Pensar BH - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

Propaganda
PREFEITO
MARCIO LACERDA
CÂMARA INTERSETORIAL DE POLÍTICAS SOCIAIS
SECRETARIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS SOCIAIS
SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE DIREITOS DE CIDADANIA
SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ESPORTES
SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA
SECRETARIAS MUNICIPAIS DE ADMINISTRAÇÃO REGIONAL
Pensar BH/Política Social, nº 30 - novembro de 2011. Belo Horizonte.
Prefeitura de Belo Horizonte/Câmara Intersetorial de Políticas Sociais.
1. Política Social 2. Administração Pública 3. Prefeitura de Belo Horizonte
CDD 323
ISSN 1676-9503
Apresentação
Não às drogas!
O uso das drogas e todas as suas consequências nefastas é uma questão complexa, que afeta
negativamente todas as áreas em que os governos atuam. Por isso, exige uma atuação urgente, ampliada
e articulada do Poder Público somada a uma parceria efetiva com a sociedade no enfrentamento dos
problemas relacionados ao consumo e abuso de álcool e outras drogas, sobretudo o crack.
Nós, da Prefeitura de Belo Horizonte, estamos atentos a esse problema, que se agravou na capital
mineira a partir do final dos anos 1990. A cidade tem hoje uma ação de vanguarda, com políticas sociais e
de saúde, e o nosso objetivo é ampliar esse trabalho, em ações compartilhadas com o governo do
Estado, Governo Federal, Legislativos e sociedade civil.
Nossa prioridade é reforçar as medidas preventivas e de proteção para as nossas crianças e
adolescentes. Atualmente, diversos órgãos da Prefeitura de debruçam sobre a questão, buscando
enfrentá-la em todas as suas vertentes. Para isso, trabalha-se no desenvolvimento de uma Política
Pública, voltada ao enfrentamento às drogas, que compreenda ações estruturantes, de tratamento e de
Proteção Social.
Entre essas medidas, destaca-se a reestruturação do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, por
meio do Projeto de Lei 557/2009, em apreciação pela Câmara Municipal, que prevê a equiparação da
participação da sociedade civil e ampliação de suas funções de elaboração e avaliação de políticas sobre
drogas no Município. Já a criação do Fundo Municipal de Políticas sobre Drogas tem por objetivo
possibilitar a obtenção e a administração de recursos financeiros destinados ao desenvolvimento de
ações preventivas, de fiscalização, de tratamento e de reinserção social para o público-alvo.
Outras iniciativas visam à ampliação da rede de atendimento da saúde para usuários de álcool e drogas,
como a implantação dos Consultórios de Rua, responsáveis pela abordagem dos usuários que estão em
situação de uso de drogas nas ruas.
Finalmente, existe toda uma rede de proteção social, nas quais estão incluídas as Residências
Transitórias, as ações desenvolvidas nos CRAS e nos CREAS, que integram o Serviço Único da
Assistência Social (SUAS), e as ações preventivas desenvolvidas no âmbito da comunidade escolar, com
os programas Escola Aberta, Escola Integrada e Rede pela Paz.
São passos decisivos no sentido do enfrentamento de um problema grave, presente em todas as
sociedades e que, direta ou indiretamente, afeta a todos. Com essa 30ª edição da revista PENSAR BH/
POLÍTICA SOCIAL, que tem como tema esta questão tão importante, esperamos contribuir com um
debate que terá ainda um longo caminho e vai exigir muito trabalho e comprometimento de todos nós.
Boa leitura!
Marcio Lacerda
Prefeito de Belo Horizonte
Pensar BH/Política Social
Especial/Não às drogas
5 Crack e violência em Belo Horizonte
Luis Flavio Sapori
9 Políticas Municipais sobre drogas:
desafios e perspectivas da gestão local
Márcia Cristina Alves
14 Consultório de Rua
Mirian Vanessa Costa Pacheco, Rosimeire Aparecida Silva
15 Violência e drogas em meio escolar:
avanços e desafios das escolas municipais
Ismayr Sérgio Cláudio
20 Políticas públicas sobre álcool e outras drogas:
reflexos na formação dos profissionais da saúde
Alda Martins Gonçalves, Amanda Márcia dos Santos Reinaldo
24 e 25 Nós
Manifesto do grupo “Família de Rua”.
26 Uso de drogas na adolescência: interfaces entre
sistema de justiça e sistema de proteção
Cíntia Maria Oliveira de Lucena, Selmara Mamede S. Ferreira
32 As mazelas no tratamento de crack
Regina Medeiros
Ao estreitar a
relação com a
comunidade, como
acontece por meio
do programa
Escola Aberta, a
Prefeitura busca
proteger as
crianças e
adolescentes da
ação do tráfico de
drogas.
37 COMUNIDADE TERAPÊUTICA
Tratamento comunitário para dependentes químicos
Carolina Couto da Mata
42 Novas tecnologias no tratamento de dependência
química na comunidade Reviver
Lúcio Mauro dos Reis
47 Instruções para colaboradores
EXPEDIENTE
EDIÇÃO GERAL:
Giselle B. Nogueira - RG 2285/MG
Co-edição: Marcia Cristina Alves
Colaboração: Marina Marçal (estagiária)
SUPERVISÃO EDITORIAL:
Jorge R. Nahas (SMPS), Carlos Alberto dos Santos (ASCOM/
PBH).
CONSELHO CONSULTIVO:
Bruno Lazzarotti Diniz Costa (Escola de Governo FJP), Carla
Bronzo (Escola de Governo FJP), Carlos Aurélio P. de Faria
(PUC-Minas), Cristina Almeida Cunha Filgueiras (PUC-Minas), Eleonora Schettini M. Cunha (DCP/UFMG), Telma
Menicucci (DCP/UFMG), Joseph Straubhaar (Texas
University); Marlise Matos (DCP/UFMG), Ricardo Cardoso
(Universidade do Porto/Portugal).
TRADUÇÃO:
Português/Inglês
Andréa Magdalena Figueira, Jayne Vaz de Melo Martín
4
PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
REVISÃO:
Geraldo Silvério Filho
FOTO CAPA:
Alessandro Carvalho
SECRETARIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS SOCIAIS DA
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE
Rua Espírito Santo, 505/4 º andar - Centro
(031) 3277-9786 Telfax: (031) 3277-9796
E-mail: [email protected]
Endereço Eletrônico: www.pbh.gov.br/politicas-sociais
IMPRESSÃO:
MJR Editora Gráfica Ltda.
Rua Dr. Carlos Pinheiro Chagas, 138
Balneário da Ressaca - Contagem - MG
Tiragem: 2.500 exemplares
Especial/Não às drogas
Crack e violência em Belo Horizonte1
LUIS FLAVIO SAPORI*
Os dados do Gráfico 1 apresentam a série histórica dos homicídios
na cidade de Belo Horizonte em um
período de 20 anos. Como se pode
observar, a Cidade vivenciou patamares relativamente baixos de homicídios no início da série, com cerca de
300 homicídios por ano, alcança o nível
mais elevando de ocorrências no ano
de 2004, com mais de 1200 mortes e
retorna, no ultimo ano da série, a valores significativamente inferiores ao
período de "pico" vivenciado cinco
anos antes.
A observação mais atenta do grá-
fico permite-nos subdividi-lo em três
momentos bem distintos: Um primeiro
momento que pode ser definido por
"evolução estável", indo de 1990 a
1996; um segundo momento de crescimento consecutivo dos números absolutos de mortes em Belo Horizonte, entre os anos de 1997 e 2004, e
que pode ser considerado como um
período de "deterioração gradativa" e,
por fim, o momento de reversão de
tendência ou "evolução negativa", que
se inicia no ano de 2005.
Essa dinâmica verificada ao longo dos anos leva-nos a acreditar que
Foto: Alessandro Carvalho
O tráfico de drogas em Belo Horizonte caracterizou-se,
até meados da década de 1990, pela prevalência da comercialização da maconha e da cocaína em pó. A partir de 1995,
entretanto, na Pedreira Prado Lopes, tradicional favela da Cidade, uma nova droga é oferecida ao consumidor da Capital.
O crack que chega a Belo Horizonte é oriundo de São Paulo,
iniciando-se uma nova era na dinâmica da violência na capital
mineira.
Gráfico I
tenha havido um fenômeno muito peculiar na Capital, sobretudo no período denominado como "deterioração
gradativa". Deparamo-nos, então,
com fortes evidências de uma relação entre o início desse período de
deterioração e o processo de entrada e disseminação do comércio e uso
do crack em Belo Horizonte. O tráfico do crack instala-se, inicialmente,
em um aglomerado urbano, como foi
o caso da Pedreira Prado Lopes, e,
posteriormente, vai se propagando
para outras localidades com as mesmas características socioeconômicas. Há uma clara correspondência
espacial entre o tráfico de drogas e a
incidência de homicídios em Belo
*Doutor em Sociologia, professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública (CEPeSP) da PUC Minas.
1
Esse artigo é baseado em pesquisa coordenada pelo autor, financiada pelo CNPq, e que resultou no livro Crack - um desafio social, publicado pela Editora PUC
Minas.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
5
Mapa 1
Distribuição dos homicídios em Belo Horizonte
2000/2005
Fonte: DHPP/PCMG - Geocodificação própria
Tabela I
Distribuição das motivações por período
Motivação Principal
Unidade
Período de 1993 a 1996
Frequência
%
de 1997 a 2004
Frequência
%
de 2005 a 2006
Frequência
%
Total
Frequência
%
Outras
Drogas
Ilícitas
165
15
180
91,7%
8,3%
100,0%
316
75
391
80,8%
19,2%
100,0%
68
34
102
66,7%
33,3%
100,0%
549
124
673
81,6%
18,4%
100,0%
Fonte: DHPP/PCMG - Tabulação própria
6
Total
PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
Horizonte no período. Como se observa no Mapa 1, na primeira metade
da década passada os aglomerados
urbanos que concentravam a maior
parte dos homicídios na Capital são
os mesmos que abrigavam as atividades do tráfico de drogas.
Quando se analisa, por sua vez,
a motivação dos homicídios ao longo
do tempo, obtêm-se evidências adicionais que sustentam ainda mais o
argumento aqui desenvolvido de que
o crescimento da violência na Capital deveu-se às transformações no
mercado das drogas ilícitas. Conforme a Tabela 1, as motivações dos homicídios foram agrupadas em três
momentos distintos: a) antes da entrada e início do crack em Belo Horizonte, entre os anos de 1993 a 1996;
b) explosão do mercado ilegal do crack em Belo Horizonte, entre os anos
de 1997 a 2004 e, c) período seguinte à explosão do crack em Belo Horizonte, 2005 em diante.
No caso do período de 1997 a
2004, as chances de que ocorram homicídios devido a conflitos relacionados a drogas ilícitas é 2,31 vezes maior comparado ao período de 1993 a
1996. Isto é o mesmo que dizer que
a sua odds ratio aumentou 131% neste período considerado o marco da entrada e disseminação do crack no mercado de drogas ilícitas em Belo Horizonte.
Essa mesma análise pode ser
feita comparando-se os coeficientes
do período considerado como posterior à entrada do crack no mercado
de drogas em Belo Horizonte, que vai
de 2005 e 2006, com o primeiro período de 1993 a 1996. Não obstante,
comparando-se os coeficientes relativos aos anos de 2005 e 2006 com o
período de 1997 a 2004, verifica-se
um incremento na ordem de 200% na
odds ratio de que os homicídios nos
últimos anos desta análise se devam
a conflitos relativos ao mercado de drogas ilícitas a partir da inserção do crack na Cidade.
O período da disseminação e da
consolidação do comércio do crack
em Belo Horizonte coincidiu com o
crescimento da vitimização dos jovens na faixa etária de 15 a 24 anos
de idade. Como se observa no Gráfico 2, a taxa de homicídios nessa fai-
Gráfico II
Fonte: SIM/DATASUS
xa etária começou a se destacar, distanciando-se da taxa de homicídios
da faixa etária acima de 25 anos, a
partir da segunda metade da década
de 1990, contrariando o que acontecia nos anos anteriores. A taxa de
homicídios entre os jovens de 15 a
24 anos tornou-se 2,5 vezes maior do
que entre adultos acima de 25 anos.
Há evidências, ainda, da forte
presença da arma de fogo nos homicídios ocorridos na Cidade. As chances de que esta fosse utilizada em
um homicídio era 3,5 vezes maior que
a possibilidade de utilização de outro
instrumento. E essa predominância
foi bastante acentuada entre 1997 e
2004, conforme vemos no Gráfico 3.
Gráfico III
Conclui-se, a partir das evidências até o momento apresentadas, que
houve uma combinação de fatores no
processo de crescimento da incidência dos homicídios em Belo Horizonte desde meados da década de 1990,
quais sejam :
introdução do crack no tráfico de drogas;
intensificação do uso da arma
de fogo;
maior vitimização dos jovens.
Conflitos e violência
no tráfico do crack
Na segunda parte desse artigo,
a questão a ser respondida é a seguinte: o que haveria de especial no
tráfico do crack que explique sua
maior letalidade em comparação com
o tráfico das demais drogas ilícitas?
A configuração do mercado das
drogas ilícitas varia de acordo com o
tipo de droga que é comercializada
de forma preponderante e as variações na configuração desse mercado tendem a impactar a incidência da
violência em sua dinâmica, em especial, os homicídios. Nesse sentido, a
associação crack/violência urbana
não deve ser compreendida pelo aspecto psicofarmacológico da droga,
supondo-se que, após sua ingestão,
alguns indivíduos podem se tornar irracionais ao ponto de agirem de forma violenta ou mesmo resultado da
irritabilidade associada a síndromes
de substâncias que causam dependência química. É na dimensão da
violência sistêmica que o fenômeno
adquire contornos mais nítidos. Ela
está relacionada à dinâmica do comércio das drogas ilícitas, incluindo
disputas territoriais entre traficantes
rivais, afirmação de códigos de condutas no interior dos grupos de traficantes, eliminação de informantes,
punições por adulteração de drogas,
punições por dívidas não pagas, entre outros conflitos que emergem no
processo de comercialização do produto.
Deve-se ter clareza de que a violência é própria das redes de comercialização de drogas ilícitas. O caráter de ilegalidade dessa atividade comercial, num contexto de elevada demanda pelo produto por ela oferecido, tende a fomentar situações de conflito resolvidas mediante o uso da força física. Em outros termos, há sempre algum grau de violência associada ao comércio das drogas ilícitas,
que tende a variar de acordo com as
características do contexto social.
O senso comum prevalecente
na sociedade brasileira concebe tal
violência como atributo de uma atividade criminosa tipicamente organizada. O narcotráfico atuante nas
favelas é tratado como uma organização estruturalmente fechada. No entanto, devemos conceber o fenômeno sob perspectiva distinta. Os conflitos não estão relacionados a uma
estrutura rígida, mas, pelo contrário,
à estrutura aberta de redes. Podem
ser qualificadas como organizações
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
7
criminosas, sem dúvida alguma, mas
que se estruturam como redes de relacionamentos. Uma rede é sustentada pelas suas conexões e o arranjo dessa integração não é planejado
em toda a sua extensão, de modo
que uma estrutura de rede é um processo emergente condicionado pelas
relações estabelecidas entre os indivíduos que a compõem.
Identificaram-se dois tipos de redes do tráfico de drogas ilícitas em
Belo Horizonte, as quais foram qualificadas de rede de empreendedores
e rede de bocas. A primeira espraiase por bairros de classe média e comercializa, principalmente, a cocaína em pó. A rede de bocas, por sua
vez, está presente em favelas e bairros de periferia e tem no crack sua
grande fonte de ganhos econômicos.
A análise comparativa das respectivas redes de comercialização de drogas ilícitas permite-nos compreender
como o grau de violência associada
à dinâmica do comércio está associado ao tipo de droga disponibilizada
aos usuários.
A rede de empreendedores é
uma estrutura descentralizada, que
tem como referência central sujeitos
empreendedores, hiperlinks que são
referências conectoras de uma rede
de comercialização de drogas. A dinâmica dessa rede configura-se por
um conjunto de nós interligados a
esse hiperlink (o empreendedor) com
o objetivo inicial de obter o produto
por ele comercializado. Esse acesso ocorre através de um sistema de
referência mediado, principalmente,
por relacionamentos, tais como grupos de amigos ou indicações. Os hiperlinks atuam de maneira relativamente autônoma em relação às estruturas mais ampliadas de produção
e/ou distribuição de drogas, locais ou
não, a que eventualmente possam
estar ligados.
A violência, que inegavelmente
está presente nessa rede, se impõe
de maneira acentuada sobre suas conexões mais diretamente, mas não
se impõe sobre as populações locais
de maneira indiscriminada. Outro elemento que explica a dimensão de violência da rede de empreendedores
é a decisão mercadológica pelo fornecimento de um tipo de droga, no
8
caso a cocaína em pó. Os grupos de
relacionamento em que predominam
as redes de empreendedores têm nas
situações de sociabilidade tanto um
valor de uso, quanto um valor de perenidade de uso. Por exemplo, é necessário participar de redes sociais
diversas, como no local de trabalho
ou na vida noturna, para usar e sustentar o uso de cocaína, e a convivência pacífica é dimensão fundamental para a lucratividade do negócio.
A rede de bocas, por sua vez, é
marcadamente territorial. Sua estrutura e conexões são constituídas a
partir de um território. Sua dinâmica
implica em dominação. Essas redes
se instalam em territórios, naturalizam atitudes e comportamentos violentos, impõem um padrão de convivência como um fato consumado.
Apresentam-se como 'firmas', estruturando posições distintas no comércio da droga, envolvendo o patrão da
boca, o gerente da boca e um grupo
de jovens ocupando posições de vapores e aviões. A presença de jovens,
especialmente na faixa etária de 15
a 24 anos, é aspecto marcante da
rede de bocas. Buscam não apenas
o ganho econômico, como também
a solidariedade grupal típica das gangues juvenis. O uso intensivo e ostensivo da arma de fogo é marcante
nessa realidade, afirmando relações
de poder e elevação de autoestima.
Não é incomum nesse contexto que
conflitos banais entre os jovens de
gangues distintas, muitas vezes suscitados em festas ou encontros casuais, acabem se degenerando em
homicídios e tentativas de homicídios.
A violência que se verifica nas redes de bocas é acentuada pela decisão mercadológica de comercializar
o crack. O mercado do crack tende
a disseminar a violência nas regiões
onde predomina, incrementando a incidência de roubos e, principalmente, de homicídios. O aspecto farmacológico da droga interfere no fenômeno, à medida que cria contingente
expressivo de consumidores compulsivos, em magnitude superior àquele
observado no comércio das demais
drogas ilícitas prevalecentes em nossa sociedade. Consumidores compulsivos e, porque não dizer? vítimas da
PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
dependência química, tendem a se
tornar mais endividados com seus fornecedores. E tais dívidas não pagas
após um certo tempo tendem a resultar em homicídios dos devedores.
Outro aspecto dessa conflitualidade intensa gerada pelo comércio
do crack é o 'derrame' da droga. Os
consumidores compulsivos do crack
tendem a se inserir na rede de comercialização do produto enquanto
pequenos revendedores. Entretanto,
é maior a probabilidade de consumirem aquilo que devem revender, comparativamente à cocaína em pó, por
exemplo. Mais uma vez, o aspecto
farmacológico da droga explica a diferença. E ao darem 'derrame' do crack que deveriam comercializar, tornam-se automaticamente devedores
de seus fornecedores, em geral os
gerentes das bocas. Não pagando em
tempo hábil o que devem, pagam com
a própria vida.
É possível concluir, nesse sentido, que as principais vítimas da violência engendrada no mercado do
crack tendem a ser os próprios consumidores, principalmente os consumidores compulsivos, e em boa medida, os de baixa renda, residentes
nos aglomerados urbanos onde prevalecem as redes de comercialização
estruturadas em bocas
Abstract
The Drug trafficking in Belo Horizonte was characterized until mid-90s by the
predominance of marijuana and cocaine powder commercialization. Since
1995, however, in Prado Lopes Quarry
Stone, traditional shantytown in the city, a
new drug is offered to the consumer of
the capital. The crack which arrives in the
capital comes from Sao Paulo, initiating
a new era in the violence dynamics in
Belo Horizonte.
Especial/Não às drogas
Políticas Municipais sobre drogas:
desafios e perspectivas da gestão local1
MÁRCIA CRISTINA ALVES*
No contexto atual de
grandes demandas sociais, a
revalorização da dimensão local acompanha o processo de
democratização e descentralização das políticas públicas.
A necessidade de produzir
respostas para demandas microssociais, constituídas pela
diversidade e heterogeneidade dos problemas que se formam nas cidades, exige mudança nos modelos de gestão. O grande desafio para as
Políticas Municipais é, ao
mesmo tempo, conectar as
respostas elaboradas no nível
local às diretrizes políticas nacionais, associadas às mudanças na estrutura social. As
Políticas Locais para Prevenção, Tratamento e Reinserção
Social relativas ao uso e abuso de drogas fazem parte deste desafio. Neste artigo, abordaremos elementos que poderiam compor uma Política Municipal sobre drogas.
I- CONCEITOS IMPORTANTES NA
GESTÃO LOCAL
O âmbito local está experimentando um importante processo de reestruturação: a ideia de desconcentração
ou descentralização da prestação de
serviços tem como meta o aumento da
acessibilidade dos usuários a serviços
A ampliação
da rede de
tratamento
em BH prevê
a criação de
um novo
Centro de
Saúde Mental
para Crianças e
Adolescentes
(CERSAMi)
específicos, sem, necessariamente,
ocorrer a descentralização da autoridade política central, que coordena o processo de implementação e monitora
as ações das políticas e programas públicos.
Entretanto, elementos novos e,
consequentemente, novos valores são
agregados à concepção da ação local,
seja pela perspectiva da atuação referenciada no território, seja pela necessidade de atuar na emergência e resolver problemas reais, permeados
pela relação do público com o serviço
ofertado.
Na questão específica das Políticas sobre drogas, tanto o déficit em
relação a uma diretriz nacional para
esta Política quanto a necessidade de
atuar na emergência trazem cada vez
mais para os municípios a responsabilidade de cuidar dos problemas relativos a esta questão.
Incluir a temática do uso e abuso
de drogas nas Políticas Municipais,
como eixo prioritário de uma estratégia governamental, requer a definição
de alguns princípios que orientam a
produção de Políticas Públicas com
foco na gestão local.
O primeiro ponto se refere à valorização da dimensão local, como possibilidade de se constituírem laços
sociais e intervenções mais participativas apontando para os desafios impostos pelo contexto social atual, posto que não seja suficiente apenas redesenhar os programas para modelos mais participativos, sem reformular os modelos de gestão.
A demanda por uma "nova gestão
pública do bem estar" (BRUGUÉ;
GOMÁ, 1998) opera no mínimo em duas
dimensões: a de uma administração
mais estratégica, com menos rigidez e
mais descentralizada; e a de uma administração "mais permeável" (DUNLEAVY; HOOD, 1995 apud GOMÁ,
2004).
O primeiro conceito, relacionado
à dimensão de uma administração
mais estratégica, refere-se à ideia de
governança, tratada aqui como a politização do nível local (BRUGUÉ; GOMÁ,
2004), que significa, a nosso ver, um
compromisso das instituições em atender ao desafio de consolidar relações
inter e intrainstitucionais, a fim de afrontar as novas temáticas como o uso e
abuso de drogas, como elemento ativo do contexto social e, ao mesmo tempo, satisfazer as expectativas da população, produzindo legitimidade para a
ação política dos programas e sustentando as escolhas das alternativas
pelos técnicos. Ou seja, a ideia de
*Mestre em Administração Pública. Especialista em Estudos da Criminalidade e Segurança Pública. Assessora Municipal de Políticas Sobre Drogas.
1
Artigo referenciado em publicação anterior do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
9
Governança permite construirmos alternativas institucionais para problemas públicos.
Neste sentido, o conceito de intersetorialidade tem a dimensão do foco
nas instituições e não na segmentação das áreas, tratando o problema
como responsabilidade das instituições que compõem uma determinada
política e não como resultado de arranjos técnicos, feitos na emergência,
pelos diferentes atores que atuam na
ponta dos serviços. O que queremos
dizer é que, intersetorialidade é um
pressuposto institucional que demanda definições políticas e técnicas por
parte dos gestores, como um princípio
da ação e não como consequência
desta.
A segunda ideia se refere à participação da sociedade civil incluindo os
usuários dos serviços na definição das
prioridades da agenda pública. Se pensarmos em resultados mais efetivos e
nas possíveis alterações do contexto
social local, a produção de respostas
envolve a pactuação de resultados com
a população que será beneficiada pelas mudanças que se pretende alcançar na implementação de novas
políticas.
A localização da demanda aponta
para outro componente importante de
análise: a trajetória do sujeito como
elemento do desenho e da ação de
Programas. Introduz-se por aí a possibilidade de construir-se alternativas
que levem em consideração as características próprias do indivíduo e
do território onde ele se encontra, ampliando a dimensão dos Programas,
a fim de possibilitar a introdução de demandas subjetivas na ação, mas sem
construir estigmas. Ou seja, ampliando a oferta e, ao mesmo tempo, levando em consideração as especificidades da demanda.
Para Paugam (1994), a noção de
trajetória passa pela ideia de que existe um processo que deve ser visto ao
longo do tempo - longitudinalmente - e
que permite apreender o percurso temporal dos indivíduos em relação ao
ambiente mais ou menos permeável.
Assim, a base territorial-espacial, que
se caracteriza por enormes níveis de
desigualdade, abriga, também, processos excludentes, incluindo a segregação. Os estados de privação descritos por Paugam associam-se ao conceito do que o autor denomina desqualificação social, que é estabelecida a
partir de uma relação entre indivíduos
e sociedade, entre público-alvo e ser-
viços de assistência social. Outro conceito utilizado pelo autor, o de identidade, que pode ser positiva ou negativa,
que se percebe por crise ou por construção, acompanha esta formulação,
apontando para uma correlação trajetória-território-identidade.
Ao percebermos o uso de drogas
nas cidades como um fenômemo social, que extrapola a individualidade do
sujeito e ocupa o espaço urbano, trazemos à tona o incômodo social provocado pela caracterização de sujeitos
desqualificados socialmente, associados a espaços territorializados de
uso e abuso de drogas, as chamadas
"cracolândias", sujeitos excluídos dos
serviços públicos pelo baixo nível de
adesão a eles e com identidade construída na negatividade produzida por
uma trajetória de idas e vindas na busca da cidadania social.
Os chamados Serviços Pessoais2 são modelos de serviços que podem nos ajudar a pensar alternativas
que, de fato, possibilitem condições de
melhor adesão aos programas sociais,
por parte de públicos extremamente
excluídos do sistema de proteção social. Trata-se de um modelo que associa elementos, como a participação, a
identidade local e o estabelecimento
de vínculos entre usuários e serviços.
Em seu trabalho, Mapa de los servicios personales locales (1998), os autores, apontam para a redefinição do
papel dos governos locais, como resultado da transformação das demandas sociais, que não seriam contempladas pelas transferências de serviços universais preconizada pelos modelos de bem-estar social centralizados e burocráticos. Tais modelos não
mais correspondem, às demandas
sociais, que são cada vez mais diversas, heterogêneas e distintas em termos de territórios.
