VIH-2 e o labirinto da patogénese - situação

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VIH-2 e o labirinto da patogénese - situação hospitalar: as Boas Práticas no
âmbito da infecção VIH/SIDA.
Quirina Santos-Costa,a Rita Vieira da Silvaa, José Azevedo-Pereiraa
a) Centro de Patogénese Molecular, Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas,
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (CPM-URIA-FFUL)
O Vírus da Imunodeficiência Humana 2 (VIH-2) é um dos agentes causais da Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Este vírus apresenta características únicas quando
comparado com o VIH-1, nomeadamente um período assintomático mais longo, uma menor
carga vírica, uma taxa de transmissão mais baixa e uma distribuição geográfica restrita.
Um dos objectivos do presente trabalho é rever o que se sabe sobre a infecção por VIH-2
indicando algumas das áreas que necessitam de mais investigação, como a interacção do vírus
com a célula-alvo, a capacidade de infectar células na ausência do receptor CD4 e a utilização
dos co-receptores. O estudo deste vírus menos virulento pode contribuir para a compreensão
dos mecanismos inerentes à patogénese do VIH e para o desenho de uma vacina.
O farmacêutico hospitalar assume um papel relevante no âmbito da infecção VIH/SIDA
destacando-se em diversas áreas como o aconselhamento ao doente, os ensaios clínicos e a
famacoeconomia. Este trabalho pretende, também, analisar a intervenção farmacêutica ao
nível da infecção revelando as Boas Práticas da Farmácia Hospitalar nesta área.
São necessários estudos que avaliem a prestação dos serviços farmacêuticos ao doente
infectado para aperfeiçoar e melhorar continuamente o trabalho efectuado pelos farmacêuticos
hospitalares.
Palavras-chave: VIH-2, patogénese, farmácia hospitalar, boas práticas
ÍNDICE
Introdução…………………………………………………………………………………….3
1. Visão global da infecção…………………………………………………………………....4
2. O Vírus da Imunodeficiência Humana Tipo II…………………………………………....10
2.1 Organização estrutural e genómica………………..………………….……………….10
2.2 Origem da infecção……..…………….…………………….......…………………......16
2.3 Transmissão…….……………………………………….......……………......…..........21
2.4 Patogénese……………….…….....……………….....…………………………...........23
2.4.1 Entrada do vírus na célula………………………..…………………………........23
2.4.2 Ciclo replicativo……………......…………….....…...…...………………………28
2.4.3 Infecção primária……..……..……………………………………………………31
2.4.4 Resposta imunitária…………….......……………....…………………….............35
2.4.5 Infecção crónica……………….………………......…...…………………..….....37
2.5 Diagnóstico………………………………….....……………………………….............38
2.6 Co-infecção……………........…………………………………………………………..40
2.7 Tratamento……………………………………………………………………………...42
3. As Boas Práticas da Farmácia Hospitalar no âmbito da Infecção VIH/SIDA……………..45
3.1 A infecção VIH/SIDA no contexto hospitalar.................................................................45
3.2 Aconselhamento ao doente..............................................................................................47
3.3 Ensaios clínicos................................................................................................................52
3.4 Farmacoeconomia............................................................................................................55
Conclusões...............................................................................................................................56
Referências................................................................................................................................57
2
INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) caracteriza-se por uma destruição das
defesas imunitárias do organismo expondo-o, assim, a diversas infecções oportunistas
temíveis1. Em 2007, a SIDA foi responsável pela morte de cerca de 2 milhões de pessoas em
todo o Mundo2.
Os agentes causadores da SIDA são o Vírus da Imunodeficiência Humana 1 (VIH-1) e 2
(VIH-2). Estes dois vírus, apesar de partilharem a mesma organização morfológica e
genómica, apresentam importantes diferenças. A infecção pelo VIH-2 caracteriza-se por um
período assintomático mais longo, uma menor carga vírica, uma taxa de transmissão mais
baixa e uma distribuição geográfica restrita, relativamente ao VIH-13.
A compreensão da patogénese do VIH-2 e, simultaneamente, dos mecanismos virológicos e
imunológicos responsáveis por esta infecção menos virulenta, pode contribuir para o
desenvolvimento de novas estratégias contra o VIH-1 e para a produção de uma vacina
eficaz3,4.
Um dos objectivos deste trabalho consiste em rever o que é actualmente conhecido sobre a
infecção por VIH-2, realçando aspectos fundamentais que requerem futura investigação.
Os doentes infectados com VIH/SIDA obtêm a sua medicação através dos Serviços
Farmacêuticos hospitalares. Deste modo, o farmacêutico hospitalar assume um papel
importante na adesão à terapêutica, no aconselhamento, na notificação de reacções adversas e
noutras áreas que não envolvem o contacto directo com o doente5. À luz do recentemente
publicado “Manual de Boas Práticas de Farmácia Hospitalar no âmbito da Infecção
VIH/SIDA”, este trabalho pretende, também, analisar a intervenção do farmacêutico
hospitalar na infecção, evidenciando os procedimentos a ter para alcançar resultados positivos
e melhorar continuamente os serviços prestados ao doente infectado.
3
1. VISÃO GLOBAL DA INFECÇÃO
Na cronologia da infecção VIH/SIDA, o caso mais antigo remonta a 1959 com origem na
República Democrática do Congo6. No entanto, os primeiros casos de SIDA verificaram-se
em 1981, nas cidades de Los Angeles e Nova Iorque (E.U.A.), em jovens homossexuais que
se encontravam em imunodepressão, com Sarcoma de Kaposi e infecções oportunistas
múltiplas7.
A nova síndrome, durante algum tempo designada por de Gays syndrome ou Grid syndrome
(Grid = gay related immune deficiency), foi de seguida identificada em homens e mulheres
toxicodependentes, noutros que tinham recebido transfusões sanguíneas e em hemofílicos,
concluindo-se, assim, pela natureza presumivelmente infecciosa, que era transmitida por via
sexual, por injecção endovenosa ou por transfusões sanguíneas7.
Surge, então, em 1982 o acrónimo SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. A
equipa do CDC (Centers of Disease Control and Prevention) considerou o nome adequado,
uma vez que a doença não era herdada mas sim adquirida, porque resultava numa deficiência
do sistema imunitário e porque consistia numa síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas
em vez de um único característico8.
Em 1983, Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier, virologistas franceses do Instituto
Pasteur, detectaram numa cultura de nódulos linfáticos de um indivíduo com síndrome ARC
(AIDS related complex – infecção sintomática pelo VIH na ausência de infecção ou tumor
oportunista; também denominado de estado pré-SIDA9) actividade da enzima transcriptase
reversa. O grupo de investigadores sugeriu, então, que o agente etiológico desta infecção
poderia ser um retrovírus, enviando uma amostra para o CDC. Alguns meses depois o vírus
foi apelidado de LAV (Lymphadenopathy Associated Virus)8,10.
Um ano mais tarde, Mikulas Popovic e Robert Gallo, investigadores do americano NCI
(National Cancer Institute), descreveram o isolamento, propagação e caracterização de um
4
retrovírus proveniente de vários pacientes com SIDA, que apelidaram de HTLV-III (Human
T-lymphotropic Virus Type III). Desenvolveram, também, um teste de diagnóstico para
demonstrar a presença de anticorpos para este vírus em indivíduos com SIDA, enquanto que,
indivíduos saudáveis eram seronegativos,10. No final do ano de 1984 o balanço era de 7.699
casos de SIDA e 3.665 mortes por esta doença nos E.U.A., com apenas 762 casos reportados
na Europa8.
Em 1985 a F.D.A (Food and Drug Administration) aprova o primeiro teste para a detecção de
anticorpos HTLV/LAV, fazendo anunciar que quem tiver estes anticorpos não pode doar
sangue no futuro8.
Com estudos subsequentes, provou-se que os retrovírus identificados pelos dois grupos eram
o mesmo e que este novo agente, denominado em 1986 de VIH (Vírus da Imunodeficiência
Humana), era inequivocamente a causa da SIDA8,10. No mesmo ano publica-se, na revista
Science, a descoberta de um segundo tipo de vírus da SIDA, o VIH-2. A identificação é feita a
partir do sangue de doentes provenientes da Guiné-Bissau, internados na Unidade de Doenças
Infecciosas e Parasitárias do Hospital Egas Moniz, por uma equipa liderada por Montagnier e
da qual faz parte a investigadora portuguesa Odette Ferreira11.
Este ano é marcado, também, pela criação do ACTG (AIDS Clinical Trials Group) pelo NIH
(National Institutes of Health) nos E.U.A., com o objectivo de concentrar esforços no
desenvolvimento de fármacos capazes de combater a infecção VIH/SIDA. O trabalho
desenvolvido conduziu à aprovação do primeiro fármaco anti-retrovírico em 1987, um
análogo nucleosídico inibidor da transcriptase reversa, denominado zidovudina (AZT)5.
Neste mesmo ano, as administrações francesas e americanas decidem partilhar a paternidade
do VIH, depois de uma longa polémica sobre a origem da descoberta8.
No início dos anos 90, a urgência de novos fármacos justificou a aprovação de algumas novas
moléculas, desde que comprovada a evidência clínica da sua eficácia, ainda antes da
5
conclusão dos ensaios clínicos. Deste modo, em 1991 surge uma nova arma contra a infecção,
a didanosina (ddI), autorizada pela F.D.A que aprova, também, no ano seguinte a zalcitabina
(ddC), para ser utilizada em associação com a zidovudina5.
Ainda em 1992 o CDC é pressionado, por doentes e pela comunidade médica, para rever a
definição de SIDA, bastante complexa e com falhas clínicas. Assim, em 1993 a nova
definição, baseada em critérios clínicos e laboratoriais, classifica os doentes de acordo com a
contagem dos linfócitos T CD4+ 9.
Em 1994, é aprovada a estavudina (d4T) e paralelamente surgem recomendações sobre a
utilização da zidovudina na prevenção da transmissão vertical5.
Em meados dos anos 90, assistiu-se então à rápida aprovação de novos fármacos pertencentes
a novas classes terapêuticas. Um grande contributo, em termos de arsenal terapêutico, surgiu
em 1995, com o aparecimento do primeiro inibidor da protease, o saquinavir, e em 1996 com
a descoberta do primeiro inibidor não nucleósido da transcriptase reversa, a nevirapina5.
Simultaneamente, e face aos avanços clínicos apresentados no Congresso de Vancouver de
1996, passa a ser preconizada a associação de, pelo menos, três fármacos com diferentes
mecanismos de acção, designada por terapêutica tripla (HAART – Highly Active
Antiretroviral Therapy). Estas associações terapêuticas vieram demonstrar uma redução
significativa na morbilidade e mortalidade associada à infecção VIH/SIDA, por supressão da
replicação vírica durante longos períodos de tempo, acompanhada de uma recuperação lenta
do sistema imunológico5.
A UNAIDS (The Joint United Nations Programme on HIV/AIDS) surge oficialmente em
1996, com a função de criar soluções e ajudar as nações no combate à SIDA. No final deste
ano, a organização declara que surgiram 3 milhões de novas infecções, a maioria em
indivíduos com menos de 25 anos, chegando-se ao número de 23 milhões de pessoas
6
infectadas em todo o Mundo. Para além disso, estimava-se que 6.4 milhões de pessoas já
tinham morrido devido à SIDA8.
Os ensaios clínicos em curso preconizaram a utilização de regimes terapêuticos mais eficazes,
mais potentes e simplificados, com menos efeitos secundários, o que contribuiu para o
aumento da adesão dos doentes à terapêutica e para a diminuição das suas resistências. Neste
contexto, surgiram as associações de fármacos, como por exemplo: zidovudina/lamivudina;
lopinavir/ritonavir; abacavir/zidovudina/lamivudina; emtricitabina/tenofovir5.
Face ao aparecimento de resistências em doentes com terapêuticas em curso, tornou-se
imperioso o desenvolvimento de novos fármacos com novos mecanismos de acção. Assim,
em 2003, surge o primeiro inibidor da fusão (enfurvitida – T 20) e nos finais de 2007 surge o
primeiro inibidor da integrase (raltegravir) e o primeiro antagonista dos co-receptores CCR5
(maraviroc). Encontram-se ainda em estudo outros inibidores da integrase, antagonistas dos
co-receptores CCR5 e CXCR4 e os inibidores endógenos (β-quimiocinas)5.
