Almirante Hernani Goulart Fortuna – Revista da - Indymedia

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O desafio brasileiro no início do século XXI
Almirante Hernani Goulart Fortuna – Revista da ESG, no 41, jan-dez/2002, pp. 32-47.
“Quando não se pode fazer tudo o que se deve, deve-se fazer tudo o que se pode”
Almirante Paulo Frontin
Prólogo
O crepúsculo vespertino da última década do século XX leva-nos a recordar a
dramática sucessão dos acontecimentos, até então inimagináveis, para um cenário que parecia
cristalizado ao final dos anos 80, a saber:
a) a invasão do Panamá e o isolamento de Cuba, na América Central;
b) a queda do muro de Berlim, com a autonomia e libertação dos países do Leste Europeu;
c) o fracionamento dos Bálcãs e a independência dos países que integravam a antiga
Iugoslávia;
d) a invasão do Kwait pelo Iraque e a guerra do Golfo, que restabeleceu o status quo no
Oriente Médio;
e) o desmembramento do Império Soviético e a criação da CEI (Comunidade dos Estados
Independentes);
f) a reafirmação política da China, que inicia uma trajetória onde busca equacionar seus
problemas econômicos com taxas de crescimento espantosas e de impacto tecnológicoprodutivo, agredindo as normas de competitividade da Organização Mundial do Comércio
[OMC];
g) a convulsão da África Subsaárica, em face de uma divisão política imposta pela teimosia
dos antigos colonizadores, que resultou na eclosão de conflitos tribais, dificultando sua
verdadeira emancipação e atrasando seu desenvolvimento;
h) a busca da América do Sul em superar sua dependência de poupança externa para
complementar seu desenvolvimento, alterando sua condição de importadora de tecnologia e de
bens de capital e de exportadora de matérias-primas de baixo valor agregado.
O comércio multilateral que floresceu sob o mundo bipolar evoluiu para um
relacionamento mais abrangente, envolvendo grandes conglomerados econômicos, políticos,
militares e tecnológicos, viabilizando a configuração de macro-mercados, seja a nível regional,
seja a nível continental.
A alvorada do século XXI vê nesse novo processo uma globalização que se traduz
por uma maior abertura das economias e pela interação dos sistemas produtivos internacionais.
O governo Bush instala-se nos EUA e reafirma sua condição de potência hegemônica
num ambiente de economia globalizada. Sua visão realista do mundo considera este,
inerentemente, um lugar de conflitos, com os Estados nacionais buscando a consecução de
seus interesses, empregando todos os meios ao seu alcance e, portanto, a segurança nacional
não pode ser, apenas, garantida pela cooperação internacional.
Os desdobramentos dessa visão americana significam que os conceitos de Poder,
Política, Estratégia e Objetivos são agora mais amplos e sofisticados, num novo ordenamento,
estabelecendo mecanismos de proteção que privilegiam os países desenvolvidos do hemisfério
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norte, congregando 85% da riqueza de um mundo globalizado, em detrimento daqueles que,
no hemisfério sul, usufruem, apenas, 15% da riqueza gerada no planeta. (PNUD – Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em seu relatório de 1999 para o desenvolvimento
humano).
A inserção brasileira
A inserção do Brasil na América do Sul resulta em uma imensa fronteira terrestre que
recebe estímulos de 10 países, três dos quais guardam efeitos recentes de seus antigos
colonizadores e estamos falando aqui das 3 Guianas.
Embora os conceitos de geopolítica possam definir o Brasil como um país
continental, em face de seu quociente de maritimidade apresentar um índice próximo de ½,
torna-se necessária uma análise mais realista da posição brasileira no continente sulamericano.
A vivificação de suas fronteiras terrestres é incipiente, em face de imensos vazios
demográficos ao norte e a oeste, o que dificulta, sobremaneira, a ocupação racional de seu
território que, ao contrário dos EUA, não pôde realizar-se no sentido dos paralelos e
meridianos, porém, através de aspectos ditados por circunstâncias de momento, como os
acréscimos territoriais oriundos de sucessivas violações do Tratado de Tordesilhas.