A partir da fragmentação da estrutura social, promovida pelas desigualdades que se acumulam e se destacam localmente, surgem novas categorias de problemas e novas necessidades sociais, produzindo públicos
com especificidades cada vez maiores,
convertidos em "sujeitos vulneráveis a
dinâmicas sociais" (Gomá, 1998), tornando as demandas mais complexas
e exigindo novas perspectivas na oferta de serviços, que vão desde a agregação de conceitos tais como identidade e trajetória dos beneficiários na
ação dos programas sociais, até a redefinição do papel do poder local nas
políticas públicas.
O desafio da gestão local está em
optar pela fragmentação necessária
para atender às demandas diferenciadas, e, ao mesmo tempo, integrar os
usuários à política. O que pode gerar
conflitos em relação à gestão, como o
debate que surge das possíveis escolhas entre generalismo ou especialização, centralização versus descentralização, profissionalismo versus participação, e provisão versus habilitação,
dilemas ainda sem orientação precisa.
Ao mesmo tempo que se abre
espaço para atender às necessidades
diversificadas dos usuários, sabe-se
que uma fragmentação excessiva pode
impedir um modelo mais equilibrado,
com maior equidade e integração na
prestação de serviços. Por outro lado,
vale ressaltar que mesmo que a prestação de serviços seja localizada, aumentando a acessibilidade dos usuários, a autoridade sobre este serviço
continua centralizada em pessoas ou
órgãos decisórios.
Assim, a mudança na provisão de
políticas de prevenção, tratamento, e
reinserção social do usuário de drogas e seus familiares situa a exclusão
social como eixo central de uma nova
agenda de políticas locais de bem-estar. O conceito de exclusão relacionase a fenômenos estruturais multifatoriais e multidimensionais, apontando
para uma crescente polarização de
sujeitos "dentro-fora" da sociedade, ou
para a "transição da sociedade de classes para a sociedade cruzada" (GOMÁ,
2003).
Nessa perspectiva, para pensarmos uma política local sobre drogas,
seria fundamental o redesenho das
ofertas, buscando, ao mesmo tempo,
a ampliação das mesmas a partir das
escolhas do sujeito, e produzindo o
aumento da cobertura através da possibilidade de diferentes entradas do
sujeito no sistema de proteção social.
Tais mudanças no campo da gestão
se materializam apenas através da
atualização dos sistemas de gestão
capazes de criar novas metodologias,
através do redesenho de processos e
fluxos, do monitoramento e da avaliação de resultados, do compromisso
técnico e político com os resultados
que se pretende em uma inovação no
campo das políticas públicas.
II- UMA NOVA PERSPECTIVA DE AÇÃO:
ITINERÁRIOS OU ROTAS DE INSERÇÃO
Entendemos por itinerário de inserção e de incorporação social do público beneficiário de um serviço ou polí-
2
Serviços pessoais: "Conjunto de ações públicas articuladas em torno das pessoas, grupos e comunidades, sobre a base de relações integradoras e
participativas" (Gomá e Brugué - 1998).
10 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
tica pública, a relação que se faz da
ordem do indivíduo e de sua interação
com o coletivo. Podemos analisar os
componentes da infraestrutura social
de determinados programas e estudar
as suas estratégias, identificando fatores que poderiam contribuir para a
inserção do público, em rotas alternativas à desqualificação social.
Esta perspectiva de ação leva em
conta principalmente os vínculos sociais estabelecidos entre usuários e
serviços ofertados, como elemento
importante na gestão local das políticas preventivas. Entende-se por vínculos sociais a configuração das relações sociais a serem estabelecidas
em uma determinada comunidade,
grupo ou serviço para a construção de
"pontes que favorecem a disseminação
de informações e o acesso a recursos
e benefícios" (PAVEZ, 2006), ou seja,
as relações positivas estabelecidas
entre os serviços públicos e os beneficiários da política.
O estabelecimento de vínculos
sociais entre os usuários e os serviços locais possibilitariam a interlocução entre a demanda e a oferta. Assim,
as intervenções teriam também a capacidade de colocar na agenda dos
governos centrais as demandas locais,
servindo como ponte entre os setores
estratégicos do governo e as demandas da população.
A necessidade de atuar na emergência e resolver problemas reais exige mudanças no campo das Políticas
Públicas, considerando a possibilidade de uma atuação técnica com maior
flexibilidade e discricionariedade em
relação ao ambiente em que se opera,
levando para a "ponta' a possibilidade
de decidir a melhor estratégia para o
caso no contexto em que se encontra.
Desse modo, associa o poder de decisão à competência técnica, eliminando a dicotomia entre ação política e
ação técnica. O que possibilita esta
ação integral é a capacidade e a diversidade de ofertas que um programa
pode produzir.
A partir de ideias que se consolidam no campo da política, desenvolvem-se elementos no campo da gestão, que dão estrutura aos modelos
locais de Proteção Social. Um elemento central para dar materialidade às
ofertas é a implementação de redes
horizontais e redes multiníveis 3, que
partem da interdependência entre a
multiplicidade de atores que atuam
no local.
Do mesmo modo, as demandas
cada vez mais heterogêneas que se
apresentam no local exigem uma transversalidade cada vez maior na ação,
abrindo espaço para a intersetorialidade construída institucionalmente pela
pactuação dos agentes públicos ou civis, em torno da construção de soluções
para os problemas do público-alvo.
A ideia que se constrói, a partir da
identificação dos elementos apresentados até aqui neste artigo envolvem a
importância da dimensão territorial e a
valorização da trajetória do sujeito, o
estabelecimento de vínculos sociais
entre os atores e os destinatários da
política. Tem como objetivo permitir a
articulação do plano micro com o macro, o que é da ordem do sujeito e o
que se refere a dimensões coletivas,
permitindo-se construir um marco conceitual adequado para uma compreensão abrangente do problema do uso e
abuso de drogas no Município e das
possibilidades e alternativas possíveis
de serem construídas.
III - ESTRUTURAS LOCAIS DE GESTÃO
Há uma tendência de aumento de
órgãos locais voltados para a operacionalização de Políticas sobre drogas,
sem a consolidação de uma dimensão estratégica de uma administração
que possa assegurar a qualidade dos
serviços, que sustente a ação local. No
limite, tais órgãos ou equipamentos exclusivos para a Política sobre drogas
transformam-se em redutos de repressão de uma demanda que exige uma
atenção mais completa e não apenas
a definição de um destino para ela.
A preocupação em criar organismos locais responsáveis pela especificidade de Política sobre drogas institucionaliza o problema, com o município, muitas vezes, assumindo para si
a questão, mas não acrescentando
mecanismos de gestão do problema
do ponto de vista das soluções possíveis, dos instrumentos e insumos disponíveis para resolvê-los. Tem-se aí
um problema de governabilidade, em
que a dimensão da autonomia municipal para resolver problemas está limitada e condicionada a pressupostos federativos, estreitando, muitas vezes a
capacidade do município de criar serviços ou novos programas além dos já
existentes.
Resta, então, ao Poder Municipal
trabalhar com as alternativas possíveis: potencializar os serviços existentes e criar novos arranjos no campo da
gestão, a fim de possibilitar maior
efetividade dos resultados. Alguns elementos são fundamentais para que os
municípios possam pensar seus modelos locais de políticas dirigidas, a fim
de constituírem programas que consigam produzir mais que a institucionalização do problema, mas, de fato, construindo soluções compartilhadas para
seus órgãos e serviços.
O sentimento social provocado
pelas consequências da ocupação do
espaço urbano para o uso de drogas,
e potencializado pela mídia, toma corpo à medida que a opinião pública pede
"providências" para o problema. No
entanto, esse é um problema com origens profundas e de muito tempo; não
começou agora e nem vai terminar com
medidas imediatistas. Assim, não existe um lugar comum para se resolver o
problema. O que, de fato, é possível, é
construir-se alternativas comuns a diferentes setores da gestão local. Além
disso, temos grandes problemas no
campo das Políticas sobre drogas, provocados pelo impacto da falta de propostas articuladas entre os níveis federal, estadual e municipal, interferindo diretamente na consolidação de uma
política capaz de, ao mesmo tempo,
atender a uma demanda específica e
ampliar a participação social neste
campo.
O debate colocado no âmbito municipal exige que se construam agendas comuns de discussão do tema das
políticas sobre drogas, seja por parte
das políticas municipais, seja por parte de canais de comunicação, e debate
entre poder público e sociedade civil,
como o Conselho Municipal. Construir
uma possibilidade do tema, entrar na
agenda pública exige tanto a reflexão
sobre o assunto quanto a proposição
de alternativas concretas que possibilitem uma ação transversal e integral por parte dos órgãos e setores
municipais.
IV - UMA PROPOSTA PARA O MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
Como já apontamos anteriormente, a dependência química apresentase na atualidade como um problema
social com repercussões cada vez
mais abrangentes ao sujeito e à rede
social que o cerca, incluindo a família,
a escola, o trabalho e a comunidade.
Este é considerado um problema mundial que não compromete apenas a
saúde, mas todas as estruturas públicas. A observação do contexto social
aponta para o fato de que o consumo
3
Entende-se por Redes Multiníveis aquelas constituídas por diferentes níveis de governo e por Redes Horizontais aquelas constituídas pelos atores de um mesmo
nível de governo.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
11
de drogas não atinge de maneira uniforme toda a população, e o uso e abuso de drogas é distinto no Município,
apresentando, inclusive, diferenças locais significativas, tanto nos aspectos
sociais, quanto nas vias de utilização
e na escolha do produto.
A proposta que apresentamos junto à Prefeitura de Belo Horizonte para a
prevenção, tratamento e reinserção
social do usuário de álcool e outras
drogas, e de seus famliares, tem como
objetivo principal agregar uma série de
projetos que incluam a participação
social, o fortalecimento da rede de serviços e a implantação de ações integradas de Proteção Social ao usuário
de drogas. Temos como referência todos os elementos apresentados até
aqui, que poderiam compor esta proposta organizada em três frentes:
ações estruturantes, ações de Tratamento e ações de proteção social.
Ações estruturantes
Conselho Municipal de Políticas sobre
Drogas
As Políticas sobre Drogas reconhecem e preconizam como de fundamental importância para a sua efetivação a participação da sociedade organizada, destacando a urgência em descentralizar as ações, envolvendo atores locais na estruturação e construção de uma nova forma de efetivá-las.
Nesse sentido, está sendo proposta a reestruturação do Conselho
Municipal de Políticas sobre Drogas,
com equiparação da participação da
sociedade civil, ampliando suas funções de elaboração e avaliação de políticas sobre drogas no Município. Além
disso, foi estruturada uma Assessoria
vinculada à Secretaria Municipal de
Governo, para acompanhamento das
ações neste campo, além da criação
de uma secretaria executiva para o
Conselho.
Fundo Municipal de Políticas sobre
Drogas
A criação do Fundo Municipal de
Políticas sobre Drogas tem por objetivo possibilitar a obtenção e a administração de recursos financeiros
destinados ao desenvolvimento de
ações preventivas, de fiscalização, de
tratamento e de reinserção social
para o público-alvo das políticas sobre drogas.
Os recursos do Fundo serão destinados ao desenvolvimento de ações
que envolvam:
- programas de prevenção do uso de
substâncias psicoativas;
4
- projetos de formação profissional
para tratamento e recuperação de dependentes químicos;
- produção de material educativo para
divulgação de informações amplas
sobre as questões relativas ao uso de
substâncias psicoativas;
- políticas públicas de investimento e
custeio das ações de prevenção, tratamento e reinserção de usuários de drogas no município de Belo Horizonte;
- apoio e incentivo à pesquisa e à produção científica sobre a temática das
substâncias psicoativas e seus impactos na sociedade.
Central de informação compartilhada
Esta central buscará implantar um
sistema integrado que possibilite analisar, produzir e disseminar informações específicas sobre o consumo e
os riscos do uso de drogas, bem como
a criação de uma metodologia de gerenciamento de casos, que permita
conhecer e estudar os fluxos de atendimento ao público-alvo no Município,
além de mapear as diversas políticas,
serviços e atendimentos ofertados,
assim como produzir informações que
permitam, ao mesmo tempo, monitorá-los e agir de forma Preventiva.
Grupo Técnico para Acompanhamento de projetos de proteção social da
criança e do adolescente (GTA)
Este grupo visa à integração das
ações das políticas municipais que
promovem a proteção social da criança e do adolescente usuários de drogas. É um Grupo Técnico que, em parceria com a Vara da Infância e da Adolescência e com a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, buscará aprimorar a comunicação entre o Poder Público Municipal e o Poder Judiciário, construindo fluxos, efetivando processos de cumprimento de medidas
protetivas e de medidas socioeducativas, para as crianças e adolescentes
usuários de drogas, tendo como meta
sua maior proteção social.
Ações de Tratamento
Ampliação da rede de atendimento da
saúde a usuários de álcool e drogas
A partir de 2003, o Ministério da
Saúde formulou uma Política Nacional
específica para Álcool e Drogas com o
compromisso de prevenir, tratar e reabilitar os usuários, segundo a Lei
10.216/01, marco legal da Reforma
Psiquiátrica Brasileira. Os serviços de
atendimento foram criados e adaptados e surgiram os ambulatórios, centros de convivência, internações breves
e longas, hospitais-dia, moradias as-
sistidas, acompanhamento terapêutico, agentes multiplicadores, entre outros, para atender a nova política brasileira. O Ministério da Saúde (2007) recomendou que a assistência aos usuários de álcool e outras drogas deveria
preferencialmente ser feita nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS-ad) - em Belo
Horizonte, o equipamento equivalente
é o CERSAM-ad -, articulado ao Programa de Saúde da Família, Programa de Agentes Comunitários de Saúde, Programas de Redução de Danos
e Rede Básica de Saúde.
Nesse sentido, e em consonância com a Política Nacional, a proposta
de ampliação da rede de tratamento
em Belo Horizonte prevê a criação, por
meio da Secretaria Municipal de Saúde, de novos Centros de Saúde Mental
especializados em álcool e drogas,
além da criação de um novo Centro de
Saúde Mental para Crianças e Adolescentes (CERSAMi) - ambos funcionando 24 horas ao dia, 7 dias na semana
- e a criação de equipes do Programa
de Atenção Básica Domiciliar álcool e
drogas, para acompanhamento e inserção na rede social dos usuários do
CERSAM-ad e do CERSAMi. Inclui, ainda, a criação progressiva de leitos para
quadros de intoxicação e síndrome de
abstinência moderada a grave e a ampliação das equipes dos Consultórios
de Rua, responsáveis pela abordagem
aos usuários que estão em situação
de uso de drogas nas ruas.
Ações de Proteção Social
Residências Transitórias
As Residências Transitórias são
serviços de abrigamento temporário,
de acolhimento e Proteção Social. Serão credenciadas pelo Município, instituições qualificadas no atendimento a
usuários de drogas que atuam de forma articulada com as políticas municipais. Voltadas para o acompanhamento sociofamiliar e a realização de programas de reinserção social de adultos, crianças e jovens, farão parte da
rede de proteção social ao usuário de
drogas.
Trata-se de um equipamento de
convívio e sociabilidade, de adesão
voluntária,inclusivo, com capacidade
de oferecer proteção social nas situações de fragilidade e/ou ruptura dos
laços sociais e afetivos e de ameaça à
vida. É um sistema aberto, que envolve
a comunidade e a família.
Projeto de Lei 557, em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte, propondo a reestruturação do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas (CMPD).
12 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
Rede de Proteção Social
A atuação em rede é estratégica e
descentralizada. Promovendo o diálogo entre Poder Público e Sociedade,
as redes representam o envolvimento
de atores múltiplos, plurais e agregam
à gestão dos Programas e Projetos
Públicos estratégias de cooperação
coordenada intergovernamentais e intersetoriais.
Nesse sentido, é proposta a constituição de um Grupo de Trabalho Intersetorial, a fim de apontar ações dirigidas à proteção social ao usuário de
drogas nas áreas de emprego, trabalho e renda, assim como definir um
Plano de prevenção ao uso de drogas
a ser implantafo no Município.
A proposta inclui a criação de cursos de formação profissional e inserção no mercado de trabalho para usuários de drogas e seus familiares, em
parceria com a Secretaria Municipal
Adjunta de Trabalho e Emprego. Inclui
também a participação da Secretaria
Municipal de Esportes, com a oferta de
atividades esportivas, para público específico, e a ampliação dos programas
atuais, aumentando, especialmente, a
cobertura do público jovem.
Outra ação fundamental é a retaguarda de serviços de proteção social
ofertados pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social aos usuários e seus familiares, por meio do Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializado da Assistência Social
(CREAS), localizados nas administrações regionais do Município. São esses serviços os responsáveis pela oferta de ações continuadas de proteção
social às famílias, grupos e indivíduos
em situação de vulnerabilidade, e que
organizam a atenção social em sua área
de abrangência. Todo o trabalho visa a
promover a emancipação social das famílias, desenvolvendo a cidadania
para cada um de seus integrantes.
O CREAS, integrante do Sistema
Único da Assistência Social (SUAS), é
uma unidade pública de prestação de
serviços especializados e continuados
a indivíduos e famílias com seus direitos violados, promovendo a integração
de esforços, recursos e meios para enfrentar a sua dispersão e potencializar
a ação para seus usuários. Envolve um
conjunto de profissionais e processos
de trabalho, ofertando apoio e acompanhamento especializado.
Rede Pela Paz
A SMED-BH vem trabalhando desde 1998 com programas, projetos e
ações de prevenção à violência escolar que priorizem a construção de uma
cultura de paz nas escolas e em suas
comunidades. O Programa Rede Pela
Paz, implantado em 1999, tem como
foco principal a função de formar, elaborar e executar políticas públicas de
aprimoramento do clima escolar, por
meio de ações relacionadas à construção de uma cultura de paz sustentável, a mediação de conflitos, a prevenção e ao combate à violência. A perspectiva é potencializar esse programa,
focalizando as ações de prevenção
social no público-alvo das escolas, produzindo uma ação mais dirigida a crianças, jovens e comunidade.
IV- CONCLUSÃO
A proposta de trabalhar em níveis
estruturante, de tratamento e de proteção social, parte de uma lógica de transversalidade da gestão, em que a solução do problema perpassa diferentes
níveis e produz respostas também diferenciadas, aumentando a cobertura, ampliando a intensidade protetora dos
programas sociais e estabelecendo
novos vínculos dos usuários com os
serviços ofertados.
As condições políticas e institucionais também devem ser consideradas para a viabilização do modelo de
intervenção sugerido. Este trabalho
poderá ser ampliado a outras áreas a
partir dos resultados obtidos, através de
novos mapeamentos, diagnósticos e
da opinião de lideranças locais, bem
como da realização de fóruns gerais
de coordenação e o estabelecimento
de novas parcerias.
Nesse sentido, a dificuldade está
em criar não só um modelo, mas também uma linguagem comum dentro
dos próprios setores do Estado, e das
instituições entre si, no que diz respeito ao problema do uso e abuso de drogas. Trata-se, no plano ideal, de compatibilizar símbolos (valores e crenças)
enquanto instrumentos de integração,
de conhecimento e de comunicação, tornando possível o consenso acerca do
sentido do mundo social5.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alves, Márcia C., Mobilização comunitária e
Prevenção do Crime: A Experiência do programa Fica Vivo no Morro das Pedras. Mimeo. Specialization Thesis, CRISP - UFMG,
2004.
----, "Gestão Local e Políticas Públicas: os
desafios do campo da segurança," Anuário
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
p. 64-67, 2008.
----, "Programas de Prevenção à Criminalidade: Dos Procesos Sociais à Inovação da
Política Pública. A Experiência do Fica Vivo!,"
Unpublished Master's Thesis, Fundação
João Pinheiro (Belo Horitzonte), 2008.
BRUGUÉ, Q.; GOMÁ, Ricard (Coord.). Gobiernos local e y políticas públicas: bienestar
social, promoción económica y territorio.
Barcelona: Ariel, 1998.
BRUGUÉ, Q.; GOMÁ, Ricard (Coord.). Modernizar la administración desde la izquierda: burocracia, nueva gestión pública y administración deliberativa. Barcelona, 2004,
Mimeo.
BRUGUÉ, Q. et al. Mapa de los servicios personales. Barcelona: UAB - Uiversidade Aberta de Barcelona, 1998.
PAUGAM, Serge. O enfraquecimento e a
ruptura dos vínculos sociais. In: SAWARA,
Bader (Org.). As artimanhas da exclusão:
análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2002.
PAUGAM, Serge. Desqualificação social: ensaios sobre a nova pobreza. São Paulo: Cortez, 2003.
PAVEZ, Thaís R. Ação pública e transformação de vínculos sociais em uma comunidade segregada. Belo Horizonte: ABCP, 2006.
Abstract
In the current context of large social demands, the revaluation of the local dimension
accompanies the democratization and decentralization of the public policies process. The
need to produce responses to micro social
demands, constituted by the diversity and heterogeneity of the problems which occur in
the cities, requires change in the management
models. The great challenge for the municipal
policies is, at the same time, to connect the
answers prepared at the local level to the national policy guidelines, associated with changes in the social structure. Local Policies for
Prevention, Treatment and Social Rehabilitation related to drugs use and abuse are part of
this challenge. In this article we will discuss
elements that might constitute a Municipal Policy on drugs.
Como afirma Foucault, "(...) numa sociedade como a nossa (...) múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social; elas não podem
dissociar-se, nem se estabelecer, nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro" (Foucault,
2002: 28).
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
13
Especial/Não às drogas
CONSULTÓRIO DE RUA
a construção de uma prática seguindo as
trilhas da liberdade com responsabilidade
Temos vivenciado um momento
de alarde anunciado pela mídia acerca dos usuários de álcool e outras drogas, mais especificamente os usuários de crack, que vêm legitimando soluções precipitadas e arcaicas, visando a um movimento de retrocesso, higienista e segregatório por parte do Poder Público. Dessa forma, se faz necessário confirmar a orientação construída no trabalho da Rede de Saúde
Mental do Município de Belo Horizonte,
pautada nos ideais da Reforma Psiquiátrica, que tem como prioridade propor novas e possíveis amarrações
para fazer caber as diferenças no laço
social, dispensando grades e manicômios.
Diante deste cenário, é primordial que se apresentem alternativas
inusitadas como forma de garantir a
cidadania e a dignidade dos usuários
de álcool e outras drogas, através de
um modelo substitutivo, inovador, que
faz circular pela cidade os modos que
cada um tem de fazer morada e tratar
seu mal-estar no espaço da rua. É
nesta perspectiva que surgem, para integrar a Política de Álcool e Outras Drogas, as equipes de Consultório de Rua,
compostas por Educador Social/Assistente Social, Enfermeiro, Psicólogo e
Redutor de Danos, dispositivo que tem
como princípios norteadores o respeito às diferenças, a promoção dos direitos humanos e da inclusão social, o
enfrentamento dos estigmas, as ações
de redução de danos e a intersetorialidade. Sua característica mais importante é oferecer cuidados no próprio
espaço da rua, preservando o respeito
ao contexto sociocultural dos que nela
se encontram, bem como o diálogo intersetorial com a Rede, servindo de
ponte facilitadora ao acesso dos usuários a outros serviços.
A primeira equipe do Consultório
de Rua no Brasil foi constituída em
Salvador, na Bahia, em 1999. No município de Belo Horizonte, essa experiência teve início em março de 2011,
MIRIAN VANESSA COSTA PACHECO*
ROSIMEIRE APARECIDA SILVA**
concentrando-se em duas regiões:
uma é a Pedreira Prado Lopes, na Região Noroeste, denominada pela mídia como "Cracolândia", devido ao alto
índice de usuários de crack na cena
pública, e a outra, as redondezas das
Regiões Centro-Sul/Leste, onde se
encontram os chamados "meninos de
rua", crianças e adolescentes que circulam no entorno da Avenida dos Andradas, Região Hospitalar e Savassi,
fazendo uso dos solventes e inalantes,
como thinner e loló. A escolha de cada
área respeitou as especificidades do
público, o tipo de uso, e as problemáticas que envolvem a relação sujeitodroga no contexto da rua.
Na Pedreira Prado Lopes, o trabalho se iniciou com a distribuição de
insumos de saúde junto às orientações
sobre DST/AIDS e Redução de Danos
relacionados ao uso abusivo de álcool
e outras drogas, o que se tornou uma
via exitosa para a criação de vínculo
com os usuários em situação de rua e
a comunidade em geral. Buscar o laço
é a orientação, o que garante a atuação do Consultório de Rua no território
e faz surgirem os efeitos da presença
da equipe, como demonstra a regra instituída pelos próprios usuários "não fumar pra conversar". Assim, a equipe é
autorizada a se aproximar, ouvir, falar,
reencontrar, ouvir mais e acompanhar.
Orientações e encaminhamentos
No dia a dia de trabalho, vêm sendo realizadas ações que propiciam
ofertar outras alternativas ao uso abusivo de drogas, através de orientações
sobre saúde: oficinas de Saúde Bucal
"Cuidando da Boca", conversas sobre
Sexualidade, bem como atividades lúdicas e culturais, por exemplo, bingo e
Festa Junina, além de fazer os devidos
encaminhamentos à rede intersetorial: Centro de Referência em Saúde
Mental para usuários de Álcool e ou-
tras Drogas (CERSAM-ad), Centros de
Saúde, Plantão Social, Centro de Referência da População de Rua, dentre
outros.
A equipe das regiões Centro-Sul/
Leste percebe a rua enquanto um espaço de circulação de pessoas, que
abriga crianças, adolescentes, adultos,
famílias, de uma maneira diferenciada
das formas comuns de convivência e
que propicia, em alguns casos, a possibilidade de socialização, de criação
de laços, de inclusão em grupos, um
espaço de viver uma "liberdade" que
não é vivida no contexto familiar em um
espaço chamado "casa". A rua tornase para muitos a "casa" desejada, a
"liberdade" vivida, a "família". É neste
espaço que o trabalho se dá, diariamente, através de atividades desenvolvidas, tais como oficinas, atividades lúdicas como forma de estabelecimento
de uma relação de confiança entre equipe de trabalho e usuários do serviço, a
ligação dessa população entre os serviços de saúde, e outros que compõe a
rede de atendimento à população, organização de passeios, como idas ao
cinema, ao zoológico, como estratégia
de fortalecimento de vínculo.
A prática do Consultório de Rua é
um desafio que se enfrenta todos os
dias em campo, juntamente com outras questões que se colocam na relação entre equipe/serviços e equipe/público. Propicia romper com valores, préconceitos e também com a lógica segregadora com que se defrontam os
usuários de álcool e outras drogas. Assim, é tempo de re-tomar posição e
bancar o desejo antimanicomial, ofertando tratamentos dignos que enfatizem a liberdade e a responsabilidade
de cada usuário, reduzindo os danos
deste alarde proposto pela mídia, priorizando a cautela e a escuta de cada
sujeito na direção de um lugar possível
para cada um no laço com a Cidade.
* Referência Técnica Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte.
** Coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte.
1
Texto elaborado com a colaboração das equipes dos consultórios de rua Centro Sul/Leste e Pedreira Prado Lopes.
14 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
Especial/Não às drogas
Violência e drogas em meio escolar:
avanços e desafios das escolas municipais
ISMAYR SÉRGIO CLÁUDIO*
O presente texto tem por objetivo apresentar o problema da violência escolar
e suas relações com o clima escolar, espaços educativos, relações interpessoais
e políticas públicas para seu enfrentamento. Além disso, a partir de dados, o trabalho enfatiza a temática das drogas e sua interrelação com a violência nas instituições de ensino.
