imunologia da infecção vih

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FISIOPATOLOGIA E IMUNOPATOGENESE
DA INFECÇÃO VIH
Machado Caetano*
A infecção pelo VIH corresponde a uma das mais complexas situações
biológicas com que se confrontam os seres humanos. Por um lado porque os
retrovirus têm alta capacidade mutagénica e por outro lado porque o alvo
celular da infecção VIH são os linfócitos CD4, elementos fulcrais no auxílio e
indução da Resposta Imunitária T e B. Para bem entender a imunologia da
infecção VIH, é indispensável rever o processamento biológico da infecção
primária e das sequências fisiopatológicas que conduzem à infecção crónica
persistente e à doença VIH avançada. Na infecção crónica persistente há que
entender a replicação viral e evasão ao controlo imunológico, a importância das
células “reservatório” da infecção latente, a dinâmica viral e finalmente a
imunopatogenese na fase da latência clínica. A célula CD4, que maior
importância tem no reconhecimento e resposta anti-VIH, sucumbe aos milhões
em cada dia até à exaustão final do Sistema Imunitário.
Ao abordar qualquer tipo de resposta imunitária contra um agente infeccioso, é
indispensável relembrar os mecanismos imunológicos globais que o organismo
tem para se defender. Em primeiro lugar os mecanismos celulares e
moleculares da Resposta Inata, dita inespecífica, que traduz os vários
processos biológicos de defesa conservados ao longo da evolução das
espécies. Referimo-nos às células do Sistema Mononuclear Fagocítico (SMF),
designadamente monócitos e macrófagos com as suas variantes tecidulares,
às células do Sistema Inflamatório – Basófilos e Mastócitos, e ao conjunto de
barreiras naturais físicas – pele e mucosas – e moleculares – suco gástrico,
lisozima, etc. que constituem uma primeira linha de defesa. Acrescem ainda
várias moléculas defensivas naturais, designadamente a Proteína C Reactiva e
outras proteínas da Fase Aguda da Inflamação – e as diferentes cascatas
moleculares de amplificação biológica, designadamente a do Complemento,
Cininas, Coagulação e Fibrinólise. Todos estes mecanismos, físicos e
químicos, estão permanentemente “de serviço” e actuam “de novo”, sempre
que são estimulados. Não há memória imunológica na Resposta Inata, o que
significa que a resposta contra um agente infeccioso é sempre igual. Na
evolução filogénica foram-se desenvolvendo novas capacidades defensivas,
mais evoluídas, dos teleósteos até aos mamíferos, terminando no homem a
constituição de um Sistema Imunitário com os linfócitos como células principais
da chamada Resposta Imunitária Adquirida.
Na Resposta Imunitária Adquirida, os antigénios são apresentados aos
Linfócitos T e B pelas APC – Antigen Presenting Cells (Células Apresentadoras
dos Antigénios) – Macrófagos, Células Dendríticas, etc. Os linfócitos T e B, que
têm receptores específicos para os antigénios, são por eles estimulados,
proliferando e diferenciando-se em células efectoras, respectivamente linfócitos
T citotóxicos e Plasmócitos produtores de imunoglobulinas. O reconhecimento
antigénico por estas células é feito no contexto da compatibilidade dos
antigénios do Complexo Major de Histocompatibilidade (MHC): antigénios da
Classe I para a acção linfocitária citotóxica e antigénios da Classe II para o
reconhecimento e indução.
* Professor Catedrático de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Nova de Lisboa
Neste processo participam mais de 3 triliões de linfócitos – cerca de 1 kilo –
que têm 107 especificidades de reconhecimento a nível germinal. Este
reportório de reconhecimento é amplificado pelas mutações que surgem na
proliferação celular da Resposta Imunitária. Quando há estimulação antigénica,
restam linfócitos estimulados que não completam a diferenciação, constituindo
o “pool” de células de memória. Num 2º contacto com o mesmo antigénio, as
células de memória proliferam rapidamente, desenvolvendo uma Resposta
Secundária mais rápida, mais intensa e mais prolongada. É esta memória
imunológica que explica a imunidade crescente que se obtem nas
revacinações.
Na resposta Imunitária há ainda que referir a produção de mediadores
químicos – citocinas, monocinas e linfocinas, que permitem um “diálogo”
químico estimulante ou inibidor entre as diferentes células implicadas na
Resposta Imunitária – linfócitos, células do Sistema Mononuclear Fagocítico,
células Sistema Inflamatório e ainda células NK (Natural Killer). Estas últimas
são um tipo especial de células mononucleares que agem na Resposta Inata
com enorme importância na defesa anti-viral e anti-tumoral.
Os linfócitos T – responsáveis pela Imunidade dita Celular, tem várias
subpopulações que se distinguem por moléculas de superfície que são
verdadeiros marcadores funcionais. A molécula CD3 marca todo os linfócitos T,
a molécula CD4 marca os indutores – auxiliadores e a CD8 os linfócitos
citotóxicos.