Assim, após o reconhecimento dessas violações, o Tratado de Madri e o Tratado de
Santo Ildefonso revelaram ao mundo um Brasil bem diferente daquele contido, desde sua
descoberta, pelo meridiano que vai de Belém do Pará a Laguna em Santa Catarina
O Brasil, no limiar do século XXI, é o quinto maior país em extensão territorial e,
também, o quinto maior em população, com 170 milhões de habitantes. É o 10º PIB do planeta
e conheceu um dos processos de urbanização mais rápidos do mundo. Esse processo,
entretanto, gerou contrastes brutais, frustando as expectativas de um crescimento ordenado em
seus aspectos regionais. Com sua população concentrada ao longo da costa Atlântica, 80% dos
brasileiros vivem nas cidades, 40% em grandes conglomerados urbanos, quase todos no
litoral.
Um país fortemente industrializado, onde o setor primário representa apenas 20% de
sua população, levou a uma modificação do perfil das trocas externas, com os produtos
industriais representado 65% das exportações em seu comércio exterior.
Os espaços oceânicos ganham uma especial importância, seja porque 95% do
comércio exterior brasileiro é feito pelo mar, seja porque se pode vislumbrar e definir os
interesses marítimos brasileiros, a partir de sua imensa fronteira líquida mergulhada no
Atlântico.
Assim, há interesses nas linhas de comunicação, decorrentes das rotas de circulação
para o Pacífico, seja ao norte pelo canal de Panamá, ou ao sul pelos estreitos de Magalhães e
Beagle ou pela passagem de Drake, sem prejuízo dos projetos rodo-ferroviários que possam
desaguar na costa peruana ou chilena, antevendo uma preciosa bioceanidade para o Brasil.
Há interesses no estuário Atlântico, influenciado pelas suas duas margens oriental e
ocidental, recebendo estímulos das fronteiras marítimas de cerca de 20 países da África e 9 da
América do Sul.
Há interesses na Antártica, no limite da fronteira sul do Atlântico, onde o
PROANTAR exerce atividades científicas relacionadas à geofísica, à meteorologia, à geologia
continental e marinha, à oceonografia, à biologia, à astrofísica, ao geomagnetismo e geofísica
nuclear, consolidando conhecimentos sobre fenômenos da natureza no continente antártico
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que influenciam não só as condições climáticas e ambientais dos recursos vivos como também
as medidas para preservá-los.
Há interesses na preservação da rota do Cabo e na sua continuidade para o Índico e
para o Pacífico, onde o Brasil pode efetivar sua interligação econômica e tecnológica com os
anéis de poder da franja do sudeste asiático.
Há interesses na projeção Amazônica no Caribe, uma vez assegurada a integração
definitiva dessa Amazônia ao restante do território nacional.
Há interesses regionais, em face de delimitação da borda externa da plataforma
continental e seus desdobramentos no mar territorial e na zona econômica exclusiva, quando
não poderão ser permitidas ambigüidades de interpretação do direito do Estado ribeirinho em
determinar a captura permissível dos recursos vivos da zona econômica exclusiva, a garantia
da preservação das espécies, a determinação da capacidade de aproveitar, economicamente, os
recursos vivos nas condições acima e a plena utilização e usufruto da exploração dos recursos
não vivos ou energéticos da plataforma continental.
Assim, no limiar deste novo século, não desconhecemos que cada novo ciclo nas
relações internacionais tem representado a oportunidade histórica de ingresso de novos atores
na competição econômica e tecnológica, a nível mundial, com conseqüente surgimento de
novas lideranças.
Há, também, uma mudança nos sistemas produtivos e no comércio internacional,
conseqüência da ação política e econômica daqueles novos atores, como as corporações
estratégicas orientadas por matrizes científico-tecnológicas e os conglomerados de produção e
comercialização.
A ação das corporações estratégicas e dos megaconglomerados, em conjunção com
seus respectivos governos, concretiza reformulações importantes na forma do exercício do
poder em áreas de influência e viabiliza a configuração de macro-mercados regionais e
continentais. Esse processo é, nitidamente, percebido no grande bloco eurasiano onde agem os
novos pivôs político-estratégicos e pólos motores tecnológicos-produtivos que já se expressam
na Comunidade Européia do Euro e, nas Américas, com a possível implantação da ALCA.
Verifica-se, assim, que no hemisfério norte processa-se uma revolução produtiva que
concentra produção através de pesquisa e desenvolvimento. A produção baseada em alta
tecnologia e intenso conhecimento científico passa a ser residente no hemisfério norte.