Ao se abrir para a comunidade na qual ela se insere, possibilitando diferentes ações aos finais de semana,
a escola está garantindo qualidade no clima escolar e na relação com a comunidade em geral
Presente em todas as sociedades
e instituições sociais, a violência é um
fenômeno multicausal, complexo e que
desafia governos e sociedades. Em
ambiente escolar, suas diferentes formas e manifestações adquirem proporções desafiadoras em razão das
características próprias do seu espaço
e de seus sujeitos. Dessa forma, tanto
a escola quanto o sistema de educação precisam reconhecer que sozinhos
correm o risco de se tornarem incapazes de perceber todas as causas da
violência e de formularem respostas
adequadas a todas elas. Por isso, constituir redes de proteção social que envolvam as instituições formais e informais presentes naquele território, afe-
tadas de alguma forma pelas violências que permeiam aquela comunidade,
faz-se instrumento importante de mudança do quadro da violência local e de
prevenção. Essas parcerias devem incluir famílias, outros órgãos públicos e
instituições comunitárias em um planejamento comum que possibilite
respostas diversas a esse complexo
fenômeno.
Como se vê, as redes de proteção
social não são constituídas apenas
pelos atores da escola, mas a escola
pode ser a aglutinadora da rede na comunidade na qual se insere. Para além
de evidenciar as ações de pessoas e
de instituições daquele território, fortalecendo as iniciativas de cada pessoa
ou instituição, através de ações coletivas e coordenadas, "as redes também
podem ocupar papel de destaque na
mediação do acesso a políticas e serviços do Estado, com importantes efeitos sobre o bem-estar" (MARQUES,
2010: 47).
Não há dúvidas quanto à afirmativa de que a violência extrapola a escola. Ela não está reduzida ao ambiente
escolar, faz-se presença cotidiana em
todos os espaços e relações sociais.
É preciso pensar o que tem produzido
esta violência. Por que as sociedades
contemporâneas têm construído tanta
competitividade e individualismo, combustíveis para confrontos, conflitos e
violências?
*Filósofo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Administração Pública - Gestão de Políticas Sociais pela Fundação João Pinheiro. Gerente
de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria Municipal de Educação (SMED) da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
15
O fenômeno da globalização trouxe, entre outros aspectos, a revolução
tecnológica dos meios de comunicação que, por sua vez, transformou o planeta Terra em uma "aldeia global1". Tal
revolução tem produzido sociedades
nas quais as crianças e jovens estão
em permanente contato, em tempo real,
com diferentes culturas, diferentes valores, retratados em uma série de informações que as famílias e escola
não conseguem acompanhar. São crianças e jovens das chamadas gerações
Y e Z, os nascidos a partir da década
de 1980, a geração da internet, dos celulares e dos grandes saltos da evolução das tecnologias de comunicação
e do círculo virtuoso da economia.
Nessa sociedade da informação,
completamente aberta, inúmeros e diferentes valores e contravalores permeiam a cotidianidade e ditam as regras da comunicação e das relações
pessoais. Isso faz com que nem sempre as famílias e a escola possam ter
a mesma velocidade para interferir no
diálogo de crianças e jovens com as
infinitas informações, conhecimentos,
valores e contravalores que circulam
na velocidade da luz, "causando nas
pessoas a impressão de que muitas
mudanças ocorreram de repente" (XIAOPING, 2011:13)
Comportamentos individuais ou
de grupos, tais como o vandalismo, as
agressões físicas e verbais, o uso da
linguagem rude, a extorsão, entre outros, são situações que hoje se colocam no bojo da violência também no
ambiente escolar. Muitas dessas situações, até pouco tempo, não estavam
incorporadas ao universo da violência.
Eram tidas como comportamentos desviantes das relações interpessoais e/
ou do campo da indisciplina escolar.
No entanto, no contexto atual, necessário se faz focar o olhar e direcionar a
atenção àquelas situações que antes
não eram consideradas violências,
mas que, em momentos de conflitos,
podem constituí-la.
Estar atento às relações interpessoais entre estudantes e educadores,
estudantes e estudantes, educadores
e educadores são um imperativo para
a ação de todos os profissionais, estudantes e famílias, pessoas essas que
constituem o ambiente da escola através de diferentes possibilidades de
relações. Deve-se prestar atenção, em
especial, às situações nas quais as
relações são distanciadas, interrompidas, comprometendo as amizades e
ampliando as possibilidades dos conflitos, redimensionando a construção
da alteridade, através da qual os diferentes atores se veem e se reconhecem no olhar do outro.
Estar atento ao outro, relacionarse com ele, constituir relações baseadas na palavra - que possibilita o verdadeiro diálogo - é uma ferramenta importante para se desvendar o fenômeno da violência escolar, buscar seus
indícios, que vão sendo mensurados,
checados, analisados e, assim, revelados a pesquisadores, educadores,
estudantes e famílias.
Por isso, é preciso despertar múltiplos olhares, buscar indícios nas diversas situações que permeiam as relações interpessoais no contexto da
convivência em ambiente escolar, ou
seja, que olhares há de se ter para se
perceber os diferentes matizes do que
se denomina clima escolar? Quais são
os componentes do clima escolar? Por
que o conceito de clima escolar está
relacionado à eficácia escolar? De que
modo a eficácia da escola se converte
em bom clima escolar e, consequentemente, possibilita a redução da violência escolar, constituindo-se em instrumento de prevenção?
O CLIMA ESCOLAR E
SUA CONSTRUÇÃO
Por clima escolar entende-se a
qualidade geral das relações internas
na escola. A forma que a gestão da escola interfere na qualidade das relações
é que se constituem diferenciais de
qualidade do clima escolar. Ao se criar
canais de participação abertos a todos
os membros da comunidade escolar,
como o Colegiado Escolar, Conselho
de Pais, Grêmios Estudantis, dentre
outros, a escola interfere positivamente nas relações internas; ao realizar seminários ou congressos para tratar das
questões de interesse daquela coletividade, a escola está interferindo diretamente no clima escolar. Ao se abrir
para a comunidade na qual ela se insere, possibilitando diferentes ações
aos finais de semana, a escola está
garantindo qualidade no clima escolar
e na relação com a comunidade em
geral. Portanto, direcionar os olhares
para se entender o clima escolar exige
clareza quanto aos elementos que o
compõem, traduzidos por indicadores
entre os quais:
"as realizações pedagógicas e administrativas, as atitudes dos alunos e da
equipe pedagógica em relação à escola,
o conjunto de relações estabelecidas,
assim como as percepções de todos os
seus integrantes acerca do trabalho pedagógico realizado pela instituição de ensino e sobre a participação que possuem
nestes processos" (CUNHA; COSTA,
2009: 04).
A atenção a esse conjunto de indicadores do clima escolar, entre outras
percepções, poderá revelar a existência ou não de diferentes formas de violências naquele cotidiano escolar. Por
exemplo, ao observar as atitudes dos
estudantes e da equipe pedagógica,
seu modo de interagir e se relacionar,
a maior ou menor polidez das relações,
as percepções oriundas dos comportamentos podem descortinar a existência ou não de rupturas da escola, com
a escola ou com os valores escolares.
E, nesse caso, haverá oportunidade de
se trazer à tona as microviolências que
podem estar presentes nas relações
entre instituição e sujeito ou nas relações interpessoais em meio escolar.
Mensurar os níveis de qualidade
das relações interpessoais, os laços
sociais estabelecidos, a maior ou menor polidez no trato e na convivência
em meio escolar dizem respeito ao
monitoramento das manifestações de
violências que, nesse contexto, é denominada por Debarbieux (1996)2 de
incivilidades3.
Por isso, especialmente em meio
escolar, a capacidade maior ou menor
do uso da palavra, como fundamental
instrumento de comunicação entre os
indivíduos, constitui-se em mecanismo importante das relações sociais e
se faz institucionalizada em toda sociedade. Dessa forma, em ambiente escolar, para além das boas regras de
convivência e comunicação estabelecidas pela sociedade, há que se ter normatização interna clara, através de um
Regimento Escolar atualizado, em permanente construção. Afinal, como nos
ensina Goffman (2010: 43):
"o indivíduo semiconsciente de que
um certo aspecto de sua atividade pode
ser percebido por todos aqueles presentes, tende a modificar esta atividade, empregando-a com seu caráter público em
1
Conceito criado pelo canadense Marshall McLuhan ao analisar o poder da televisão integrada ao satélite como meio de comunicação global. Tal paradigma foi
ampliado com a invenção dos computadores, internet e celulares, o que reproduziu em escala global o que antes estava restrito à vida da aldeia, ou seja, a
capacidade dos seres humanos se comunicarem em tempo real.
2
Ver Abramovay (2002)
3
Debarbieux define por incivilidades as violências antissociais e antiescolares, aquelas que se revelam através de atitudes ou comportamentos que têm caráter
público, na dimensão das relações interpessoais ou com os espaços públicos.
16 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
mente. Às vezes, na verdade, ele pode
empregar esses sinais somente porque
eles podem ser testemunhas. E mesmo
que aqueles em sua presença não tenham
exatamente consciência da comunicação
que estão recebendo, eles de qualquer
forma sentirão algo fortemente incorreto
se algo incomum for transmitido"
Entretanto, hoje, a escola convive
também com outros fenômenos sociais violentos como as pequenas
gangues, aquelas que estão fora da
escola, mas que, de certa forma, interferem na escola ou em suas ações.
São fenômenos que não eram da escola, e que a escola passa a tê-los no
rol de suas ocupações.
Para melhorar a qualidade do clima da escola há que se considerar
também a escola naquilo que lhe é
próprio: a formação das crianças e jovens. A afirmação de que a violência,
juntamente com a indisciplina, dentro
das escolas, comprometem a qualidade da aprendizagem é de conhecimento público. A disciplina, contudo, não
pode ser considerada apenas um meio
de se obter bons desempenhos. Afinal, a escola, para além de ensinar,
deve educar para a cidadania.
O ESPAÇO ESCOLAR
Ao se discutir o clima escolar e a
sua construção, há que se considerar
como os diferentes sujeitos que convivem na escola vão dando forma e caracterizando o espaço escolar.
O espaço físico é, para o ser humano, um espaço apropriado, organizado e habitado conforme seus desejos e interesses. Nesse sentido, o espaço é uma construção social, cultural, política, etc. E o espaço escolar é,
também, um espaço construído, com
fins específicos, por aqueles sujeitos
que se encontram cotidianamente se
organizando como comunidade do conhecimento.
A importância da apropriação
consciente do espaço escolar como
lugar do encontro, da convivência, da
descoberta, do jogo de interrelações,
da construção do lugar do direito a ter
direitos é fundamental para que cada
um possa se ver como ator e beneficiário dessa construção.
Quando isso se dá de forma coerente, o vínculo entre sujeito e instituição se coloca e o sentido de pertencimento àquela comunidade-escola traz
para aqueles sujeitos um sentimento
de colaboração e de solidariedade que
elevam sua autoestima fazendo com
que as relações se deem em patamares e níveis mais iguais.
O DESAFIO DAS DROGAS
EM MEIO ESCOLAR
Conforme foi tratado no início deste artigo, a escola, a partir da década
de 1980, passou a ter de se haver com
as novas formas de violências, aquelas que sequer eram percebidas por
ela. Quanto maior o grau de vulnerabilidade social da comunidade, maior a
sensação de insegurança dos membros da comunidade escolar. Conforme afirmação de Abramovay, "toda escola situa-se em um espaço e território cujas características afetam a sua
rotina, as relações internas e as interações dos membros da comunidade
escolar com o ambiente social externo" (ABRAMOVAY, 2002: 95).
Quanto mais ausente for o poder
público em um determinado território,
maior será a sensação de insegurança da população e, consequentemente, maior a sensação de vulnerabilidade, o que afeta o comportamento
das pessoas e das instituições ali
presentes.
Entre as violências que se localizam para além dos muros da escola, e
com as quais terá que se haver está a
violência produzida pelo tráfico de drogas, que, por suas ações, produz violência no entorno da escola, dentro da
escola e contra a escola.
Na medida em que as ações do
tráfico de drogas ganham espaços nas
ruas e praças do bairro no qual a escola se insere, por si só, a escola começa a sentir as consequências dessa
ação. A sensação de insegurança aumenta entre os membros da comunidade escolar, e, não raro, as ações do
tráfico chegam ao interior da escola.
Essas ações do tráfico são percebidas pela escola de diferentes modos,
por exemplo, quando do aumento das
violências no entorno da escola, quando o professor percebe o desânimo ou
a agressividade do estudante em razão do envolvimento com o traficante,
quando recebe a notícia de que aquele
estudante fora assassinado, quando
pessoas envolvidas com o tráfico de
drogas ameaçam os membros da comunidade escolar ou invadem o espaço escolar.
O que era inimaginável até há muito pouco tempo se tornou realidade: a
violência chega ao interior das escolas, muitas vezes através dos membros
de sua comunidade escolar, e, em geral, pelos estudantes, quando se en-
contram sob influência do tráfico de drogas.
Profissionais de escolas, estudantes e familiares relatam que traficantes circulam pelo entorno de escolas e, ainda que seja mais raro, chagam a entrar no interior de escolas.
Diferentes pesquisas têm apontado essa realidade, entre as quais
podemos destacar a pesquisa denominada 'Drogas na escola', coordenada por Miriam Abramovay e Mary Garcia
Castro, que pesquisaram 14 capitais
brasileiras e apontam os números da
percepção do comércio e do consumo
de drogas no entorno das escolas.
"Considerando o universo amostrado de alunos, uma média de 33,5%, ou
seja, um terço do total, afirma ter presenciado o consumo de drogas perto do ambiente escolar, o que corresponde a
1.551.609 estudantes". (ABRAMOVAY;
CASTRO, 2005: 92)
Outra pesquisa4, realizada entre
estudantes de escolas públicas municipais em Belo Horizonte - MG e Presidente Prudente - SP, por pesquisadores vinculados à Universidade Estadual Paulista - UNESP, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo - FAPESP, entrevistou 1880 estudantes de escolas
municipais, com idades entre 14 e 24
anos.
A pesquisa foi desenvolvida nos
anos de 2006 e 2007, em escolas localizadas em áreas de alto índice de
vulnerabilidade social (IVS) e baixo índice de qualidade de vida urbana
(IQVU). Os estudantes responderam a
um questionário de múltipla escolha
com 109 perguntas.
O objetivo foi conhecer o perfil
biossociodemográfico dos estudantes, sua relação com a escola, o trabalho, a exposição ao risco, a positividade pessoal, a sexualidade, as drogas,
a saúde, a qualidade de vida, a proteção e a amizade, a fim de se perceber
os fatores de risco e de proteção entre
adolescentes e jovens de escolas públicas de Belo Horizonte e Presidente
Prudente.
Comparando os indicadores da
pesquisa "Drogas na escola" com os
indicadores sobre drogas da pesquisa "Comportamentos e fatores de risco e proteção na adolescência e juventude nos municípios de Presidente Prudente e Belo Horizonte", percebem-se
resultados muito próximos quanto ao
comportamento dos adolescentes e
jovens em ambientes de atuação do
tráfico de drogas, conforme se pode
verificar a seguir:
4
CASTRO, Bernardo Monteiro, LIBÓRIO, Renata. Comportamentos e fatores de risco e proteção na adolescência e juventude nos municípios de Presidente Prudente
e Belo Horizonte. UNESP, 2007.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
17
Assim como a
escola Carlos
Drummond de
Andrade,
várias escolas
municipais se
convertem em
verdadeiros
clubes, nos
finais de
semana
"(...) apesar de grande parte dos
adolescentes conviverem com a realidade do tráfico de drogas em suas comunidades (60,2%), uma minoria mencionou
ter experimentado drogas ilícitas, tais como
maconha (9,5%) e cocaína (4,7%). Pensamos que é possível sugerir que a convivência com o tráfico não necessariamente leva os adolescentes e jovens dessa pesquisa ao uso dessas substâncias"
(CASTRO; LIBÓRIO, 2010:109)
Quanto à relação com as drogas
lícitas e ilícitas por estudantes da Rede
Municipal de Educação de Belo Horizonte, a pesquisa buscou perceber diferentes interações por parte dos estudantes, como se segue:
Quanto ao uso de drogas lícitas
e ilícitas, 79,6% dos estudantes responderam já terem experimentado vinho, cerveja ou outra bebida alcoólica;
28,9% afirmaram já terem experimentado cigarro; 9,5% declararam terem
usado maconha; 4,5% afirmaram o
uso de cocaína; 12,9% usaram loló.
Ao analisar a periodicidade de
uso das drogas lícitas e ilícitas pelos
adolescentes e jovens respondentes
da pesquisa, Castro e Libório verificam
"que a frequência de uso diminui" para
aqueles que já experimentaram "algum
entorpecente em alguma época da
vida". (CASTRO; LIBÓRIO: 2010: 110).
Outro aspecto evidenciado pela
referida pesquisa se refere ao uso de
drogas lícitas e ilícitas por período prolongado, em média entre 20 ou mais
dias ao mês. Bernardo Monteiro de
Castro e Renata Maria Coimbra Libório demonstraram que "há um nível
considerável de consumo de bebidas
alcoólicas (12,1%) e cigarro (7,8%).
Com relação às drogas ilícitas, verificamos que 1,9% dos participantes se
referem ao uso com tal frequência", o
que pode caracterizar dependência
química por parte os respondentes,
estudantes de escolas da rede municipal de Belo Horizonte.
Considerando os indicadores acima, os pesquisadores procuraram verificar se os adolescentes e jovens respondentes tentaram interromper o uso
dessas drogas. Entretanto, o que se
verificou foi que "quase a metade deles nunca tentou parar (46,4%). Dentre
os que tentaram parar, destaca-se a
indicação do álcool, seguido pelo cigarro comum" (CASTRO; LIBÓRIO,
2010:112).
Entre os que tentaram parar
de usar drogas lícitas e ilícitas, 75%
declararam que o fizeram sem buscar
apoio de ninguém; 18,3% afirmaram
que buscaram apoio em amigos;
10,7% recorreram ao apoio da família.
"Podemos pensar que, em certas circunstâncias, as relações de amizade e
vínculos familiares podem ter atuado como
indicadores protetivos frente ao comportamento de risco representado pelo uso
de drogas (embora em outras circunstâncias os amigos possam atuar como indicadores de risco)" (CASTRO; LIBÓRIO,
2010:112).
Nesse contexto, os pesquisadores chamam a atenção para a não
implicação das instituições que deveriam compor a rede de proteção
social, enquanto fator protetivo dos estudantes que tentaram deixar o uso das
drogas. O que demonstra a necessidade de se fortalecer e empoderar estas instituições através de ações em
rede, possibilitando que elas se vejam,
se reconheçam, partilhem conhecimentos, potencialidades e dificuldades, e
executem ações consorciadas para
atingirem melhores resultados.
"As igrejas, instituições e hospitais ou postos de saúde compareceram como ajudando muito pouco os
jovens nessas tentativas, levando-nos
a pensar no quão frágil é o lugar ocupado por essas instituições como redes de apoio social (indicadores de
proteção) para os jovens participantes
18 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
desta pesquisa" (CASTRO; LIBÓRIO,
2010:112).
Quanto aos motivos pelos quais
os respondentes foram motivados a
usarem drogas, 39,6% afirmaram não
saber; 25,8% justificaram ser por gostar ou ser divertido; 15,6% declararam
estar relacionado a problemas ou entristecimento; 15% indicaram outros
motivos; e apenas 4.4% afirmaram ser
por influência de amigos.
Os pesquisadores quiseram saber também sobre os motivos que levam os respondentes a nunca usarem
drogas. E, obtiveram os seguintes indicadores: para 45,3% deles o motivo
é o cuidado com a própria saúde; 31%
afirmaram ter "medo de viciar"; para
outros 27,7% é em razão da influência de suas famílias; 13,8% por causa da influência de amigos(as) ou
namorados(as).
"Interpretamos que os cuidados consigo mesmos são mais fortes na hora de
decidir a não usar entorpecentes do que
a influência de qualquer pessoa. Isso pode
representar uma boa autoestima. Se for
verdade, programas que investem na autoestima infantojuvenil devem ser desenvolvidos com o intuito de prevenir o uso
de drogas" (CASTRO; LIBÓRIO, 2010:112).
Estes indicadores servem de alerta às escolas para que invistam em
conteúdos transversais que abordem
temas relativos à saúde como forma
de prevenção ao uso de drogas.
Em relação ao envolvimento de
usuários de drogas ilícitas com o tráfico de drogas, a pesquisa indicou que
"quanto mais viciadora é a droga, menos ela é consumida por sujeitos envolvidos com o tráfico: dos que já experimentaram maconha, 37,5% se envolveram com o tráfico, número que decaiu para 31,3% no caso do uso da
cocaína e para 9,7% no uso do crack.
Estes indicadores devem apontar
caminhos importantes para a construção de políticas públicas, programas,
projetos e ações que possibilitem a
construção de uma cultura de paz e direitos humanos para adolescentes e
jovens em idade escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma vez que as violências apuradas no ambiente escolar têm causas
diversas, é importante orquestrar um
conjunto de políticas públicas, programas, projetos e ações que garantam
um clima escolar favorável ao desenvolvimento das atividades escolares e
possibilitem o fortalecimento (resiliência) dos estudantes e profissionais da
educação para lidarem com os conflitos, de modo positivo, onde quer que
eles se apresentem.
Levando-se em consideração a
discussão anterior e experiências exitosas encontradas nas escolas da
Rede Municipal de Educação de Belo
Horizonte, pontuaremos, a seguir, algumas recomendações para a prevenção das violências e do uso de drogas
em meio escolar:
A escola deve investir na formação da comunidade escolar, conforme as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que indicam que
temas como violências e drogas devem se constituir em conteúdos transversais, ornando-se compromisso de
professores, coordenações pedagógicas e direções.
Se o medo é fator importante
na instalação do clima de insegurança
também em meio escolar, há que se
investir em práticas que sejam integradoras, que formem coletivos comprometidos com a finalidade da instituição escolar. Esta é uma importante
função da direção da escola que tem
o papel de facilitar a discussão, motivar a busca de múltiplas estratégias
e imprimir visibilidade às ações planejadas.
Estratégias importantes para
a redução de violências em meio escolar, incluindo a temática do uso e/ou
tráfico de drogas, é dar visibilidade aos
atos violentos que ocorreram, encaminhando-os às autoridades competentes quando se tratar de atos infracionais, e, tão importante quanto, se deve
romper com a prática e o discurso de
vitimização.
A escola deve instituir, através
de Regimento Escolar coletivamente
construído, normas claras e coerentes
que regulem o convívio escolar, garantam o direito a ter direitos, e instituam
mecanismos de garantia ao contraditório para os momentos de conflitos.
Comunidade escolar, especialmente direção e corpo docente, devem
estar atentos às situações que lhes
permitam identificar os fatores de risco nos quais os estudantes possam
estar inseridos para criar e implementar ações de proteção.
A escola deve instituir um discurso que forneça subsídios aos adolescentes e jovens para o desenvolvimento de habilidades que possibilitem
compreender suas motivações subjetivas e sociais para práticas violentas
ou para o uso das drogas, bem como
para que desenvolvam uma postura positiva diante da vida.
Instituir canais que possibilitem a participação das famílias nas atividades escolares de seus filhos: Fó-
runs de pais, colegiado escolar, assembléias escolares; encontros periódicos com professores, coordenação
pedagógica, direção escolar, dentre
outros, são ações de sucesso apontadas por escolas inovadoras.
Instituir instrumentos que possibilitem a prática da escuta dos adolescentes e jovens que têm na escola
o lugar que lhes garante o uso da palavra e lhes ensinam a prática da escuta.
Implementar programas que
garantam a participação da comunidade no espaço escolar, especialmente em finais de semana, quando a rotina dos rituais formais da escola podem ser flexibilizados e a comunidade
poderá, através do lazer, da cultura e
da convivência, adentrar ao espaço da
escola, seus saberes e conhecimentos locais;
Utilizar-se da metodologia de
construção de redes, a fim de se constituirem redes de proteção locais, que
garantam a construção da cultura de
paz e de ambientes saudáveis à garantia da dignidade humana.
A instituição de programas,
projetos e ações no campo da formação para a cidadania, de educação integral é garantia de espaços abertos
à educação informal e aos direitos humanos, além de ampliar tempos e saberes através de diferentes percursos
pedagógicos.
Investir na formação dos diferentes profissionais da escola, possibilitando uma educação permanente,
voltada para a formação de múltiplos
olhares, é caminho seguro para a prevenção e segurança dos estudantes e
de toda a comunidade escolar.
O investimento em tecnologias de segurança, associadas às indicações anteriores, podem contribuir
para se ter ambientes escolares mais
seguros, onde seja possível educar
para a cidadania, garantida através da
conquista e reconquista dos direitos
humanos.
Em todos os momentos, a escola deverá agir dentro dos limites de
sua função social, e contar com as demais instituições que também têm responsabilidades em tratar da prevenção às violências, algumas das quais
com poder de responsabilização.
Uma vez que a escola sozinha
não tem condições de implantar e executar todas estas ações, elas devem
ser monitoradas pelo sistema de educação, que investirá recursos e tecnologias que as garantam.
Por fim, é a correlação entre cidadania e violência que determina em que
medida os objetivos maiores do convívio social e a realização do potencial
de cada um, o bem-estar dos integrantes da sociedade se faz garantir. Por
isso, a ação mais eficiente para a prevenção da violência e das drogas na
sociedade e em meio escolar é a ampliação da cidadania como direitos de
todos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, Mirian; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco
Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED,
UNDIME. Brasília: Edições UNESCO, 2002.
ABRAMOVAY ,Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Drogas nas escolas: versão resumida.
Brasília: UNESCO, Rede Pitágoras. Brasília:
Edições UNESCO, 2005.
CASTRO, Bernardo Monteiro de; LIBÓRIO,
Renata Maria Coimbra. Risco e resiliência
entre adolescentes e jovens de escolas públicas de Belo Horizonte. Curitiba: Editora
CRV, 2010.
CUNHA, Marcela Brandão; COSTA, Márcio
da. O clima escolar de escolas de alto e baixo prestígio. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2009, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd), 2009. Disponível em: <http://
www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT14-5645--Int.pdf>. Acesso em 10 set.
2011.
GOFFMAN, Erving. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização social dos ajuntamentos / Erving Goffam: tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
MARQUES, Eduardo. Redes sociais, segregação e pobreza em São Paulo. São Paulo:
Editora UNESP; Centro de Estudos da Metrópole. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
XIAOPING, Wang. A segunda declaração: o
próximo passo da evolução e o futuro da humanidade. Tradução Lúcia Helena Seixas.
São Paulo: Cultrix, 2011.
Abstract
The present text has the aim to present
the school violence problem and its relation to
the school environment, the educational spaces, the inter personal relationships and the
public politics to its combat.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
19
Especial/Não às drogas
Políticas públicas sobre álcool e outras drogas:
reflexos na formação dos profissionais da saúde
ALDA MARTINS GONÇALVES e
AMANDA MÁRCIA DOS SANTOS REINALDO*
O uso abusivo de drogas é
um fenômeno que afeta a todas
as classes sociais atingindo a
sociedade como um todo e exigindo políticas públicas e modalidades de intervenção rápidas e
eficientes, humanas e acolhedoras para os usuários e suas famílias. Neste artigo, apresenta-se
uma série histórica de políticas
públicas sobre álcool e outras
drogas, adotadas no Brasil, nos
últimos anos, com o objetivo de
discutir e analisar a sua importância para a formação de profissionais da saúde. Faz considerações sobre a importância de políticas públicas sobre álcool e outras drogas sintonizadas com a
formação dos profissionais de
saúde.
