artigo completo - Clínica Terapêutica Viva

Propaganda
Internação como método eficaz de tratamento para dependentes de crack
O crack é uma substância entorpecente devastadora do organismo, da mente e da função
social da maioria dos indivíduos que ousaram experimentá-la. Atualmente, os números
relativos a seu consumo são alarmantes, assumindo proporções endêmicas no Ceará e no
Brasil. As condições de vida social estressantes as quais todos estão submetidos acabam
fragilizando o comportamento daqueles que sofrem com as exigências impostas pela família e
sociedade, fazendo com que estes, se expostos ao contato com um artifício que modifique seu
lado emocional, proporcionando êxtase de forma instantânea e sem esforços, tornem-se
usuários contumazes do crack e seus efeitos. A grande questão são os problemas relacionados
ao seu uso, ou seja, seus efeitos colaterais. O usuário de crack, geralmente, em pouco tempo
de consumo, torna-se um dependente e, desse modo, tem diversos órgãos (prejudicando
estômago, pulmões, coração, cérebro, etc.), pensamentos (produzindo delírios, alucinações e
problemas cognitivos) e emoções (ocasionando agressividade, depressão, ansiedade) alterados
a partir do uso. Tais alterações perturbam sobremaneira o comportamento levando o
dependente a enfrentar a polícia ou traficantes inconsequentemente e a roubar e, até mesmo,
matar pessoas desconhecidas ou não.
Diante desta problemática, surge o debate acerca do tratamento adequado para dependentes
químicos, em especial, para dependentes de crack. O internamento é considerado a última
alternativa no tratamento os dependentes, segundo orientação da política antimanicomial
preconizada pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Municipal da Saúde. Partindo da
experiência de que o regime fechado ao longo de anos não funcionou, a Prefeitura só
recomenda a internação se o paciente não responder adequadamente ao tratamento nos
Centros de Atenção Psicossocial Anti-Drogas (Caps AD). Acredita-se que, estando em regime
aberto ou semi-aberto, ou seja, em tratamento ambulatorial ou semi-internato, o indivíduo
pode enfrentar os riscos da recaída já em contato com o mundo real.
O tratamento em regime aberto realmente apresenta grandes vantagens em relação à
internação, na medida em que o indivíduo tem condições de manter as relações sociais,
profissionais e familiares estavelmente, dando continuidade ao seu projeto de vida e aplicando
os conceitos aprendidos sob tratamento psicológico no que se refere ao manejo da fissura e
emprego de estratégias para enfrentamento de situações de risco para o uso da droga. No
entanto, esta modalidade de tratamento tem algumas restrições em relação ao perfil do
paciente que procura tratamento (ou para o qual a família procura tratamento). As
características importantes de serem notadas são basicamente a compulsão pela droga, ou
seja, a perda do controle sobre o uso, distorções de caráter, especialmente em relação à falta
de sinceridade sobre os sintomas vivenciados, bem como a exposição inexorável aos fatores de
risco presente em moradores de áreas socioeconomicamente desfavoráveis. Deixando de lado
a óbvia questão política envolvida neste ultimo fator supracitado, a equipe multiprofissional
que acolhe o usuário que retém tais características deve estar ciente dos riscos de manter este
perfil de paciente sob regime aberto ou semi-aberto sob pena de, além de não atingir os
objetivos de incrementar sua qualidade de vida, vir a prejudicar este sujeito, pois o mesmo
continua sofrendo os efeitos adversos do uso da substância psicoativa.
Nestes casos, a alternativa mais responsável, abalizada por anos de tratamento especializado
para dependência química é exatamente o regime fechado de cuidados ao doente. A premissa
básica em questão se refere ao fator eminentemente bioquímico existente na dependência do
crack. Esta substância interage disfuncionalmente com o cérebro e seus neurônios, criando
uma necessidade biológica que impulsiona o sujeito a inalar a fumaça derivada da queima da
pedra de crack. Dado que o pensamento, o comportamento e as emoções são gerados no
cérebro, a doença dependência química (considerada pela ciência, atualmente, crônica)
revela-se de difícil controle por parte do usuário, pois justificativas e impulsos para o uso
ocorrem subitamente e este se vê sem condições arbitrárias de proteger-se contra as
conseqüências da utilização da droga. Sendo assim, preconiza-se o regime de internação por
duas razões básicas: desintoxicação e restabelecimento de condições neuroquímicas, ao nível
de moléculas neuronais de transmissão da informação, devido ao mecanismo da
neuroplasticidade, no qual o uso da droga ou sua abstinência criam condições fisiológicas em
que o funcionamento cerebral tende a se adaptar para se estabilizar. Outra razão
neurobiológica para intervir mediante a modalidade de tratamento por internação junto ao
dependente químico, se refere ao funcionamento prejudicado do lobo frontal do cérebro,
alterado neste tipo de paciente psiquiátrico. Esta região, localizada na parte de frente do
cérebro, gerencia socialmente o comportamento dos indivíduos, controlando seus impulsos e
impedindo a tomada de decisões potencialmente prejudiciais. Desse modo, não é de
surpreender que o dependente químico não tenha o devido controle sobre seu próprio
comportamento, impulsionando-o agir de forma auto-destrutiva. Hoje em dia, existem e estão
sendo aprimoradas medicações alopáticas e fitoterápicas de combate ao desejo quase
irresistível de uso da substância e que colaboram na desintoxicação que agem no cérebro
diretamente no tratamento neurobiológico de paciente em atendimento.
Obviamente, estando em internação, o sujeito não deve ser apenas tratado em relação a seus
aspectos biológicos, mas também ser estimulado a participar ativamente de grupos
terapêuticos, sessões de psicoterapia individual, psicoeducações, programas de prevenção à
recaída e elaboração cuidadosa de um projeto de vida. A família deste paciente também deve
ser ouvida e devidamente orientada em relação à doença e possíveis co-morbidades (outras
doenças presentes), ao próprio processo de recuperação, para participação em grupos de
mútua ajuda, bem como ser considerado possível encaminhamento à psicoterapia àquele
parente mais fragilizado. Uma etapa fundamental no atendimento deste perfil de paciente é a
continuidade da assistência pós-internação, complementando com todas as vantagens do
tratamento ambulatorial o período de recuperação da dependência química de um pesado
usuário de crack, totalizando o modelo biopsicossocial de assistência à saúde.
Enfim, a modalidade de tratamento por internação não se trata, em hipótese alguma, de
violação da liberdade individual, mas de responsabilidade sobre uma pessoa que já não tem
posse das faculdades executivas de seu comportamento, na medida em que o cérebro desta
encontra-se eminentemente perturbado pelas propriedades farmacológicas de uma das
substâncias psicoativas mais prazerosas e devastadoras que a humanidade já produziu. Em
resumo, esta alternativa de tratamento resguarda peculiaridades que a torna imprescindível
para a eficácia na recuperação de dependentes químicos graves, ou seja, a maioria dos
usuários de crack das ruas e residências de Fortaleza.
TAUILY CLAUSSEN TAUNAY
psicólogo, especializando em Neuropsicologia
Download