Por sua vez, a reestruturação produtiva induz a novas regras de comércio, protegendo
a propriedade intelectual e alavancando a superprodução realocada e relocalizada no
hemisfério norte. Trata-se do primado de uma economia orientada por tecnologia embutida e
de um comércio internacional crescentemente administrado por racionalidade política e alto
nível científico-tecnológico. Esse processo de reestruturação produtiva leva consigo a
reformulação funcional e o papel dos mecanismos de gerenciamento supranacional e
multilateral no campo econômico, organização industrial, comércio internacional, produção,
acesso e uso de tecnologia, propriedade intelectual, genética e biodiversidade.
Assim, as relações Norte-Sul passam a ser administradas por órgãos multilaterais ou
supranacionais, pela ação de corporações estratégicas, de megaconglomerados e pelo sistema
financeiro.
Nessa recomposição do sistema produtivo mundial, reformulam-se as bases de
produção material das economias avançadas, com a consolidação de uma nova configuração
produtiva, estipulando novas regras e modalidades para o comércio internacional, com o
alargamento e o aprofundamento da defasagem científico-tecnológica em relação aos países
do hemisfério sul.
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Na realidade, estamos desenhando, aqui, os contornos mais nítidos de um quadro que
define o conflito Norte-Sul, do qual, somente, uma parcela ínfima dos países do Terceiro
Mundo participa, de fato, na medida em que a maioria não dispõe de condições básicas para se
situar na perspectiva das transformações estipuladas pela revolução pós-industrial ou
cibernética, definindo as premissas de nova configuração estratégica e econômica.
Mais do que nunca, os países que desejarem se sobrepor a esses fatores
condicionantes e dominantes, aspirando um lugar ao sol do novo século, deverão fugir das
perplexidades e paralisias, mesmo nos momentos de crise internacional.
A postura brasileira, logo após os ataques terroristas de 11 de setembro aos EUA,
centrado em Nova York e em Washington, desnudou uma ingenuidade inadmissível para a
diplomacia de um país emergente ao desconhecer o significado amplo da interação PoderPolítica-Estratégia-Objetivos.
Assim, a expressão econômica foi a única a ser motivo de preocupação pelo
Presidente e pelo Itamaraty, fato esse que vem se tornando uma obsessão, em geral, do
governo brasileiro.
A carta de 12 de setembro, do presidente Fernando Henrique ao presidente Bush,
manifestava uma solidariedade ingênua longe da percepção de que os EUA, numa visão
política, estavam implementando uma estratégia onde os objetivos de guerra foram de
imediato estabelecidos, contrariando o entendimento predominante de que o terrorismo é
difuso, não tem face definida e sua ideologia é inconsistente.
De fato, o que se verificou, pelas atitudes do governo americano, nos 30 dias que se
seguiram aos eventos do 11 de setembro, foi uma clara manifestação ao mundo de que os
EUA estavam profundamente abalados com os ataques e que, na comunidade internacional, só
considerariam duas alternativas, ou um apoio sem restrições ou a rejeição de qualquer posição
de neutralidade que exigisse o diálogo ou o entendimento pacífico.
Esse posicionamento era fácil de ser compreendido já que estava estruturada nas
seguintes premissas:
 os ataques foram planejados com profunda competência, o que exigiu planejamento,
execução e controle da ação planejada, numa verdadeira operação militar;
 as operações não seriam exeqüíveis sem uma preparação metódica onde as ações
pertinentes tivessem o apoio direto ou indireto de Estados, Entidades ou Organizações,
profundamente identificadas com ações do terrorismo internacional;
 os Estados, Entidades e Organizações que estivessem comprometidos com o apoio aos
ataques terroristas, em território americano, seriam considerados inimigos e,
conseqüentemente, objetivos de guerra.
Esse posicionamento do governo dos Estados Unidos, tardiamente, foi percebido pelo
governo brasileiro, o que atrasou, em cerca de 10 dias, uma manifestação do Ministério da
Defesa sobre os acontecimentos, até então, restritos à visão do Itamaraty e do Ministério da
Fazenda.
Algumas considerações são importantes para compreender o comportamento
brasileiro que será, agora, abordado no contexto de uma crise internacional, sem precedentes,
para a potência hegemônica que, pela 1ª vez em sua história, foi duramente atingida em todas
as expressões de seu poder nacional.