Em 2008 é atribuído o Prémio Nobel da Medicina a Françoise Barré-Sinousi e a Luc
Montagnier pela descoberta do VIH. Este prémio, partilhado com Harald zur Hausen
(investigador na área do vírus do papiloma), realçou a grande responsabilidade que estes dois
cientistas tiveram no primeiro isolamento do vírus12.
Vinte cinco anos após o isolamento do VIH-1, já morreram 25 milhões de pessoas com SIDA
em todo o Mundo e mais de 33 milhões estão infectadas com o vírus2.
Numa escala global, a pandemia do VIH estabilizou, na medida em que o número de novas
infecções diminuiu em alguns países, assim como o número de mortes associadas à SIDA.
Contudo, estes dados favoráveis não acompanham os valores inaceitáveis de novas infecções
e mortes causadas por esta doença: só em 2007 surgiram 2,7 milhões de novas infecções e
morreram 2 milhões de pessoas2.
7
Apesar da aparentemente percentagem anual de seropositivos para o VIH ter estabilizado
desde 2000, a totalidade de indivíduos a viver com o vírus tem aumentado. Isto deve-se ao
facto de novas infecções ocorrerem a cada ano que passa, ultrapassando o número de mortes
por SIDA, e porque os tratamentos utilizados aumentam a esperança e qualidade de vida das
pessoas infectadas, tornando o VIH uma infecção de curso crónico2.
Actualmente, não existe uma única região do globo que não tenha sido afectada por esta
pandemia (Figura 1).
Figura 1: Visão global da infecção por VIH em 2007 (adaptado de UNAID,S 20082)
A África Sub-Sahariana continua a ser a região mais devastada, abrigando 67% do total de
pessoas que vivem com VIH. Contudo, as novas infecções estão a ocorrer noutros pontos do
mundo, especialmente em países populosos como a Rússia, Indonésia, China, etc. 2.
Metade dos indivíduos infecs com VIH em todo o mundo é do sexo feminino, o que faz das
mulheres o grupo mais afectado. Nos últimos 10 anos esta proporção tem-se mantido estável,
8
embora esteja a aumentar em várias regiões, com consequências directas ao nível da
transmissão mãe-filho (vertical)2.
A infecção em jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, corresponde a
45% das novas infecções que surgiram em 20072. Sabe-se, também, que metade das pessoas
infectadas adquire a infecção antes dos 25 anos e morre com SIDA antes de completar 3513.
Cerca de 2 milhões de crianças com menos de 15 anos estão infectadas com o vírus, sendo
que 90% vive na África Sub-Sahariana. A maioria adquire o vírus através da mãe, como já foi
referido, durante a gravidez, durante o parto ou através da amamentação – formas de
transmissão que podem ser prevenidas pelo acesso alargado à terapêutica2.
O modo de transmissão dominante do vírus é a via sexual, em particular, a transmissão
heterossexual, representando 85% do total de infecções por VIH-1. Fora da África SubSahariana, um terço das infecções por VIH-1 são adquiridas através da utilização de drogas
injectáveis14.
Relativamente a Portugal, foram registados no ano de 2007 32.491 casos de infecção
VIH/SIDA. Deste universo, 3.2% dos casos de SIDA atribuem-se ao VIH-215.
Face à cronologia apresentada, os 25 anos que passaram desde o isolamento do VIH-1 foram
marcados por grandes descobertas científicas mas falharam no desenvolvimento de um
fármaco curativo e na produção de uma vacina preventiva10.
Os desafios que agora se colocam são vários e urgentes: permitir o acesso à terapêutica por
parte das nações mais pobres; continuar a desenvolver novos tratamentos devido aos efeitos
secundários e ao fenómeno de resistência aos fármacos; continuar a promover a educação;
monitorizar, a nível global, as diferentes estirpes de VIH; e desenvolver uma vacina
preventiva que confira imunidade16.
A expectativa de destronar a infecção VIH/SIDA é enorme, quer entre a comunidade
científica, quer na população em geral. Provavelmente, este é o melhor momento para
9
responder a esta pandemia de carácter excepcional, uma vez que há uma maior atenção sobre
o VIH, mais recursos disponíveis, maior mobilização da sociedade civil, maior diálogo por
parte dos governos, mais possibilidades de tratamento, etc.14
Deste modo, há que aproveitar as condições actuais, melhorar as estratégias e derrotar o vírus
que mudou a face do mundo.
Isolamento do VIH‐2 Primeiros casos de SIDA Primeiro teste de diagnóstico 1981 1983
1985 1986 1987
Monoterapia
Fármaco ddI Primeiro fármaco anti‐
retrovírico AZT Isolamento do VIH‐1 Fármaco Indinavir Fármaco ddC Fármaco Saquinavir 33 milhões de infectados VIH/SIDA sem cura Fármaco d4T
1991 1992 1993
Terapêutica dupla 1995 1996
2007
Terapêutica Tripla ‐ HAART
Figura 2: Selecção de alguns dos acontecimentos mais marcantes da cronologia da
infecção VIH/SIDA.
10
2. O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA TIPO 2
2.1 Organização estrutural e genómica
Taxonomicamente, o VIH-1 e o VIH-2 classificam-se como pertencendo à família
Retroviridae, sub-família Orthoretrovirinae do género Lentivirus.
Os Lentivirus estão associados a uma grande variedade de doenças crónicas nos mamíferos,
como imunodeficiências, malignidades, distúrbios linfáticos e neurológicos. Encontram-se
divididos em cinco subgrupos, cada um restrito a uma única ordem ou família de mamíferos:
bovinos, equinos, felinos, ovinos/caprinos e primatas (onde se incluem o VIH-1, VIH-2 e VIS
- Vírus da Imunodeficiência dos Símios). Todos eles se caracterizam por elevadas taxas de
evolução, o que permitiu traçar a história evolutiva de alguns subgrupos, como a dos
Lentivirus primatas17,18.
Figura 3: Classificação Taxonómica do VIH-1 e VIH-2.
11
As partículas víricas do VIH apresentam uma estrutura esférica com cerca de 110 nm de
diâmetro e são revestidas por um invólucro de natureza lipídica, onde se encontra inserida a
glicoproteína transmembranar (TM) e à qual está ligada a glicoproteína de superfície (SU).
Internamente este invólucro é revestido pela proteína da matriz (MA). O material genómico
encontra-se no interior da cápside vírica (CA), em forma cónica e, é composto por duas cópias
idênticas de moléculas ARN, associadas às proteínas da nucleocápside (NC), também
chamada de core vírico. Dentro da cápside encontram-se ainda as enzimas: transcriptase
reversa (RT), integrase (IN) e protease (PR) e as proteínas acessórias Nef, Vif, Vpr e Vpu (no
caso do VIH-1) ou Vpx (no VIH-2)19.
Glicoproteína
de superfície
SU
Glicoproteína
transmembranar
TM
Membrana
Lipídica
Nucleocápside
Transcriptase
Reversa
Figura 4: Estrutura do VIH. (adaptado de http://www.niaid.nih.gov/factsheets/howhiv.htm
)
20
12
O genoma do VIH tem cerca de 9.8 Kb e contém genes que codificam para duas proteínas
estruturais (Gag e Env), uma proteína com funções enzimáticas (Pol), duas proteínas
reguladoras (Tat e Rev) e quatro proteínas acessórias (Nef, Vif, Vpr e Vpu/Vpx)19.
Figura 5: Genoma do VIH-1. (adaptado de www.brookscole.com/ 21)
A estrutura genómica do VIH-2 é muito semelhante à estrutura do VIH-1 e do VIS. A
principal diferença reside no facto de possuir um gene vpx em vez de um gene vpu. A
homologia dos nucleótidos entre os dois vírus é cerca de 60% para as regiões mais
conservadas dos genes pol e gag, mas apenas 30 a 40% para os outros genes, incluindo o gene
env11,22.
VIH-1
VIH-2
Figura
6:
Genoma
do
VIH-1
e
do
VIH-2.
(adaptado
de
http://www.mcld.co.uk/hiv/images/hiv-genomes.gif 23)
13
O gene gag codifica para a síntese de uma poliproteína percursora, Pr55Gag, que é depois
processada pela protease vírico originando as proteínas MA (p17), CA (p24), NC (p7) e a
proteína C-terminal p6 19.
O gene pol codifica para as proteínas RT, IN e PR. Estas enzimas são obtidas pelo
processamento proteolítico da protease vírica sobre uma poliproteína precursora, Pr160GagPol
19
.
O gene env codifica para uma poliproteína percursora, Pr160Env, que é clivada por uma
protease celular originando as glicoproteínas do invólucro TM (gp41 no VIH-1 e gp36 no
VIH-2) e SU (gp120 no VIH-1 e gp125 no VIH-2)19.
Os genes tat e rev codificam para as proteínas reguladoras Tat e Rev, com acção na activação
da transcrição e regulação da expressão do ARNm vírico, respectivamente11,24.
O gene nef codifica para a proteína acessória Nef, caracterizada como um factor chave na
patogenicidade dos Lentivirus. Entre outras funções, esta proteína é responsável pela
degradação do CD4, CD28 e do MHC-I, pelo aumento da infecciosidade dos viriões e pela
estimulação da replicação vírica. Deste modo, Nef é importante para a persistência do vírus,
acelerando a progressão da doença nos indivíduos infectados com VIH-1 e nos macacos
infectados com VISmac. Em relação ao VIH-2, esta proteína é capaz de degradar o CD3, um
componente do complexo TCR (receptor de antigénios das células T), suprimindo a activação
das células T e da apoptose. Uma vez que o VIH-1 não apresenta esta função protectora, isso
pode explicar os baixos níveis de activação imunitária e de apoptose observados no VIH-2 e a
sua menor patogenicidade em relação ao VIH-1. Estudos sugerem que os dois vírus
apresentam mais diferenças no que diz respeito às funções da proteína Nef 11,25,26.
O gene vif codifica para uma proteína essencial à replicação vírica nos linfócitos T primários,
nos macrófagos e em algumas linhagens de células T. A proteína Vif promove a degradação
da enzima anti-retrovírica APOBEC3G (apolipoprotein B mRNA editing catalytic
14
polypeptide-like 3G). A APOBEC3G pertence a uma família de enzimas intracelulares que
desaminam a citosina em uracilo resultando numa acumulação de mutações que leva,
consequentemente, à degradação do ADN vírico. Deste modo, ao formar um complexo com a
APOBEC3G, a Vif bloqueia a actividade inibitória desta enzima.
No entanto, na ausência desta proteína a APOBEC3G não restringe a acção do VIH-2 tão
fortemente como no VIH-1. Estudos sugerem, assim, que a inibição exercida por esta enzima
não é o factor mais importante da actividade anti-vírica contra o VIH-2 e que outros membros
da família APOBEC poderão estar envolvidos na mesma11,24,27.
Os genes vpr e vpx são necessários para uma replicação vírica eficiente11. Vpr e Vpx são,
deste modo, proteínas homólogas que partilham funções específicas, como o bloqueio do
ciclo celular, aumentando a produção de vírus. Para além disso, o gene vpr é necessário à
acção do gene vpx durante a formação da partícula vírica28.
Nas extremidades 5’ e 3’ do genoma vírico existem sequências repetidas, repetições terminais
longas (LTRs – long terminal repeats), que são importantes não só na integração do genoma
do VIH, como também na regulação da expressão do mesmo19.
A comparação de sequências dos dois vírus mostrou diferenças a nível da estrutura do LTR.
Este gene possui três regiões funcionais distintas: U3, R e U5, que possuem apenas 30 a 40%
de homologia para a sequência de aminoácidos entre o VIH-1 e o VIH-211.
Figura 7: Regiões reguladoras na região de repetição terminal longa (LTR) do VIH-1. A
região U3 contém sítios de ligação para os factores de transcrição celulares. A região R
15
contém o elemento de resposta à trans-activação (TAR) implicado na trans-activação mediada
pela Tat. (adaptado de Goldman L, Elsevier 200824.)
Como se observa na figura, o domínio U3 do VIH-1 possuiu dois elementos reguladores para
o factor de transcrição NF-kB. No entanto, o domínio do VIH-2 não possui o “tandem repeat”
destes elementos, o que faz com que a activação da transcrição seja diferente noa dois vírus.