Na defesa anti-infecciosa, os linfócitos B, produtores de anticorpos, têm
particular importância nas defesas contra bactérias extracelulares,
particularmente cocos e alguns vírus, enquanto que os linfócitos T são
sobretudo responsáveis pela defesa contra bactérias intracelulares, vírus e
fungos.
Na Imunologia da infecção VIH, são utilizados todos os mecanismos de defesa
naturais e os da Imunidade Adquirida. Além das barreiras físicas – pele e
mucosas – há 2 eixos fundamentais de defesa específica– os Anticorpos e as
Células. Entre os primeiros referem-se os anticorpos citotóxicos, neutralizantes
– específicos de Tipo e de Grupo, citofílicos – protectores e passivos e ainda os
facilitantes, camufladores dos epitopos virais nas células infectadas.
Na resposta celular estão envolvidos os linfócitos CD4+ restrictos à Classe II do
MHC, os CD8+ citotóxicos restrictos à Classe I do MHC, os CD8+ inibidores
(não citotóxicos) e finalmente as células activas em ADCC (Antibody
Dependent Cell Citotoxicity) – macrófagos, polinucleares e células NK.
No estudo da Resposta Imunitária anti-VIH, é indispensável relembrar a
fisiopatologia da infecção e muito particularmente os mecanismos celulares e
moleculares implicados. Os linfócitos CD4 e as células do SMF são alvos
electivos da infecção VIH, por possuírem receptores moleculares CD4 e os coreceptores CCR5 e CXR4 indispensáveis para a penetração do vírus na célula.
Na Resposta Imunitária ao VIH formam-se inicialmente anticorpos logo às
primeiras 6 semanas (raramente após 12) que são a base para a maioria dos
testes de despiste – Elisa, Western-Blot, etc. Mais tarde ao decrescer a virémia
e a antigenémia p24, surgem anticorpos neutralizantes e linfócitos CD8+
específicos anti-VIH. Os anticorpos reagem não só contra as proteínas do Env,
sobretudo gp120, mas também contra proteínas do gag, Pol e proteínas
reguladoras – vpr, vpv, vip, rev, tat, nef. Entre os anticorpos anti-VIH os
neutralizantes e os indutores de ADCC (por aderência aos M , NK e
Polinucleares), seriam os mais úteis, mas todos os Autores referem que a
Imunidade Celular é a resposta de maior importância defensiva.
Na infecção VIH há pois um reconhecimento imunológico do agente, e o
organismo humano monta uma rápida, potente e completa Resposta Imunitária,
que se vai tornando progressivamente ineficaz, pelas contínuas mutações do
vírus, e pela devastação da população linfocitária que morre aos milhões por
dia. Este facto é bem evidente pela correlação entre a subida da virémia, após
uma longa pausa assintomática, a descida dos CD4+ no sangue periférico e o
aparecimento de infecções oportunistas e tumores.
Em regra passam 8 a 12 anos até se consumar o colapso do Sistema
Imunitário. Sabe-se hoje que as células do SMF, particularmente as células
dendriticas de gânglios linfáticos e as células T da memória, são os
reservatórios virais que irão “explodir” nas recaídas. O Sistema Imunitário, ao
fim de longos anos, finalmente descoordenado e generalizadamente
“expandido” pelos múltiplos antigénios, não controla nem suprime as diferentes
respostas, gerando-se assim hipergamaglobulinémia, aumento de células
activadas, de imunocomplexos, de INF termolábil, de receptores IL-2, de 2
Microglobulina e de neopterina, activação de M , hiperplasia ganglionar,
aumento de secreção de citoquinas pro-inflamatórias, e ainda apoptose e
fenômenos auto-imunitários.
Perante a citólise CD4 e pan-estimulação linfocitária, e esgotado o
recrutamento medular, de nada valem os anticorpos citotóxicos e
neutralizantes, nem a ADCC nem a actividade de linfócitos CD8+ citotóxicos
específicos.
Sabe-se hoje que alguns marcadores genéticos estão associados à proteção,
susceptibilidade ou resistência à infecção pelo VIH: HLA – A28, BW70, AW69
e B18, à forte proteção da progressão da SIDA; B*5701, à facilidade de
progressão; AW19, ao início rápido da SIDA e morte; a homozigotia para os
loci da Classe I do MHC, ao risco de infecção e os haplotipos B35, C4, DR1,
DQ1 – DR2, DR5 e AW23, BW49 ao Sarcoma de Kaposi.
Há que referir ainda a resistência à infecção conferida pela homozigotia do
defeito com deleção da porção 32-bp do receptor CCR5 e a lenta progressão
no caso de heterozigotia da mutação CCRV641.
Terminamos esta síntese com a esperança que a investigação futura permita
uma intervenção Terapêutica Curativa, aliando a quimio e a imunoterapia.
Uma última palavra de esperança para a descoberta de vacinas preventivas,
anti-VIH, miragem que o sonho do homem temia em alcançar.
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