O CONCEITO DE CIDADANIA EM HEGEL Gabriel

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O CONCEITO DE CIDADANIA EM HEGEL
Gabriel Medeiros Caires
Universidade de São Paulo/Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
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Resumo
Este trabalho investiga o conceito de cidadania em Hegel à luz de sua proposta dialética (histórica) de
apreensão do ser. O trabalho está dividido em dois momentos: o primeiro corresponde a uma investigação
metodológica sobre o sistema hegeliano; o segundo momento é a investigação propriamente da cidadania,
a partir da metodologia desenvolvida no primeiro momento. Ao fim resulta que o conceito de cidadania
conforma uma relação dialética e ativa. Por uma lado, o indivíduo reconhece seus deveres como cidadão
em um Estado como condição para sua liberdade subjetiva; por outro lado, ao ser um cidadão, ele toma
parte na vontade substantiva, e é portanto objetivamente livre.
Palavras Chaves: Idealismo germânico, Cidadania, Estado.
Abstract
This work inquires the concept of citizenship in Hegel, considering his dialectical (and historical) proposal of
apprehension of being. This work is divided in two moments: the first being a methodological investigation of
the Hegelian system; and the second moment being the investigation of the citizenship, considering the
methodology that was developed before. At the end we have as a result that the concept of citizenship
comprehends a dialectal and active relation. For one side the individual recognizes his duties as citizen in
the State as a condition for his subjective freedom; for the other side, by being a citizen he takes part in the
substantive will, and therefore is objectively free.
Key words: German idealism, Citizenship, State.
SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP
Introdução
O contexto de Hegel é o da busca pela reconciliação entre o conhecimento e a verdade. Essa busca
justifica-se nos momentos anteriores do espírito. O primeiro momento corresponde a uma consciência unida
ao absoluto na forma unilateral da substância, e por isso confiante na verdade abstrata. No segundo
momento, por sua vez, o espírito se colocou do lado oposto dessa relação, mostrando como irreconciliáveis
o conhecimento e a verdade. Opondo-se aos filósofos de seu tempo, como Schelling, para Hegel a verdade
poderia ser conhecida racionalmente. Isso é o que, portanto, anima o desenvolvimento de seu sistema. O
sistema hegeliano se funda na compreensão da verdade como um processo. Este processo próprio do
sistema dialético resulta no método a partir do qual a verdade se mostra, e que portanto é utilizado na
investigação.
Passamos assim à segunda fase do trabalho, que consiste propriamente em investigar o conceito de
cidadania. Para tanto, convém de início expor a forma como Hegel compreende e enfrenta o problema
politico de seu tempo, a saber, o da separação entre a liberdade individual e a realização objetiva da
liberdade. Seu projeto fundamental é o homem total, o projeto da liberdade ou da felicidade - do prazer de
estar-em-si-mesmo -, e para realizar esse projeto ele percorre um itinerário que culmina em Iena, onde
Hegel reconcilia a história e a razão e finalmente dá os contornos definitivos ao seu sistema. Ele harmoniza
a liberdade individual, subjetiva, com a esfera ética e objetiva da liberdade. Em sua forma final, seu sistema
compreende a esfera política como insuficiente, porém fundamental para o desenvolvimento do espírito.
Acercando-se do conceito de cidadania, percebe-se que ele se encontra no terceiro momento do seu
sistema, isto é, no espírito. O que é o espírito? Compreendê-lo importa reconhecer o desenvolvimento do
conceito a partir do qual ele se manifesta. A primeira aparição do espírito é em oposição à natureza.
Enquanto a natureza é a manifestação da ideia no elemento do “fora-um-do-outro”, da exterioridade, o
espírito é seu oposto, a recondução da exterioridade à interioridade, isto é, a idealidade. A idealidade
corresponde à liberdade formal, possibilidade inerente ao espírito, que é livre. Esse momento corresponde
ao espírito subjetivo. No entanto, essa liberdade abstrata é igual a não liberdade, e por isso o espírito deve
se concretizar em vista da suprassunção desse momento. O momento dessa suprassunção é o da
manifestação do espírito, enquanto espírito que se efetiva. A efetivação consiste em tomar a natureza e
conformá-la de acordo com as leis racionais do espírito, produzindo a cultura. Esse momento corresponde
ao espírito objetivo.
No momento do espírito objetivo vemos o desenvolvimento da vontade livre em direção a sua efetivação.
Considerando que a vontade se torna efetiva e substancial somente na eticidade (Sittlichkeit) –
especialmente no Estado -, as fases anteriores correspondem ao direito e à moralidade, nas quais a
liberdade busca sua existência e sua universalidade. No entanto, é somente quando é possível ao indivíduo
reconhecer sua própria vontade como parte da vontade substancial, isto é, como parte de um Estado, que
sua vontade subjetiva é alçada à forma racional. Nesse ponto o indivíduo é um cidadão.