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A ausência de uma concepção política e de um conceito estratégico do pensamento
nacional tem-se revelado desastrosa para o País. A política de defesa nacional, recentemente
elaborada, é tímida, incompleta e não vislumbra a possibilidade de conflitos no mundo pósbipolar. Na verdade, trata-se de um documento genérico que pode servir a qualquer nação em
qualquer situação. Não para um país que, quer queiramos ou não, com todas as suas
dificuldades, tem o 10º PIB do planeta, o quinto maior território e a quinta maior população.
A inexistência dessa concepção político-estratégica não permite que foros adequados
possam discutir e avaliar o mundo pós-Guerra Fria, o qual continua sendo um lugar perigoso,
onde os conflitos são inevitáveis, onde as instituições internacionais e os organismos de defesa
coletivos não são aptos para restringir ou eliminar os conflitos, onde nenhuma força singular
isolada incorpora todas as necessidades para responder a qualquer situação de crise, onde
continua o perigo da proliferação de armas de destruição em grande escala, onde o combate ás
drogas e ao terrorismo ultrapassa as fronteiras do Estado-Nação e que a preservação dos
ecossistemas dá sustentação à delgada camada que encobre nosso planeta onde se desenvolve
a vida.
A política de defesa nacional não aborda todos esses assuntos de vital importância
para o País, de forma adequada, e a preocupação com a expressão econômica tem recebido a
primazia no trato ou discussão de todos os problemas brasileiros.
Na verdade, há uma inversão no pensamento político estratégico do governo quando
se coloca a política como caudatária da economia. Esse posicionamento não contribuiu para o
crescimento econômico brasileiro nos últimos 15 anos, nem melhoria dos indicadores sociais
divulgados pelo censo de 2000 do IBGE.
A dívida bruta do setor público (números que não consideram os ativos do governo)
atingiu em dezembro de 2001, segundo o Banco Central, R$885 bilhões, ou seja, 71% do PIB
de R$1,246 trilhões. A obrigatoriedade de fixar-se superávits primários, para a estabilização
da dívida, sufoca os programas sociais e frustra os investimentos estratégicos do País.
Assim, o Brasil estará gastando R$13 bilhões este ano em educação e R$93 bilhões
no pagamento de juros. A taxa de 18 a 19% ao ano, acelera o aumento da dívida que, breve,
poderá tornar-se impagável, mormente, quando os prazos de rolagem estão cada vez mais
curtos, reduzindo-se de 3 anos para até 1 ano.
Quanto à dívida externa, o País já deve cinco vezes o total anual de suas exportações
que estão em torno de US$ 50 bilhões/ano.
Enquanto isso, as Forças Armadas têm um orçamento anual de cerca de R$ 3 bilhões,
o que significa um percentual de 0,24% do PIB. No caso da Marinha, para este ano, está
prevista uma participação no orçamento geral da União de R$ 1 bilhão, sendo 70% para
pagamento de pessoal (ativos, inativos, pensionistas e ex-combatentes), 10% para amortização
de dívida e 20% para OCC (outros custeios e capital). Não há recursos adequados para o
programa de construção e modernização de meios ou para a continuação do programa nuclear.
O Brasil está pagando cerca de R$ 7 bilhões por ano na rubrica de fretes marítimos
porque a bandeira brasileira não mais existe no frete e/ou cargas geradas pelo comércio
exterior brasileiro, que atinge cerca de US$ 110 bilhões, são transportadas por navios de
bandeira estrangeira. Por irônica coincidência, esses US$7 bilhões representam a importação
de todo o petróleo brasileiro durante um ano. Não há, hoje, nenhum navio de linha em
construção em estaleiro nacional. A indústria de construção naval no País, que chegou a
processar 1,2 milhões de toneladas de aço de porte bruto, anualmente, na década de 70,
gerando 50.000 empregos diretos, foi totalmente sucateada a partir da 2ª metade da década de
80.
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Não temos dúvidas que o País precisa de reformas para atender ao seu problema mais
importante que é o crescimento econômico. Um crescimento do PIB menor que 5% ao ano não
absorve a mão-de-obra que, anualmente, chega ao mercado de trabalho. Essa não é uma cifra
mágica, porém, é o resultado de um estudo do PNUD que prevê, para um país como o Brasil, a
necessidade de destinar 40% de sua taxa de crescimento para geração de empregos. Na
realidade, 40% de 5% significa 2% que é, exatamente, a taxa de crescimento demográfico, há
18 anos, daqueles que, agora, estão chegando ao mercado de trabalho.