Elementos únicos ou específicos no LTR do VIH-2 poderão regular a expressão genética,
independentemente dos sinais de activação das células T ou de citoquinas, factores que
controlam normalmente a expressão genética do VIH-1. O estudo de mutações no LTR
responsáveis pela indução da activação da expressão genética no VIH-2 demonstrou que esta
função é mais facilmente perturbada do que no VIH-1, podendo em parte explicar as
diferentes propriedades biológicas dos dois vírus11.
Embora a expressão da regulação genética do VIH-2 pareça ser muito semelhante à do VIH-1,
as várias diferenças descritas podem ter uma importância relevante na diferente
patogenicidade destes vírus11.
2.2 Origem da infecção
A SIDA resulta de uma zoonose, isto é, uma infecção vírica transmitida, neste caso, do
macaco para o Homem. Estudos indicam que ocorreram várias transmissões inter-espécies a
partir de primatas infectados com o VIS, que culminaram com a introdução do VIH-1 e VIH2 na espécie humana29.
A origem zoonótica dos dois vírus é apoiada por cinco evidências: semelhanças na
organização do genoma vírico, origem filogenética comum, prevalência no hospedeiro
natural, coincidência geográfica e vias de transmissão plausíveis30.
Os VIS representam um grupo de vírus, que se diferenciam geneticamente, cujos hospedeiros
naturais são uma vasta gama de primatas africanos, incluindo chimpanzés, macacos verdes
16
africanos e macacos sooty mangabeys. Deste modo, os precursores do VIH-1 e do VIH-2 são
o VIS dos chimpanzés (VIScpz) e o VIS dos macacos sooty mangabeys (VISsm),
respectivamente31.
Existem, pelo menos, seis linhagens distintas destes Lentivirus primatas: 1) VISsm dos sooty
mangabeys (Cercocebus atys), juntamente com o VIH-2 e o VISmac dos macacos (género
Macaca); 2) VISagm das quatro espécies diferentes dos macacos verdes africanos (género
Chlorocebus); 3) VISsyk dos macacos Sykes (Cercopithecus albogularis); 4) VIScpz de duas
espécies de chimpanzés (Pan troglodytes), juntamente com o VIH-1; 5) VIShoest dos
macacos L’Hoest (Cercopithecus lhoesti), VISsun dos macacos sun-tailed (Cercopithecus
solatus) e VISmnd de mandrill (Mandrillus sphinx); 6) VIScol dos macacos guereza
colobus30,31.
A figura 7 indica a relação filogenética entre várias estirpes de VIS, onde se pode observar
linhagens espécie-específicas distintas e o VIH-1 interligado com o grupo do VIScpz, assim
como o VIH-2 com o grupo do VISsm31.
17
Figura 8: Relação filogenética entre várias estirpes de VIS e VIH. (adaptado de Hirsch V,
et al. AIDS Rev 200431)
18
Estudos sugerem que alguns destes primatas africanos estão infectados com VIS há muito
tempo e que a entrada dos agentes responsáveis pelo VIH-1 e VIH-2 resultou da ocorrência
de, pelo menos, sete episódios zoonóticos. No entanto, estes vírus não parecem causar doença
nos seus hospedeiros naturais, o que significa que os primatas representam um enorme
reservatório de Lentivirus com o potencial de infectarem outras espécies, nomeadamente os
humanos, nos seus habitats naturais30,32.
De acordo com a análise filogenética, o VIH-1 divide-se em três grupos de vírus distintos: M
(major), N (non-M e non-O) e O (outlier), que se pensa terem resultado de três eventos
isolados de transmissão zoonótica do VIScpz para o Homem. O grupo M é o predominante e
o responsável pela maioria dos casos de SIDA em todo o Mundo, classificando-se em 9
subtipos (de A a K) e em formas recombinantes circulantes (vírus cujo genoma é composto
por genes provenientes de dois ou mais subtipos diferentes). As infecções pelos grupos N e O
são muito raras e estão limitadas geograficamente aos Camarões e à África Central19,33,34.
O VIH-2 compreende oito grupos filogenéticos, de A a H, sendo que apenas os grupos A e B
são considerados epidémicos. De modo semelhante ao VIH-1, pensa-se que estes grupos
tenham resultado de oito eventos distintos de transmissão zoonótica a partir do VISsm19. Não
existem diferenças significativas no que diz respeito à progressão da infecção, patogenicidade
ou transmissão entre os grupos A e B, e os outros grupos são demasiado raros para retirar
conclusões acerca das suas diferenças22.
Ao contrário do VIH-1, causador de uma pandemia mundial sem limites, o VIH-2 tem uma
distribuição geográfica muito mais limitada. Está presente sobretudo nos países da África
Ocidental, como a Guiné-Bissau, Senegal, Gâmbia, Burkina Faso, Ghana, Costa do Marfim,
Nigéria e Cabo Verde. A prevalência de infecções pelo VIH-2 é relativamente elevada em
Portugal devido às ligações históricas e socio-económicas com a Guiné-Bissau e Cabo Verde,
19
mas é muito reduzida na maior parte dos outros países com casos conhecidos de infecção pelo
VIH-2. Incluem-se aqui França, Holanda, Alemanha, Suécia, Espanha e Índia35.
Os estudos indicam a Guiné-Bissau, Costa do Marfim ou Cabo Verde como possíveis locais
de origem do VIH-2 e estima-se que terá sido transmitido aos humanos por volta de 1940±16,
quase uma década depois da introdução do VIH-1 na população humana (1920-30). No
entanto, a sua rápida disseminação só teve início em 1960-1970 o que poderá ser atribuido à
guerra colonial, sobretudo devido à migração dos soldados, às elevadas taxas de prostituição
e, eventualmente, às campanhas de vacinação ou à prestação de cuidados de saúde que, com
base na escassez de meios, não terão sido realizados nas condições mínimas de segurança11,29.
Na tentativa de explicar como é que a transferência do vírus ocorreu, surgiram duas hipóteses
divergentes. Um grupo de investigadores defende que a transmissão zoonótica do VIScpz e do
VISsm para os humanos resultou do contacto directo com sangue infectado de chimpanzés e
macacos Sooty mangabeys. Esta hipótese é suportada pela exposição regular ao sangue animal
por parte de caçadores, pelo consumo de carne contaminada mal cozinhada, pelo comércio
dos animais, entre outras actividades. Trata-se, portanto, de uma explicação plausível para a
transmissão dos Lentivírus dos primatas para os humanos30,32.
Outra hipótese sugere que os vírus responsáveis pela SIDA foram transferidos para os
humanos através da vacina oral da poliomielite. A base desta ideia assenta na administração
da vacina a cerca de um milhão de pessoas no Congo Belga, Rwanda e Burundi que ocorreu
no final dos anos 50. Os autores especulam que terão sido usadas células de rim de
chimapanzés e de macacos sooty mangabeys infectados na preparação da vacina. No entanto,
não existe evidência directa que comprove este cenário para além de que se estima que o
grupo M do VIH-1 teve origem 10 a 50 anos antes da vacinação ter ocorrido30,32.
Como é que a epidemia da SIDA começou, quais foram os factores desencadeantes e a razão
de só ter surgido em meados do século XX, são questões ainda sem resposta.
20
No entanto, de acordo com os investigadores que apoiam a hipótese de transmissão por
contacto humano directo com primatas infectados, as circunstâncias que levaram à expansão
dos vírus e, consequentemente, à actual pandemia, prendem-se com alterações sociais,
económicas e comportamentais que ocorreram no início e meados do século XX30.
2.3 Transmissão
O VIH pode ser encontrado, em diferentes concentrações, nos seguintes fluidos biológicos:
sangue, fluido vaginal, esperma, leite, saliva, lágrimas, líquido cefalorraquidiano (LCR) e
suor. No entanto, a presença do vírus nestes fluidos não significa que ele seja transmitido
através dos mesmos. A carga vírica, ou seja, a concentração de vírus (n.º de cópias de RNA
/mL de sangue total) encontrada em determinados fluidos como saliva, lágrimas, LCR e suor,
é demasiado reduzida para estabelecer a infecção. Deste modo, o VIH pode ser transmitido,
de uma forma mais eficiente pelas vias sexual, sanguínea e vertical (transmissão de mãe para
filho)36.
Relativamente à via sexual, a infecção pode ser adquirida através de relações homossexuais e
heterossexuais não protegidas. A transmissão entre parceiros sexuais depende de uma série de
factores, como o subtipo de vírus, o estado de infecção do parceiro que o transmite, a
susceptibilidade genética do potencial hospedeiro para a infecção e a patogenicidade da
estirpe vírica infectante37.
Em Portugal, o número de casos associados à infecção por transmissão sexual heterossexual
representa 38,8% dos registos e a transmissão sexual homossexual masculina representa 12%
dos casos. Os casos notificados de infecção VIH/SIDA que referem como forma provável de
infecção a transmissão sexual heterossexual, apresentam uma tendência evolutiva crescente15.
As vias de transmissão do VIH-2 são idênticas às observadas para o VIH-111. No entanto, na
21
infecção pelo VIH-2 a via de transmissão dominante é a via heterossexual, responsável por
70% dos casos de SIDA devidos a este vírus15.
O risco da transmissão heterossexual é teoricamente dependente da quantidade de vírus
presente nas secreções vaginais ou no sémen e, da imunidade específica e não específica dos
aparelhos genitais femininos e masculinos. Estudos evidenciaram que as mulheres infectadas
pelo VIH-2 têm menor quantidade de vírus nas secreções vaginais, comparativamente com as
mulheres infectadas pelo VIH-111. O mesmo tipo de estudo, conduzido em homens,
confirmou que a carga vírica no sémen de indivíduos com VIH-2 é inferior aos infectados
com VIH-138.
Para além destas evidências, modelos matemáticos sugerem que a probabilidade de
transmissão do VIH-2 por contacto sexual é cinco a nove vezes inferior à do VIH-13,11,35.
Deste modo, esta menor quantidade de vírus presente nos fluidos vaginais e esperma está
relacionada com a menor taxa de transmissão do VIH-2 e com a baixa carga vírica encontrada
nestes indivíduos11.
A transmissão sanguínea pode ocorrer através do sangue e seus derivados (transfusões de
sangue não controlado, administração de produtos derivados do sangue, etc.) agulhas e
seringas com sangue, lâminas e outros objectos cortantes39. Verifica-se que o maior número
de casos notificados no nosso país corresponde a indivíduos que consomem drogas por via
endovenosa constituindo 43,0% de todas as notificações15.
Em relação ao VIH-2, 13% dos casos de SIDA adquirem-se por transfusões sanguíneas e
apenas 4,1% dos casos estão notificados em indivíduos toxicodependentes15.
A transmissão vertical pode ocorrer durante a gravidez, durante o trabalho de parto e através
do leite materno. Esta via de transmissão pode ser abruptamente reduzida através de
tratamento anti-retrovírico, realização de cesariana electiva e abstinência total da
amamentação, pelo que é de extrema importância a identificação pré-natal da infecção VIH na
22
mulher grávida40. Uma vez que a terapêutica está disponível nos países desenvolvidos, a
percentagem de casos de SIDA devido a esta via de transmissão em Portugal é de 0,6%
(1983-2007)15.
No que diz respeito à infecção VIH-2, a taxa de transmissão vertical é cerca de 10 a 20 vezes
inferior à do VIH-135, estimando-se que na ausência de tratamento anti-retrovírico o risco de
transmissão da mãe com VIH-1 para a criança é de 15-45% e para o VIH-2 é de 1-2%40. A
apoiar este facto estão os dados portugueses: do total de casos de SIDA por VIH-2 apenas
1,5% se deve à transmissão vertical (1983-2007)15.
Em suma, a compreensão das formas de transmissão do VIH é importante para determinar
estratégias efectivas de prevenção. Para além disso, a menor taxa de transmissão do VIH-2
associada à menor carga vírica verificada nos indivíduos infectados com este vírus, suporta a
teoria de que o VIH-2 é um vírus menos patogénico.
2.4 Patogénese
2.4.1 Entrada do vírus na célula
A entrada do VIH na célula do hospedeiro requer a presença de um receptor na superfície da
mesma. Deste modo, o receptor principal existente à superfície das células para a entrada,
quer do VIH-1, quer do VIH-2, é o receptor CD4 (cluster designation 4). Trata-se de uma
proteína transmembranar que é expressa, por exemplo, na superfície dos linfócitos Tauxiliadores, monócitos, macrófagos, células dendríticas e microgliais11,41.