Objetivos
O objetivo principal desse trabalho consiste em compreender o conceito de cidadania à luz do pensamento
de Hegel. Para isso, estabeleceram-se objetivos parciais. Primeiramente compreender, por uma questão de
método, o eixo do sistema hegeliano, isto é, sua proposta dialética-histórica de compreensão do ser. Em
seguida, debruçar-se sobre tema, que é a cidadania. Como a cidadania corresponde à esfera do espírito
objetivo, convém antes compreender, ainda que em caráter preliminar, os momentos que marcam o
desenvolvimento do espírito.
Posteriormente, o trabalho objetiva compreender, após uma breve retrospectiva histórica do pensamento
político de Hegel, o espírito objetivo. Neste ponto a busca é por tornar evidente a progressão da vontade
racional em seus momentos - direito abstrato, moralidade e vida ética.
O último momento - o da vida ética - corresponde justamente à efetivação da liberdade. Nela, e mais
propriamente na relação entre a família, a sociedade civil e o Estado, finalmente o homem afirma-se em sua
essência ética. Por isso, o objetivo final do trabalho é extrair do desenvolvimento anterior o sentido do que é
a relação do homem com a vontade racional, isto é, com o Estado. É esta relação que o torna um homem
livre e um cidadão.
SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP
Materiais e Métodos
A tarefa será realizada tendo por base o estudo dos textos de proeminentes comentadores da obra
hegeliana que dialoguem com aspectos do problema exposto, bem como o aprofundamento no estudo das
obras mais relevantes do autor sobre o assunto. Ademais, o sistema hegeliano determina ele mesmo um
método a ser seguido, pois seu sistema se funda na compreensão da verdade como um processo.
Especificamente, um processo dialético, pois é possível acompanhar os movimentos no quais a verdade se
manifesta. Do ponto de vista do pensamento, a dialética opera por um processo no qual, primeiramente, se
busca a verdade de algo pelo pensamento. Assim, pela natureza do pensamento, o pensamento pensa o
objeto separando-o de sua realidade inicial. No entanto, o momento de separação não revela a
impossibilidade de se chegar a verdade, pois também o objeto só é na medida em que ele pode ser
pensado; na medida em que ele é pressuposto pelo pensamento. Ou seja, o pensamento nega o objeto,
mas o objeto nega a si mesmo como objeto imediato, resultando na manifestação de sua verdade, que é
seu Conceito. Assim, a verdade é um movimento que pressupõe a si mesma para poder se descobrir. Esta,
naturalmente, é uma das possíveis formas de compreender a dialética. Deste processo próprio do sistema
dialético resulta o método a partir do qual a verdade se mostra, e que portanto será utilizado na
investigação, a saber, o método analítico e sintético.
Resultados
Primeiramente, é possível reconhecer em Hegel um pensamento sistemático. A verdade para Hegel não é
estática, mas um movimento realizado pelo próprio conceito para se conhecer. Por consequência, investigar
o conceito de cidadania significa seguir rigorosamente o desenvolvimento do conceito em suas partes.
A verdade filosófica é a automanifestação do conceito, que progride em diversas fases. Primeiramente
como natureza, que no entanto é suprassumida para formas mais elevada, i.e. manifestações espirituais. O
desenvolvimento do terceiro volume da enciclopédia das ciência filosóficas (1830), trata especificamente do
conceito de espírito, demonstrando detidamente o desenvolvimento desse conceito. São três momentos nos
quais o espírito se desenvolve. Primeiramente ao conhecer a si mesmo como uma manifestação genuína de
sua liberdade subjetiva, abstrata e infinita, isto é, em sua idealidade. Posteriormente, como espírito objetivo,
ele se concretiza, dando efetividade à liberdade, que é sua essência. Por fim, em um último momento, ele é
a unidade destes dois momentos anteriores. Nessa unidade ele é infinito, e portanto é o espírito absoluto.
A cidadania corresponde a esfera do Estado, no espírito objetivo. Este é um ponto central da esfera política
do pensamento hegeliano, que tem fundamental importância na história de seu pensamento. Observou-se
que desde Tübingen (1788 - 1793) Hegel encontrou um problema de natureza política, e que sua filosofia
procuro resolver, qual seja, o estado aparentemente apolítico que dominava seu tempo, sobretudo quando
em comparação da bela cidadania vista na antiguidade grega. Desde então o itinerário do seu pensamento
percorre os temas centrais, sobretudo de ordem histórico-teológicos, no afã de reestabelecer essa harmonia
perdida. Finalmente, com a Fenomenologia do espírito (1807), Hegel encontra o sentido da história na
razão. Desde então sua proposta é a de organizar especulativamente os elementos envolvidos no presente
de modo que eles espelhem o ideal de liberdade presente em sua própria época.