O uso de drogas é um fato tão
antigo quanto a própria humanidade
e o seu consumo deve ser encarado
como uma manifestação cultural e humana, afirma Gonçalves (2002). A história do uso de drogas em épocas,
culturas e sociedades diferentes revela que o ser humano tem buscado
nas drogas não só a obtenção do prazer, mas, também, a modificação intencional do estado de consciência
(Seidl, Costa, 2000). As drogas fazem
parte dos usos, hábitos e costumes
de diversas culturas e transitam no
imaginário social, fazendo parte de
magias, rituais de prazer e até sanções que constituem os controles
sociais informais (Bizzoto, 1998). No
entanto, a vinculação a valores sociais nem sempre é consensual, pois
O Consultório de rua é uma importante ação da Prefeitura no campo da saúde pública
o próprio conceito de droga sofre alterações de acordo com momentos
e contextos históricos diferentes, o
que leva à necessidade de políticas
públicas concernentes aos contextos
sociais, políticos, econômicos e culturais complexos e dinâmicos.
O uso indevido de drogas tem
sido tratado, na atualidade, como
questão de saúde pública e como um
problema de ordem internacional que
afeta povos e nações. Seus efeitos
negativos afetam as pessoas no âmbito da vida pessoal e coletiva, nos
espaços micro e macro regional atingindo a estabilidade das estruturas
privadas e públicas, ameaçando valores políticos, econômicos, humanos
e culturais dos Estados e sociedades (Gonçalves, 2002).
*Professoras da Escola de Enfermagem da UFMG - doutoras na área de Saúde Mental.
20 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
O objetivo deste artigo é discutir
políticas públicas sobre álcool e outras drogas e analisar a sua importância para a formação de profissionais da saúde.
ASPECTOS HISTÓRICOS
E EPIDEMIOLÓGICOS
O consumo de álcool e de outras drogas cresce, em larga escala,
em todos os países do mundo. A Organização Mundial de Saúde (WHO,
2002) aponta que cerca de 10% das
populações dos centros urbanos de
todo mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas. Esse
dado independe da idade, sexo, nível
de instrução e poder aquisitivo, o que
sinaliza um fenômeno de ordem mun-
dial e que, portanto deve ser observado com atenção em relação ao seu
crescimento e comportamento na
sociedade. Esse fenômeno afeta a
todas as chamadas classes sociais,
atingindo a sociedade como um todo
e exigindo políticas públicas e modalidades de intervenção rápidas e eficientes, mas também humanas e
acolhedoras para as famílias afetadas
pelo problema, sem, contudo, atribuir
culpa ao usuário.
De forma direta ou indireta, o consumo excessivo de drogas contribui
para o crescimento dos gastos com
tratamento médico e internação hospitalar, para o aumento de índices de
acidentes de trabalho, de acidentes
de trânsito, de violência urbana, de
mortes prematuras e, ainda, para a
queda de produtividade dos trabalhadores. Afeta homens e mulheres, de
todos os grupos raciais e étnicos,
pobres e ricos, jovens, adultos e idosos, pessoas com ou sem instrução,
profissionais especializados ou sem
qualificação. Contribui para o aparecimento de depressão e distúrbios de
comportamento associados à dependência ou ao abuso de álcool e outras drogas, comportamento de risco
no âmbito sexual e, consequentemente, aumento dos casos de AIDS
e outras doenças, dependendo da via
de administração da droga (Carlini et
al. 2002).
Em 2005, o Centro Brasileiro de
Informação sobre Drogas Psicotrópicas realizou o II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil, um estudo envolvendo as 108 maiores cidades do País,
com o objetivo de estimar a prevalência do uso de drogas psicotrópicas,
lícitas e ilícitas, além de esteróides
anabolizantes. Em relação à prevalência do uso de qualquer droga psicotrópica, houve bastante variação,
tanto em relação ao sexo como à faixa etária estudada. Verificou-se que
22,8% dos entrevistados haviam usado algum tipo de droga, pelo menos
uma vez na vida, o que corresponde
a uma população estimada de aproximadamente 11.603.000 pessoas.
Embora o crack cause maior impacto sobre a vida do usuário que se torna dependente desta droga, o uso
diário de álcool, maconha e cocaína
foi considerado um risco grave à quase totalidade da amostra, independente do sexo, da faixa etária e da
região geográfica. O uso de drogas
não atinge de maneira uniforme a população e sua distribuição é distinta
nas diferentes regiões do País. Quanto ao padrão de consumo, vias de utilização e escolha do produto há diferenças em uma mesma região, o que,
por si só, se apresenta como um desafio para o setor saúde.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Políticas públicas no campo da
assistência a usuários de álcool e outras drogas vem ganhando importância cada vez maior, acompanhando a
tendência de aumento do consumo e
dos consequentes problemas que afetam a população.
A reorientação da política de saúde mental e da atenção psiquiátrica
em direção à atenção primária, juntamente com outras diretrizes na
Reforma Psiquiátrica em curso, foi
uma estratégia fundamental para se
alcançar o propósito de estender os
benefícios de ações em saúde mental a toda a população que deles necessite, incluindo os usuários de álcool e outras drogas. A partir da reformulação político-jurídica e assistencial promovida pela Reforma, fica patente a necessidade de estreitamento de laços entre os dispositivos de
saúde, favorecendo estratégias de
ação em rede que visem à prevenção
e ao tratamento do uso abusivo e da
dependência de substâncias psicoativas. (Brasil, 2001a).
Trata-se de um momento histórico, onde se observa um esforço concentrado das agências públicas no
sentido de elaboração de políticas capazes de dar respostas mais condizentes com as necessidades reais
da população e com os princípios de
uma atenção psicossocial integral, interdisciplinar e comunitária.
As atuais mudanças favoreceram
a criação de serviços e a proposição
de ações mais eficientes e coerentes com o desenvolvimento de uma
rede de atenção básica, porta de entrada prioritária para o Sistema Único de Saúde (SUS), sem, no entan-
to, prescindir de outros dispositivos
específicos e especializados de saúde mental de modo a potencializar os
recursos existentes na rede de saúde e no território onde vivem as pessoas.
Dispositivos estratégicos desta
rede são os Centros de Atenção Psicossocial para Atendimentos de pacientes com dependência ou uso prejudicial de álcool e outras drogas
(CAPS - Ad), implantados em grandes regiões (Brasil, 2003). A criação,
ampliação ou resignificação de dispositivos para abordagem de problemas relacionados ao álcool e outras
drogas que auxiliem na conformação
e no estabelecimento dessa rede,
que se quer complexa, múltipla, democrática e territorial, demonstra a
preocupação das políticas de saúde
com o fenômeno das drogas, em especial com o emergente problema da
expansão do crack.
Ações importantes passam a ter
destaque na implementação de dispositivos comunitários nos estados e
municípios, sendo incentivadas as iniciativas no âmbito da atenção primária, articulada com as redes de suporte social, de que é exemplo a implementação de assistência de urgência e emergência nos hospitais gerais que possibilitem o suporte e retaguarda aos usuários de álcool e
outras drogas atendidos na rede (Brasil, 2005).
Importante passo no sentido da
remodelagem das ações de saúde
para a área álcool e drogas foi a Portaria 2.197/GM de 14 de outubro de
2004, que redefiniu e ampliou a atenção integral para usuários de álcool
e outras drogas, no âmbito do SUS.
A Política do Ministério da Saúde para
a atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, por sua vez,
reforça que ações de caráter terapêutico, preventivo, educativo e reabilitador, direcionadas a pessoas que fazem uso de substância psicoativa,
devem ser realizadas na comunidade, por meio dos dispositivos de atenção primária (Brasil, 2004; Brasil,
2003).
Exemplos de ações nessa direção foi a criação dos Núcleos de
Apoio à Saúde da Família - Modalidade 3, com prioridade para usuários
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
21
As equipes dos
Consultórios de Rua,
em Belo Horizonte,
realizam serviços
extra-hospitalares para
a população afetada,
articulada à rede de
atenção psicossocial
de crack, álcool e outras drogas; o
Plano Emergencial do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e
outras Drogas no Sistema Único de
Saúde (2009-2011); o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas - todos em conformidade
com a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, em vigor desde 2004. (Brasil, 2010a; Brasil, 2009, Brasil, 2010b).
PLANO EMERGENCIAL
As ações do Plano Emergencial
de ampliação do acesso ao tratamento e prevenção em Álcool e outras
Drogas (PEAD), estabelecido pelo
Ministério da Saúde em Maio de
2009, se orientam pelas seguintes diretrizes gerais: direito ao tratamento;
redução da lacuna assistencial; respeito e promoção dos direitos humanos e da inclusão social; enfrentamento do estigma; garantia de acesso a um tratamento de eficácia comprovada; reconhecimento dos determinantes sociais de vulnerabilidade,
risco e padrões de consumo; garantia do cuidado em rede, no território,
e de atenção de base comunitária;
priorização de ações para crianças,
adolescentes e jovens em situações
de vulnerabilidade; enfoque intersetorial; qualificação das redes de saúde; adoção da estratégia de redução
de danos (Brasil, 2009).
Pensando nessas ações é importante nos reportarmos, também,
à Norma Operacional da Assistência
à Saúde, 01/2001, editada pelo Ministério da Saúde, que determina que
o cidadão deva ter acesso, em terri-
tório o mais próximo possível de sua
residência, "a um conjunto de ações
e serviços vinculados às responsabilidades mínimas, entre os quais o tratamento dos distúrbios mentais e
psicossociais mais freqüentes" (Brasil, 2001). O Programa Nacional de
Atenção Comunitária Integrada aos
Usuários de Álcool e outras Drogas
propõe um novo olhar frente à diversidade sócio-demográfica da população e da variação da incidência de
transtornos causados pelo uso abusivo ou pela dependência de álcool e
outras drogas. O programa organiza
ações de promoção, prevenção e proteção à saúde e educação das pessoas que fazem uso dessas substâncias. Estabelece, ainda, uma rede
estratégica de serviços extra-hospitalares para a população afetada, articulada à rede de atenção psicossocial e fundada na abordagem de redução de danos (Brasil, 2002).
A configuração dos dispositivos
existentes e a cobertura do território
ainda é mal conhecida. Também em
termos de formação para a atuação
na área, encontramos uma enorme
fragmentação, quando não um verdadeiro vácuo, no conteúdo dos cursos de graduação em saúde, responsáveis por formar os profissionais para
a rede. Algumas boas experiências,
de que se tem conhecimento (Pillon,
2003; Barros, Pillon, 2007) poderiam
ser mais divulgadas e suas práticas
compartilhadas com setores acadêmicos e de serviço em processos
menos desenvolvidos, tanto em conteúdos formais quanto em práticas
acadêmicas extensionistas e comunitárias.
22 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
Outra iniciativa importante do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) foi o lançamento de editais para
o Programa Ensino e Trabalho (PETSaúde Mental), em 2010, e para projeto de implantação de centros regionais de referência para formação permanente dos profissionais que atuam nas redes de atenção integral à
saúde e de assistência social com
usuários de crack e outras drogas e
seus familiares.
O PET- Saúde Mental vem permitindo às escolas participantes, desenvolver ensino articulado aos serviços, com bases práticas, contribuindo para mudanças significativas na
formação dos profissionais dos serviços e dos alunos, como as que vem
ocorrendo em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo
Horizonte.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Os centros regionais de referência para formação permanente dos
profissionais, em implantação em
todo o País, vêm possibilitando iniciar e consolidar parcerias entre serviços e universidades com vista à expansão das redes de atenção integral à saúde e de assistência social
com usuários de crack e outras drogas e seus familiares.
Profissionais preparados para
oferecer práticas transformadoras efetivas, com competência técnica, compromisso social e capacidade para o
cuidado ao usuário de álcool e outras drogas, ainda estão pouco disponíveis no mercado de trabalho
(Gonçalves, 2002). A formação de profissionais na área da saúde ainda não
está em acordo com as necessidades da população, pouco tem articulado a educação e saúde, promoção,
prevenção e reabilitação. As instituições formadoras de profissionais da
área da saúde necessitam uma reorganização dos conteúdos teóricos e
das práticas, incorporando criativamente os avanços técnico-científicos
às bases teóricas e empíricas de
cada contexto, social, cultural, em
particular, e epidemiológico. Para
operacionalizar essas mudanças,
Gonçalves (2002), aponta que a for-
mação de profissionais deve pautarse em experiências baseadas na interdisciplinaridade, fundamental para
as trocas de saberes e práticas que
não aprisionam o processo de trabalho em estruturas rígidas. Ao contrário, valoriza o potencial criativo e as
competências de cada integrante da
equipe. A educação formal sobre o
uso de drogas e suas consequências apresenta limitações (Pillon,
2003). Para oferecer serviços com
qualidade e compatíveis com a realidade, o profissional de saúde deve
estar preparado para atender às mudanças geradas nas necessidades de
saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Políticas públicas sobre álcool e outras drogas vêm buscando
se adaptar à nova realidade e, entre
outros pontos, sinalizam para a necessidade de repensar as terapêuticas empregadas, a forma de abordagem e tratamento e o modo de ver o
usuário de substâncias psicoativas.
Isso passa pela reformulação da educação e da formação dos profissionais de saúde. Como se trata de políticas públicas em fase de implantação, considera-se importante a sua
divulgação e discussão, buscando
não os consensos, mas, sim, o debate que contribua para a produção
de conhecimentos pertinentes e afinados com essas políticas
São necessárias políticas públicas coesas, que garantam o acesso
a serviços de atenção aos usuários
de álcool e outras drogas, e que ofereçam educação, treinamento e capacitação para profissionais de saúde sobre abordagem interdisciplinar
capaz de avanços no sentido de encontrar referências abrangentes e
compreensivas. Tal abordagem deve
possibilitar o entendimento da complexidade dos problemas relacionados ao consumo abusivo de drogas.
Desta forma, abrangendo o contexto
socioeconômico e cultural na realidade concreta do usuário, buscando a
superação dos discursos teóricos e
ideológicos dominantes. A abordagem
sobre o abuso de drogas não deve
ter o propósito simplista de procurar
culpados. Ao contrário, devem ser
buscados suportes mútuos e cooperação entre escola, família, polícia, usuários, comunidade e todas as áreas das
ciências da saúde, no sentido de diminuir a oferta e a demanda
Abstract
Drug abuse is a phenomenon that
affects all social classes reaching society as a whole and demanding public
policies and faster, efficient, humane
and friendly intervention arrangements
to drug users and their families. In this
paper, we present a series of historic
public policies on alcohol and other
drugs, adopted in Brazil in recent years, aiming to discuss and analyze their
importance to the training of health professionals. It also presents considerations about the public policies importance on alcohol and other drugs
in tune with the health professionals
training.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIZZOTO, A.G. Prevenção que inculca o mal
estar. In: Saídas para a toxicomania: jornada
de trabalho do centro mineiro de toxicomania, 11, 1998, Belo Horizonte. Anais... Belo
Horizonte, FHEMIG, 1998. p.117-120.
GONÇALVES, A.M. Cuidados diante do abuso e da dependência de drogas: um desafio
da prática do programa saúde da família.
2002. 209p.Tese Doutorado em Enfermagem
Psiquiátrica Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, 2002.
BARROS, M.A.; PILLON, S.C. Assistência aos
usuários de drogas: a visão dos profissionais
do programa saúde da família. Rev. Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun;
15(2):261-6.
BRASIL. Portaria n° 2.843, de 20 de setembro de 2010a.
BRASIL. Decreto n° 7.179, de 20 de maio de
2010b. Institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cria o seu
Comitê Gestor, e dá outras providências.
BRASIL. Ministério da Saúde. Plano Emergencial de ampliação do acesso ao tratamento e prevenção em Álcool e outras Drogas
(PEAD). Brasília: Junho, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Atenção à Saúde. A política do Ministério da
Saúde para Atenção Integral a usuários de
álcool e outras Drogas, Brasília. Ministério
da Saúde. 2006.
BRASIL. Portaria GM/MS Nº 2.197, de 14 de
outubro de 2004. Redefine e amplia a atenção integral para usuários de álcool e outras
drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/Aids.
A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras
drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
BRASIL. Portaria n.º 816/GM. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e Outras Drogas
Em 30 de abril de 2003.
Brasil. Lei n° 10.218, de 6 de abril de 2001.
Política Nacional da Saúde Mental. Dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental,
2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Assistência à Saúde. Regionalização da assistência à saúde: aprofundando a descentralização com eqüidade no acesso: Norma
Operacional da Assistência à Saúde: NOASSUS 01/01 e Portaria MS/GM n.o 95, de 26
de janeiro de 2001 e regulamentação complementar / Ministério da Saúde, Secretaria
de Assistência à Saúde. - Brasília: Ministério
da Saúde, 2001.
CARLINI, E.A. et. al. I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no
Brasil -CEBRID - Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Sobre Drogas Psicotrópicas : UNIFESP - Universidade Federal de
São Paulo, 2002.
PILLON, S.C. O uso de álcool na educação
formal dos enfermeiros. 2003. 91p. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Paulista de
Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2003.
SEIDL, E.M.F.; COSTA, L.F. As drogas na atualidade. In: SEIDL, E.M.F. (Org.). Prevenção
ao uso indevido de drogas: diga sim à vida.
Brasília: CEAD/UnB, 2000. v.1, p.15-22.
WORLD HEALTH ORGANISATION (WHO). Reducing Risks, promoting healthy life. The
World Health Report. Geneva, 2002.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
23
O Co
l
seus etivo Fam
ília d
integ
grup
e
r
o f o antes se Rua, co
rmad
mo o
acre
d
efine
di
s
o
d a s tam na e p o r a m m, “é um
s
i
s
m
g
ê
o
anife
ncia
urba
da c s q u e
st
n
ultur
na p as. Para a ç õ e s
ae
ta
ro
a
do S moção d nto, trab r t í s t i c a
a
s
k
a cu
lha fo
pres ate em s
l
erva
eus tura Hip cado
m
n
H
força
do a
oldes
op e
de v presente persona originais
s na
ida d
lidad
,
e
rua,
arte
aque
co
e no e a
l
D e e tidianam es que
estilo
re
e
e
( m e s J u n i n nte.” Os spiram
a
Bum
DJs
tres
R
Valen
B
tim, d e c e r i e p , o s oger
Thia
prod
go M m ô n i a s ) M C s
u
onge
jorna tor cultur
PDR
al
li
e
o gru sta Ludm Rafael L Ozléo,
o
a
p
i
2 0 0 7 o que s la Ribeir cerda e
urgiu
a
o int
c
o
e
mo
dese
em m
gram
n
f
que, volvido p r u t o d o eados d
e
e
a
Gam o lado lo “Duel t r a b a l h
o de
o
do "
e of S
Fa
M
proje
kate"
tos.
, são mília de Cs",
seus
R
princ ua
ipais
Especial/Não às drogas
Uso de drogas na adolescência:
interfaces entre sistema de justiça
e sistema de proteção
CÍNTIA MARIA OLIVEIRA DE LUCENA*
SELMARA MAMEDE S. FERREIRA**
Este artigo tem como
objetivo debater as relações entre o sistema de
justiça e as políticas de
proteção (saúde, educação e assistência social),
destinadas a adolescentes em conflito com a lei,
usuários de drogas, no
município de Belo Horizonte. O texto parte da
premissa de que a questão deve ser orientada
pelo princípio da proteção
integral a crianças e adolescentes, adotado pela
legislação brasileira. Ao final, apresenta algumas sugestões para a formulação
de políticas públicas que
assegurem à criança e ao
adolescente a satisfação
dos seus direitos.
1- Introdução: uso abusivo de álcool e outras drogas no contexto
urbano
No Brasil, o uso abusivo de
substâncias psicoativas tem ocupado a pauta recente de debates públicos, incitando diversos atores sociais a debruçar-se sobre a questão e
construir alternativas de intervenção.
As políticas propostas apresentamse como "ações de enfrentamento",
direcionadas a substâncias ilícitas
específicas, como é o caso do crack. A apropriação midiática e as leituras que caracterizam o fenômeno
como "epidemia" têm confrontado
posicionamentos diversos sobre a
abordagem e tratamento da questão:
de um lado, aqueles pautados nos
princípios da reforma psiquiátrica, de
outro, aqueles que propõem respostas segregacionistas. Sua caracterização tem associado imagens estereotipadas e, em geral, negativas, aos
usuários, o que reforça sua estigmatização e isolamento em territórios
urbanos segregados. Esse cenário
coloca o tema na agenda e nos convoca a evidenciar as concepções norteadoras de nossas práticas, para
problematizá-las, à luz do que o fenômeno nos apresenta em sua complexidade.
A literatura aponta a construção
histórica e social do fenômeno do uso
de drogas, tanto no que diz respeito
aos significados atribuídos, às suas
formas de uso e funções sociais,
quanto à tolerância moral e institucional a determinadas substâncias (ROMANI, 2007; MEDEIROS, 2008; MEDEIROS E SAPORI, 2010). Nesta lógica, a licitude e ilicitude do uso de
drogas são também construções sociais, que conformam respostas institucionais, expressas em arcabouços normativos e políticas públicas,
cujas ações dirigem-se, especialmente, àqueles que fazem uso abusivo
dessas substâncias. No esteio dessas construções, o discurso médico
e o discurso jurídico modalizaram interpretações e intervenções pautadas
na associação do uso abusivo ao ado-
ecimento ou à transgressão legal, com
ênfases distintas, ora no indivíduo, ora
na substância.
Considerar este fenômeno como
uma construção social não significa
negar-lhe realidade, nem tampouco
desconsiderar sua gravidade, especialmente no contexto da sociedade
contemporânea. Ao contrário, reconhecer sua complexidade nos fornece relevantes subsídios para superar
disputas ideológicas, que se travam
no campo discursivo. O engajamento
político foi fundamental para superar
modelos de intervenção pautados na
segregação, e propiciar atenção cidadã a pacientes psiquiátricos e usuários de substâncias psicoativas. Diante da realidade que se impõe a
cada ponto da rede de atenção, seja
no âmbito da saúde, seja na assistência social ou no sistema de justiça, cabe-nos ao menos a oferta da
escuta e a problematização, para que
as questões sejam identificadas, a
demanda seja dimensionada e acolhida e as intervenções necessárias
construídas.
Pesquisas realizadas sobre esta
temática apresentam um quadro sobre o uso de substâncias psicoativas, tanto lícitas quanto ilícitas, em
diversas cidades brasileiras, na última década (CEBRID, 2001; CEBRID,
2006). Estudo realizado pelo CEBRID
em 2005 apontou que maconha e solventes figuram dentre as drogas ilícitas mais utilizadas (uso na vida). Contudo, o uso de substâncias lícitas,
como álcool e tabaco, prevalece dentre aqueles que relataram já ter feito
uso na vida e uso recente (nos últimos 30 dias).
* Promotora de Justiça da Infância e da Juventude. Especialista em Direito Sanitário, pela UNB/Ministério da Saúde. Especialista em Saúde da Criança e do
Adolescente, pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
**Psicóloga - Analista do Ministério Público. Especialista em Políticas Públicas para Juventude, pela PUC-MINAS.
26 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
Essa prevalência é observada
também em pesquisas realizadas
com o público adolescente (12 a 17
anos), em relação ao uso na vida. Em
2001, ano do primeiro levantamento
nacional sobre uso de drogas psicotrópicas realizado pelo CEBRID,
48,3% dos entrevistados nessa faixa
etária relataram ter feito uso de álcool na vida, percentual que subiu para
54,3% dos entrevistados, no segundo levantamento, feito em 2005 (CEBRID, 2006, p. 310).
Embora seja de extrema importância dimensionar a incidência do
uso de drogas em determinada população, com o intuito de configurar
a demanda de atendimento por políticas públicas, outras abordagens de
natureza compreensiva e qualitativa
se fazem necessárias, a fim de identificar outras dimensões relevantes
associadas ao fenômeno. Sob uma
perspectiva sociocultural, estudos
recentes têm abordado o fenômeno
uso de drogas a partir da tríade indivíduo-substância-contexto, modelo interpretativo que permite compreender
os significados atribuídos pelo sujeito à substância, bem como a rede de
interações sociais estabelecida em
torno do acesso e do uso de drogas.
(MEDEIROS, 2008; TRAD, 2010).
De acordo com Romaní (2007):
(…) quando falamos de drogadependência, não falamos somente, ou principalmente, dos efeitos farmacológicos de uma - ou
várias - substâncias sobre um indivíduo, e sim de um conjunto articulado (constructo sociocultural) de
processos de identificação, de
construção do eu, de estratégias
de interação e de negociação de
papéis, etc. Enfim, de todo um
emaranhado dinâmico que, junto
com muitos outros elementos relacionais, psicológicos e culturais,
contribui para a construção do sujeito e através das quais este orienta sua existência, ainda que nestes casos seja através de conflitos básicos de sua vida. (pág. 20.
Tradução das autoras).
Essas redes de relações traçam
um circuito pela cidade, criando territórios de sentido, nos quais usuários
se encontram, passam ou se fixam,
para trocas, acesso facilitado às dro-
gas, bem como para usos compartilhados, geralmente em locais degradados, aos quais são atribuídas imagens sociais negativas e estigmatizadas. Esta dinâmica é observada
especialmente no que diz respeito às
drogas ilícitas, como o crack. As chamadas "cracolândias" representam
esses espaços de concentração de
usuários em torno do uso da droga
(MEDEIROS, 2010). Fernandes
(2000) classifica esses espaços urbanos como "territórios psicotrópicos", definindo-os como territórios
simbólicos: "lugar de onde emerge e
se difunde o rumor cotidiano do 'mundo da droga' (...), espaço de atualização das imagens culturais negativas
das drogas". (pág. 58).
Neste sentido, compreender o
universo relacional e simbólico dos
usuários, bem como as redes que se
tecem cotidianamente no circuito de
acesso e uso da droga no contexto
urbano fornece elementos fundamentais para traçar intervenções que possibilitem o encontro com o usuário,
com seu universo de sentidos e práticas singulares, e, a partir das possibilidades abertas por esse encontro, a
redução dos agravos associados a
esta condição.
Embora os estudos apontem a
incidência maior do uso de álcool e
tabaco, há que se reconhecer a importância de compreender as implicações do uso de drogas ilícitas, como
o crack, que têm se configurado como
problema social, especialmente nos
grandes centros urbanos. De acordo
com Medeiros (2008):
"O uso do crack - substância
ilícita na sociedade brasileira,
mais do que o álcool - coloca o
paciente numa situação de risco
constante, no que concerne à vulnerabilidade, às ameaças, aos lugares marginais que frequenta para
a compra e o uso da droga, ao
código de regras e normas estabelecidas, o modelo criminalizador
da droga, ao valor simbólico atribuído, à relação com os comerciantes da referida substância e o
lucro embutido na mercadoria"
(pág. 108).