No entanto, a presença de moléculas CD4 não são suficientes para se estabelecer a infecção,
havendo necessidade de outros componentes celulares. Estes componentes adicionais,
chamados de co-receptores, foram identificados como proteínas G que caracteristicamente
possuem sete domínios transmembranares. Actualmente, vinte e três destas proteínas
mostraram actuar como co-receptores do VIH-1, VIH-2 e VIS in vitro: CCR1, CCR2b,
23
CCR3, CCR4, CCR5, CCR8, CCR9, CXCR2, CXCR4, CXCR5, CX3CR1, GPR1, GPR15,
STRL33, APJ, ChemR23, RDC1, BLTR e US2842.
Os principais co-receptores necessários para a entrada in vivo do VIH-1 nas células, e que
desempenham um papel muito importante na patogénese, são o CCR5 e o CXCR43.
Os vírus que utilizam o co-receptor CCR5 são denominados de vírus R5, sendo também
classificados de M-trópicos, uma vez que infectam preferencialmente macrófagos. Outra
terminologia usada para estes vírus é a de não indutores de sincícios (células gigantes
multinucleadas), sendo normalmente isolados na fase assintomática da infecção e
apresentando uma taxa de replicação baixa/lenta3,11,19,39. Este co-receptor tem um papel
extremamente relevante na transmissão do VIH, uma vez que indivíduos homozigóticos para
uma delecção de 32 pb no gene CCR5 (∆32ccr5), são resistentes à infecção pelo VIH13,11,39,42,43. De acordo com estudos epidemiológicos, cerca de 10 a 20% da população
Caucasiana possui esta mutação. Desta percentagem, apenas 1% corresponde aos indivíduos
homozigóticos, sendo estes em particular descendentes de populações do Norte da Europa. A
restante percentagem corresponde aos indivíduos heterozigóticos. Estudos conduzidos em
África e no Japão, sugerem que esta mutação não existe ou é extremamente rara nestas
populações39,43. A delecção em causa conduz à produção de um CCR5 defectivo que não é
transportado para a superfície das células. Deste modo, o co-receptor não é expresso, o que
faz com que não haja infecção destas células pelas estirpes víricas que utilizam o co-receptor
CCR511. Apesar desta mutação ser extremamente protectora contra a infecção de VIH-1 –
estirpes R5, ela não o é para estirpes que utilizam outros co-receptores para a entrada, como
por exemplo, o CXCR43,39,42.
Os vírus que usam o co-receptor CXCR4 são denominados de vírus X4 e de T-trópicos pois
infectam preferencialmente linhas celulares contínuas T (linfócitos). Estes vírus classificamse de indutores de sincícios, são isolados numa fase mais avançada da doença e têm uma taxa
24
de replicação rápida/alta3,11,19,39. Os vírus que usam ambos os co-receptores são designados de
vírus R5X419.
A entrada do VIH-1 na célula é inibida na presença de quimiocinas específicas para os
diferentes co-receptores. As quimiocinas são uma super-família de proteínas que funcionam
como moléculas reguladoras na maturação, tráfico, recrutamento e recirculação dos
leucócitos, assim como no desenvolvimento dos tecidos linfáticos. Estas proteínas são
secretadas por várias células do sistema imunitário e têm como ligandos naturais os coreceptores, intervindo na patogénese do VIH43.
Deste modo, o co-receptor CCR5 liga-se a RANTES (Regulated on Activation, Normal T
Expressed and Secreted), MIP-1α (Macrophage Inflammatory Protein 1α) e MIP-1β
(Macrophage Inflammatory Protein 1β), membros da família das β quimiocinas, resultando
na inibição de vírus R5; enquanto o co-receptor CXCR4 liga-se a SDF-1 (Stromal Cell
Derived Factor 1), membro da família das α quimiocinas, não permitindo a entrada de vírus
X443.
A inibição da entrada do vírus pelas quimiocinas pode ocorrer através de um efeito estérico,
bloqueando a entrada do vírus pela ligação directa do ligando ao seu receptor, ou através da
internalização do receptor após a ligação à quimiocina43.
A descoberta dos efeitos inibitórios dos ligandos do CCR5, levou a que se considerasse a sua
utilização como agentes terapêuticos na limitação da entrada do VIH na célula. No entanto,
isso poderia resultar no recrutamento de células susceptíveis ao VIH, através da quimiotaxia,
poderia aumentar a produção de vírus X4 ou até a infecciosidade dos vírus R5, pelo que não
se mostrou uma estratégia viável43.
Os vírus que são mais transmitidos são quase sempre estirpes R5 que predominam durante o
estado inicial da infecção. Estima-se que, aproximadamente 40% dos indivíduos infectados
25
com VIH apresentem uma transição para R4 que está, assim, associado a uma rápida
progressão da infecção, ou seja, às estirpes mais patogénicas3,11.
De acordo com este modelo, o tropismo do VIH para estes co-receptores está relacionado com
a capacidade de replicação dos vírus nas diferentes linhas celulares. Deste modo, os vírus Mtrópicos, que requerem o co-receptor CCR5 para entrarem na célula, não infectam células T
transformadas uma vez que estas não expressam este co-receptor, mas sim o CXCR43.
No entanto, ao contrário do que se observa com o VIH-1, é frequente a identificação de
estirpes de VIH-2 com a capacidade de usarem outros co-receptores (CCR1, CCR2 ou CCR3,
por exemplo) de uma forma tão ou mais eficiente com que utilizam o CCR5 ou o CXCR444.
Para além de utilizar um espectro muito mais alargado de co-receptores, o VIH-2 também tem
a capacidade de entrar na célula na ausência do receptor CD43,45. Estas características
fenotípicas do VIH-2 estão relacionadas com a estrutura conformacional das glicoproteínas do
invólucro que é, deste modo, mais flexível do que a do VIH-13,44.
A glicoproteína SU é constituída por cinco regiões hipervariáveis, V1 a V5, separadas por
cinco regiões mais conservadas, C1 a C5. Esta glicoproteína é composta por dois domínios,
um interno e outro externo, e uma folha-β, à qual pertencem as regiões V1, V2 e C4, que liga
os domínios interno e externo. O domínio externo e a folha-β participam na ligação da
glicoproteína SU ao receptor CD4 e aos co-receptores CCR5 e/ou CXCR4, e o domínio
interno é essencial para a associação das glicoproteínas SU e TM19.
A glicoproteína TM tem uma região extracelular, uma região transmembranar e uma região
intracitoplasmática. Na região extracelular existe uma fracção hidrofóbica N-terminal rica em
glicinas, o péptido de fusão e, duas hélices-alfa, HR1 e HR2. Tanto o péptido de fusão como
as hélices HR1 e HR2 são fundamentais para a fusão do vírus com a membrana
citoplasmática da célula alvo19.
26
A região V3, que fica mais próxima da membrana celular após a interacção entre a
glicoproteína SU e o receptor CD4, é fundamental não só na ligação com o co-receptor como
na determinação do tropismo vírico para os co-receptores19. Evidências sugerem que a região
V3 do VIH-2 está menos exposta que a do VIH-1, apoiando a hipótese de que a conformação
das glicoproteínas deste vírus é suficientemente mais relaxada que no VIH-1 permitindo a
interacção com diferentes co-receptores3.
Deste modo, o estudo do gene env do VIH-2 é extremamente importante para aprofundar o
conhecimento sobre as interacções iniciais que ocorrem entre o VIH-2 e a célula alvo.
A capacidade de utilizar vários co-receptores e de entrar nas células independentemente da
molécula CD4 deveria constituir uma vantagem para o VIH-2 tornando-o, assim, mais
patogénico por poder infectar outras células em diferentes compartimentos. No entanto, não é
isso que acontece. As possíveis explicações para este paradoxo são várias: o facto de interagir
com diferentes co-receptores pode levar à infecção de células não activadas/não permissivas,
nas quais o vírus não consegue completar o ciclo replicativo; pode não existir uma
concentração suficiente de um determinado co-receptor para se dar a entrada do vírus na
célula; nas estirpes que não utilizam o receptor CD4 a taxa de replicação é mais baixa, para
além de que são mais sensíveis à acção dos anticorpos neutralizantes3.
Deste modo, a conformação mais flexível das glicoproteínas do VIH-2 contribui para o
melhor controlo imunológico observado durante a infecção e pode explicar porque é que os
indivíduos infectados com este vírus apresentam uma menor carga vírica e um atraso na
progressão da doença3.
Apesar da utilização promíscua dos co-receptores pela maioria das estirpes VIH-2, os coreceptores principais para a sua replicação nas células mononucleadas do sangue periférico
(CMSP) são os co-receptores CCR5 e/ou CXCR43,11. É de realçar que a utilização do co-
27
receptor CCR5 parece ser crucial para o VIH infectar as células e produzir uma infecção
crónica/persistente no hospedeiro3.
No entanto, identificaram-se recentemente estirpes que são incapazes de infectar qualquer
linha celular co-expressando a molécula CD4 e os vários receptores das quimiocinas42,
embora o fizessem em CMSP. Além disso, foi possível demonstrar que estas estirpes são
resistentes à inibição pelos ligandos naturais e anticorpos monoclonais dirigidos para o CCR5
e o CXCR4, sugerindo que são capazes de utilizar outras moléculas co-receptoras para
entrarem nas CMSP que não os referidos CCR5 e CXCR4. Estes dados sugerem que a
infecção natural pelo VIH-2 na espécie humana pode ocorrer através de estirpes que não usam
como co-receptores as moléculas CCR5 e CXCR444.
Perante estas evidências, levanta-se a possibilidade de uma população de vírus que não utiliza
os co-receptores CCR5 e CXCR4, adquirir a capacidade de utilizar o co-receptor CCR5,
tornando-se, assim, mais virulenta3.
Deste modo, é importante determinar o papel destas estirpes que não utilizam os co-receptores
CCR5 e CXCR4, a evolução dos seus co-receptores a partir da população inicial e quais os
determinantes moleculares destes fenótipos. As respostas a estas questões são fundamentais
para a compreensão da patogénese do VIH-2 e, consequentemente, para o estudo de uma
vacina contra o VIH3.
2.4.2 Ciclo replicativo
Para que o VIH entre finalmente nas células é necessário que ocorra a fusão entre o invólucro
e a membrana plasmática19.
A interacção da glicoproteína SU com o CD4 e o co-receptor promove a aproximação das
glicoproteínas do invólucro à membrana citoplasmática celular, bem como alterações
conformacionais na glicoproteína TM. Estas alterações resultam na exposição e inserção do
28
péptido de fusão na membrana citoplasmática. Gera-se uma conformação retráctil da gp41
que promove o contacto entre a membrana citoplasmática e o invólucro vírico, com a
formação do poro de fusão e a entrada da cápside vírica na célula (Figura 9)19.
Figura 9: Modelo de ligação e entrada do vírus. (adaptado de Sierra S, et al. Clin Virol
200546)
Estudos de cinética de fusão têm ajudado a esclarecer algumas diferenças observadas entre o
VIH-1 e o VIH-2 sobre o seu mecanismo de entrada nas células. De facto, embora a gp120 do
VIH-1 tenha maior afinidade para o receptor CD4 do que a gp125 do VIH-2, a velocidade de
fusão do VIH-2 é maior do que o VIH-119.
Esta diferença parece residir na eficiência das alterações conformacionais que ocorrem na
glicoproteína SU após interacção com o receptor CD4 e que resultam na formação do sítio de
ligação ao co-receptor na SU. No VIH-2 este processo é mais rápido do que no VIH-1, muito
possivelmente porque a conformação constitutiva da gp125 é mais aberta, e por isso mais
acessível do que a da gp120, como referido anteriormente19.
29
Figura 10: Ciclo replicativo do VIH-1. (adaptado de www.nature.com 47)
Depois da fusão das membranas víricas e celulares o core vírico é libertado no citoplasma da
célula. Após a descapsidação do vírus, que envolve factores celulares e as proteínas MA, Nef
e Vif, o ARN é retrotranscrito pela enzima transcriptase reversa numa dupla cadeia de ADN46.