No espírito objetivo, momento próprio da política, primeiramente a vontade livre – que é liberdade ativa – se
manifesta na forma incipiente do direito abstrato. Tem origem nesta esfera a pessoa. Em um segundo
momento essa liberdade é reconhecida em sua universalidade a partir da esfera da moralidade, onde a
pessoa distingue a responsabilidade por seus atos segundo um critério moral de Bem. Neste ponto o agente
é também um sujeito. O que se percebe, no entanto, é que a liberdade ainda não se efetiva completamente
nesta esfera, pois falta um conteúdo objetivo ao Bem. O momento em que enfim se realiza a liberdade no
seio da realidade é o momento da eticidade, ou vida ética. Nele o homem reconhece um conteúdo para a
vontade, cuja natureza de costumes éticos é dado pela própria liberdade. O homem ético efetivamente
realiza sua humanidade ao concretizar sua liberdade humana.
A substância ética é em três momentos. Inicialmente na família, onde a relação ética é sentida
imediatamente na forma do amor ao gênero humano. Em um segundo momento, na multiplicidade de
indivíduos éticos e em sua liberdade de buscar seus interesses particulares na esfera privada da sociedade
civil. Esta esfera se organiza no trabalho para satisfação das necessidades cuja forma mais desenvolvida
são as corporações e o Estado externo. Por fim, a substância ética é o Estado, cuja essência é a família, e
cuja forma é a sociedade civil. Sua estrutura é de justamente promover ambas, dando portanto um sentido
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mais elevado de partes do todo que é a vontade racional. Na vida ética o homem estabelece uma relação
de direitos e deveres para com o Estado, e nesta relação ele é um cidadão. A cidadania, portanto, é o
resultado do desenvolvimento da vida ética, onde o indivíduo é conservado como indivíduo no seio do
Estado. Sua participação nos assuntos estatais, embora pequeno nos Estado modernos, é realizada na
forma orgânica da corporações.
Conclusões
De acordo com o que se observou na análise precedente, conclui-se que para Hegel, em primeiro lugar, a
cidadania é um resultado do processo de efetivação da liberdade humana. O homem é um cidadão quando,
por um lado, reconhece seus direitos enquanto indivíduo dotado de um valor infinito, resultado da liberdade
subjetiva. Por outro lado, a cidadania consiste em reconhecer os deveres perante o Estado como condição
para manter vivo sua própria individualidade. O indivíduo nesse processo participa da vontade racional, e
como resultado tem seu papel de indivíduo revigorado pela ideia de liberdade, cujo momento de efetivação
suprema é o Estado. Percebe-se portanto que Hegel não estabelece uma relação de oposição entre
indivíduo e Estado. Existe, como ele mesmo prevê, uma relação tensa e por isso mesmo viva entre ambos,
e é justamente essa relação que proporciona sentido às duas esferas, como é próprio de uma relação
dialética.
Ademais, percebeu-se que embora a democracia não seja o ponto central do debate conduzido por Hegel,
ele tece interessantes crítica aos modelos de vontade da maioria, e os considera formas abstratas de
governo. Isso porque para ele a participação dos particulares nos assuntos do Estado deve assumir a forma
orgânica das corporações. Há outras formas, evidentemente, mas de caráter inorgânico, e de menor
importância. Essas críticas são um convite à novas investigações.
Finalmente, o pensamento de Hegel está restrito a uma época que se diferencia da nossa pela relação com
a metafísica. Vivemos em uma época considerada pós-metafisica, enquanto Hegel é um autor
reconhecidamente tributário do estudo das causas primeiras do conhecimento do ser. Essa diferença é
ainda um sério problema na articulação atual de seu pensamento, e não é incomum que sua filosofia seja
descartada como um idealismo anacrônico. Essa é, se não a maior, uma das questões mais importantes,
sobre a qual há interessantes pontos de ambos os lados. Sem embargo, vale lembrar que uma
característica própria de nossa época é a pluralidade, isto é, em oposição à verdades únicas, defende-se a
possibilidade infinita delas. Surge portanto um espaço infinito de verdades com o qual o pensamento pode
se ocupar. Neste espaço, como se pode ver a partir do trabalho realizado, o pensamento hegeliano confia àqueles que realmente desejem ocupar-se de sua filosofia - uma riqueza única e imensa profundidade na
compreensão da nossa realidade.
Referências Bibliográficas
BOURGEOIS, Bernard. O pensamento politico de Hegel. São Leopoldo: UNISINOS, 2000. 148 p.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das ciências filosóficas III: A filosofia do espírito. São
Paulo: Loyla, 1995. 365 p.
______. Elements of the philosophy of right. New York: Cambridge University Press, 2008. 514 p.
KERVÉGAN, Jean-François. Hegel e o hegelianismo. São Paulo: Loyola, 2008.127 p.
PERTILLE, José Pinheiro. O Estado racional hegeliano. Veritas: Revista de Filosofia da PUCRS, Porto
Alegre, v. 56, n. 3, p.9-25, 2011.
ROSENZWEIG, Franz. Hegel e o Estado. São Paulo: Perspectiva, 2008. 649 p.
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