Em estudo sobre o uso de crack, recentemente realizado em Belo
Horizonte, Sapori e Medeiros (2010)
ressaltam que, apesar da heterogeneidade dos usuários de crack e de
formas de uso da droga, há aspectos
comumente vivenciados por aqueles
que fazem uso abusivo, ou seja, aqueles para os quais a droga assumiu
uma posição de centralidade tal que
permanecem a maior parte do tempo
nos territórios de acesso à droga, em
uso continuado, abandonando outros
laços de trabalho, escola, família. Os
recursos financeiros são consumidos
para acessar a droga. Não é raro o
endividamento com traficantes, com
o conseqüente risco à vida, decorrente da cobrança pelas dívidas contraídas. Alguns se envolvem na prática
de delitos, meio de acessar recursos
para custear o uso, especialmente
quando outras fontes de financiá-lo já
não se tornam possíveis. A interface
com o sistema de justiça é uma
constante, especialmente para esses usuários.
2 - O adolescente neste cenário
Como o público adolescente se
insere nesse cenário? Embora não
possamos inicialmente estabelecer
associações causais entre uso de
substâncias psicoativas lícitas e ilícitas e o cometimento de atos infracionais, dados colhidos junto a adolescentes em conflito com a lei indicam um índice significativo de concomitância dos dois fenômenos: estudo realizado pelo IPEA (SILVA e
GUERESI, 2002), apontou que 85,6%
dos adolescentes privados de liberdade no Brasil eram usuários de drogas antes da internação, sendo as
drogas mais citadas a maconha
(67,1%), o álcool (32,4%), a cocaína/crack (31,3%) e os inalantes
(22,6%). Ainda que não seja especificado o tipo de uso (esporádico, continuado, abusivo), esses dados são
relevantes, uma vez considerada sua
associação com a entrada do adolescente no sistema socioeducativo
e sua trajetória infracional. Requerem
a busca de informações outras, por
meio de escuta qualificada, que nos
possibilitem apontar alternativas diversificadas de intervenção e assegurar tratamento àqueles que dele
necessitem.
Em Belo Horizonte, a implantação do Centro Integrado de Atendi-
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
27
mento ao Adolescente Autor de Ato
Infracional (CIA), em 2008, concretizou arranjos administrativos e gerenciais que conferiram celeridade à apuração de atos infracionais cometidos
por adolescentes e a aplicação das
medidas socioeducativas e protetivas
pertinentes, conforme preconiza o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao integrar, em uma mesma estrutura institucional, Polícia Civil, Polícia Militar, Defensoria Pública, Ministério Público, Vara Infracional, Secretaria de Estado de Defesa Social
e, mais recentemente, a Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, o CIA
favoreceu o desenvolvimento de
ações interinstitucionais que concorrem para ampliar o acesso de adolescentes aos direitos fundamentais
previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente, além de possibilitar a
sistematização de dados e informações sobre a prática de atos infracionais por adolescentes em Belo Horizonte e fatores associados a essa
trajetória.
Em Relatório Estatístico publicado em 2011, foi constatada, entre os
adolescentes atendidos no Centro Integrado, a significativa ocorrência de
uso de álcool e outras drogas. De
acordo com o referido Relatório, em
2010, passaram pelo CIA, 6.760 adolescentes. De 3.100 entrevistados,
somente 8,3% informaram que não
usam drogas. No que diz respeito ao
tipo de droga utilizada, a maior incidência é de uso de álcool (73,6% dos
entrevistados) e tabaco (64,5%);
66,0% reportaram consumo de maconha; 33,5%, de cocaína; 31,2%,
uso de solventes; 4,9%, uso de crack e 2,2%, uso de psicofármicos.
(TJMG/CIA, 2011).
Mais uma vez, tomamos os dados como indicativos, que nos apontam uma associação entre uso e cometimento de atos infracionais, sem,
contudo, permitir inferir qualquer relação de causalidade entre ambos.
Além disso, os dados não qualificam
o padrão de uso. Embora esse levantamento não nos permita tirar certas
conclusões sobre o fenômeno, por
outro lado, impõe-nos investigações
complementares que avaliem as circunstâncias, frequência e implicações do uso de substâncias psicoativas para os adolescentes e proponham intervenções adequadas, seja
de cunho preventivo, seja terapêutico. O que não podemos fazer é ignorar essa realidade, sob o precipitado
argumento de que os dados retratam
uma demanda superdimensionada ou
"inexistente". Ao contrário, deve, pelo
exercício ético imposto pela doutrina
da proteção integral, colocar-nos em
trabalho, de escuta e acolhimento, prioritariamente para a identificação de
casos em que se configure o uso abusivo de substâncias psicoativas.
No intuito de qualificar a demanda e reunir subsídios para realização
de suas atribuições, o Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, iniciou, em 2011, o acompanhamento
sistemático de adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade1 em
Belo Horizonte, que apresentam histórico de uso abusivo de álcool e outras drogas. A partir de uma abordagem qualitativa, foi possível conhecer
a trajetória dos adolescentes e de
seus familiares pela rede, bem como
identificar dimensões sobre o fenômeno, relevantes para subsidiar sua compreensão e a construção de intervenções assertivas.
Destacamos, inicialmente, que o
primeiro foco da intervenção foi a identificação dos casos, para, a partir de
então, construir seu endereçamento
implicado à rede de serviços de saúde e assistência social do Município.
A reconstrução da trajetória dos casos analisados demonstrou que o
adolescente é identificado pela rede
em momentos críticos, os quais envolvem riscos diversos. Nessas situações, o adolescente torna-se visível,
seja pelo excesso inscrito no corpo
(casos de urgência clínica por situações de violência, intoxicação agu-
1
da, ou agravos clínicos diversos), seja
pela transgressão à lei. Foi observado, em muitos dos casos acompanhados, o progressivo agravamento
dos atos infracionais cometidos, alguns deles com a consequente aplicação de medidas restritivas de liberdade. Os atos infracionais, não raro,
associam-se ao circuito de acesso
a recursos de forma ilícita, justificados para compra de drogas para
consumo.
Alguns casos apresentam longa
trajetória inscrita na rede local de
atendimento - Conselhos Tutelares,
serviços de proteção social básica e
especial (CRAS e CREAS/PAEFI2),
rede de atenção básica da saúde
(PSF, Centros de Saúde e Distritos
Sanitários). Uma vez identificado o
uso abusivo de álcool e outras drogas, o Centro de Referência em Saúde Mental Infantil (CERSAMi), localizado na Regional Noroeste, é apresentado pela Secretaria Municipal de
Saúde para referenciamento dos casos que requerem modalidades de
atenção intensiva e continuada. Atualmente, o serviço referencia quatro das nove Regionais de Belo Horizonte.
Observamos que os casos de
uso abusivo de drogas apresentam,
guardadas as especificidades, a convergência de diversos fatores de risco e vulnerabilidade, como a fragilização de laços familiares, evasão
escolar, trajetória de permanência
periódica ou de vida nas ruas, envolvimento em situações de ameaça de
morte e conflitos violentos com
agentes do tráfico de drogas, dentre outros.
A relação com os espaços urbanos e a constituição de territórios de
circulação e permanência foram identificadas como elementos fundamentais para a construção de estratégias
de abordagem aos adolescentes
usuários de drogas pelos serviços de
assistência social e saúde. Ainda que
de forma preliminar, a análise dos casos acompanhados, baseada nos relatos de técnicos e familiares, nos
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 112, a aplicação das seguintes medidas socioeducativas, uma vez verificada a prática de ato
infracional por adolescente: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V- inserção em regime
de semiliberdade; V - internação em estabelecimento educacional.
2
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS); Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).
28 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
aponta padrões de movimento dos
adolescentes na cidade, associado
ao acesso e uso de drogas. A circulação por territórios vizinhos ao local
de moradia, neste caso, a rede de
sociabilidade construída pelo adolescente, ocupa um papel fundamental
no uso compartilhado da droga e no
cometimento de atos infracionais, em
sua maioria, associados ao tráfico de
drogas. Trata-se de adolescentes que
se deslocam em torno de sua vizinhança para fazer uso da droga e retornam para casa, de forma rotineira.
Outro movimento observado foi a
alternância entre períodos mais prolongados de permanência em territórios de uso e acesso facilitado às drogas, como, por exemplo, a Pedreira
Prado Lopes, e a moradia. São adolescentes que permanecem até uma
semana no local de uso, segundo os
familiares, em uso continuado de drogas, e retornam para casa, para se
alimentar e descansar um pouco, em
seguida repetindo esse movimento.
Por fim, figuram, dentre os casos acompanhados, adolescentes
que associam a trajetória de vida nas
ruas ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Em geral, são adolescentes que contam com vínculos familiares fragilizados, com longo histórico de permanência nas ruas, o que
acarreta a circulação periódica pelos
serviços de acolhimento institucional.
Considerando-se sua baixa adesão tanto aos serviços de execução
de medidas socioeducativas, quanto
aos serviços locais de proteção e
cuidado, a identificação de pontos de
escuta e referenciamento desses adolescentes na rede torna-se fundamental. São meninos e meninas atendidos em diversos momentos de sua
vida, como reportado acima, por vários equipamentos e serviços. Destacamos, especialmente, o Centro de
Referência de Crianças e Adolescentes (antigo Miguilim), que constitui
ponto fundamental da rede municipal
para o estabelecimento de laços com
os adolescentes, locus privilegiado
para intervenções protetivas que
promovam seu encaminhamento aos
serviços de tratamento. A construção
do caso pelo Centro de Referência
permite, ainda, reunir informações
relevantes sobre as redes de intera-
ções construídas pelos adolescentes
e uma aproximação maior ao universo de sentidos e significações que
atribuem à rua e às substâncias de
que fazem uso recorrente. Favorece,
assim, a apropriação da dimensão
contextual do envolvimento dos adolescentes com o uso de drogas, dimensão essencial para compreender
o fenômeno, além das relações indivíduo-substância.
3- Respostas Institucionais
3.1 - Princípio da prioridade absoluta
Quando na Assembleia Nacional
Constituinte, mediante emenda popular com mais de dois milhões de assinaturas, inscreveu-se como máxima o princípio do "superior interesse
da criança", contida nos documentos
internacionais, o legislador constituinte determinou que o atendimento
dos interesses da infância e juventude ocorressem com absoluta prioridade (art. 227, da Constituição Federal), traduzindo-se em regra para o
Estado, família e sociedade, de maneira preferencial, na formulação e
execução de políticas públicas capazes de garantir às crianças e adolescentes proteção integral (isto é, a
possibilidade do exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana
e, também, daqueles especiais e inerentes à condição de pessoas em
peculiar fase de desenvolvimento),
bem como, identicamente de forma
privilegiada, destinar os recursos necessários à consecução dos programas e ações estabelecidos em favor
de tal população (art. 4.º, do ECA).
E é claro que, diante de um contexto de desassistência e abandono,
experimentado pela grande maioria
das crianças e adolescentes brasileiros, pretendia-se (e pretende-se)
que o comando da Constituição Federal não permanecesse mera declaração retórica, exortação moral, singelo conselho ao administrador, fazendo surgir para o Sistema de Justiça, através dos seus Promotores de
Justiça, Juízes de Direitos, Defensores, Conselheiros Tutelares, o dever
constitucional de promover e assegurar a execução dos direitos e garantias de crianças e adolescentes.
No campo da Saúde Mental, cha-
ma a atenção a desassistência do
público infantojuvenil, no que diz respeito ao tratamento ofertado para
aqueles que fazem uso abusivo de
drogas. Diuturnamente, a Justiça Infracional de Belo Horizonte vem procurando alternativas de enfrentamento e transformação, balizadas na Ética, nos Direitos Humanos, nas normativas do SUS, a fim de se assegurar a cidadania e recuperação da dignidade de adolescentes em situação
de uso de drogas, mas com sucessos pontuais, vez que o aparato disponibilizado pela rede de saúde não
está estruturado e qualificado para
respostas eficientes e rápidas, capazes de abarcar as especificidades do
público infantojuvenil.
Ressaltamos que o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) ordenamento normativo
que orienta as intervenções socioeducativas, propõe uma intervenção articulada, sob a diretriz da atenção integral a adolescentes em conflito com
a lei. Esta articulação envolve diferentes sistemas - de justiça, de garantia
de direitos, de saúde, educação e assistência social - por meio de intervenções ordenadas segundo dois eixos - a responsabilização e a proteção, em consonância com a garantia
dos direitos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
No que tange à atenção ao adolescente em conflito com a lei que
apresenta envolvimento com uso abusivo de álcool e outras drogas, a integração entre o sistema de justiça e o
sistema de saúde se faz necessária,
sem prejuízo das articulações com
outros sistemas, como a assistência social, em ações coordenadas
em rede.
O Ministério Público tem papel
fundamental na garantia de direitos e
na transformação de situações críticas como essas que acometem crianças e adolescentes em uso abusivo de álcool e drogas. Além de cuidar
da legalidade e dignidade dos serviços destinados ao tratamento de crianças e adolescentes drogadictos, é
papel do Ministério Público, em parceria com familiares e responsáveis,
assegurar todas as modalidades de
tratamentos necessários à sua recuperação, articulando-se com profissi-
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
29
A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas propõe ações de abordagem e tratamento focadas na articulação entre a atenção
primária, serviços substitutivos e leitos de desintoxicação em hospitais gerais
onais de saúde, da assistência social e da sociedade civil organizada,
exigindo a formulação de políticas
públicas específicas e de serviços
voltados à reabilitação social, fomentando a criação de serviços substitutivos, tais como os CAPS, sem perder de vista que, para determinados
casos, faz-se imperiosa a internação
involuntária para desintoxicação,
mediante laudo médico circunstanciado, na forma e modo do preconizado pela Lei 10.216/01.
3.2 - A municipalização de políticas
públicas
O Sistema Único de Saúde
(SUS) foi organizado a partir da Lei
Orgânica de Saúde (LOS), isto é, a
Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1.990, que estabeleceu, em
seu art. 2.º, ser a saúde "um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu exercício". Segundo o art. 30, inciso VII, da Constituição Federal, e art. 18 da Lei 8.080/
90, é no Município que se devem
organizar as ações e serviços de
saúde, com colaboração técnica e
financeira da União e do respectivo
Estado, cabendo a este promover a
descentralização dos serviços para
o Município (Lei 8.080/90, art. 17,
inciso I).
Portanto, a Lei 8.080/90 estabelece as regras e condições para o funcionamento do Sistema Único de
Saúde em todo o território nacional,
disciplinando a forma de atuação de
cada esfera de governo (nacional, regional ou local) bem como a articulação das ações destas esferas entre
si e com a iniciativa privada, que atua
de forma complementar ao sistema
público de saúde. As competências
e atribuições de cada esfera de governo são explicitadas pelos artigos
15 a 19 da LOS. Pode-se perceber a
ênfase à descentralização que deve
ser observada pela União, em relação aos Estados e Municípios, nos
termos do inciso XV do art. 16, e desses em relação a estes, nos termos
do inciso I do art. 17. Por último, reza
o art. 18, inciso I, da mesma lei, que
ao Município cabe planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e
serviços de saúde de todo o gênero
levadas a efeito em seu território, gerindo e executando os serviços públicos de saúde neste mesmo local.
Mais uma vez, coloca-se que a responsabilidade pela execução dos
serviços públicos de saúde, ou seja,
quem presta efetivamente os serviços
de saúde ao cidadão é o Município.
Aliás, o controle dos prestadores de
serviços de saúde e da instalação
desses serviços em seu território é
do Município (arts. 15, XI, 18, I e 36
da LOS).
A Norma Operacional Básica/96
constitui-se num importante passo na
municipalização do atendimento pelo
SUS, pois busca promover e consolidar o pleno exercício, por parte do
30 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
poder público municipal, da função de
Gestor da atenção à saúde de seus
munícipes.
Como se vê, as diretrizes estabelecidas na Constituição Federal/88
e na legislação infraconstitucional
(LOS e NOB) nos conduz à certeza
de que o Município é o primeiro responsável pelo oferecimento dos serviços de saúde à população, especialmente, no que diz respeito às crianças e adolescentes, haja vista o
comando cogente inscrito no inciso
I, do art. 88 da Lei 8.069/90 (ECA),
que estabelece como diretriz da política de atendimento a sua municipalização.
A Política Nacional sobre Drogas
(BRASIL, 2005) e a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas (BRASIL, 2004), pautadas
pelos princípios da Lei 10.216, de
2001, propõem ações de abordagem
e tratamento focadas na articulação
entre a atenção primária, serviços
substitutivos (CAPS) e leitos de desintoxicação em hospitais gerais,
compondo uma rede diversificada de
atenção no âmbito da política de saúde, com foco no território. Essas orientações normativas reconhecem,
contudo, o caráter transversal deste
fenômeno, dispondo sobre a construção de intervenções intersetoriais,
envolvendo outras políticas, como a
educação e a assistência social.
Dispõem sobre a especificidade
do atendimento a crianças e adolescentes, prevendo equipamentos especializados na rede de serviços
substitutivos - CAPS-i, que, além da
oferta de abordagens terapêuticas,
devem também funcionar como ordenadores de rede na atenção aos pacientes com sofrimento mental no
âmbito municipal.
Considerações Finais
Deparamo-nos, no município de
Belo Horizonte, com uma rede de
atenção especializada para crianças
e adolescentes que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas ainda
em construção. Conferir visibilidade
aos adolescentes que apresentam a
confluência de diversos fatores de risco e vulnerabilidade, dentre eles o uso
abusivo de álcool e outras drogas,
tem possibilitado avaliar as propostas apresentadas até o momento e
seu alcance, frente à evidenciada
complexidade dos casos.
Ainda que em fase preliminar,
esta abordagem nos permite destacar quatro pontos que consideramos
fundamentais para a construção da
política municipal sobre drogas, com
atenção especializada a crianças e
adolescentes usuárias de álcool e
drogas:
1) Oferta diversificada de modalidades de tratamento, conforme preconizam as normativas do Ministério
da Saúde/SENAD, que favoreçam o
acesso de crianças e adolescentes
usuárias de álcool e outras drogas à
abordagem terapêutica e psicossocial adequada a cada caso. Essa oferta requer a implantação de novos serviços especializados para crianças e
adolescentes, ainda inexistentes no
município, bem como a ampliação da
rede de serviço substitutivo existente
(CERSAMi), a fim de favorecer o
acesso da população residente em
Regionais da Cidade hoje não referenciadas pelo CERSAMi Noroeste.
2) Fortalecimento de estratégias
e serviços de abordagem ao adolescente em seu território de circulação
e moradia, como o Consultório de
Rua e os serviços de abordagem à
população com trajetória de vida nas
ruas, da Assistência Social, pautados pelo estabelecimento de vínculo
e pela construção conjunta com o
adolescente de alternativas de proteção e redução de danos. É preciso
assegurar a articulação desses serviços aos equipamentos de tratamento (serviços substitutivos especializados) e serviços de acolhimento institucional, para garantir o referenciamento e a proteção para os casos
que assim o requererem, com a celeridade que a infância e a adolescência expostas a riscos requerem.
3) Criação de metodologias e ou
instâncias que promovam ordenamento da rede de serviços e equipamentos, em uma perspectiva intersetorial, para atenção coordenada às crianças e adolescentes que fazem uso
abusivo de álcool e outras drogas,
tanto no âmbito local quanto central.
4) Articulação continuada dos
serviços municipais de atenção ao
adolescente com o Sistema de Justiça, especialmente para aqueles que
apresentarem trajetória infracional, a
fim de promover a construção de intervenções ordenadas em rede. Os
pontos 3 e 4 requerem a construção
de um fluxo de informações que promova a aproximação entre os trâmites judiciais e administrativos, requeridos para aplicação e implementação de medidas socioeducativas e de
proteção, ao "tempo e movimento" do
adolescente na rede.
Dada a complexidade imposta
por estes casos, observamos ser a
construção dos casos em rede a metodologia que possibilita superar a
fragmentação e a descontinuidade
das intervenções. Permite, ainda, fortalecer pontos de escuta e vínculo
com o adolescente, o que é essencial para a adesão a abordagens terapêuticas e para a redução de fatores
de risco associados ao uso abusivo de
álcool e drogas por esta faixa etária.
A certeza é de que, interagindo
articuladamente com os segmentos
organizados da sociedade civil e cumprindo prioritariamente a tarefa de promoção dos direitos das crianças e
adolescentes, o Poder Judiciário, o
Ministério Público e a Defensoria Pública estarão colaborando decisivamente para que a Nação brasileira
venha a alcançar um dos seus objetivos fundamentais: o de instalar - a
partir das crianças e adolescentes uma sociedade livre, justa e solidária
Abstract
The present article has as main objective the analysis of the relations between the
justice system and the protection policies (health, education and social assistance) aimed
at transgressor adolescents and drug users
in Belo Horizonte, Brazil. The study is based
on the premise that the theme must be guided
by the principle of full protection of children
and adolescents, a principle adopted by Brazilian law. Finally, one presents some suggestions for public policy-making in order to ensure children and adolescents' rights.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Conselho Nacional Antidrogas (2005). Política Nacional Antidrogas. Resolução Nº3/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/enfrentandoocrack/
publicacoes/politica-nacional-sobre-drogas/view,>
Acessado em 13 de outubro de 2011.
BRASIL, Constituição (1988) Constituição Federativa da República do Brasil. 35. ed. São Paulo,
Saraiva, 2005.
BRASIL, Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental. Disponível em <http:/
/www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/
L10216.htm>. Acessado em 10 de outubro de 2011.
BRASIL, Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 20 set
1990; Seção 1:018055.
BRASIL, Lei nº 8069/1990. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Secretaria Especial dos Direitos Humanos/Presidência da República. 2010.
BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria GM/MS 2203,
de 06 de novembro de 1996. Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Saúde 1/96. 1997.
Disponível <http://siops.datasus.gov.br/Documentacao/NOB%2096.pdf>. Acessado em 10/10 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. SVS/CN-DST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários
de Álcool e outras Drogas/Ministério da Saúde.
2.ed. rev. ampl.- Brasília:Ministério da Saúde, 2004.
CEBRID. I Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2001 - CARLINI, E. A. (supervisão). São Paulo: Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, 2001.
CEBRID. II Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005 - CARLINI, E. A. (supervisão). São Paulo: Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP, 2006.
CONANDA, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE. Disponível em < http://
portal.mj.gov.br/sedh/ct/spdca/sinase/Sinase.pdf>.
Acessado em 10 de outubro de 2011.
FERNANDES, Luis. "Los territorios urbanos" de
las drogas: un concepto operativo. In: GRUP IGIA
Y colaboradores. Contextos, sujetos y drogas. Un
manual sobre drogadependecias. Barcelona. Fundación de ayuda contra la drogadicción, 2000.
MARQUES, A. C. Petta Roselli e CRUZ, Marcelo. O
adolescente e o uso de drogas. Revista Brasileira
de Psiquiatria, 2000; 22 - pag 32-36. Disponível
em<http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=
Acessado em 14 de outubro de 2011.
MEDEIROS, Regina e SAPORI, L. Flávio. Crack:
um desafio social. Belo Horizonte, Ed. PUC Minas,
2010.
MEDEIROS, Regina. Redes sociais: reflexões sobre as redes informais dos usuários de álcool e crack. Belo Horizonte: Sigma, 2008
ROMANI, Oriol. De las utilidades de la antropología
social para la intervención en el campo de las drogas. In Esteban, Mari Luz (org.), Introducción a la
Antropología de la Salud. Aplicaciones teóricas
y prácticas. 2007. Bilbao, OSALDE: pp.117-134.
SILVA, Enid Rocha Andrades e GUERESI, Simone.
Adolescentes em conflito com a lei: situação do
atendimento institucional no Brasil. IPEA. Brasília,
2002.
SOARES, L. Eduardo et. al. Cabeça de porco. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005
TRAD. Sérgio do Nascimento Silva. A trajetória da
prevenção às drogas no Brasil: do proibicionismo
à redução de danos e seus reflexos nas políticas
locais. Tese de Doutorado. Departament d'Atropologia,
Filosofia i Treball Social. Programa de doctorat
d'Atropologia de la Medicina. Tarragona. 2010. Disponível em <http://tdx.cat/bitstream/handle/10803/
34577/TESI.pdf?sequence=1>. Acessado em 14 de
outubro de 2011.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
31
Especial/Não às drogas
As mazelas no tratamento de crack
REGINA MEDEIROS*
As substâncias psicoativas se configuram na
atualidade um problema
social, político, econômico, de segurança e de
saúde, preocupante e
mobilizador de recursos
variados para seu combate. No campo da saúde,
especificamente, o uso
dessas substâncias pode
se tornar um problema,
sobretudo quando se apresenta intenso e repetitivo,
levando o usuário à dependência física e psicológica. Como respostas,
as instituições de saúde,
especialmente aquelas
especializadas no tratamento de toxicomania,
propõem a abstinência e
a tratar o sujeito dependente de drogas descolado de seu contexto social.
Com efeito, os pacientes
abandonam o tratamento,
provocando sentimento
de impotência nos profissionais, desgastes dos
usuários e seus familiares.
É necessário analisar cada
caso especificamente,
pois a motivação do paciente para tratar da dependência pode variar de
acordo com suas expectativas e percepção do uso.
No Brasil, as duas últimas décadas têm se caracterizado por uma sensível deterioração da capacidade do
poder público em controlar a criminalidade e a violência. O diagnóstico da
situação aponta para uma nova conformação da criminalidade na sociedade brasileira. Há um maior grau de
violência associada aos crimes urbanos, bem como se identifica a solidificação de atividades criminosas, cada
vez mais organizadas e pautadas por
uma racionalidade tipicamente empresarial. São os casos do roubo de cargas, do contrabando de armas e de
mercadorias e do tráfico de drogas,
especialmente o crack, que se tornou
alvo das atenções sociais. Esse último e os problemas sociais, políticos,
econômicos, de saúde e de segurança a ele associados, adicionado ao
sensacionalismo explorado pela mídia
mobilizam parcela significativa da sociedade a formular políticas públicas
que visam à amenização e à solução
de tais problemas.
No campo da saúde, observa-se
a elaboração de políticas a serem
aplicadas nos âmbitos nacional, estadual e municipal, com o propósito de
gerar estratégias de prevenção, tratamento, ensino e pesquisa sobre drogas.1
O uso das substâncias psicoativas pode se tornar um problema, sobretudo, quando se apresenta intenso e repetitivo, levando o usuário à dependência física e psicológica e provocando consequências sociais, políticas e de saúde pública que demandam medidas ardilosas e terapêuticas
especificas. De modo geral, em nossa sociedade, as instituições propõem
tratar o sujeito dependente de drogas
descolado de seu contexto social.
Com raríssimas exceções, os centros
ou organizações dedicadas ao atendimento ao usuário de drogas analisam a realidade sociocultural em que
ele está inserido, seu sistema de significados, suas expectativas e seus
projetos futuros, além das redes relacionais das quais é oriundo e aquelas
que decorrem do uso e/ou do abuso
de drogas. Essa é, sem dúvida, uma
questão lacunar frente ao enfrentamento da problemática gerada pelo uso
de drogas. Com efeito, os pacientes
não criam laços com as instituições
de saúde, abandonam o tratamento,
e, em consequência, aumentam a sua
rotatividade nas referidas instituições,
formando um circuito perverso de
(re)internações em hospitais psiquiátricos e demais unidades de tratamento, desgastando não só os usuários
de drogas, mas seus familiares e a
equipe terapêutica que lida com sentimento de impotência diante dessa
situação. Por outra parte, via de regra, o que se observa é que as equipes que prestam assistência ao usuário de substâncias psicoativas propõem como fim do tratamento ou sucesso terapêutico, a abstinência - o
rompimento definitivo com a droga desatada de uma análise e conside-
*Professora do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas.