A elevada taxa de erro da enzima ADN-polimerase ARN-dependente e a alta taxa de
replicação do VIH (109 partículas víricas/dia) contribuem para a rápida mutação do vírus,
originando uma elevada população heterogénea (variabilidade) e, para a resistência
farmacológica41.
O complexo de pré-integração migra para a membrana nuclear através da proteínaVpr e entra
no núcleo pelo poro nuclear. Ocorre, então, a integração do ADN pró-viral no ADN celular
pela enzima integrase46. Estudos demonstraram que a carga vírica é semelhante nos doentes
infectados pelo VIH-1 e pelo VIH-2. No entanto, a carga vírica plasmática é
30
significativamente maior nos doentes com VIH-1, sugerindo que a taxa de replicação do vírus
é mais baixa no VIH-2. Para além disso, existe uma diferença entre os dois vírus no que diz
respeito ao sítio de integração do ADN pró-viral, o que contribuiu para a diferente patogénese
observada entre o VIH-1 e o VIH-247.
A activação das células infectadas, através de antigénios, citoquinas ou outros factores,
estimula a produção do factor nuclear NF-kB, envolvido na transcrição mas, também, na
activação do promotor do LTR levando à produção das proteínas Tat, Rev e Nef. Deste modo,
o ADN pró-viral integrado é transcrito pela ARN polimerase II em ARNm, ocorrendo a
translação dos ARNm em proteínas víricas,46.
A Tat passa a controlar a transcrição dos genes seguintes activando a transcrição através da
sua ligação ao elemento TAR do LTR e a outros factores de transcrição41,46.
Na fase inicial do ciclo replicativo, apenas são produzidas as proteínas reguladoras Tat, Nef e
Rev. A Rev inicia a síntese de proteínas estruturais ao inibir o splicing dos ARNm e
exportando-os para fora do núcleo (polissomas)41,46.
As proteínas víricas e o ARN genómico são, então, transportados para a membrana celular
onde se reúnem. Dá-se a coalescência das proteínas do VIH por baixo da bicamada lipídica da
célula infectada formando-se, de seguida, a nucleocápside. Os viriões imaturos são, então,
libertados através da membrana plasmática adquirindo as características da bicamada lipídica.
Após a libertação inicia-se o processo de maturação em que a protease vírica quebra os
polipéptidos precursores em proteínas funcionais, necessárias para produzir um vírus
infeccioso41.
2.4.3 Infecção primária
As células inicialmente infectadas pelo vírus podem variar de acordo com a via de
transmissão. O vírus que entra directamente na corrente sanguínea é eliminado da circulação
31
para o fígado ou para outros órgãos linfáticos39. Nestes locais, o VIH vai-se replicar
atingindo-se o pico da virémia entre duas a quatro semanas após o contágio (Figura 11),
disseminando o vírus por todo o corpo9,39.
Não se sabe ao certo qual a primeira célula do sangue ou tecido linfático a ser infectada, no
entanto, estudos em modelos animais apontam para a linhagem das células dendríticas.
Dependendo do seu estado de maturação, estas células podem ser directamente infectadas
com o vírus e transferi-lo para células T CD4+, ou transportar o vírus para as células T CD4+
sem ficarem infectadas39. Embora o VIH-1 tenha a capacidade de entrar nas células
dendríticas imaturas, uma vez que estas expressam o receptor CD4 e os co-receptores CCR5 e
CXCR4, a replicação vírica só acontece quando as células dendríticas entram em contacto
com as células T no tecido linfático48.
Um estudo de Duvall M. et al. demonstrou que as células dendríticas são menos susceptíveis
à infecção pelo VIH-2 do que pelo VIH-1. É possível que o VIH-2 não utilize estas células
como mediadoras da infecção das células T CD4+, ou então, que a infecção das células
dendríticas pelo VIH-2 ocorra a níveis indetectáveis in vitro. De qualquer modo, estes dados
são mais um contributo para a compreensão da diferente patogenicidade observada nos dois
vírus48.
Estudos em macacos sobre a exposição da mucosa ao VIS, sugerem que a primeira célula a
ficar infectada no local de exposição ao vírus é a célula de Langerhans, uma célula da
linhagem dendrítica e, que esta transfere o vírus para as células T CD4+ nos nódulos
linfáticos. Uma vez que o VIH se replica preferencialmente em células T activadas, o
complexo célula dendrítica-célula T apresenta o vírus a uma pool de células-alvo altamente
susceptíveis permitindo, assim, que a infecção se estabeleça nas células T dos tecidos
linfáticos49. Pensa-se que este mecanismo ocorre nos humanos quando o VIH entra
“localmente” através da vagina, recto ou uretra durante a relação sexual ou, através do tracto
32
gastrointestinal (GI) superior por ingestão de sémen infectado, fluido vaginal ou leite de
amamentação39.
O tracto gastrointestinal (GI) é extremamente afectado pelo vírus na fase inicial da infecção.
A superfície da mucosa do tracto GI serve de barreira estrutural e imunológica contra os
microorganismos exteriores, sendo aqui que se concentram a maioria dos linfócitos (GALT –
Gut Associated Lymphoid Tissue). Durante a fase aguda da infecção, a maioria das células T
CD4+ do tracto GI são perdidas, como resultado da intervenção directa do vírus. Esta perda
mantém-se durante todo o curso da infecção representando, assim, um violento “ataque” ao
sistema imunitário. Contudo, a contagem das células T CD4+ do sangue periférico não
apresenta um declínio tão acentuado (Figura 11)49,50. A enteropatia, que pode ocorrer desde a
fase aguda até à fase mais avançada da infecção, envolve sintomas como diarreia, aumento da
inflamação GI, aumento da permeabilidade intestinal e má absorção49.
Figura 11: Curso da infecção VIH. (adaptado de www.new-science-press.com51)
33
Na fase aguda, que ocorre em aproximadamente 50% dos indivíduos com infecção primária,
os elevados níveis de virémia duram várias semanas. Como resultado da replicação vírica e da
resposta imunitária que se inicia, surgem sintomas não específicos e comuns a muitas
infecções víricas, como febre, dor de garganta, mau estar, nódulos linfáticos aumentados,
etc39. Este quadro é, também, denominado de Síndrome Viral Agudo (SVA)9. Todos os
infectados parecem desenvolver algum grau de virémia durante a infecção primária, o que
contribui para a disseminação do vírus, mesmo que permaneçam assintomáticos39.
Sintomas:
• Febre, dor de garganta, fadiga, perda de peso, mialgia
• 40 a 80% dos pacientes pode apresentar um rash maculopapular
• Diarreia, náuseas, vómitos
• Linfoadenopatia, suores nocturnos
• Meningite asséptica (febre, dor de cabeça, fotofobia e pescoço rígido)
Outros:
• Elevada carga vírica (mais de 50 000 cópias/mL no adulto ou 500 000 cópias /ml
na criança)
• Diminuição contínua dos linfócitos CD4+
Tabela 1: Apresentação clínica da infecção primária por VIH nos adultos (adaptado de
Dipiro J et al., Pharmacotherapy, a pathophysiologic approach, McGraw-Hill 2008 41)
Como se pode observar na Figura 11, durante a infecção primária a carga vírica é
extremamente elevada no sangue periférico (até 108 cópias de RNA VIH-1/ml de plasma) e o
número de células T CD4+ diminui significativamente46.
34
2.4.4 Resposta imunitária
Após a infecção primária, os indivíduos infectados com VIH apresentam uma forte resposta
imunitária, que é caracterizada por elementos da imunidade humoral e da imunidade celular39.
Imunidade Humoral
• Anticorpos ligantes
• Anticorpos neutralizantes
ƒ Típico específico
ƒ Grupo específico
• Anticorpos que participam na citotoxicidade dependente de anticorpos (ADCC
– antibody-dependent celular cytotoxicity)
ƒ Protectores
ƒ Patogénicos
• Anticorpos enhancing
Imunidade celular
• Linfócitos T auxiliadores CD4+
• Linfócitos T citotóxicos CD8+ restritos MHC-Classe I
• Inibição mediada por células T CD8+
• ADCC
• Células Natural Killer
Tabela 2: Elementos da resposta imunitária ao VIH. (adaptado de Fauci A et al.
Harrison’s: Principles of internal medicine 39)
Em relação à resposta imunitária humoral, os anticorpos para o VIH aparecem, normalmente,
entre 6 a 12 semanas após a infecção primária39. Embora os anticorpos neutralizantes tenham
a capacidade de exercer pressão selectiva, os epítopos alvo sofrem mutações que alteram os
vários sítios de glicosilação do invólucro, o que faz com que o vírus se torne “resistente” à
neutralização52.
35
Deste modo, a resposta dos anticorpos neutralizantes não é suficientemente forte para impedir
a replicação contínua do vírus39, tendo um papel de menor importância no controlo da
infecção46.
No entanto, o VIH-2 apresenta uma menor capacidade de escape aos anticorpos neutralizantes
relativamente ao VIH-1 devido, como já referido, à conformação do invólucro. Se estes
anticorpos têm um papel na progressão lenta da infecção e na baixa carga vírica, são questões
ainda por esclarecer mas que se revestem de grande importância para o desenvolvimento de
uma vacina22.
O rápido aparecimento dos linfócitos T citotóxicos (CD8+) está associado à diminuição
temporária dos níveis plasmáticos de VIH. Estas células auxiliam o controlo da replicação
vírica de várias formas: exercem actividade citolítica, através da libertação de perforina,
lisando as células-alvo; induzem a apoptose levando à morte da célula; libertam factores
solúveis com actividade anti-vírica (interferão-gama, MIP-1α, MIP-1β, RANTES); libertam o
ainda não esclarecido CAF (Cell Antiviral Factor), um factor anti- vírico que inibe a
activação da transcrição, etc.46,52 Esta forte resposta citotóxica é, também, característica da
infecção pelo VIH-211.
Apesar da resposta celular, a supressão da replicação vírica não é alcançada e o nível de
células T CD4+ vai diminuindo progressivamente. Nesta fase, a maioria dos seropositivos são
assintomáticos, denominando-se de latência clínica46. No entanto, é possível encontrar um
quadro clínico designado por linfoadenopatia generalizada persistente (LPG). Esta síndrome
atinge cerca de 50 a 70% dos infectados e não tem implicações prognósticas, não
configurando o seu aparecimento uma progressão da infecção.
36
2.4.5 Infecção crónica
Uma vez estabelecida a infecção, apesar das respostas imunitárias accionadas após a infecção
primária, o vírus nunca é completamente eliminado do organismo. Desenvolve-se, assim, uma
infecção crónica que persiste durante aproximadamente 10 anos antes do paciente se tornar
clinicamente doente39.
Linfócitos
CD4+
(A)
Assintomático, Infecção
Aguda ou LGP
(B)
(C)
Sintomático, situações Situações indicadoras
não A não C
de SIDA
> 500/µL
A1
B1
C1
200-499/µL
A2
B2
C2
< 200/µL
A3
B3
C3
Tabela 3: Classificação do CDC das fases clínicas da infecção (adaptado de CDC54, Meliço
Silvestre A. et al., 200355, www.hivinsite.com 53)
Nos indivíduos sem terapêutica ou naqueles em que esta não consegue controlar a replicação
vírica, o número de células T CD4+ desce abaixo de um nível crítico (<200/µL) e o paciente
torna-se altamente susceptível a infecções oportunistas. Por esta razão, a definição de SIDA
do CDC foi alterada de modo a incluir todos os indivíduos infectados que tenham um número
de células T CD4 abaixo deste valor39.
Em alguns doentes a evolução é extremamente rápida, atingindo valores de linfócitos T CD4+
inferiores a 200/mm3 aos dois anos após a infecção. Outros doentes são não progressores
37
(Long-Term Nonprogressors ou Elite Controlers), definidos como infectados pelo VIH há
mais de oito anos, com valores de linfócitos T CD4+ superiores a 500/mm3 e sem terapêutica
anti-retrovírica9.
A maioria dos indivíduos infectados com VIH-2 permanece assintomática durante anos,
comportando-se como não progressores. Os factores que determinam este atraso na
progressão da infecção permanecem desconhecidos. No entanto, um estudo revelou que os
pacientes com infecções crónicas por VIH-2 apresentam uma timopoiese mais eficiente
permitindo, assim, a manutenção das células T CD4+. É de realçar, portanto, o papel do timo
na patogénese do VIH e a sua importância como alvo da terapêutica imunitária54.