Se o País não conseguir resolver esse dilema, estará pavimentando a estrada de uma
crise social que já se desenha nos grandes centros urbanos e nas ocupações rurais.
Os caminhos para solucionar o grande imbróglio brasileiro são conhecidos e o que
falta é vontade política para executá-lo.
Uma reforma política que atinja os três Poderes da República é indispensável,
mormente, pela situação de ingovernabilidade em que a Constituição Cidadã de 1988 deixou o
País, onde a grande parte dos mais de 5500 municípios existentes vivem às custas de sua
participação nas transferências dos Estados e da União.
O Judiciário não consegue, pelo anacronismo das Leis e dos Códigos Processuais,
administrar os conflitos e distribuir a justiça em tempo hábil. Uma sentença ou ato judicial,
para transitar em julgado, consome um tempo onde os efeitos desejados não mais atendem aos
anseios daqueles que buscaram seus direitos ou a correta interpretação de seus deveres.
Terrível calamidade é a injustiça praticada por aqueles que têm o poder nas mãos. A
justiça é a base de toda e qualquer sociedade que privilegie a prudência e a virtude e, como
conseqüência, o julgamento é a aplicação do que é justo.
Não é possível ter-se um Legislativo que não atenda à sua responsabilidade
constitucional de fazer leis para a sociedade brasileira, reunindo-se apenas 3 dia por semana,
nas duas Casas do Congresso, tentando recuperar um tempo perdido, em repetidas
convocações extraordinárias, com a conivência do Executivo e a sangria dos contribuintes.
Os Estados Unidos da América, com uma população de 270 milhões de habitantes,
têm 435 deputados e 2 Senadores para cada Estado. O Brasil, com uma população de 170
milhões tem, em seu Congresso, 531 Deputados e 3 Senadores por cada Estado. Isso torna
difícil as discussões dos problemas nacionais, onera o contribuinte e distorce a representação
popular.
O Chefe do Executivo não pode abdicar de sua maior responsabilidade que é a de
identificar, conquistar e manter os objetivos nacionais permanentes da Nação Brasileira,
estabelecendo os objetivos atuais de seu Governo, na tentativa de tornar-se um estadista na
exata compreensão dessas questões. Aqui, é a hora de construir ou aperfeiçoar as concepções
políticas e os conceitos estratégicos demandados por cenários atualizados.
O Chefe de Estado, através de sua liderança, tem o dever de influenciar,
significativamente, a formulação da política externa do País. Assim, os conceitos de poder,
política, estratégia e objetivos devem tornar-se preocupação constante do Executivo,
mormente, no novo ordenamento internacional nesta alvorada do século XXI.
O que se verifica, ironicamente, hoje, no Brasil, é que o Executivo legisla, pela
catadupa das medidas provisórias, o Legislativo julga, pelo número sem precedentes de
instalações de CPIs, nada mais que simples ribalta para os interesses político-partidários, e o
Judiciário administra, interpretando os atos do Executivo e do Legislativo que uma
Constituição populista e anacrônica não soube definir, na correta atribuição e separação dos 3
poderes que Montesquieu, há muito, já havia preconizado.
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Algo está profundamente errado no atual modelo econômico que tem cerca de 60
encargos, tributos e taxas, onerando aqueles que produzem e trabalham. Não pode o País ter a
maior carga tributária do planeta, comprometendo 1/3 do seu PIB, precedido, apenas, de
Dinamarca, Alemanha, França, EUA e Canadá, todos países desenvolvidos, e ser colocado em
700 lugar no índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.
É imperiosa uma reforma tributária onde a preocupação do contribuinte seja
concentrada não mais do que em 5 impostos, nas áreas de patrimônio, renda, encargos sociais,
comércio exterior e circulação de mercadorias com valores agregados, definindo, previamente,
o que é da União, Estados e Municípios, evitando a sonegação, a guerra fiscal e estabelecendo
uma administração simplificada e eficiente que incentive o contribuinte a cumprir o seu dever
de cidadania.
É imprescindível a modernização da matriz de transportes na malha viária brasileira
onde a ferrovia transporta 22,3% das cargas movimentadas no território nacional e a rodovia
59,3%, numa distorção que leva a um consumo exagerado de petróleo, quando 700.000
barris/dia, ainda, são importados; a matriz é completada com a participação de 14,5% na
aquavia e 3,9% no transporte aéreo e em dutos.