1
Vale ressaltar que, em seu conjunto, as medidas adotadas nos três níveis federativos, criadas para minimizar problemas relacionados ao uso de substâncias
psicoativas, especialmente ao uso compulsivo - a criação dos Centros de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (CAPSad) expressa parte
do conteúdo dessas políticas e dos fins previstos por elas - esbarram, ainda, em dificuldades que ampliam exponencialmente os problemas concernentes aos
usuários e à própria sociedade: o preconceito social reproduzido pelos mecanismos de comunicação de massa, que enfocam deliberadamente o uso das drogas
relacionado à violência, à pobreza, a determinados grupos étnicos e aos estratos menos abastados da sociedade, procedentes das áreas urbanas periféricas,
somam-se aos aspectos histórico-axiológicos que redundam na estigmatização e, consequentemente, na demarcação de "zonas" de perigo, sejam elas territórios,
grupos de pessoas, famílias, usuários, etc. Cf. Velho; Alvito, 2000; Pereira et al, 2000; Baptista et al, 2003.
32 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
ração de seu contexto social. Baseada nessa premissa, esboçam-se programas terapêuticos homogêneos que
acabam por atender à demanda do paciente, ou seja, minimizam-se os efeitos deletérios provocados pelo crack.
O desafio no tratamento do crack
A clínica das toxicomanias lida
constantemente com a questão da alta
dos pacientes que, em geral, não concluem seu projeto terapêutico idealizado pela equipe de profissionais. Alguns abandonam, outros fogem e outros forçam a família a se responsabilizar por sua saída. Esse quadro é ainda mais grave quando a substância
escolhida para uso é o crack. Podese afirmar que, raramente, um paciente
usuário de crack consegue concluir seu
ciclo terapêutico. Essa situação é assunto de reuniões clínicas e tema de
debates em eventos científicos, e é
motivadora do sentimento de insucesso da equipe e dos gestores. Se a
questão for tomada pela ótica da alta
por cura (baseada no critério de abstinência), é possível assegurar que não
há cura, ou é provável que a abstinência seja um engodo.
Em geral, a busca por tratamento
ocorre quando o uso de drogas é considerado um problema para o próprio
paciente, para seus familiares ou para
profissionais que acompanham sua trajetória, como, por exemplo, nos locais
de trabalho, por cometimento de delito, ou por outros profissionais que atuam, sobretudo, em instituições de saúde. Esses casos são denominados dependência de drogas, que Romaní descreve como "la organización de la vida
cotidiana de un individuo alrededor del
consumo compulsivo de determinadas
drogas” (1999, p. 43). A dependência
pode ser entendida como a dedicação
exclusiva do sujeito à substância utilizada, estabelecendo-se uma relação
intensa e de fidelidade com a mesma.
Seu cotidiano, suas relações e seus
interesses perpassam pela substância
e por tudo o que implica o uso da droga, como o dinheiro para comprá-la, o
ritual de aquisição, as barreiras legais
existentes, os companheiros, o local
de uso, o efeito e o recomeço do processo, construindo, assim, um círculo vicioso a partir do ato compulsivo e
descontrolado.
No campo das toxicomanias, e no
caso específico do crack, o motivador
para a busca de tratamento está inscrito na perda dos laços sociais, na
carência alimentar e de sono, nos problemas relacionados com a justiça e
com traficantes e nos incômodos clínicos variados decorrentes da cocaína mesclada com solventes. Então,
para o paciente, a cura, ou o sucesso
terapêutico, está associada à extinção
desses incômodos e sintomas que
perpassam por sua relação fiel e prazerosa com a referida substância. Assim, é possível afirmar que o usuário
quer se ver livre dos sintomas, e não
da droga.
A forma como o indivíduo significa o uso de drogas e seu efeito é decisiva na busca de ajuda e na percepção sobre as instituições de tratamento. Se o uso, compulsivo ou não, é prazeroso para o usuário, ele não quer
abrir mão da sensação de deleite. Então, a procura por tratamento, que fixa
a abstinência, não é espontânea.
Ao contrário, a cura dessa "enfermidade", na perspectiva dos profissionais, está associada à capacidade de
o paciente abdicar, ainda que provisoriamente, do uso da substância que
lhe dá prazer (MOTA, 2009). A expectativa da abstinência é ancorada no
protocolo terapêutico, a priori definido
com base no modelo biomédico, que,
embora seja comprovadamente controverso, ganha força nos planos jurídico,
médico e religioso. Nessa perspectiva, vale indagar o que é curar da dependência? É notório que a demanda
do paciente não está na ordem da abstinência, e sim na normalização do uso,
o que quer dizer o uso controlado e
contínuo da substância que lhe dá prazer, sem os desagradáveis efeitos que
importunam sua vida. Por outra parte,
guiados pela fixação na abstinência,
os profissionais não acreditam nessa
possibilidade. Nesse descompasso,
quando o paciente depara com o alívio
inicial do mal-estar e sente-se livre desses percalços, retorna ao seu cotidiano. Essa decisão é individual e dispensa a opinião especialmente daquele
que acredita poder controlar seu prazer e o sentido particular que ele dá ao
uso de crack. Nesse contexto, o paciente não interrompe o tratamento,
como afirmam os profissionais e os
gestores de saúde. O que ocorre, é
uma interpretação deformada do especialista ou um desacerto entre as propostas dos dois personagens (usuário
e profissional) envolvidos no processo
terapêutico que acaba por incidir sobre a clínica e sobre a vida do paciente. Como saída, a tendência é demonizar a figura do usuário de crack, o
"craqueiro", que desaparece das clínicas de tratamento como se fosse a
fumaça do crack e que circula pelas
ruas como um perigo ambulante e responsável por todas as mazelas sociais e clínicas.
Ser “craqueiro” faz a diferença,
ou a diferença faz o paciente
dependente de crack
É possível certificar, com muita
segurança, que é um equívoco quase
imperdoável determinar um perfil único e absoluto para o paciente de crack.
Certamente, ocorre o mesmo com
aqueles que utilizam outras drogas.
Em geral, a opinião recorrente é que
as pessoas que usam crack são procedentes de áreas periféricas das cidades, tem baixa renda, sem plano de
saúde, sem vínculo empregatício e sem
recursos econômicos. Esses indivíduos são os que buscam tratamento em
clínicas ou hospitais públicos; assim,
o registro desses casos é compulsório e público o que legitima esse perfil
e contribui para imagens estereotipadas do “craqueiro” e que, para enfrentá-lo, são necessários métodos coercitivos e violentos. Os usuários de outras camadas sociais - classe média
e alta - que comumente frequentam as
periferias e relacionam com seus
moradores para a aquisição e uso do
crack e que, certamente, se necessário, recorrem às clínicas particulares,
para tratamento, são amparados em
nome da ética (sigilo e anonimato) e
sua imagem social é protegida e embaçada. De toda forma, ainda que seja
"padronizada" a maneira de visualizar
o dependente de crack, é notório que
a motivação e expectativa do paciente
que demanda (espontaneamente ou
não) assistência nas instituições de tratamento, podem variar entre:
A- Usuário psicótico
Trata-se do usuário que apresenta quadro psiquiátrico de psicose e faz
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
33
O usuário compulsivo faz uso descontrolado de crack
uso de crack. Nesse caso, a substância pode alterar e/ou agravar seu
quadro, levando a alucinações e paranoias. Em alguns momentos, e dependendo do delírio do paciente, a droga,
principalmente o crack, com seu efeito de "noia", pode agravar um quadro
preexistente e colocar o paciente ou
as pessoas que compõem seu universo em risco. Esse é um caso que, em
momentos de crise, necessita internação em hospital psiquiátrico e uso
de medicação adequada para estabilizar seu quadro. Para essa situação e somente quando existe risco de auto
ou heteroagressão -, está prevista a
internação compulsória. Considerando-se que a internação em hospitais
públicos tem prazo de, aproximadamente, 15 dias, após a alta, "na crise", o seguimento dos casos pode-se
dar nos serviços substitutivos, como
os CAPSad (Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas), os CAPS
I, II, e em ambulatórios. Em qualquer
situação, é fundamental manter a estabilidade do quadro psicótico para
possibilitar a abordagem relacionada
ao uso da substância. A atenção tem
que ser redobrada, devido à vulnerabilidade do portador de sofrimento mental, que pode ser mais facilmente influenciado e/ou "usado" por traficantes e por outros tipos de usuários de
drogas. Portanto, analisar seu universo e sua rede formal e informal de relações é essencial.
B- "O marginal travestido de paciente" (expressão utilizada por profissional de saúde)
Trata-se do indivíduo que faz uso
do rótulo "craqueiro", simula um quadro de fissura e/ou abstinência para
buscar/exigir a internação ou o tratamento nas instituições especializadas. Esse é um mecanismo manipulado para escapar de situações embaraçosas, como, por exemplo, fugir
de traficantes ou da polícia, demandar auxílio doença, benefício previdenciário ou para se esquivar das pressões familiares. Esses usuários não
aderem ao tratamento, roubam roupas
ou objetos de uso pessoal de outros
pacientes, agridem e ameaçam os
funcionários que atuam nesses locais,
além de roubar os objetos que encontram "descuidados" nas dependências das instituições. É possível que
esses "usuários" facilitem a entrada
de drogas nessas instituições ou se
aproveitem de sua "estadia" aí para comercializar o produto entre os pacientes em tratamento. Esses casos, na
maioria das vezes, contam com a conivência da família, que pode ser o
transportador da mercadoria ou de
outros elementos do círculo de negó-
34 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
cios, que fazem a intermediação entre o contexto interno e externo. Em
geral, esse paciente se utiliza de diferentes dispositivos para manipular
impressões (simpatia, participação, liderança) ou para marcar seu lugar de
autoridade naquele espaço (ameaças,
indisciplina, violência).
Esse tipo de "paciente" não tem
aderência ao tratamento, pois seu interesse é ter um "certificado" de doente para se afastar de situações críticas decorrentes do uso de drogas,
particularmente o crack. Porém, representa risco para os funcionários,
com suas constantes ameaças, e para
as demais pessoas, que se encontram
no local em tratamento.
Nesses casos, o uso de medicação e o acompanhamento terapêutico não são recomendados e não produzem efeito eficaz. Portanto, não se
trata de pessoa que deva ser encaminhada ou atendida em instituições de
saúde, pois a equipe assistencial, seja
de hospitais, centros de tratamento
especializado, ambulatórios ou das
comunidades terapêuticas, não dispõe
de mecanismos adequados para tratar o "marginal travestido de paciente". Pode-se afirmar que, invariavelmente, esses são casos de transtorno de personalidade, perversão, psicopatia que não demandam nem querem tratamento, querem "usar" as
estruturas de atenção para conseguir
auferir ganhos diretos ou indiretos.
C- Usuário compulsivo, neurótico
Trata-se de usuário compulsivo,
que pode fazer uso descontrolado de
crack e apresenta quadro de fissura.
Mostra lucidez e angústia, periódica
ou não, tem capacidade para analisar
o contexto em que está inserido, suas
redes de relações e para reconhecer
o afrouxamento ou as perdas dos laços sociais, familiares e afetivos. A dificuldade de controlar seu desejo, associada à perceptibilidade da situação,
aumenta a ansiedade, a fissura e o
uso desmedido, e ele busca a ajuda
de familiares e amigos (que o conduzem aos centros de tratamento), o que
é mais recorrente, ou apela espontaneamente para as instituições de
saúde.
Nesses casos, o importante é a
abordagem precisa e consistente da
equipe dos centros de saúde ou das
comunidades terapêuticas. Evidências internacionais indicam que, para
tais casos, a combinação da abordagem terapêutica, o acolhimento e o
tratamento medicamentoso, especialmente para minimizar o quadro de
ansiedade, trazem benefícios individuais e institucionais. Esse processo
pode ser variado, construindo momentos de afastamento do convívio social
como forma de tentar quebrar a certeza da impossibilidade de se controlar,
seguimento do tratamento em dispositivos abertos, como os CAPS e os
ambulatórios e/ou ingresso em programas de redução de danos para os
momentos em que, apesar do uso
continuado, o paciente possa modificar seu estilo de vida, sua relação com
a droga, compreender os riscos e danos e resguardar a própria vida.
Para essa particularidade de
usuário, é de fundamental importância uma leitura rigorosa do contexto
em que está inserido e dos dispositivos formais de que pode lançar mão
para que seja desenhado um projeto
possível e eficaz para o seu caso dentro e fora da instituição de tratamento. Assim, é vital uma equipe interdisciplinar para ampliar o campo de
abordagem e as alternativas de intervenção.
D) Usuário judiciário
Trata-se dos usuários que cometeram delito relativamente grave relacionado com drogas, estão cumprindo pena em instituição judiciária e são
encaminhados pelo juiz ao tratamento da toxicomania. Esse procedimento passou a ser mais frequente a partir de 2006, com a publicação da Lei
n.º 11.343, especialmente a compreensão de seu artigo 26: "O usuário e
o dependente de drogas que, em razão da prática de infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de
segurança, têm garantidos os serviços de atenção a sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário"; do artigo 28: "Quem adquirir,
guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido
às seguintes penas"; e do parágrafo
7.º: "O juiz determinará ao Poder
Público que coloque à disposição do
infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente
ambulatorial, para tratamento especializado."
Baseado nessas prerrogativas, o
membro do Poder Judiciário entende
que tem legitimidade para encaminhar
os indivíduos para tratamento, tanto
em hospitais quanto em ambulatórios, a partir de sua compreensão do
caso, e, inclusive, definir o tempo de
tratamento necessário ao réu. Na
maioria dos casos, o "diagnóstico"
clínico feito pelo juiz não corresponde
à concepção do caso pelos especialistas nos tratamentos das toxicomanias. Porém, trata-se de determinação
judicial, e não de discussão do caso.
Assim, os profissionais são coagidos
a tratar e a considerar o "doente/paciente" encaminhado como problema de
saúde pública e, como tal, prestar
assistência durante o tempo deliberado pelo juiz, ainda que não seja necessário. Esse procedimento desautoriza a equipe de saúde que, além
da privação da prerrogativa clínica,
deve se submeter às normas jurídicas
que transferem a responsabilidade de
um caso judicial às instituições de
saúde, caracterizando a jurisdição do
tratamento das drogas.
Os réus encaminhados podem
corresponder ao perfil do usuário psicótico (o que é raro), ao do usuário
neurótico compulsivo ou ao do marginal travestido de paciente (mais recorrente), e cada caso merece atenção
particular.
Os usuários encaminhados para
internação, especialmente aqueles
que cometeram delitos graves, têm o
acompanhamento de um segurança
que, em geral, permanece na porta das
enfermarias, principalmente dos hospitais psiquiátricos, para prestar vigilância, provocando um clima de malestar nas pessoas que transitam pelo
hospital e, de maneira especial, na
equipe que atua diretamente nesses
casos. Além disso, exatamente por
serem mais comuns os casos de
"marginais travestidos de paciente", o
réu provoca inúmeros tipos de transtornos, não só para a instituição, como
para os profissionais e outros pacientes ali internados.
Os encaminhamentos feitos pelos juízes para tratamento das toxicomanias podem ser decorrentes da manipulação do réu, que sabe interpretar
a lei e domina o saber sobre os sintomas - ansiedade, insônia, fissura - que
o levam para fora da prisão, ainda que
temporariamente. Conhecedor dessa
possibilidade, que representa importantes ganhos secundários, como
mais liberdade, aspecto menos grave
ou mais suave para o seu delito e mais
oportunidade de atuar (especialmente o traficante), dissimula e articula um
discurso produzido com narrativas convincentes sobre sintomas de toxicomanias, argumento importante para
seu encaminhamento às instituições
de saúde. Afinal, estar sob a égide da
saúde lhes garante mais privilégios do
que a prisão.
É indispensável a revisão da
legislação vigente
Não é arriscado afirmar que, independentemente do caso, as instituições de tratamento das toxicomanias podem funcionar como uma espécie de segurança pública, que recebe uma série de funções, explícitas ou ocultas, que reproduzem a política proibicionista absoleta e descompromissada, robustece os preconceitos em relação ao usuário de
drogas e provoca medidas coativas,
discriminatórias e violentas, preterindo os direitos de cidadania.
O assunto drogas e, em especial, o crack, deve ser objeto de estudo
e de debate público envolvendo não
somente os estabelecimentos de saúde e seus profissionais, mas também
outras instituições e a sociedade civil, que deve ter acesso a informações
corretas e de qualidade para fazer
escolhas conscientes e responsáveis,
tomar medidas preventivas e de redução de danos à saúde, às relações
sociais e afetivas e ao outrem e participar de movimentos em favor da vida
e dos direitos do cidadão.
No campo da saúde, de maneira
particular, é mister inadiável debruçarse sobre o tema para desvendar e precisar os conceitos controvertidos e duvidosos, para favorecer aos especialistas avaliar com segurança as motivações para o uso e para a demanda
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
35
de tratamento, discernindo aquelas
tendenciosas daquelas de terapêutica especializada e para e desobstruir
os leitos hospitalares de casos de segurança pública não endereçadas às
instituições de saúde e para propor
medidas terapêuticas eficazes para
os sujeitos que delas necessitam,
minimizando, assim, a angústia profissional e o desgaste dos pacientes e familiares com a busca de soluções mágicas, inadequadas e malsucedidas.
Ademais, é indispensável a revisão da legislação vigente e das propostas políticas no campo das toxicomanias, transcendendo os embates
moralistas, marcados pelos fracassos
evidentes e priorizando, com flexibilidade e pluriformidade, o sujeito usuário de drogas, o significado simbólico
do uso de determinada substância e
seu contexto social.
Não em ordem hierárquica de importância, mas as políticas públicas
devem cogitar e criar mecanismos de
formação e apoio técnico aos profissionais e ampliar qualitativamente as
equipes reduzidas para o atendimento da complexidade dessa clínica.
Por fim, convém lembrar que, entre as drogas discutidas, o crack compõe o rol de substâncias que incitam
variedade de interpretações complexas e elaboração de discursos articulados nos diferentes campos de conhecimento, nos relatos de experiências profissionais, vivências pessoais
e na fala popular. Essas narrativas são
construídas a partir da compreensão
do problema, dos saberes construídos
a partir dos dispositivos instrumentais,
estratégias e explicações ideológicas
armazenadas na trajetória de cada
sujeito do discurso, portanto, eles devem ser compreendidos e interrogados
considerando o lugar de quem fala.
É certo que o crack, como outras substâncias psicoativas, pode levar ao consumo abusivo e, em consequência, está sujeito a intervenções
simultaneamente jurídicas, políticas,
normativas e morais, clínicas, religiosas, sociais e econômicas. Ainda que
exista esse enredamento em torno da
substância, é inegável que seu uso não
pode ser compreendido fora da conjuntura sociocultural em que o sujeito
que a utiliza está inserido, pois é nes-
se contexto que ele organiza os elementos simbólicos e os processos de
singularização que servem como mapa
de orientação para sua vida, para construir e desconstruir identidades, edificar rede simbólica de proteção, de pertencimento, de solidariedade; para criar e reforçar laços culturais, experimentar e interpretar suas próprias vivências, estabelecer regras e normas
e para cuidar de sua própria sobrevivência - autoatenção. Assim, é nessa
trama que os sujeitos imprimem significados que subsidiam sua classificação e interpretação sobre o mundo, fazem escolhas e buscam formas
de manutenção básicas para sua vida,
como qualquer outro ser humano. É
nesse contexto que as pessoas encontram os desafios e as saídas para
os estorvos existenciais. A droga pode
se transformar em marcador simbólico formidável para desenhar a passagem ambivalente do paraíso à utopia,
da liberdade à armadilha da compulsão, da dependência à escravização
da mercadoria e da solidão. Nessa
emboscada reafirma o sistema proibicionista que se apóia em um discurso médico e jurídico para justificar a
pretensa guerra contra as drogas, servindo por um lado para aumentar a violência, o lucro e a hegemonia mercantil, e por outro, para construir estereótipo do "drogado", do "craqueiro"
como modelo de degeneração física
e mental em situação de subalternidade, delineando, assim, uma atmosfera cultural propícia ao controle social
e o domínio
36 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAPTISTA, M.; CRUZ, M. S.; MATIAS, R. Drogas e pós-modernidade: faces de um tema
proscrito. Rio de Janeiro: UERJ; Faperj, 2003.
DUARTE, L. F. D.; LEAL, O. F. (Org.). Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.
FERNANDES, L. Los territórios urbanos de las
drogas: un concepto operativo. In: Contextos,
sujetos y drogas: un manual sobre drogodependencia. Ajuntament de Barcelona, 2000.
HERZLICH, C; PIERRET. Iliness: from cause
to meaning. In.Currer, C; Stacey, M. Conceptsof health, illness and disease: a comparative perspective. Oxford, Berg, 1993.
HUGHES, H.M. The fantastic lodge: The autobiography of a drug addict. New York: Fawcett Worl Library, 1963. Citado em Waldorf,
1980.
ILLICH, I. A exproprição da saúde: nêmesis
da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1975.
LABATE, B. C. et al. Drogas e cultura: novas
perspectivas. Salvador: Edufba, 2008.
LINDESMITH, A. Opiate addiction. Bloomington. Principia Press, 1947. Citado em Waldorf, 1980.
MEDEIROS, Regina (Org.). Redes sociais: reflexões sobre as redes informais dos usuários
de álcool e de crack. Belo Horizonte: Sigma,
2008.
MENÉNDEZ, E. L. Morir de alcohol. Saber y
hegemonía médica. México. Alianza-Fonca,
1990.
MOTA, L. Dependência química e representações sociais: pecado, crime ou doença?
Curitiba: Juruá, 2009.
PASSOS, I. C. F. A construção da autonomia
social e psíquica no pensamento de Cornelius Castoriadis. Pesquisas e Práticas Psicossociais, São João del-Rei v. 1, n. 1, jun. 2006.
ROBERT, E. On social control and collective
behavior: selected papers edited and with introduction by Ralph H. Turner. Chicago: The
university of Chicago Press, 1967.
ROMANÍ, O. Las drogas: sueños y razones.
Barcelona: Ariel, 1999.
VARELA, J.; ÁLVAREZ-URÌA, F. Sujetos frágiles: ensayo de sociologia de la desviación.
México: Fondo de Cultura Económica, 1989.
WALDORF, D. A brief history of illicit - drugs
etnographies. VV.AA. Ethnography: A research tool for policymakers in the drug and alcohol fields. Rockville, Maryland: Nida, 1980.
Abstract
The psychoactive substances are,
nowadays, a health security economic political and social problem, preoccupying and
that mobilizes the varied resources to its
combat. In the health field, specifically speaking, the use of these substances can become a problem, mainly when it presents
itself intense and repetitive, leading the user
to psychological and physical dependence.
As answers, the health institutions, specifically those specialized on drug addiction treatment, propose the abstinency and to treat
the drug addicted away from his social context. As a result, the patients abandon the
treatment, provoking the professionals impotency feeling, the users and their family
exhaustion. It is necessary to analyse each
case specifically, because the patient motivation to treat the dependence can vary according to their expectations and use perception.
Especial/Não às drogas
COMUNIDADE TERAPÊUTICA
Tratamento comunitário para dependentes químicos
CAROLINA COUTO DA MATA *
Este artigo tem como objetivo apresentar a metodologia de tratamento das Comunidades Terapêuticas
para dependentes químicos. Para tanto, a partir da proposta de De Leon (2003), discutimos brevemente algumas das características desses serviços: a concepção de doença e de recuperação que fundamenta esse
modelo assistencial, os objetivos terapêuticos das atividades e a organização do programa de tratamento,
no que se refere ao papel dos profissionais e dos próprios pacientes no processo de mudança.
O abuso de álcool, tabaco e de
outras drogas tornou-se uma das
maiores preocupações da Saúde Pública no Brasil, atingindo uma parcela importante da população. Isso leva
a uma preocupação crescente com
o tratamento dos casos de dependên-
cia química atendidos nas Comunidades Terapêuticas (CT). Segundo o
Mapeamento das Instituições Governamentais e não Governamentais de
Atenção às Questões Relacionadas
ao Consumo de Álcool e Outras Drogas no Brasil, realizado em 2006 e
2007, pela Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas (Senad), dos
1.642 questionários validados, 1.256
se referem às atividades ligadas ao
tratamento, recuperação e reinserção
social. A maioria das instituições de
tratamento brasileiras é definida por
seus dirigentes como comunidades
terapêuticas. Das 1.256 instituições
de tratamento, 483, ou 38,5% da
amostra, classificam-se nessa categoria. Em seguida, aparecem os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad), com 153
(12,2%); e os grupos de autoajuda,
com 124 (9,9%). (SENAD, 2007).
As Comunidades Terapêuticas
para dependentes químicos têm sido
normatizadas, desde 2001, por meio
da determinação de exigências mínimas para a assistência prestada, de
acordo com Resolução da Diretoria
Colegiada - RDC n.º 101, em 30 de
maio de 2001, da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Recentemente, a RDC 101 foi revogada e substituída pela RDC n°. 29, de 30 de junho de 20111.
Na RDC 101, as CT são definidas como "Serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do
uso ou abuso de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência ou outros vínculos de um ou dois
turnos, segundo modelo Psicossocial. São unidades que têm por função
a oferta de um ambiente protegido,
técnica e eticamente orientado, que
forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou dependentes de
substâncias psicoativas, durante período estabelecido de acordo com o
programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso. É um lugar cujo principal instrumento tera-
*Coordenadora Clínica da Comunidade Terapêutica da Terra da Sobriedade. Terapeuta Ocupacional. Especialista em Atendimento Sistêmico à Família pela PUCMG. Mestre em Psicologia pela UFMG.
1
Consideramos essencial aos interessados sobre o tema Comunidade Terapêutica a discussão comparativa entre as resoluções, para compreendermos a evolução
histórica da organização da gestão pública dos serviços. Porém, julgamos que esse aspecto ultrapassa os objetivos deste artigo.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
37
pêutico é a convivência entre os pares. Oferece uma rede de ajuda no
processo de recuperação das pessoas, resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de
reabilitação física e psicológica, e de
reinserção social".
Quanto à organização dos serviços prestados pelas instituições, a
RDC 101 e a RDC 29 determinam o
oferecimento de atendimento individual e em grupo aos pacientes; atendimento aos familiares no período de
tratamento; uma rotina de funcionamento com atividade física, de conscientização sobre o adoecimento, de
desenvolvimento interior, de organização e manutenção do espaço físico
(realizadas pelos pacientes), de qualificação educacional, profissionalizantes, dentre outras atividades de reinserção social. Determinam, ainda, que
seja definido o tempo máximo de permanência voluntária do paciente na
instituição, mediante avaliação diagnóstica prévia; que se respeite o credo religioso, a etnia, a ideologia, a nacionalidade, a orientação sexual, os
antecedentes criminais, a situação financeira e os direitos à cidadania dos
pacientes, durante o processo de admissão e permanência nos serviços;
que seja oferecido um ambiente livre
de substâncias psicoativas, alimentação nutritiva, cuidados de higiene, espaço físico e equipe clínica, compatível com o horário de funcionamento,
com os atendimentos e as atividades
terapêuticas realizadas.