A infecção pelo VIH-2 está também associada a muitas das infecções oportunistas
encontradas na infecção pelo VIH-1, como: tuberculose, candidíase esofágica, toxoplasmose
cerebral, erupções por herpes zóster, retinite por citomegalovírus, salmonelose sistémica e
diarreia secundária por Isospora belli ou Cryptosporidium. A maior diferença poderá estar no
facto de o Sarcoma de Kaposi se fazer sentir com menor frequência nos indivíduos infectados
pelo VIH-211.
Apesar das infecções oportunistas e tumores na infecção pelo VIH-2 serem semelhantes aos
da infecção pelo VIH-1, os doentes com SIDA provocada pelo VIH-2 vivem geralmente mais
tempo do que os doentes com SIDA provocada pelo VIH-111.
2.5 Diagnóstico
A detecção precoce da infecção VIH é extremamente importante para o diagnóstico clínico,
para a prevenção da transmissão e para a segurança dos produtos derivados do sangue55.
Actualmente existe um arsenal de testes laboratoriais para diagnosticar a infecção. Dentro dos
vários tipos de testes existem aqueles que detectam o anticorpo, os que identificam o
antigénio, os que detectam os ácidos nucleicos víricos e os que dão uma estimativa do número
38
de linfócitos T. Podem ainda ser classificados em testes de rastreio, concebidos para detectar
todos os indivíduos infectados e, em testes de confirmação, utilizados para confirmar os
resultados positivos dos testes de rastreio52.
Para o diagnóstico laboratorial do VIH, a presença de anticorpos específicos indica que
ocorreu infecção, sendo a sua pesquisa a forma mais normal e rotineira de fazer o diagnóstico.
A altura exacta a partir da qual estes anticorpos são produzidos depende de vários factores,
incluindo características do hospedeiro e do próprio vírus52. Os anticorpos apenas são
detectáveis após a seroconversão, que ocorre na convalescença do SVA9. No entanto, estes
podem estar presentes no início da infecção mas não atingirem o limite de detecção de alguns
testes52.
Com os testes de primeira-geração, desenvolvidos em 1985, os anticorpos só eram detectados
31 dias após a infecção. Os testes de terceira-geração vieram encurtar este período para 22
dias ao combinarem a detecção da imunoglobulina M (IgM), anticorpos que aparecem na fase
mais precoce da resposta do sistema imunitário à infecção, e da imunoglobulina G (IgG), que
são os que permanecem na infecção crónica. Mais recentemente, os testes de quarta-geração
englobam a detecção simultânea do anticorpo e do antigénio permitindo um período janela de
3-5 dias após a infecção. Estes testes permitem detectar o antigénio p24, ou seja, conseguem
demonstrar a presença da proteína da cápside no sangue durante o SVA57.
Os testes de rastreio baseiam-se em ensaios imunoenzimáticos, sendo o ELISA (Enzyme
Linked Immunosorbent Assay) o mais utilizado. O sinal detectado no final da reacção
imunoenzimática é directamente proporcional à quantidade de anticorpos presentes na
amostra. Estes testes apresentam como características principais um sensibilidade de 100%
(não é admissível ocorrerem falsos negativos) e uma especificidade abaixo dos 100%. Este
último facto faz com que possam ocorrer reacções falsamente positivas, pelo que qualquer
39
resultado positivo no teste de rastreio impõe a sua confirmação por testes com uma
especificidade maior52.
O Western-blot (WB) é o teste de confirmação mais aceite e considerado o gold standard para
a validação dos resultados. Baseia-se numa técnica electroforética que desnatura os
componentes víricos, confere carga negativa aos antigénios, separando-os com base no seu
peso molecular. A separação dos antigénios permite a identificação dos anticorpos específicos
para cada um dos antigénios víricos52.
O diagnóstico das infecções por VIH-2 pode não ser fácil: os testes de rastreio concebidos
para o VIH-1 podem não detectar a infecção por VIH-2; a maioria das reacções cruzadas
representam anticorpos induzidos pelo core (p26) e/ou antigénios Pol (p68, p34), uma vez que
são altamente conservados nos dois vírus; o WB pode dar resultados indeterminados, etc.52.
Deste modo, os testes de quarta-geração utilizam antigénios recombinantes VIH-1 e VIH-2,
sendo largamente utilizados hoje em dia55.
Para a confirmação da infecção por VIH-2, a OMS requer a reactividade de pelo menos dois
antigénios do invólucro do VIH-2 (gp140, gp105 ou gp36), enquanto outras organizações
exigem a reactividade da p26 (Gag) e da p34 ou da gp105 (Env)53.
É de realçar a importância de um ensaio que, para além de detectar os anticorpos para o VIH
eficientemente, tenha em conta a variação genética abrangendo, assim, todos os subtipos de
cada vírus55.
2.6 Co-infecção
As co-infecções pelo vírus da hepatite B (VHB), vírus da hepatite C (VHC) e tuberculose são
frequentes em Portugal e estão associadas a importante morbilidade e mortalidade nestes
indivíduos. A presença de co-infecções condiciona a selecção dos fármacos do esquema
terapêutico e está associada a um maior risco de efeitos adversos medicamentosos5,56.
40
Calcula-se que na Europa cerca de 25-40% dos infectados pelo VIH estejam co-infectados
com VHC e cerca de 8% com VHB. Os modos de transmissão do VHC, do VHB e do VIH
são semelhantes, o que explica a elevada frequência da chamada co-infecção. O VHC está
fortemente associado à toxicodependência intravenosa, já que 80% dos consumidores de
drogas estão infectados pelo VHC. O VHB, por outro lado, transmite-se no mundo ocidental
predominantemente por via sexual57.
Em Portugal estima-se que possam morrer por doença hepática 150 a 200 portugueses
infectados pelo VIH, sendo uma das principais causas de morte nestes indivíduos. O VIH
acelera a progressão da doença hepática no co-infectado para cirrose hepática e carcinoma
hepatocelular. Deste modo, os profissionais de saúde diferenciados em hepatologia devem ser
chamados a colaborar nos planos estratégicos de saúde para a infecção VIH e para a avaliação
precoce da doença hepática no doente infectado57.
A tuberculose é a principal infecção oportunista associada aos casos de SIDA constituindo,
nos infectados por VIH-2, mais de 38% das patologias identificadas15. A deficiente adesão ao
tratamento anti-bacilar, principalmente por parte dos toxicodependentes infectados pelo VIH,
contribui para a elevada morbilidade e mortalidade registadas, assim como, para o
agravamento da multirresistência da tuberculose e para a sua disseminação na comunidade58.
Ainda no âmbito da co-infecção é possível abordar a dupla infecção, isto é, a infecção
associada ao VIH-1 e ao VIH-2. Em Portugal, registaram-se 189 casos de SIDA por dupla
infecção15. Durante algum tempo pensou-se que o VIH-2 poderia conferir protecção contra a
infecção por VIH-1. No entanto, alguns estudos sugerem que o VIH-2 pode aumentar o risco
de sobre-infecção com VIH-1. Embora este facto ainda não esteja totalmente esclarecido, é
certo que o VIH-2 não confere protecção absoluta contra o VIH-1 e por isso não pode ser
considerado uma “vacina natural”22.
41
É provável que alguns indivíduos infectados com VIH-2 possam desenvolver reacções
imunitárias cruzadas que afectem a susceptibilidade à infecção por VIH-1 ou a progressão da
doença. Do mesmo modo, pode existir o risco aumentado de infeção pelo VIH-1 em alguns
doentes infectados por VIH-2 devido à imunidade dependente de anticorpos22.
Em suma, a caracterização das respostas imunitárias envolvidas e a comparação dos factores
víricos associados à dupla e à mono-infecção, são essenciais para a compreensão da
patogénese do VIH22.
2.7 Tratamento
Actualmente, a erradicação do VIH não é possível com os fármacos disponíveis. O objectivo
do tratamento é, pois, o de prolongar e melhorar a qualidade de vida, tentando alcançar e
manter a supressão da replicação vírica durante o máximo de tempo possível, para minimizar
o risco de desenvolvimento de resistências e preservar/reconstituir o sistema imunitário56.
Os fármacos anti-retrovíricos disponíveis para combater a infecção VIH estão divididos em
várias classes: inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (INTR), inibidores
nucleotídeos da transcriptase reversa (INtTR), inibidores não nucleosídeos da transcriptase
reversa (INNTR), inibidores da protease (IP), inibidores da entrada do vírus e inibidores da
integrase5.
Os INTR são análogos dos nucleosídeos que no interior da célula se convertem nos derivados
trifosfatados que vão actuar como substrato inibidor da transcriptase reversa do VIH,
bloqueando a síntese vírica do ADN e impedindo a replicação do VIH. Deste grupo fazem
parte o abacavir (análogo nucleosídico da guanosina), a didanosina (análogo nucleosídico da
adenosina), a emtricitabina (análogo nucleosídico da citidina), a estavudina (análogo
nucleosídico da timidina), a lamivudina (análogo nucleosídico da citidina) e a zidovudina
(análogo nucleosídico da timidina)5.
42
Quanto aos INtTR, o tenofovir disoproxil fumarato é rapidamente absorvido, sendo
hidrolisado, no plasma e nas células a tenofovir; não necessita da fosforilação intracelular
inicial, é rapidamente convertido no derivado difosforilado activo que é um inibidor potente
da transcriptase reversa do vírus. Esta classe é composta pelo fármaco tenofovir (análogo
nucleotídeo da adenosina)5.
Os INNTR são inibidores competitivos da transcriptase reversa do VIH, de estrutura não
nucleosídica, não necessitando da fosforilação inicial. Através da ligação directa à
transcriptase reversa, bloqueiam as actividades ARN-dependentes e ADN-dependentes da
ADN polimerase, provocando uma ruptura do local catalítico da enzima. O efavirenz, a
nevirapina e a etravirina, são fármacos desta classe5.
Os IP inibem reversivelmente a actividade da protease do VIH por ligação ao seu sítio activo.
Deste modo, impedem a clivagem das poliproteínas, resultando na formação de partículas
víricas imaturas, não infecciosas. Os fármacos desta classe englobam o atazanavir, darunavir,
fosamprenavir, indinavir, lopinavir, nelfinavir, ritonavir, saquinavir e tipranavir5.
A classe dos inibidores da entrada divide-se em dois grupos: os inibidores de fusão e os
antagonistas dos co-receptores CCR55.
Os inibidores de fusão inibem a fusão vírica e entrada nas células por ligação à HR1 da
subunidade gp41 do invólucro vírico, impedindo as alterações conformacionais necessárias à
fusão das membranas vírica e celular. O enfuvirtida é o fármaco característico deste grupo5,19.
Os antagonistas dos co-receptores CCR5 ligam-se ao co-receptor CCR5 da membrana da
célula T CD4+, alterando a sua conformação, impedindo a ligação da gp120 do vírus ao coreceptor. Exemplos de fármacos são o maraviroc e o vicriviroc5.
Os inibidores da integrase actuam bloqueando a actividade da integrase, prevenindo a
integração do ADN vírico no ADN celular. Os fármacos desta classe são o elvitegravir e o
raltegravir5.
43
Ao longo dos anos tem sido utilizada na infecção pelo VIH-2, terapêutica anti-retrovírica
essencialmente testada para a infecção VIH-1, fruto de dificuldades de múltipla ordem e
expressa na carência de investigação específica para o VIH-258.
Cedo foi demonstrada a não resposta do VIH-2 aos INNTR, sendo necessárias concentrações
muito superiores às habituais, contra-indicadas pela toxicidade associada, para a obtenção de
resposta inibitória. Acresce que o VIH-2 é resistente aos inibidores da fusão, não se
recomendando a utilização de enfuvirtida58.
Os estudos iniciais dos IP sugeriam que o VIH-2 fosse susceptível a estes agentes. No
entanto, o atraso no desenvolvimento de técnicas de quantificação da carga vírica do VIH-2 e
na detecção das mutações genotípicas indutoras de resistência, contribuíram para que apenas
recentemente se comece a perceber qual o seu grau de eficácia58.
Estudos indicam que o sucesso terapêutico dos doentes infectados pelo VIH-2 pode ser
influenciado pela escolha dos IP. Fármacos como o saquinavir, lopinavir e darunavir são
apontados como as melhores opções para a terapêutica de primeira linha da infecção VIH-259.