Esses dados são da Associação Nacional do Transporte (ANT), que afirma, ainda, que
os 1.700 km de rodovias brasileiras têm menos de 10%, ou seja, apenas, 148.000 km
pavimentados e, desses 148 mil quilômetros, 82% estão em precário estado de conservação.
Talvez, aqui, seja a hora de reforçar a necessidade de ressuscitar o transporte
marítimo no Brasil em seu binômio Marinha Mercante e Construção Naval. É inadmissível,
sabendo-se que o custo de 1000 t/km é de US$ 56 na rodovia pavimentada, de US$ 17 na
ferrovia de bitola larga e de US$ 9 na aquavia, que, ainda, não sejam construídas eclusas nas
barragens, que os portos e não estejam modernizados, resistindo a uma legislação inovadora
de 1993 e que não seja incentivada a construção naval no País.
A visão política dos nossos governantes não consegue ou não quer compreender que a
navegação de cabotagem é um problema de logística nacional e que a navegação de longo
curso é o mais importante instrumento do comércio exterior.
É através de superávits nesse comércio exterior que reside toda a esperança do País
gerar moeda forte, em sua economia, complementada pela redução ou eliminação do saldo
negativo na rubrica do frete marítimo, desde que a nação possua navios próprios para sua
navegação de longo curso. O frete é uma mercadoria invisível, porém, indispensável ao
transporte de bens e que, quando não é contabilizada a favor da balança de serviços, não pode
ser cortada, constituindo-se em receita para aqueles que têm uma marinha mercante própria.
O Brasil tem em sua matriz energética uma oferta de cerca de 350 TWh, dos quais
308 TWh são transformados em geração de eletricidade. A complementação das necessidades
nacionais é atendida pelas termoelétricas a gás, a óleo e pelo complexo nuclear de Angra dos
Reis. Esses dados são do Balanço Energético Nacional do Ministério das Minas e Energia.
Aqui, há que se definir o que o Brasil deseja em termos de racionalização energética, visando
a evitar medidas drásticas como a de racionamentos e estabelecimentos de cotas, o que apenas
demonstra a incapacidade do governante em prever e superar situações de crise ou cenários
adversos.
Assim, torna-se indispensável a revisão das prioridades dessa matriz energética. O
Brasil já demonstrou, no passado, logo após o 2º choque de petróleo, em 1979, o
estabelecimento de uma alternativa inteligente, com energia renovável, e que revolucionou o
parque automotivo brasileiro, com a adoção do álcool anidro da cana-de-açúcar para motores
de combustão interna A grande maioria da indústria automobilística brasileira foi
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redirecionada para carros movidos a álcool, com sucesso absoluto, o que causou espanto a
países desenvolvidos e que sofriam da mesma escassez do petróleo em alta. Essa oportunidade
foi abandonada por interesses escusos, egoísmos não explicitados e falta de vontade política
das autoridades responsáveis pelo programa.
Agora, o País espera que as reservas de gás natural que existem hoje na Amazônia,
mais especificamente no campo de Urucu, sejam aproveitadas para diminuir suas
vulnerabilidades e que a energia nuclear gerada nas usinas de Angra dos Reis não seja
interrompida por fatores subjetivos que, quase sempre, escondem inconfessáveis interesses
político-partidários ou ideológicos.
A Gaspetro e a construção de Itaipu foram decisões que colocaram em segundo plano
a independência no controle da produção de energia nesses dois empreendimentos. Ambos são
binacionais e, como tal, há que ser considerados os interesses do parceiro em cada situação
que se apresentar. Esses interesses vislumbram situações de vulnerabilidade em face da
presença do narcotráfico e do contrabando de armas nessas duas fronteiras.
O Brasil assiste, hoje, desolado à débâcle argentina e à crise do Mercosul. Está,
assim, sendo perdida a oportunidade de adquirir experiência para administrar um bloco
econômico de interesse regional, com todas as complexidades que possam manifestar-se nesse
empreendimento que permeia todas as expressões do Poder Nacional dos países envolvidos.
