transmissão vertical dos vírus HIV/aids e HTLV, divulgadas nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS – Aleitamento Materno), Banco de Teses CAPES e Banco de Teses USP, realizada através dos resumos dos artigos, dissertações e teses, identificou-se que tem uma maior quantidade de estudos entre os anos de 2001 e 2006, tendo sido encontrado mais resumos de resultados de teses e dissertações, apontando para a condição de conteúdo novo e como tal mais aprofundado no âmbito da produção acadêmica. Quanto à metodologia, houve estudos tanto na abordagem quantitativa, quanto qualitativa, com uma concentração de 50% para cada uma delas. As mulheres soropositivas foram os sujeitos mais pesquisados, por vezes somente elas ou elas e seus filhos. Os cenários de estudo mais utilizados foram: o ambulatório de pré-natal, seguido dos centros de referência e das maternidades, demonstrando um interesse maior por onde a prevenção se mostra importante. As temáticas mais significativas foram as relacionadas à busca de sentimentos e significados de mulheres frente à não amamentação, seguidas dos estudos epidemiológicos, os quais buscavam conhecer as características epidemiológicas, a prevalência e incidência da infecção pelos vírus HIV/aids e HTLV, demonstrando a necessidade de desnudar a ocorrência e o processo destas infecções. Vale destacar que os estudos confirmaram a transmissão vertical dos vírus HIV/aids e HTLV através da amamentação, sendo a orientação quanto a não amamentação considerada uma das medidas a serem adotadas para a sua prevenção. No entanto, cabe destacar que as mulheres soropositivas carecem de apoio de familiares, profissionais de saúde e, sobretudo, de suporte financeiro para alimentar seus filhos, o que somente será possível se forem implementadas e implantadas políticas públicas especificas. Não foi fácil extrair dos resumos as informações necessárias para este estudo, já que muitas vezes os resumos apresentavam limitações no que concerne ao esclarecimento dos caminhos percorridos na elaboração dos trabalhos que ora resumiam. No entanto, mostrou ser uma produção importante, variada e complexa, que contribui com a melhoria dos cuidados prestados às mulheres portadoras dos vírus HIV/aids e HTLV no enfrentamento do período gravídico-puerperal e suas conseqüências e, especialmente, na prevenção da contaminação mãe-filho, que as leva a se privar do ato de amamentar. Esta revisão vem contribuir com o aumento da produção científica sobre a transmissão vertical da infecção pelos vírus HIV/aids e HTLV através da amamentação, bem como, serve de reflexão na implementação de políticas específicas para as mulheres soropositivas, que priorizem as medidas preventivas de contaminação para as mulheres e seus filhos. REFERÊNCIAS ARRUDA, A. Teoria das Representações Sociais e Teorias de Gênero. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p.127-147, novembro/2002. BERER, M.; RAY, S. Mulheres com HIV/AIDS: um livro sobre recursos internacionais: informações, atividades e materiais relativos às mulheres e HIV/AIDS, saúde reprodutiva e relações sexuais. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1997, 512p. BITTENCOURT, A. L; PRIMO, J; OLIVEIRA, M. F. P. Manifestações infanto juvenis da infecção pelo vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV). Jornal de Pediatria. Vol. 82, n. 6, 2006. BITTENCOURT, A. L. 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