Não está recomendada a utilização de amprenavir/fosamprenavir58.
De um modo geral, tanto os INTR como os IP, comportam-se face ao VIH-2 como fármacos
de barreira genética mais baixa que em relação ao VIH-1. A aquisição de resistência aos
diversos anti-retrovíricos encontra-se assim facilitada, apontando para a necessidade de um
controlo reforçado da adesão, tanto que as opções terapêuticas são globalmente limitadas58.
Actualmente, o pedido de teste genotípico de resistência no contexto da infecção pelo VIH-2
apenas se recomenda para as situações de falência à terapêutica anti-retrovírica58.
Sendo a detecção e análise das mutações induzidas pela terapêutica um procedimento recente
na infecção pelo VIH-2, apenas em 2007 foi apresentada uma proposta de algoritmo de
interpretação para os testes de resistência58. É de extrema importância a caracterização da
resistência à terapêutica do VIH-2, dado que a interpretação das mutações genotípicas
44
baseadas em algoritmos do VIH-1 pode ser inapropriada e conduzir a decisões pouco
acertadas22.
Estudos sugerem, portanto, que as guidelines utilizadas para o tratamento dos doentes
infectados pelo VIH-1 não devem ser extrapoladas directamente para os doentes com VIH259. É urgente uma investigação em larga escala para avaliar o impacto clínico da terapêutica
anti-retrovírica na infecção por VIH-222.
3. AS BOAS PRÁTICAS DA FARMÁCIA HOSPITALAR NO ÂMBITO DA
INFECÇÃO VIH/SIDA
3.1 A infecção VIH/SIDA no contexto da Farmácia Hospitalar
A infecção VIH/SIDA é actualmente uma infecção de curso crónico, cujo prognóstico tem
melhorado significativamente com a medicação anti-retrovírica específica e com o tratamento
e profilaxia das infecções oportunistas, requerendo cuidados continuados60.
Passados quase trinta anos desde o início da epidemia, os recursos investidos nas áreas de
investigação, diagnóstico, terapêutica e prevenção atingiram níveis únicos. No entanto, muitas
vezes estes são ainda insuficientes para proporcionarem ao indíviduo infectado a qualidade de
vida desejada60.
Nos últimos anos tem-se verificado uma necessidade crescente, não de substituir o serviço
prestado num hospital convencional, mas sim de o prolongar até à comunidade, aproveitando
e expandindo os cuidados de saúde primários. O seu funcionamento num nível assistencial
mais eficiente permite um redimensionamento hospitalar, com redução do uso terapêutico da
cama e adequação dos recursos às necessidades dos doentes60.
Em 1996, com a introdução da terapêutica anti-retrovírica de alta eficácia (HAART) assistiuse à passagem de cuidados de saúde centrados no internamento para cuidados de saúde
centrados no ambulatório5.
45
A intervenção farmacêutica, no que diz respeito à infecção VIH/SIDA, tem sido uma das
áreas primordiais dos Serviços Farmacêuticos Hospitalares, dada a grande repercussão da
infecção, não só pelo número infectados, mas, também, pela complexidade que o tratamento
requer5.
São vários os desafios que vêm sendo colocados ao farmacêutico hospitalar: o contacto
directo com o indivíduo infectado representa uma oportunidade para a prestação de cuidados
farmacêuticos com o objectivo de contribuir para a melhoria do seu tratamento, garantindo a
adesão e eficácia da terapêutica; a integração do farmacêutico na equipa assistencial é
fundamental face à necessidade de intervenção multidisciplinar, sendo, portanto,
recomendável a colaboração farmacêutica para a optimização da terapêutica com vista a
minimizar as interacções medicamentosas e efeitos colaterais (alterações metabólicas que
levam à alteração da configuração física – lipodistrofias, por exemplo); e o grande custo
associado à terapêutica anti-retrovírica, que requer o controlo e seguimento para se alcançar a
efectividade e a eficiência dos tratamentos5.
A complexidade dos esquemas de tratamento sublinham a necessidade inequívoca de
formação contínua e actualização de todos os profissionais envolvidos nesta área, com vista à
obtenção do máximo benefício terapêutico5.
O farmacêutico hospitalar desempenha um papel preponderante na monitorização da
qualidade e segurança na dispensa e, utilização dos anti-retrovíricos, quer aconselhando os
doentes sobre a sua correcta utilização quer através de uma gestão do medicamento racional e
eficiente5.
A determinação dos custos financeiros associados ao tratamento da infecção VIH/SIDA é um
instrumento importante na decisão sobre a aplicação dos recursos adequados, quer a curto
quer a longo prazo, sendo o farmacêutico hospitalar responsável pela monitorização contínua
dos custos associados à terapêutica anti-retrovírica5.
46
Deste modo, a Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA editou recentemente o
Manual de Boas Práticas de Farmácia Hospitalar no âmbito da Infecção VIH/SIDA, com o
objectivo de homogeneizar e normalizar procedimentos que, para além de garantirem a
qualidade do serviço assistencial prestado, devem também permitir a uniformização de
protocolos de actuação e a padronização de processos. Este manual, de consulta útil e fácil,
pretende ser um instrumento de apoio aos farmacêuticos na sua actividade diária, procurando
responder mais facilmente às questões colocadas pelo doente e pelos profissionais de saúde,
com os quais colabora e, simultaneamente levar ao empenho das instituições no
estabelecimento de condições para a prestação do atendimento personalizado ao doente
infectado por VIH5.
Este documento constitui, também, a base para a implementação de um sistema de Garantia
de Qualidade nesta área, garantindo a redução da variabilidade na prestação dos serviços e
estabelecendo indicadores de resultado para a actividade5.
O papel do farmacêutico hospitalar não se esgota na dispensa da medicação anti-retrovírica,
assumindo especial importância em áreas que são fundamentais para a evolução positiva da
pandemia. Assim sendo, e tendo como referência o manual mencionado, destacar-se-á o
contributo do farmacêutico hospitalar no aconselhamento ao doente, nos ensaios clínicos e na
farmaco-economia.
3.2 Aconselhamento ao doente
O primeiro contacto com o sistema de saúde (e com o reconhecimento da infecção) é, muitas
vezes, condicionante de todo o processo: da aceitação da nova condição de infectado por VIH,
da efectiva prevenção da transmissão secundária (por exemplo, ao parceiro sexual) e da
adesão às consultas e ao tratamento, por parte do doente e dos seus familiares60.
47
A cedência dos medicamentos anti-retrovíricos, em regime ambulatório, a doentes com a
infecção VIH/SIDA é gratuita e da exclusiva responsabilidade dos Serviços Farmacêuticos
hospitalares5. O farmacêutico tem, portanto, a oportunidade de intervir junto do doente
aquando da dispensa da medicação.
Deste modo, a todo aquele que inicie tratamento, assim como quando são efectuadas
alterações ou modificações no mesmo, deve ser fornecida informação detalhada. Deve ser
igualmente assegurado que o doente compreende o tratamento prescrito e a importância do
seu cumprimento rigoroso5.
A informação de cada medicamento deve focar, no mínimo, os seguintes aspectos:
identificação, dosagem, posologia, conselhos para a correcta administração, efeitos adversos,
contra-indicações a ter em consideração, pela sua importância ou frequência, e eventuais
restrições alimentares ou de outra natureza. Por isso, deve ser disponibilizada ao doente
informação oral e escrita sobre os medicamentos que toma e o regime posológico instituído. É
importante, também, proporcionar informação acerca das estratégias a utilizar para evitar que
o doente se esqueça de tomar os medicamentos5.
O farmacêutico deve considerar outros aspectos aquando da dispensa, incluindo a
automedicação e o uso de medicinas alternativas, ou substâncias ilícitas, para detectar
possíveis problemas relacionados com a medicação5.
A efectividade da terapêutica anti-retrovírica é, muitas vezes, limitada pela baixa adesão da
qual resultam fracas respostas virológica, imunológica e clínica, mas também estirpes
resistentes que podem comprometer a utilização de futuros tratamentos. Simultaneamente, a
baixa adesão à terapêutica pode conduzir a uma interpretação incorrecta da efectividade dos
medicamentos com a consequente alteração, inapropriada, do regime terapêutico5.
A toma inadequada de medicamentos anti-retrovíricos leva a níveis subterapêuticos dos
fármacos, proporcionando uma pressão farmacológica selectiva que favorece o aparecimento
48
de resistências. Este aspecto reveste-se de grande importância uma vez que o
desenvolvimento de estirpes resistentes condiciona não só a falência terapêutica, como
favorece a transmissão de estirpes resistentes e o desenvolvimento de resistências cruzadas
entre fármacos da mesma classe, o que limita a sua utilização em futuros regimes
terapêuticos5.
A adesão à terapêutica pode ser avaliada por diversos métodos, nomeadamente através da
determinação das concentrações plasmáticas dos fármacos. No entanto, existem múltiplos
factores que podem afectar as concentrações plasmáticas dos anti-retrovíricos num dado
doente. Desta forma, a interpretação das concentrações plasmáticas deve ser efectuada numa
base individualizada, tendo em conta factores farmacocinéticos (parâmetros utilizados),
virológicos (carga vírica, padrões de resistência), imunológicos e clínicos. Deve ser tido ainda
em atenção a chamada síndrome da bata branca, isto é, um doente pode ser aderente à
terapêutica nos dias imediatamente anteriores à colheita de sangue mas não tomar a
medicação nos restantes dias. Isto pode levar a um resultado analítico dentro dos valores
normais estando o indivíduo em inadequada supressão vírica.
As causas de uma insuficiente adesão são multifactoriais e diferem de doente para doente.
Embora os factores sociodemográficos não pareçam estar relacionados com a adesão, os
factores relacionados com o tratamento, o regime terapêutico e outras infecções oportunistas
demonstram forte associação5.
A identificação precoce de falhas na adesão à terapêutica é fundamental, não só para prevenir
alterações desnecessárias ao regime terapêutico, mas também para possibilitar a aplicação de
estratégias para combater o problema, que podem passar pelo desenvolvimento da relação
profissional de saúde/doente, por uma intervenção educacional do doente, por proporcionar
apoio social, pelo aumento do número de consultas e/ou do tempo de consulta, etc.5.
49
Os farmacêuticos podem melhorar as falhas da farmacoterapia, procurando, identificando,
prevenindo e resolvendo os resultados negativos associados à medicação (RNM), através do
aumento da eficácia da terapêutica farmacológica ou da prevenção dos efeitos adversos,
reduzindo assim a mortalidade e a morbilidade associadas aos medicamentos. Estes objectivos
podem ser alcançados através do Seguimento Farmacoterapêutico (SF) dos doentes, que tem
como missão conseguir o maior benefício (efectividade e segurança) da terapêutica5.
A implementação desta prática assistencial nos doentes infectados por VIH justifica-se, por
um lado, devido à elevada incidência de RNM neste grupo de doentes e à sua repercussão na
qualidade de vida dos mesmos e, por outro, devido ao facto de existir evidência científica de
que as actuações/intervenções farmacêuticas representam uma mais-valia, que se traduz quer
na diminuição dos tratamentos hospitalares, quer na diminuição do custo associado ao
tratamento farmacoterapêutico5.
A Sociedade Espanhola de Farmácia Hospitalar (SEFH) criou em 1999 o Grupo VIH, com o
objectivo de partilhar experiências, adquirir novos conhecimentos e colaborar em temas de
formação e investigação na área do VIH. Este grupo de trabalho elaborou um questionário,
dirigido a farmacêuticos hospitalares, com o objectivo de conhecer a situação real dos
cuidados farmacêuticos nos hospitais espanhóis. Concluíram que, embora o balanço seja
positivo, existem áreas a melhorar: os cuidados farmacêuticos devem realizar-se no âmbito de
uma consulta para assegurar a confidencialidade e a privacidade do doente; a dispensa deve
ser sempre acompanhada de informação; controlar de forma sistemática a adesão e os RNM;
combinar vários métodos para a valorização da adesão; implementar programas para melhorar
a adesão; melhorar a comunicação com o médico prescritor através, por exemplo, do envio de
informação sobre a adesão do doente; elaborar a história farmacoterapêutica do doente e
informatizá-la; assegurar a qualidade através da utilização de procedimentos normalizados,
indicadores de qualidade e planos de melhoria contínua61.