Portanto, as resoluções estabeleceram um marco legal e um grande
avanço rumo à organização política
das Comunidades Terapêuticas, que
já atendiam dependentes químicos no
Brasil desde a década de 1970.
O modelo de atenção das
Comunidades Terapêuticas
Historicamente, para De Leon
(2003), um renomado pesquisador
norte-americano que se dedica à fundamentação do modelo assistencial
das Comunidades Terapêuticas, dois
grandes campos do saber científico
direcionaram a proposta clínica des-
sas instituições: a psiquiatria social
e a dependência química.
No primeiro campo, as CT, denominadas democráticas, têm sua origem no pós-guerra, na reabilitação de
soldados através de grupos terapêuticos. Essa proposta foi desenvolvida
por Maxwell Jones, psiquiatra do exército inglês, no Hospital Belmont (mais
tarde chamado Henderson), na segunda metade da década de 1940. De
Leon (2003) define essas comunidades como "unidades e instalações inovadoras destinadas ao tratamento psicológico e à guarda de pacientes psiquiátricos socialmente desviantes
dentro (e fora) de ambientes hospitalares de tratamento de transtorno mentais (p.13)". Como uma alternativa ao
tratamento manicomial vigente na época, o trabalho de Jones fundamentava-se nos seguintes pressupostos: "(1)
na comunicação de mão dupla em
todos os níveis; (2) na tomada de decisão por todos os níveis, a partir do
consenso; (3) na liderança compartilhada; e (4) na aprendizagem social
através das interações no 'aqui e agora' (Jones2, 1968, 1982, apud VANDEVELDE, 2004, tradução nossa3)". Outro diferencial do trabalho de Jones:
cabia ao profissional ajudar o paciente a descobrir o conhecimento que ele
adquiriu na experiência grupal, atuando como um facilitador no processo
de aprendizagem social - ao invés de
transmitir um novo conhecimento de
modo professoral.
No segundo campo, De Leon afirma ser a CT um "programa de tratamento residencial, baseado na comunidade, de dependentes de álcool e
drogas (p.13)". Notamos que o autor
ressalta a diferença entre os dois tipos de Comunidades Terapêuticas a
partir da compreensão de que, no primeiro, a inovação está nas instalações físicas onde o tratamento acontece e que, no segundo, a CT é definida como um programa de tratamento, um conceito que sugere algo mais
do que um espaço físico diferenciado. O autor argumenta que, cronologicamente, as CT da Psiquiatria Social antecedem - em 15 anos - aque-
2
las voltadas para a dependência química na América do Norte, mas que
não é possível determinar com clareza qual a influência de uma experiência sobre a outra.
Entretanto, ele considera que,
gradualmente, houve uma aproximação entre os modelos e métodos da
CT psiquiátrica e da CT para dependentes químicos. De Leon cita as características da Comunidade Terapêutica psiquiátrica, a partir da proposta
de Maxwell Jones:
(1) considera-se a organização
como um todo responsável pelo resultado terapêutico; (2) a organização social é útil para criar um ambiente que maximize os efeitos terapêuticos, em vez de constituir mero
apoio administrativo ao tratamento;
(3) um elemento nuclear é a democratização: o ambiente social proporciona oportunidades para que os
pacientes participem ativamente
dos assuntos da instituição; (4) todos os relacionamentos são potencialmente terapêuticos; (5) a atmosfera qualitativa do ambiente social
é terapêutica no sentido de estar
fundada numa combinação equilibrada de aceitação, controle e tolerância com respeito a comportamentos disruptivos; (6) atribui-se um
alto valor à comunicação; (7) o grupo se orienta para o trabalho produtivo e para o rápido retorno à sociedade; (8) usam-se técnicas educativas e a pressão do grupo para propósitos construtivos; (9) a autoridade se difunde entre os funcionários
e responsáveis e os pacientes (DE
LEON, 2003, p.15).
Elementos básicos das
Comunidades Terapêuticas
Na América do Norte, em 1960 e
1970, e, posteriormente, na Europa,
surgiram programas e modelos de tratamento para dependentes químicos,
nos quais encontramos os elementos
básicos das Comunidades Terapêuticas contemporâneas, voltadas para o
atendimento dessa clientela: o Grupo
Oxford; os Alcoólicos Anônimos; os
modelos Minnesota e de Synanon.
JONES, M.(1968) Beyond the Therapeutic Community:Social Learning and Social Psychiatry. New Haven, CT: Yale University Press e, do mesmoautor, (1982)
The Process of Change. Bonston, MA:Routlegde&Kegan Paul.
3
Texto original em inglês.
38 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
O Grupo Oxford, uma organização religiosa evangélica luterana, fundada na segunda década do século
XX, propunha a ética do trabalho, o
cuidado mútuo, a orientação partilhada, e valores como honestidade, pureza, altruísmo, amor, autoexame, o
reconhecimento dos defeitos de caráter, a reparação por danos causados, ideias que fundamentam os princípios das CT contemporâneas.
A proposta do Grupo Oxford também influenciou a criação dos Alcoólicos Anônimos (A. A.), por Bill Wilson e Robert Smith, em 1935. O A.A.
teve seu momento fundador na experiência de conversar sobre as dificuldades e vitórias ao se tentar interromper o abuso de álcool. Os Doze passos e as Doze tradições do A.A. são
princípios que guiam o indivíduo no
processo de recuperação, ao enfatizarem a necessidade: de admissão
da perda do controle do uso da substância; da entrega desse controle a
um "poder superior"; do autoexame;
da reparação dos males causados a
outras pessoas e do oferecimento de
ajuda para que outros necessitados
se empenhem em um processo semelhante (De Leon, 2003).
Dois modelos de tratamento, o
de Minnesota e o de Synanon, segundo Ribeiro et al. (2004), também influenciaram as CT contemporâneas
para dependentes químicos.
O Modelo de Minnesota se baseia em uma versão institucional do
A.A. e dura de 28 dias a vários meses, dependendo de cada programa.
É realizado em ambiente isolado e
fechado, onde acontecem terapias de
grupo, palestras, leituras e reuniões
de A.A. A equipe responsável é formada por dependentes químicos que
completaram os 12 passos com sucesso. Findo o tratamento intensivo, estimula-se a frequência nas
salas de A.A.
O Modelo Synanon foi fundado em
1958, na Califórnia, por Charles Dederich, um alcoólatra em recuperação, que mesclou sua experiência no
A.A. a outras influências da Filosofia
e da Psicologia (existencialismo e
psicanálise). Esse programa de recuperação se baseava nos grupos de
mútua ajuda do A.A. e no confronto,
pois se considerava que o ataque verbal, a humilhação, a atribuição de
culpa e a intimidação trariam como
resultado um contato real e positivo
com o meio ambiente. Além disso,
propunha-se o trabalho para a recuperação e para a reinserção social.
Os novatos no programa eram responsáveis por "atividades braçais e
subservientes, tais como a limpeza
do lixo e dos banheiros, enquanto os
que progrediam iam recebendo incumbências mais complexas e administrativas (RIBEIRO et al, 2004, p. 474)".
Apesar de julgar o Modelo de Synanon uma evolução em relação aos
seus precursores e uma inovação no
tratamento da doença 4, De Leon
(2003) afirma que essa própria instituição não se considerava como um
serviço de tratamento para dependentes químicos, mas como uma comunidade alternativa de ensino e vida.
Ainda na década de 1960, esse
modelo foi investigado por profissionais de Nova York, que implantaram,
com a ajuda de ex-membros de Synanon, uma CT para dependentes químicos, chamada Daytop Village. Para
Kaplan et al (2003), o rompimento,
que se deu posteriormente, com a ligação ideológica que mantinham com
Synanon, modificou a proposta clínica de Daytop para o tratamento e a
reabilitação psiquiátrica, além da integração e inclusão social dos dependentes recuperados. Nessa nova
concepção, os recuperados poderiam
atuar como modelos de uma vida sem
drogas e influenciar a sociedade, ao
demonstrarem que a recuperação era
possível, mesmo em se tratando de
uma doença crônica, cuja gravidade
e complexidade implicariam em possíveis recaídas.
A disseminação desses serviços
para dependentes químicos, com o
apoio do Governo americano, resultou na criação das Comunidades Terapêuticas da América (TCA) - uma
organização de programas norte-americanos de CT, em 1975 (De Leon,
2003). Desde então, os serviços estão organizados em uma Federação
Mundial, subdividida em regionais, que
sediam os países membros. O Brasil
é membro da Federação Latino-Americana de Comunidades Terapêuticas
(Flact), através da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas
(Febract), fundada em 16 de outubro
de 1990, com sede em Campinas/SP.
Existem, também, outras Federações
de CT no Brasil, como a Federação
de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb), fundada em
janeiro de 1994; a Cruz Azul no Brasil; a Federação Nacional das Comunidades Terapêuticas Católicas e Instituições Afins (FNCTC); e a Federação Norte e Nordeste de Comunidades Terapêuticas (Fennote).
A vida em comunidade
como metodo de tratamento
De Leon (2003) define a Comunidade Terapêutica como uma abordagem de autoajuda para o tratamento
de dependentes químicos: os pacientes são orientados a utilizarem a comunidade para aprenderem sobre si
mesmos. O termo terapêutico se refere às metas sociais e psicológicas
da CT: "alterar o estilo de vida e a identidade do indivíduo (p.36)", ou seja,
mudar o modo de viver, de interagir
com o outro e com o mundo, de se
comportar e de perceber a si mesmo
no cotidiano da vida. Já o termo comunidade se refere ao método para
alcançar essas mudanças, curando
emocionalmente os indivíduos e educando-os no comportamento, nas atitudes e nos valores para uma vida
saudável.
Na proposta de autoajuda, cada
indivíduo assume primordialmente a
responsabilidade pela sua própria recuperação, como o principal contribuinte para a sua mudança. O tratamento5 é, portanto, posto à sua disposição, o que significa que a eficácia de
todos os elementos oferecidos também depende de cada paciente. Além
4
Para Kaplan et al.(2003) Synanon era uma expressão da 'antipsiquiatria' e não da psiquiatria manicomial de sua época.
De Leon (2003) considera diferenças nos termos tratamento e recuperação. O primeiro refere-se a um breve período de dedicação a mudança pessoal, como
quando se reside numa CT. Já o segundo, refere-se a um processo mais longo, que pode durar uma vida. Os tratamentos, assim como outros fatores - recursos
sociais, estabilidade psicológica, a família, etc - podem contribuir para a recuperação. Nessa dissertação, entretanto, esses dois termos são usados como
sinônimos.
5
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
39
Os pacientes
em tratamento
são considerados os
"protagonistas
das ações
terapêuticas",
ao participarem ativamente de todas as
atividades
propostas
disso, cada um se responsabiliza
pela recuperação dos demais pacientes da Comunidade, sendo modelos de comportamento, ao oferecerem
apoio e estimularem a participação nas
atividades diárias. Por isso, a CT está
baseada na auto e na mútua ajuda.
Nessas "comunidades de aprendizagem" - por fundirem as ideias de
terapia e ensino - as atividades cotidianas oferecem possibilidades de
autoconhecimento, de relacionamento e ensinam sobre o bem-viver. A expressão "bem-viver" refere-se aos ensinamentos que possibilitam a convivência e o funcionamento saudável da
Comunidade, para que a terapêutica
seja possível, que são fundamentadas em valores e crenças, como honestidade e verdade, em atos e palavras, valorização e busca conjunta do
crescimento pessoal e social, autoconfiança, atenção responsável e ética do trabalho (De Leon, 2003).
O uso do trabalho como recurso
terapêutico é considerado um diferencial fundamental desse modelo. Nesse sentido, o trabalho dos pacientes
na Comunidade tem a função de:
Facilitar o intercâmbio pessoal
dotado de sentido nos comportamentos, atitudes e valores de cada
indivíduo que trabalha. O resultado
material (serviços ou produtos resultantes do trabalho) e mesmo as
capacidades desenvolvidas no processo são secundários em relação
aos ganhos pretendidos em termos
de evolução pessoal (De Leon,
2003, p.146).
Nessa concepção, o desempenho do paciente no trabalho pode ser
revelador dos seus problemas pessoais. O caráter terapêutico da atividade laborativa está na expressão e na
remediação desses problemas, 'no'
trabalho e 'pelo' trabalho. Portanto,
essa atividade media a sociabilização
e a recuperação.
Ainda sobre a função do trabalho na Comunidade Terapêutica, Viana (2004, p.52) considera que essa
atividade está voltada "para a vida prática, para a produção de utilidades,
para a rotina doméstica e para o autocuidado" e que, por isso, a força
de trabalho não é capitalizada. Nessa concepção, o caráter terapêutico
do trabalho está na possibilidade de
os pacientes serem ativos no preenchimento de um espaço de negociação entre as pessoas, onde se busca conciliar os direitos e os deveres,
enquanto membros da CT. Os pacientes em tratamento são considerados os "protagonistas das ações terapêuticas", ao participarem ativamente de todas as atividades do cronograma proposto, decidindo e
compartilhando, inclusive, a responsabilidade pela manutenção da vida
em comunidade e por todas as consequências que essa convivência
proporciona:
Cuida de si mesmo, reorganizando-se quanto aos procedimentos mais básicos e saudáveis para
seu organismo (abstinência, autocuidado, sono, higiene, exercícios
físicos, alimentação adequada,
40 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
espiritualidade); cuida do bem comum e descobre intenções e habilidades (organização, limpeza e
manutenção dos ambientes coletivos: quarto, banheiro, cozinha,
casa, quintal, jardim, horta, etc) e
amplia sua atuação, participando
dos programas educativos, produtivos, culturais, religiosos, esportivos
e de lazer, disponíveis na sede e na
sociedade em geral (atividades extra-muros). Entendemos que estas
não são apenas etapas, mas ações
concomitantes e dinâmicas (Regimento Interno da Comunidade Terapêutica da Terra da Sobriedade,
2005, apud MATA, 2007).
Nesse contexto comunitário,
cada paciente pode aprender com os
diferentes papéis sociais que desempenha, ao conviver numa rede social
que incentiva a comunicação e que
busca o equilíbrio entre a necessidade individual e a coletiva.
Os profissionais também são
considerados membros da CT e, portanto, devem ser modelos de comportamento, no que se refere às concepções de recuperação e 'bem viver', assim como os pacientes são uns para
os outros. Atuam clinicamente como
facilitadores do processo de criação
comunitária de um ambiente de interação, escuta e aprendizagem através da experimentação, do envolvimento e do crescimento individual e
coletivo. Como o elemento terapêutico essencial do processo de mudança é a relação entre os pacientes, ou
seja, é a COMUNIDADE, o profissional tem como objetivo promover e
aperfeiçoar a aliança indivíduo-comunidade e mediar o processo de construção conjunta das regras de convivência, com a participação ativa dos
pacientes. Além disso, a equipe clínica administra e controla a qualidade do
programa de tratamento, como autoridade última no gerenciamento clínico
e comunitário dos casos e das instalações.
As primeiras CT foram fundadas
por dependentes químicos, ao assumirem papéis de liderança e ao administrarem alguns serviços. Pela própria experiência no tratamento, alguns
se qualificaram como autoridades e
guias no processo de mudança, encontrando no papel social de ajudador um
caminho viável para a própria reinserção social. As CT contemporâneas,
sob a influência de outros modelos
de atenção e diante do aperfeiçoamento das técnicas dos profissionais
de saúde, da assistência social e de
outras áreas do saber, passaram a oferecer atividades dirigidas por especialistas, sejam eles ex-pacientes das
próprias Comunidades ou profissionais com outras experiências de vida.
Independentemente da formação, o
grande desafio para os profissionais
tradicionais é o de conviver com os
pacientes nos mais diversos contextos, para além da proteção que encontram no setting terapêutico dos
consultórios, desenvolvendo atividades no refeitório, na cozinha, na sala
de estar, na lavanderia, no jardim, na
horta, no cinema, no clube, na escola, na empresa, na igreja e nas praças, e neles usar a Comunidade
como método.
Outro diferencial desse modelo
de atenção está na organização social dos pacientes, de acordo com o
tempo de tratamento e na evolução
clínica dos casos. Geralmente dividese o processo em fases ou estágios
que refletem: a maneira como cada
paciente assimila, entende, aceita,
participa e valoriza as atividades da
CT, as orientações recebidas e a forma como se utiliza desse aprendizado para a manutenção do próprio programa de tratamento, considerando
o nível de compromisso com a proposta e de confiança que exibe, o grau
de liderança e de facilitação do processo de outros pacientes e a espontaneidade do relacionamento que estabelece com a equipe clínica. Evidentemente, a determinação do tempo necessário para que o indivíduo alcance os resultados esperados tem
sido um grande desafio, diante da gravidade do comprometimento biopsicosocial apresentado pelos pacientes
que têm buscado ajuda nas instituições, exigindo que o projeto terapêutico e o lugar dos serviços na rede
assistencial sejam reavaliados continuamente.
A Comunidade Terapêutica é indicada para casos de dependência
química que apresentam comprometimento grave da sáude, da vida familiar, laborativa e social, que podem
se beneficiar de uma proposta de reabilitação psicossocial, quando o gerenciamento da doença já não é mais
possível e nem desejado pelo próprio
paciente. Por isso, propõe a abstinência como pré-requisito para que o indivíduo cuide dos diversos aspectos
de sua vida que foram afetados durante o tratamento. Afinal, nesses
casos, o transtorno mental e comportamental apresentado pelos pacientes não se resume àqueles envolvidos na administração do uso de
substâncias psicoativas e de seus
danos diretos.
Há, ainda, duas condutas que
precisam ser cuidadas e respeitadas
para que a convivência com fins terapêuticos seja possível: a manutenção
de relacionamentos fraternos entre os
pacientes, evitando o direcionamento afetivo-sexual das interações; e
uma atitude pacificadora na resolução de conflitos, através do diálogo,
com respeito à integridade física, psicológica e moral de todos os membros da Comunidade. Evidentemente, essas condutas não são compreendidas e praticadas assim que os
pacientes são admitidos nos serviços.
Os membros veteranos e os profissionais responsáveis pelo tratamento
precisam cuidar, continuamente, desses aspectos para garantir que a
Comunidade seja terapêutica, dialogando com os pacientes e intervindo
nas situações que ameaçam a segurança psicológica e a credibilidade da
proposta de tratamento.
Independentemente da modalidade em que são realizadas, seja ela
permanência-dia ou residencial, ou se
acontecem no meio urbano ou rural,
todas as atividades terapêuticas propostas nesse modelo assistencial
buscam cuidar da maneira como cada
dependente químico administra suas
próprias emoções, como interagem
e se comunicam, como percebem a
vida, como vivenciam a si mesmos e
ao mundo, ao oferecer-lhes novas
oportunidades para (re)significarem
sua própria existência e para encontrarem um novo sentido para sua vida,
com liberdade e criatividade
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Resolução da Diretoria Colegiada
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
n° 101, de 30 de maio de 2001. Dispõe sobre
o Regulamento Técnico que contém as exigências mínimas para o funcionamento das
Comunidades Terapêuticas.
BRASIL, Resolução da Diretoria Colegiada
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
n° 29, de 30 junho 2011. Dispõe sobre o Regulamento Técnico que contém as exigências mínimas para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a
pessoas com transtornos decorrentes do
uso, do abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
BRASIL, Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas (SENAD), Mapeamento das
instituições governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil - 2006/2007: Relatório. Coordenação Geral Denise Bomtempo Birche de
Carvalho - Universidade de Brasília. Supervisão Técnica Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte - Senad. Brasília: Secretaria Nacional de Política sobre drogas, 2007.
MATA, C.C. O uso do trabalho como recurso terapêutico no tratamento de dependentes químicos: um estudo em uma comunidade terapêutica de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFMG,
2007.
DE LEON, G. A Comunidade Terapêutica:
Teoria, Modelo e Método. São Paulo: Loyola,
2003.
KAPLAN,C.; BROEKAERT,E. An introduction
to research on the social impact of the therapeutic community for addiction. In: InternationalJournalof Social Welfare. Oxford,
v.12, p.204-210, 2003.
RIBEIRO,M.; FIGLIE,N.B.; LARANJEIRA,R.
Organização de Serviços de Tratamento
para Dependência Química. In: FIGLIE,N.B.
Aconselhamento em Dependência Química. São Paulo: Roca, 2004, cap.30, p.460512.
VANDEVELDE, S. The development of the
therapeutic community in correctional establishments: a comparative retrospective account of the 'democratic' Maxwell Jones TC
and the hierarchical concept-based TC in prison. In: International Journalof Social
Psychiatry. London, v.50, p.66-79, 2004.
VIANA, R.G.V.O uso do trabalho como tratamento do dependente químico. In: Cadernos de Terapia Ocupacional. Belo Horizonte: GES.TO, 2004, p.47-96.
Abstract
This article aims to present the treatment
methodology of Therapeutic Communities for
drug addicts. To do so, based on De Leon proposal (2003), we briefly discuss some of the
characteristics of these services: the illness
and recovery conception which underlies this
assisting model, the therapeutic goals of the
organization and the treatment program activities, related to the role of the professionals
and patients in the changing process.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
41
Especial/Não às drogas
Novas tecnologias no tratamento de
dependência química na comunidade Reviver1
LÚCIO MAURO DOS REIS*
O trabalho proposto visa
apresentar a trajetória das
comunidades terapêuticas,
em especial, o trabalho da
Comunidade Reviver em Jaboticatubas/MG, que após
parceria com a PUC Minas/
São Gabriel, vem desenvolvendo novas tecnologias no
tratamento da dependência
química. Essa parceria tem
proporcionado a evolução de
novas pesquisas de professores e alunos, auxiliando, assim, no tratamento de residentes de comunidades terapêuticas. O foco desses tratamentos era somente baseado na
tríade "Trabalho, Disciplina e
Oração", tomando como base
o modelo Minnesota. Contudo, a visão acadêmica tem
propiciado o surgimento de
novos caminhos para o êxito
do tratamento.
A origem das Comunidades Terapêuticas ainda é discutida e apresenta controvérsias. Existem autores,
contudo, que alegam sua existência
a mais de 2000 anos, sendo que suas
finalidades eram diversificadas, relacionadas principalmente a questões
ligadas aos problemas psíquicos ou
problemas da alma, como eram designados na antiguidade. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, surgiu um
modelo com motivação ética e espiritual, conforme De Leon (2003). Este
modelo é o que permeia, atualmente, o trabalho da maioria das comunidades terapêuticas no Brasil.
O Programa Terapêutico da Comunidade Reviver é realizado em três etapas
O modelo de Comunidade Terapêutica, graças à sua grande flexibilidade, tem sido adotado em vários
países e culturas diferentes, assim
como religiões diversas. Objetivando
o cumprimento dos seus princípios
básicos (disciplina-oração-trabalho),
os resultados obtidos são bons, o que
explica a multiplicação deste modelo
de tratamento.
Nesse trabalho, apresentaremos
a trajetória das comunidades terapêuticas e sua evolução no tocante ao
tratamento. A discussão principal remonta à trajetória da Comunidade
Reviver, destacando sua parceria com
a PUC Minas e a adoção de um novo
modelo de intervenção no tratamento
da dependência química.
O fomento à profissionalização
do trabalho era um dos principais
motivos da parceria entre a Universidade e a Comunidade Reviver. Essa
aproximação possibilitou um avanço
na formação dos estudantes, por
meio de pesquisas e intervenções no
tratamento. As pesquisas, a sistematização e a produção de conhecimento, são avanços possibilitados por
esta parceria. Assim, o debate e a
aplicação de novas tecnologias revelaram novas perspectivas às pessoas que buscam e/ou demandam a internação como abordagem no tratamento da dependência química.
As Comunidades Terapêuticas
realizam, em sua maioria, um trabalho filantrópico quase sempre praticado por leigos, religiosos ou não. Têm
como objetivo recuperar farmacodependentes e alcoolistas, assim como
auxiliá-los no abandono do tabagismo, em alguns casos. Visam alcançar a sua sobriedade plena e possibilitar uma reintegração com a família e
com a sociedade. Conforme a definição de Maxwell Jones apud De Leon
(2008): "[...] grupo de pessoas que se
unem com um objetivo comum e que
possui uma forte motivação para pro-
*Mestre em Educação Cultura e Organizações Sociais. Especialista em dependência Química (UNIFESP). Especialista em Criminologia. Especialista em
Psicopedagogia.
1
Trabalho apresentado na conclusão do curso de Especialização em Dependência Química da Universidade Federal de São Paulo.
42 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL JULHO DE 2011
42
vocar mudanças". A Resolução RDC
101 de 30 de maio de 2001, traz a
conceituação das comunidades terapêuticas definindo-as como:
Serviços de atenção a pessoas
com transtornos decorrentes do uso
ou abuso de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência
ou outros vínculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial,
são unidades que têm por função a
oferta de um ambiente protegido, técnica e eticamente orientados, que
forneça suporte e tratamento aos
usuários abusivos e/ou dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido de acordo com programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso.
É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre
os pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das
pessoas, resgatando a cidadania,
buscando encontrar novas possibilidades de reabilitação física e psicológica, e de reinserção social. (ANVISA, 2001)
Segundo De Leon (2008), as
Comunidades Terapêuticas foram
criadas para tratar de dependentes
químicos e tiveram seu início em 1958
em Santa Mônica, Califórnia EUA,
quando um grupo de alcoolistas em
recuperação decidiram viver juntos,
em abstinência, em um novo estilo
de vida. A filosofia era a de que cada
um tinha que se interessar, cuidar e
se preocupar com o outro, em um espírito de solidariedade, dividindo experiências e vivências comuns, se fortalecendo mutuamente.
Boa parte das Comunidades Terapêuticas adota o modelo Minnesota2, que busca o desenvolvimento integral do homem através do tripé:
ORAÇÃO + DISCIPLINA + TRABALHO", método também muito difundido no Brasil.
A dimensão espiritual é aquela
em que age e se desenvolve o espírito do homem, levando o ser humano
à procura do significado da sua própria existência. Procura concretizar
estes pressupostos através da perspectiva do Evangelho, ou seja, como
terapia de substituição que transforma a vida do sujeito a partir de sua
própria vontade de mudar de vida aceitando a religião praticada na Comu-
nidade Terapêutica, dentro de um espírito cristão.
Por meio da disciplina e do trabalho visa-se reorganizar a vida do
sujeito, elevar sua autoestima e adaptá-lo a um novo estilo de vida, sóbrio
e produtivo. Por terem uma proposta
mais flexível, o crescimento destas
comunidades no Brasil se deu de forma descontrolada, algumas se tornando verdadeiros depósitos de pessoas. Este aumento desenfreado
mostrou a evidência da necessidade
de maior qualificação de pessoal para
atuar profissionalmente no tratamento dos dependentes químicos. Outras
demandas foram surgindo, mostrando claramente a falta de uma organização e de uma política mais séria
para enfrenter um problema de saúde
muito mais complexo que se podia
imaginar.
O conceito principal do atendimento na Comunidade Terapêutica parte do princípio de
que o residente seja responsável por sua "cura".
As Comunidades Terapêuticas
no Brasil surgiram no início da década de 1970 e se espalharam vertiginosamente, com o intuito de atender
à demanda de dependentes químicos,
a cada dia aumentando, em função
da facilidade da oferta de drogas por
parte do narcotráfico, do desemprego
gerando crises familiares, das múltiplas
carências, sejam afetivas, materiais ou
outras tantas.