As questões de barreiras alfandegárias, de controle de câmbio, de competitividade de produtos
e valores agregados, de defesa de interesses comuns, junto aos organismos internacionais,
como a União Européia, a OMC, o Nafta e outros, estão sendo prejudicadas pela absoluta
impotência do parceiro Argentina, que sucumbiu por persistir, em mais de uma década, em
adotar uma política econômica que privilegiou o investimento estrangeiro em detrimento dos
fatores do crescimento econômico e da produção.
Cabe ao Brasil obter a máxima experiência desse fato que traumatiza todo o Cone
Sul, destruindo as esperanças de um bloco econômico que se destinava ao sucesso.
Afinal, o mundo globalizado não perdoa, e o capital intelectual intangível é mais
valioso que o capital físico dos recursos naturais. Um país emergente, que aspira a uma
afirmação continental, tem que priorizar o conhecimento e a tecnologia. Os sistemas
educacionais terão que se voltar para o desenvolvimento, buscando a pesquisa pura e a
pesquisa aplicada. Não é possível manter uma estrutura onde a média de escolaridade do
trabalhador é de apenas 4 anos e onde, somente, 6% daqueles que terminam o 2° grau chegam
à Universidade. E, ainda, existem 30 milhões de analfabetos adultos, não incluindo, aqui, os
funcionais.
A reforma do Estado Brasileiro tem que ser executada no bojo da mudança
tecnológica mais radical dos últimos 15 anos, ou seja, na área de produção de programas de
computadores (softwares) Enquanto um chip, o qual faz o papel de milhares de transistores,
requer um investimento fantástico, o software, que será tão decisivo como o chip, não custará
tanto e abre-se aqui uma oportunidade para os países em desenvolvimento. Estes não poderão
ignorar os três pilares sobre os quais se assenta a indústria de alta tecnologia; os chips, as
fibras óticas e o software. Só assim seus integrantes serão usuários das infovias que vão
sustentar o mundo das informações, do trabalho e do fazer.
Somente com as reformas institucionais de que precisa, poderá o Brasil
compatibilizar a sua estatura estratégica de país emergente e buscar o seu ingresso na terceira
onda dos Estados desenvolvidos, aceitando e tirando proveito dos princípios do mundo
globalizado, da velocidade das decisões, da conectividade das redes interativas na crescente
parceria dos negócios, e da intangibilidade do conhecimento.
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CONCLUSÃO
A política não é, somente, a arte de governar ou a arte de estabelecer objetivos, mas é,
também, a arte do possível.
A posição geoestratégica brasileira, no continente sul-americano, projeta-se desde os
contrafortes andinos até o Atlântico, com desdobramentos da Amazônia no Caribe e do Cone
Sul na Antártica.
No limiar de um novo século, os mega-blocos políticos, econômicos, militares e
tecnológicos do hemisfério norte estabelecem mecanismos de proteção e geram disputas e
conflitos com os países do hemisfério sul, no trato de assuntos globais, como explosão
demográfica, migrações indesejáveis, energia nuclear, transferência de tecnologias de ponta,
ecologia e preservação de ecossistemas.
A inexistência de uma concepção política e de um conceito estratégico nacionais
dificulta a percepção dos cenários e as respostas que crises eventuais ou previsíveis possam
exigir. A criação do Ministério da Defesa e a Política de Segurança Nacional, recentemente
elaborada, não contribuíram para a correta percepção das alterações que ocorrem no mundo
globalizado.
A identificação de situações adversas e a antevisão de hipóteses de conflito são feitas
no Brasil por indivíduos que se intitulam cientistas políticos e que nenhuma experiência de
vida podem apresentar, no trato desses problemas, a não ser pela prática do jornalismo ou pelo
exercício do magistério, em faculdades de sociologia, comunicação ou ciências sociais.
O Brasil não pode prescindir de um crescimento econômico a taxas de 5% ao ano,
sob pena de pavimentar, solidamente, o caminho de uma crise social sem precedentes.
A situação da Argentina, parceira de um Mercosul moribundo, deve ligar todos os
alarmes para que o Brasil não venha a ter idêntica destinação. O Estado brasileiro precisa
mudar seu comportamento em perseguir, obsessivamente, a geração de superávits primários
para que possa remunerar os credores de uma dívida do setor público que atingiu, em 31 de
dezembro de 2001, o montante de R$ 885 bilhões no conceito de dívida bruta. Isso significa
71% de um PIB de R$ 1,246 trilhões, segundo o Banco Central.