50
Outros investigadores espanhóis avaliaram a satisfação de doentes externos relativamente à
unidade de cuidados farmacêuticos do Hospital General de Castéllon. Concluíram que os
doentes estão satisfeitos com a sua actividade e identificaram áreas a melhorar,
nomeadamente as condições físicas da unidade (mobiliário, espaço e tempo de espera)62.
Este tipo de estudos é essencial para alcançar uma intervenção farmacêutica de qualidade e
identificar pontos que precisam de ser melhorados.
Outra área importante do aconselhamento ao doente é o suporte nutricional. A perda de peso é
uma das manifestações clínicas mais precoces da doença e desempenha um papel importante
na morbilidade e mortalidade, diminuindo a tolerância ao tratamento e aumentando o tempo e
a reincidência de hospitalização. A consequência da desnutrição reflecte-se na diminuição da
qualidade e da esperança de vida do doente5.
A desnutrição no doente infectado pode ser evitada ou atenuada com intervenção nutricional
agressiva, precoce e aconselhamento dietético, onde o acompanhamento é de primordial
importância. A intervenção dietética/nutricional passa por valorizar e intervir sobre os efeitos
secundários dos medicamentos mediante aconselhamento que permita diminuir as alterações
metabólicas e, consequentemente, melhorar a tolerância aos fármacos e tratamentos. Outro
dos objectivos é manter e/ou melhorar o estado nutricional evitando a perda de peso e da
massa magra, prevenindo-se, assim, os efeitos negativos da malnutrição e melhorando a
qualidade de vida do doente5.
Com a utilização precoce de fármacos estimulantes do apetite consegue-se melhorar o estado
nutricional do doente evitando-se, assim, quadros severos e irreversíveis de desnutrição. São
exemplos o acetato de megestrol, a ciproheptadina e a oxandrolona5.
Quando não se conseguem fornecer as necessidades nutricionais através da via oral, deve ser
usada a nutrição artificial quer por via entérica quer por via parentérica5.
51
Resumindo, a intervenção nutricional deve iniciar-se de forma precoce, desde o momento do
diagnóstico, uma vez que os défices e carências nutricionais podem aparecer em qualquer
momento da infecção. Esta intervenção deve ser distinta e individualizada para cada doente,
dependendo principalmente da sua situação clínica e imunológica, tendo influência directa a
terapêutica instituída, os hábitos alimentares, a situação sócio-económica e a situação
psicológica5.
3.3 Ensaios clínicos
A epidemia da infecção VIH/SIDA levou a que as entidades reguladoras adoptassem medidas
mais céleres na aprovação de novos fármacos para doenças potencialmente fatais. Esta
aprovação baseia-se, normalmente, na utilização de marcadores substitutivos em vez de
marcadores clínicos de morbilidade e mortalidade, sendo os níveis plasmáticos de ARN-VIH
e os valores de CD4+ os mais utilizados5.
Os ensaios clínicos de Fase I com um novo fármaco anti-retrovírico são estudos a curto prazo
(1-2 semanas), em monoterapia, com indivíduos saudáveis ou infectados, tendo como
objectivo a avaliação dos efeitos anti-víricos e dos dados farmacocinéticos, assim como uma
avaliação preliminar da sua segurança5.
Os ensaios clínicos de Fase II são ensaios a longo prazo, aleatorizados e controlados, que
avaliam duas ou três doses do novo fármaco anti-retrovírico em associação com outros antivíricos e que incluem geralmente uma centena de doentes. O principal objectivo é a obtenção
da evidência inicial da eficácia e da segurança, assim como a definição da sua dose óptima5.
Os ensaios clínicos de Fase III permitem a obtenção de dados definitivos sobre os parâmetros
de avaliação clínica que suportam a aprovação da introdução no mercado de um novo
medicamento. São ensaios multicêntricos, com um número elevado de doentes, aleatorizados,
de preferência duplamente cegos, com controlo activo e que utilizam comparações de
52
associações de anti-retrovíricos durante 24 a 48 semanas de tratamento. A definição da
população elegível é essencial na determinação dos marcadores de eficácia, podendo ser
admitidos doentes sem terapêutica prévia ou com terapêutica em curso5.
Os ensaios clínicos de Fase IV são ensaios de pós-comercialização para avaliação da
efectividade e segurança, que garantem a validação dos resultados obtidos anteriormente e são
especialmente importantes quando utilizados para medicamentos com um processo de AIM
(Autorização de Introdução no Mercado) mais acelerado5.
Os elementos intervenientes num ensaio clínico são o promotor, as entidades reguladoras, o
centro de investigação e seu Conselho de Administração, o monitor do projecto, a equipa de
investigação, o enfermeiro, o farmacêutico e o participante no ensaio5.
O farmacêutico pode participar no desenvolvimento do protocolo de ensaio clínico, na sua
avaliação como membro da Comissão de Ética e na implementação do próprio ensaio. Nesta
última fase, o farmacêutico participa como elemento da equipa de investigação, como
investigador principal, como coordenador local do estudo ou como responsável pelo circuito
do medicamento e dos dispositivos médicos, devendo executar actividades diárias desde a
gestão de stocks, armazenamento e conservação, preparação de formulações farmacêuticas,
aleatorização, cedência de medicamentos e a sua correcta identificação, à devolução de
medicamentos e dispositivos de ensaio clínico. Todas estas actividades devem ser
acompanhadas de registos actualizados5.
A actividade do farmacêutico deverá ser sempre pautada por uma atitude pró-activa, com
contributos técnico-científicos na implementação do ensaio clínico, e com a notificação de
incidentes ou anomalias verificadas. A manutenção da ocultação do braço de tratamento para
os restantes membros da equipa de investigação também pode ser uma das responsabilidades
do farmacêutico5.
53
As Boas Práticas Clínicas, no âmbito dos Ensaios Clínicos, correspondem a um conjunto de
normas orientadoras que servem de base ao desenho do estudo, à implementação,
monitorização e auditorias do ensaio clínico, assim como à análise dos resultados obtidos.
Requerem um controlo rigoroso de toda a medicação, de modo a assegurar que apenas seja
cedida aos participantes do ensaio e a determinar se estes administram correctamente a
terapêutica segundo o protocolo de ensaio. O farmacêutico deve, assim, ter formação em Boas
Práticas Clínicas e conhecimento quer do protocolo do ensaio clínico e sua evolução, quer da
brochura de investigação5.
Os Serviços Farmacêuticos deverão disponibilizar todos os meios necessários à execução do
ensaio clínico, assim como garantir o seu bom funcionamento. Os aspectos organizacionais
são essenciais para a execução dos ensaios, nomeadamente as instalações, o equipamento, os
recursos humanos e os procedimentos de trabalho5.
Relativamente às instalações deve existir um espaço físico próprio, com condições adequadas
de ventilação e iluminação, com controlo de temperatura e humidade, de acesso restrito, com
áreas específicas de trabalho e com o equipamento necessário5.
Quanto aos recursos humanos, para cada ensaio clínico, o investigador principal tem de
delegar as actividades relacionadas com o circuito do medicamento e dos dispositivos num ou
mais farmacêuticos, a tempo inteiro ou parcial, dependendo do número de ensaios clínicos
existentes5.
Em Portugal, a grande maioria dos ensaios clínicos são promovidos pela Indústria
Farmacêutica. Trata-se, maioritariamente, de ensaios internacionais e multicêntricos que cada
vez mais vêm incluindo doentes portugueses nos seus protocolos.
Como foi descrito, a metodologia de trabalho dos ensaios clínicos implica muita
disponibilidade de tempo de todos os participantes, e o farmacêutico hospitalar ocupa um
lugar de destaque na coordenação de todo o processo.
54
3.4 Farmacoeconomia
O reconhecido elevado custo do tratamento anti-retrovírico constitui uma preocupação
constante para a sociedade em geral, e para os organismos financiadores dos cuidados de
saúde, em particular58.
É importante a determinação dos custos financeiros associados ao tratamento dos indivíduos
com infecção por VIH, de modo a que se possa tomar decisões acerca de como poderão ser
aplicados recursos apropriados, quer a curto quer a longo prazo, no tratamento e controlo
desta infecção5.
A alteração do padrão epidemiológico da infecção por VIH, a introdução da terapêutica
HAART, assim como as mais recentes elaborações de protocolos terapêuticos, preconizam
uma monitorização contínua dos custos associados de forma a optimizar os recursos
atribuídos a esta patologia5.
O tratamento global da infecção por VIH/SIDA requer soluções de sustentabilidade derivadas
de investimentos, quer a partir do sector público quer do sector privado. Em geral, a
necessidade de novos fármacos anti-retrovíricos mantém-se elevada, devido à progressiva
evolução do padrão de resistência virológica. Desta forma, o investimento e o
desenvolvimento em investigação continuam a ser necessários5.
As Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) têm um papel fundamental na elaboração de
políticas de utilização de medicamentos, de formulários hospitalares e na promoção do uso de
fármacos com melhor relação custo-eficácia/efectividade. As CFT deverão ainda promover a
avaliação contínua da utilização dos medicamentos, elaborar estratégias educativas
(protocolos clínicos, recomendações farmacoterapêuticas de actuação prática), elaborar
boletins de informação terapêutica onde conste informação acerca da relação custoefectividade de opções terapêuticas disponíveis no hospital e transmitir informação acerca da
eficiência dos diferentes medicamentos existentes no hospital5.
55
O farmacêutico, como elemento que integra a CFT, deverá cumprir e fazer cumprir as
directrizes emanadas pela CFT, tendo uma participação activa na escolha das terapêuticas
hospitalares, na elaboração de estudos de utilização de medicamentos, estudos observacionais,
ensaios clínicos, etc., incorporando a componente económica5.
Os medicamentos com melhor relação custo-efectividade ajudam a controlar, e inclusivé a
diminuir, os gastos globais com saúde através da diminuição da assistência especializada (dias
de internamento, exames e provas complementares, deslocação ao hospital, etc.), e da
diminuição da assistência primária socio-sanitária (cuidados assistenciais domiciliários)5.
CONCLUSÕES
A infecção pelo VIH-2 apresenta-se como um puzzle complexo em que as peças essenciais
para a sua resolução permaneçem por descobrir. As suas características únicas, algumas
divergentes do VIH-1, fazem deste vírus um excelente modelo de estudo para a compreensão
dos mecanismos inerentes à patogénese do VIH e para o desenho da tão aguardada vacina.
O VIH-2 abre as portas da investigação a várias áreas que requerem uma maior reflexão,
nomeadamente a interacção do vírus com a célula-alvo, a capacidade de infectar células na
ausência do receptor CD4, a utilização de diferentes co-receptores, a existência de estirpes
incapazes de usarem os co-receptores CCR5 e CXCR4, o papel dos anticorpos neutralizantes
na imunidade contra o vírus, a dupla infecção e a terapêutica dirigida para o VIH-2.
Apesar dos desafios colocados, é possível que o vírus que infecta cerca de um milhão de
pessoas na África Ocidental dê as respostas necessárias para travar a infecção. O futuro pode
passar pela elaboração de vacinas profiláticas e terapêuticas em relação ao VIH-2 que
servirão, assim, de modelo para a produção de uma vacina contra o VIH-1.
O farmacêutico hospitalar assume um papel relevante no combate à infecção VIH/SIDA. A
sua intervenção destaca-se ao nível do aconselhamento ao doente, promovendo a adesão à
56
terapêutica, a nível regulamentar, no âmbito dos ensaios clínicos, e na gestão racional dos
recursos disponíveis, aplicando os seus conhecimentos de farmacoeconomia.
As Boas Práticas de Farmácia Hospitalar no âmbito da infecção VIH/SIDA, para além de
um instrumento para a Acreditação/Certificação dos serviços farmacêuticos, são fundamentais
para assegurar que os objectivos traçados e os compromissos assumidos se traduzam em
resultados. Seguindo o exemplo de Espanha, seria importante que se desenvolvessem estudos
para avaliar a prestação dos serviços farmacêuticos aos doentes infectados nos hospitais
portugueses. Apenas com base na evidência científica é possível aperfeiçoar e melhorar
continuamente o trabalho efectuado na farmácia hospitalar.
Agradecimentos:
Os autores agradecem ao Centro de Patogénese Molecular – Unidade dos Retrovírus e
Infecções Associadas – Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (CPM-URIAFFUL), pelo interesse demonstrado na publicação deste artigo.
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