Com uma proposta de manter o
dependente longe das drogas e em
abstinência - apesar de sabermos que
muitas comunidades trabalham sem
condições técnicas, sem um modelo
razoável de atendimento -, temos que
considerar a sua importância para a
função social de acolhimento e abrigamento, tirando o sujeito do mundo
das drogas, assistindo-o, protegendoo da violência gerada pelo uso e envolvimento com drogas.
O tratamento é realizado em regime residencial, em um meio altamente estruturado (ou que deveria sêlo), por meio de um sistema de pressões artificialmente provocadas, para
que o residente explicite sua patologia frente aos pares, os quais servirão de espelho da consequência social de seus atos. Esta situação é
aceita voluntariamente pelo residente, que se vê envolvido pôr um clima
de alta tensão efetiva.
Nas Comunidades Terapêuticas
no Brasil, geralmente não há procedimentos médicos e o atendimento
visa ajudar o sujeito no resgate de sua
dignidade em todas as áreas: física,
mental, espiritual, social, familiar e
profissional.
O conceito principal do atendimento na Comunidade Terapêutica
para dependentes químicos parte do
princípio de que o residente seja responsável pôr sua "cura". O tratamento é em total abstinência e, inclusive, algumas não permitem o
uso do tabaco.
A expectativa é que o dependente químico se torne uma pessoa livre
através da mudança de seu modo de
viver, desenvolvendo-se nas diversas
dimensões do ser humano: sendo integral, livre, autônomo, capaz de realizar um projeto de vida construtivo,
estando bem consigo e com os outros, sem a "ajuda" das drogas.
Para organizar o atendimento
destas comunidades, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) baixou a Resolução 101 de 30 de
maio de 2001, instituindo normas
mínimas para iniciar a organização
técnica e ética para um atendimento
mais eficaz nestas comunidades.
Anteriormente, a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas
(Febract) já se preocupava com essa
questão e foi organizada por este motivo. A entidade defende a criação de
Centros de Formação e Treinamento
por todo o País, sendo responsáveis
as universidades, Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONENS)
e outras instituições envolvidas no
problema.
Contudo, a falta de recursos e
as dificuldades em se ajustarem às
exigências da Anvisa, fazem com que
a regulamentação das comunidades
terapêuticas ainda caminhe com dificuldades. O número de profissionais
técnicos e monitores qualificados ainda é tímido, assim como, as adequa-
2
Este modelo de tratamento foi utilizado pela comunidade terapêutica norte-americana Day Top Village que depois foi latinizado na Itália, no Projeto Huomo, visando
adaptá-lo ao modelo de vida do homem do sul da Itália.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
43
ções físicas. Com isso, os gestores
federais, estaduais e municipais, têmse esforçado no investimento em projetos de subvenção social para financiar esses investimentos.
Conforme a Febract (2001), no
Brasil temos mais de 80 C.T. filiadas.
Entretanto, a preocupação maior é
com as "clandestinas", para as quais
a Anvisa, através da resolução no101,
exige o funcionamento através de regulamentação, normas e fiscalização
a partir de 2003, o que as submete
aos conselhos de entorpecentes estaduais, municipais e do Distrito Federal e à Vigilância Sanitária.
Reviver
A comunidade Reviver está localizada no município de Jaboticatubas.
A cidade está inserida na Serra do
Espinhaço e abriga 65% da área total do Parque Nacional da Serra do
Cipó, um santuário ecológico. O Município tem uma extensão territorial
de 1.124km2 e uma população de
15.496 habitantes, conforme dados do
IBGE, em 2007. Está situada na Região Metropolitana de Belo Horizonte
e localiza-se na região Sudeste, no
Estado de Minas Gerais, na Zona
Metalúrgica.
O público alvo é formado por adolescentes, jovens, adultos e idosos
do sexo masculino, com problemas
decorrentes do uso e/ou abuso de
substâncias psicoativas participantes
do Programa Terapêutico do Centro
de Recuperação Reviver (Crer). O público alvo é oriundo da região metropolitana de Belo Horizonte (70%), cidades do interior de Minas Gerais e
outros estados do País (30%). Eles
permanecem nove meses em regime
de internato e tem como principal
objetivo abandonar o uso de drogas e
fazer o tratamento da dependência
química.
A capacidade de atendimento é
de 60 residentes e seus respectivos
familiares. O número de beneficiados
diretos é de 60 residentes em fase
de reinserção e tratamento, ou seja,
em todas as etapas do tratamento,
com perspectivas de abrangência
para 90 pessoas, conforme recursos
disponíveis. O número indireto de beneficiados é de 270 pessoas, incluindo residentes e familiares.
O Programa Terapêutico da Comunidade Reviver possui três etapas:
triagem, tratamento e pós-tratamen-
to. Nestas etapas todas as ações
serão formatadas e sistematizadas
visando a complementaridade de
cada atividade do Programa. O residente participante contará com apoio
da administração do Crer, bem como
da assistência médica, psicológica e
espiritual de caráter terapêutico, durante todo o processo.
1ª Etapa: Triagem
O objetivo da triagem é identificar o nível de comprometimento de
dependência do residente que irá participar do programa terapêutico, considerando os níveis: leve, moderado
ou grave.
Critério de Elegibilidade: pessoas que na avaliação orgânica e/ou
psíquica apresentam dependência
considerada grave, não são recomendadas (elegíveis) para as Comunidades Terapêuticas.
Na última fase do tratamento,
o residente é preparado para
o seu retorno à família, ao trabalho, aos estudos e ao convívio social.
2ª Etapa: Tratamento
Realizada a triagem, o residente
iniciará o seu processo de tratamento durante o período de nove meses,
por meio de várias ações simultâneas de desintoxicação, manutenção e
reinserção, que propiciam que ele tenha uma evolução gradual do seu tratamento.
Nessa etapa, há a descrição da
rotina de tratamento que envolve hora
de despertar, atividade física/desportiva variada diária, atividade lúdico/
terapêutica variada diária - como pintura, teatro, música e artesanato - oficinas profissionalizantes, atendimento psicológico em grupo e/ou individual, atividade didático/científica para
aumento de conscientização, palestras, reuniões com familiares.
As atividades na etapa de tratamento possuem a participação diária, efetiva e rotativa de cada residente nas rotinas de limpeza, organização, cozinha, horta, alojamentos,
curral, artesanato, formação espiritual e lazer. O funcionamento destas
atividades tem por premissa o seu
engajamento permitindo a convivência no grupo durante o período de
tratamento.
44 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
a) Desintoxicação
O objetivo é retirar a droga do residente por meio de uma rotina de desintoxicação que irá auxiliar no período de abstinência permitindo a eliminação das substâncias tóxicas.
b) Manutenção
Nessa fase do tratamento será
proposto para o residente a reorganização da sua vida sem o uso prejudicial da droga (em regime de abstinência). O objetivo é promover uma reflexão dos residentes a respeito de seu
retorno "à sociedade", estimulandoos a pensar em suas questões pessoais, principalmente no que se refere ao projeto de vida.
c) Reinserção
Na última fase do tratamento, o
residente é preparado para o seu retorno à família, ao trabalho, aos estudos e ao convívio social. Principais
atividades realizadas:
Acompanhar o dependente e sua
família no processo de reconstrução
de vínculos familiares;
auxiliar o dependente na busca
de um emprego para que possa prover o seu sustento;
possibilitar a restauração dos vínculos familiares ou a construção de
novos;
Para atingirmos os objetivos propostos nessa fase, trabalhamos com
a metodologia de oficinas em grupo.
Esta pode ser definida como uma
"prática de intervenção psicossocial,
realizada em um contexto pedagógico, clínico, comunitário ou de uma
política social" (Afonso, 2000). É um
trabalho estruturado com grupos, sendo focalizado em torno de uma questão central que o grupo se propõe a
elaborar. Esta elaboração não se
restringe a uma reflexão racional,
mas envolve os sujeitos de maneira
integral.
Ainda de acordo com Afonso
(2000), as oficinas têm uma dimensão e potencialidade pedagógica,
através do incentivo no processo de
aprendizagem do grupo, a partir de
suas experiências e demandas, e
uma dimensão e potencialidade terapêutica, possibilitada pelo trabalho
com os significados afetivos vivenciados pelo grupo. A matéria de trabalho das oficinas é a própria história
de cada componente e a história de
todos que poderão ser transformadas
através da vivência do grupo. Um dos
a construção de habilidades técnicas, do
conhecimento mais específico se dá através da aprendizagem e confecção de artesanatos.
grandes objetivos das oficinas está
relacionado com a desconstrução de
preconceitos e tabus e a reconstrução social de valores e crenças. Assim, as oficinas possibilitam, simultaneamente, aprendizagem e reflexão
ao grupo trabalhado. Nessa proposta, o sujeito se torna ativo no seu processo, construindo, em conjunto com
o grupo e o apoio de um profissional,
o seu projeto de vida. Para isso, diversos aspectos devem ser abordados, desde questões subjetivas até
aquelas relacionadas à sobrevivência.
O trabalho em grupo é fundamental
neste processo, como forma de
apoio, proteção e também como possibilitador do conflito e da angústia, vitais para o processo de crescimento.
Visando atingir os diversos aspectos da vida do sujeito, as oficinas
serão divididas em três modalidades.
Estas modalidades correspondem à
possibilidade de aquisição de três tipos de competências e habilidades
importantes para a sua inserção social de forma mais autônoma e criativa. Podemos dividi-las em habilidades pessoais e sociais, que dizem
respeito a um conhecimento mais profundo e realista de si mesmo e de
seu lugar no mundo; habilidades
técnicas, relativas à aprendizagem
mais formal e instrumental; e habilidades de gestão, que estão relacionadas ao aprender fazer, ou seja,
administrar sua vida nos mais diversos aspectos.(Costa, 200); (Delours,
2000). Apresentamos a seguir cada
uma das modalidades:
Oficinas reflexivas: Enfocam as habilidades pessoais e sociais (ou psicossociais), através de técnicas que
possibilitem ao sujeito refletir sobre
sua identidade, seu percurso pessoal e social, sua autoestima, seus conflitos e medos, suas possibilidades.
Repensar sua vida, através de momentos de reflexão e vivência de suas
questões subjetivas e psicossociais,
torna-se fundamental para a construção do projeto de vida. Geralmente,
o dependente químico tem uma história de rupturas com seus vínculos
sociais, que podem ser resgatados
nestes momentos. De maneira processual, serão também construídas
o que Duarte (2004) chama de novas
redes de socialização e apoio no processo de reinserção. A condução das
oficinas será feita por um psicólogo e
um estagiário de psicologia, que terão o papel de facilitadores do processo. As oficinas são semanais,
com a duração de duas horas.
Oficinas de trabalho: Este é o momento da construção de habilidades
técnicas, do conhecimento mais específico que neste caso se dará através da aprendizagem e confecção de
artesanatos. A instrumentalização de
uma técnica específica pode contribuir para a inserção do sujeito na
sociedade. Mesmo que esta não seja
a atividade ideal para a pessoa, ou
aquela com a qual ela trabalhará posteriormente, seu efeito na implicação
do sujeito com o tratamento é sentido no processo, já que a aprendizagem do artesanato, sua criação e
construção exigem um compromisso e respeito a regras e normas que
são necessárias no seu processo de
recuperação. Um trabalho com início,
meio e fim, com um produto no final,
pode ter um efeito terapêutico importante para o sujeito em recuperação.
O coordenador desta oficina é um monitor que já trabalha com artesanato
na Comunidade, produzindo e ensinando diversos tipos de produtos.
Uma estagiária de Psicologia acompanha as oficinas, que ocorrem três vezes por semana, durante duas horas.
Oficinas de "gestão": Possibilitam ao sujeito aprender a organizar a
sua vida, em relação aos aspectos
pessoais, profissionais e econômi-
cos. Questões como identificação de
potencialidades, orientação profissional, economia doméstica, confecção de currículo, entre outras, são
enfocadas nessas oficinas. Todas
elas serão contempladas no projeto
de vida a ser construído durante todo
o processo. O sujeito terá a oportunidade de aprender a operacionalizar
suas ideias, estabelecendo metas e
objetivos de acordo com sua realidade. Vários profissionais estarão envolvidos nestas oficinas, como administrador, técnico em contabilidade e
psicólogo, trabalhando em rodízio,
com temas pertinentes a cada área
de conhecimento. As oficinas são semanais, com duas horas de duração.
É importante ressaltar que essa
divisão em modalidades é necessária para a operacionalização didática
da proposta. Entretanto, as três modalidades devem ser trabalhadas de
maneira articulada. Assim, para a
aquisição das habilidades de gestão
torna-se fundamental um conhecimento de suas habilidades psicossociais, e assim sucessivamente, estando todas as modalidades intimamente integradas
3ª Etapa: Pós-tratamento
As atividades são realizadas
após a alta do residente do tratamento em regime de internato, prosseguindo a sua recuperação em ações
desenvolvidas por grupos de autoajuda, clínicas de atendimento psicológico e reunião de ex-residentes do
CRER.
O atendimento à família continua
depois do período de tratamento por
meio de atividades de estudo sobre
situações de convivência com pessoas que possuem problemas com o
uso e/ou abuso de substâncias psicoativas e grupos de autoajuda.
Em 2001 a PUC Minas iniciou a
parceria com a Comunidade Reviver,
através de estágios curriculares do
curso de Psicologia da unidade São
Gabriel e do Serviço Social da Unidade Coração Eucarístico, com atuação
nas áreas de saúde mental, trabalho
e intervenção psicossocial, envolvendo atualmente oito estagiários curriculares do curso de Psicologia, e dois
do Serviço Social da unidade Coração Eucarístico. A partir desta parceria, foi desenvolvido um projeto de extensão universitária denominado
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A parceria com a Universidade possibilitou um avanço na formação dos estudantes, que
produzem conhecimento a partir da realidade e da demanda social
“Promovendo a Reinserção”, com o
objetivo de contribuir na elaboração
do projeto terapêutico da comunidade. A partir de então, passaram a ser
realizados atendimentos individuais e
em grupo aos residentes, triagem inicial dos usuários e acompanhamento do grupo de apoio aos familiares.
Nesse projeto de extensão estão envolvidos três professores do
curso de Psicologia, além de dois estagiários de extensão e dois psicólogos. Além de contribuir na profissionalização do trabalho da comunidade, a parceria entre a Universidade e
a Comunidade Reviver possibilitou um
avanço na formação dos estudantes,
que produzem conhecimento a partir
da realidade e da demanda social.
Certamente, serão profissionais com
melhores condições e competência
para atuar com a questão da dependência química, que se constitui hoje
em um grande desafio para a sociedade e para o poder público. Além disso, a pesquisa, a sistematização e a
produção de conhecimento são
avanços possibilitados por essa articulação.
Acreditamos que o trabalho com
dependentes químicos na Comunidade Reviver, assim como em outras
Comunidades parceiras, tem apresentado ótimos resultados. A adesão
ao tratamento tem aumentado, e também a diminuição do número de exresidentes em recaída. O trabalho de
prevenção à recaída e os grupos póstratamento tem propiciado um acom-
panhamento mais preciso dos fatores que interferem na manutenção da
abstinência. Com isso, rever periodicamente o programa terapêutico e viabilizar as mudanças necessárias tornou o processo de tratamento mais dinâmico e individualizado.
Atualmente, o trabalho das comunidades terapêuticas com pacientes crônicos tem se mostrado bem
eficiente na maioria dos casos. A adoção de um modelo mais acadêmico/
científico no tratamento, fugindo do tratamento somente espiritual, é um
bom caminho na busca de novas tecnologias. As aplicações dessas tecnologias na lógica do tratamento podem criar novas perspectivas nas
comunidades, assim como nas outras modalidades de tratamento a
dependentes químicos
Abstract
The proposed work aims to present the
trajectory of the therapeutic communities, especially the work of the Community Reviver in
Jaboticatubas / MG, which after a partnership
with PUC Minas / San Gabriel, has been developing new technologies for the treatment of
people who present chemical dependency
.This partnership has provided the evolution
of professors and students' new researches,
helping, this way, the therapeutic communities
residents' treatment. The focus of these treatments was only based on the triad "Work, Discipline and Prayer", according to the Minnesota model. However, the academic view has
fostered the emergence of new ways for the
treatment success.
46 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - NOVEMBRO DE 2011
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA- ANVISA. RESOLUÇÃO-RDC Nº 101, DE 30
DE MAIO DE 2001.
AFONSO, Lucia (org). Oficinas em dinâmica de
Grupo: um método de intervenção psicossocial.
Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2000.
ARATANGHY, Lídia Rosenberg. Doces Venenos:
conversas e desconversas sobre drogas. São
Paulo, Ed. Olho d´água.1991.
BAUKELAND, M. Bonding in a Therapeutic Community (pp.76-82). Grece: Kethea, 1995 (Therapy
Center for dependent individuals).
CORDEIRO D, FIGLIE N, LARANJEIRA R. Boas
Práticas no Tratamento do Uso e Dependência
de Substâncias. São Paulo: Editora Roca Ltda, 2007.
COSTA, Antônio Carlos G.; COSTA, Alfredo Carlos
G.; PIMENTEL, Antônio P. G. Educação e vida:
um guia para os adolescentes. Modus Faciendi.
Belo Horizonte, 1998.
DELORS, Jacques (org). Educação: um tesouro
a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasilia: MEC/
UNESCO, 2001.
FEBRACT. Drogas e Álcool - Prevenção e Tratamento. São Paulo: Ed. Komedi, 2001.
FOCCHI G, LEITE M, LARANJEIRA R, ANDRADE A. Dependência Química - Novos Modelos
de Tratamento. São Paulo: Editora Roca, 2001,
v.2000. p.164.
I FÓRUM NACIONAL ANTIDROGAS. Relatórios
Preliminares. Comunidades Terapêuticas, 1999.
FRACASSO, L. Características da comunidade
terapêutica, 2002 [on-line]. Disponível: http://www.
comciencia.br [Acesso:maio 2004].
KALINA, E., & KOVADLOFF, S. (1988). Drogadicção. Rio de Janeiro:Francisco Alves. Lavara, N.
(2004). La eficácia de las comunidades terapêuticas a examen. [on-line]. Disponível:
http:www.entorno social.es/document_n04/
aass5502.html [Acesso: 7 maio 2004].
MILLER, W.R.; Thoresen, C.E. Spirituality, religion, and health: an emerging researchfield.
American Psychologist 58(1): 24-35, 2003.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Agência Nacional De
Vigilância Sanitária. Regulamento Técnico disciplinando as exigências mínimas para o funcionamento de serviços de atenção a pessoas
com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas. Resolução-RDC
Nº 101, DE 30 DE MAIO DE 2001.
OLIVEIRA, L.C.. Variáveis críticas da reincidência às drogas em faramacodependentes.
Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade
Católica de Campinas,1997.
POZAS, J.E.M.. Comunidades terapêuticas en
España: evolución histórica, situación actual y
perspectivas, 1996 [on-line]. Disponível em: http:/
/www.ieanet.com/boletin/ opinion.html
POULOPOULOS, C. (1995). The new challenges
for Therapeutic Comunities (pp. 103-105). Grece:
kethea (Therapy Center for dependent individuals).
Seibel, S.D., & Toscano, A. (2001). Dependência
de drogas. São Paulo: Atheneu.
REVISTA ESTUDOS DE PSICOLOGIA. Comunidades terapêuticas como forma de tratamento
para a dependência de substâncias psicoativas. Nathalí Di Martino SABINO & Sílvia de Oliveira Santos CAZENAVE. Campinas, 2005
SEIBEL, S. D. Dependência de Drogas. Sérgio
Dário Seilbel, Alfredo ToscanoJr....[et.al]-São
Paulo:Editora Atheneu,2000.
SERRAT, Saulo (Org.). Drogas e álcool, prevenção e tratamento. Campinas: Komedi, 2001. 384 p.
SILVEIRA, D.X.. Drogas: uma compreensão psicodinâmica das farmacodepêndencias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995.
SILVEIRA, D.X.. Dependência: compreensão e
assistência às toxicomanias. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 1996.
Instruções para colaboradores
A revista PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL é uma publicação da Câmara
Intersetorial da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte. Com periodicidade trimestral, a publicação pretende, além
de informar sobre o trabalho que vem
sendo desenvolvido pela PBH no âmbito das diversas áreas temáticas sociais (Abastecimento, Assistência Social,
Cultura, Educação, Esportes, Direitos de
Cidadania e Saúde), criar um espaço
de reflexão sobre estas ações, em qualquer âmbito.
Os trabalhos oferecidos para serem
publicados, sempre que o editor geral
julgar necessário, serão submetidos à
apreciação de dois membros do Conselho Consultivo, constituído por representantes da comunidade acadêmica
de belo-horizontina, nacional e internacional, notoriamente reconhecidos
como especialistas nas supra citadas
áreas. A estes será dado o direito de recusar
algumas
colaborações,
explicitando os critérios utilizados na avaliação, ou fazer sugestões quanto à
estruturação e redação dos mesmos
para tornar mais prática a publicação e
manter a uniformidade editorial. No
caso de artigos reenviados, a decisão
final subre sua publicação cabaerá ao
editor geral.
A publicação é constituída por:
1- Artigo: revisão crítica sobre tema
pertinente à política social com o máximo de 10 páginas, em corpo 12, espaço 1/2, fonte Times New Roman, entregue em CD, disquete ou enviado por
e:mail.
2- Opinião: opinião qualificada sobre tema específico da política social, a
convite dos responsáveis pela publicação (máximo de cinco páginas, espaço
1/2, em corpo 12, fonte Times New
Roman, entregue em disquete, CD ou
enviado por e:mail).
3- Debate: artigo teórico que se faz
acompanhar de respostas a questões
apresentadas por representantes de
distintos setores ou correntes de opinião relacionados ao assunto em pauta, convidados pelo editore e/ou sugeridos pelos integrantes do Conselho
Consultivo. O texto principal deverá conter no máximo sete páginas, com espaço 1/2, corpo 12, fonte Times New
Roman, a ser enviado por e-mail ou entregue em disquete ou CD.
4- Tese: resumo de tese ou dissertação de interesse da política social, defendida no último ano (máximo de 10
páginas, espaço 1/2, em corpo 12, fonte Times New Roman, entregue em CD,
disquete ou enviado por e:mail).
Obs: todas as colaborações devem
utilizar em programas compatíveis com
DOS ou Windows.
Artigos, Opinião e Tese
Nas colaborações na forma de Artigo, Opinião ou resumo de Tese devem
constar os títulos, podendo o editor-ge-
ral solicitar alterações sempre que houver duplicidade ou semelhança com os
títulos de outros textos entregues anteriormente pelos respectivos autores.
Todos os trabalhos devem ser assinados, com referência explícita à principal função, título ou cargo ocupado pelo
autor.
Ilustrações
O espaço destinado às Tabelas e/
ou Figuras (gráficos, mapas, desenhos
etc.) não será acrescido ao do texto, conforme as indicações anteriores. O editor-geral poderá, contudo, solicitar a redução do número de ilustrações em função do espaço total (texto + ilustrações)
destinado ao artigo e que não deverá
ultrapassar a sete páginas da revista.
As tabelas, gráficos, mapas, desenhos
etc. deverão ser entregues em separado, devendo constar no texto apenas a
indicação do local onde devem ser
inseridas. No caso das ilustrações serem entregues já digitalizadas, os arquivos deverão ser salvos em formato
Tiff, EPS, JPEG ou versão compatível
com o Corel Draw. Cada ilustração deve
ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser
suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao
texto. As referências às ilustrações no
texto deverão ser mencionadas entre
parênteses, indicando a categoria e número da tabela na figura. Ex: (Tabela 1).
Fotos
As fotos poderão ser coloridas ou
em preto-e-branco, ficando a critério do
editor avaliar sua qualidade estética e
de reprodução. Estas deverão vir acompanhadas de autorização do autor,
abrindo mão dos direitos autorais. À
exceção das fotos adquiridas para a
composição de acervos e arquivos, a
todas elas será dado crédito de autoria.
Notas de Rodapé
Na utilização das notas de rodapé e
referências bibliográficas serão observadas as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), abaixo sintetizadas.
As notas de rodapé têm por objetivo
fornecer ao leitor uma explicação ou esclarecimento que não deve ser incluído
no corpo do texto para não interromper
sua seqüência lógica. As chamadas das
notas de rodapé devem ser feitas usando-se algarismos arábicos na entrelinha superior, sem parênteses. No caso
das notas de rodapé do tipo bibliográfico, estas devem conter (pela ordem) o
nome do autor (ou autores), título da obra
e página consultada, de acordo com o
exemplo abaixo.
Ex: BORJA, Jordi. Descentralización
y Gobierno Democrático: critérios para
la acción, p.22.
- Os termos essenciais devem obedecer a seguinte ordem de entrada: o
nome do autor (ver especificações abaixo), o título da obra (que deverá vir em
destaque, itálico), a edição (que só é
colocada a partir da segunda e sempre
será indicada por algarismos arábicos.
Ex: 4.ed., o local da publicação e a editora, cujo nome não é acompanhado
por termos que indiquem a natureza jurídica da empresa (Cia., S.A., Filho,
Ltda.). A palavra editora só é usada no
caso de editoras com nomes de cidades ou países. Ex: Editora Belo Horizonte, e o ano da publicação, sempre indicado em algarismos arábicos, sem ponto dividindo as unidades.
- São considerados dados complementares a coordenação, a organização, o subtítulo, a tradução. O nome do
coordenador ou organizador deve aparecer na ordem indireta com sua função indicada de forma abreviada entre
parênteses. O subtítulo da obra não recebe nenhum tipo de destaque e é antecedido por dois pontos. No caso de
tradução, o nome do tradutor figura logo
após o título do trabalho.
• Pontuação: o sobrenome e o prenome do autor são separados por vírgula. Para separar o título do subtítulo
de uma obra deve-se usar dois pontos,
que também são usados para separar
o local da editora.
• O nome do autor deve ser grafado
o último sobrenome seguido pelos prenomes.
Ex: MARQUES, Gabriel García.
• Se o sobrenome for composto,
deve ser referenciado a partir do penúltimo sobrenome.
Ex: SILVA NETO, João Batista.
• Em uma obra escrita por até três
autores, todos devem ser citados, usando-se ponto-e-vírgula para separá-los
entre si. Se forem mais de três autores,
são mencionados os três primeiros seguidos da expressão et al. (e outros).
• Entidades coletivas: os órgãos governamentais, empresas e entidades
públicas devem ser referenciadas pelo
título.
Ex: BRASIL. Constituição Federal.
Brasília: Senado Federal, 1988.
• Local e editora: o local deve ser
transcrito na forma que se encontra na
publicação. Se houver homônimos,
acrescenta-se o Estado ou País.
• O nome da coleção deve vir após
o ano da publicação, entre parênteses.
• O nome do tradutor é citado após o
nome da obra.
• Quando houver mais de uma obra
de um mesmo autor, deve-se colocálas em ordem alfabética do título ou por
ordem cronológica. O nome do autor repetido é substituído por um traço.
Referências Bibliográficas
- As Referências devem ser
formatadas em ordem alfabética.
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL NOVEMBRO DE 2011
47
PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL
é uma publicação da Câmara Intersetorial de Políticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte. Os artigos assinados são
de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião dos responsáveis pela edição da
revista. Não é permitida a reprodução de textos ou fotos sem autorização dos autores.
Download