Por quanto tempo vai o País caminhar na contramão da História, praticando juros
extorsivos de 18 a 19 % em uma TJLP, quando EUA, União Européia e o Japão estão todos
com taxas anuais inferiores a 3%?
A reforma do Estado é indispensável para corrigir o rumo da nau brasileira,
resgatando os índices sociais que nos colocam em 70o lugar no conceito do IDH adotado pela
ONU. Essa reforma, via constituição, tem que ser política, econômica, administrativa,
tributária, patrimonial e previdenciária, contemplando os aspectos de segurança com fulcro no
correto dimensionamento, emprego e modernização das Forças Armadas.
Não será possível aspirar a um lugar no Conselho de Segurança da ONU, sem uma
capacidade mínima de dissuasão para conquistar e preservar os legítimos objetivos nacionais,
sejam eles permanentes ou atuais.
Esquadras, Brigadas, Esquadrões não se criam de improviso. É necessário um
planejamento adequado, continuado e constantemente avaliado, para que possam ser exigidos
os recursos necessários à correta estruturação das Forças Armadas, definida nos objetivos de
uma concepção política e de um conceito estratégico nacionais.
Assim, o poder Executivo deverá estruturar, corretamente, o Ministério da Defesa,
dar a seus integrantes a educação e o preparo profissional que necessitam, através de cursos de
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Política e de Estratégia nas Escolas de Altos Estudos Militares.
As forças de defesa do Japão, o segundo país mais rico do mundo, recebem, por
dispositivo constitucional, 1% do PIB para o seu orçamento anual. Isso acontece desde que foi
promulgada a Constituição do Japão, durante a ocupação americana, chefiada por Mac Arthur.
Uma medida similar a essa, em grau que seja suportável pelo Orçamento Fiscal, vai
permitir que planos diretores dêem continuidade a um planejamento permanente do Ministério
da Defesa, visando à renovação das Forças Singulares.
O Brasil não pode esquecer, nos tópicos de sua reforma, a correção das matrizes
energética e de transporte, bem como definir se deseja prosseguir com seu programa nuclear,
hoje estagnado.
A visão pontual e fragmentada de interesses regionais que sempre existiu na solução
dos problemas nacionais não pode prevalecer e terá que ser substituída por uma visão
estratégica onde eixos de desenvolvimento substituem os pólos de irradiação. Esses eixos
integrarão o País com a presença simultânea da energia, da logística e da telemática
(telecomunicações + informática). A linha de transmissão que conduz a eletricidade leva,
também, as comunicações e a informática. A correta definição da via de transporte nesses
eixos, que pode ser de natureza intermodal, evita desperdícios e aproxima os centros de
produção dos centros de consumo ou da demanda de outros mercados.
A reforma da universidade brasileira não mais poderá ser adiada, se é que se deseja
estabelecer uma atmosfera de C&T e P&D em seus centros acadêmicos e de pesquisa, já que é
o conhecimento que rege, hoje, o poder das nações. Todos sabem que a ciência nada mais é
que o conhecimento organizado que se tem do universo e esse conhecimento, hoje, é difundido
através das infovias. Quando esse conhecimento apresenta inovações, dentro de um habitat
para que possa resultar em benefício da sociedade, em algo que represente um avanço ou uma
inovação, aí temos a geração da tecnologia.
Uma visão prospectiva deste umbral do século XXI, que já está aqui em seus grandes
alinhamentos, revela as impressionantes transformações tecnológicas em curso, através da
telemática, da fibra ótica, dos chips e composites, modificando, substancialmente, as
condições de produção e consumo, de organização social, de gestão política e de vida.
Até hoje nenhuma forma de organização econômica e social eliminou as
desigualdades ou extinguiu a pobreza. O que se tem buscado, através dos tempos, é a criação
de mecanismos, na arena das relações internacionais, que minimizem esses conflitos,
compatibilizando a soberania dos Estados, sobretudo, dos Estados de maior poder com os
anseios dos menos aquinhoados.
O Brasil não foi diferente de outros povos na busca de uma sociedade ética, moral e
justa, porém, a exata compreensão do que é hoje a comunidade internacional permitirá que se
possa reformar o Estado Brasileiro e assegurar, neste século que ora se inicia, a preservação de
sua prosperidade, independência, soberania, liberdade, desenvolvimento e segurança.
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