CONSTRUÇÕES EM CONTRASTE: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO HABILITATIVA EM PARA INFINITIVO DO PORTUGUÊS DO BRASIL E DA CONSTRUÇÃO WHEREWITHAL DO INGLÊS Adrieli Bonjour Laviola da Silva Tiago Timponi Torrent Este trabalho desenvolve-se a partir da proposta do projeto Frames e Construções1 (Torrent, 2010), subprojeto da FrameNet Brasil – FN-Br – (Salomão, 2009), sediada na Universidade Federal de Juiz de Fora. A FN-Br objetiva criar um recurso lexical online para o português brasileiro – disponível em (http://www.framenetbr.ufjf.br/), assim como tem sido feito pela FrameNet Americana – sediada na Universidade da Califórnia, em Berkeley (http://framenet.icsi.berkeley.edu) – em relação ao inglês. Por sua vez, o subprojeto Frames e Construções propõe-se investigar o comportamento de frames e construções, no que tange às relações existentes entre eles, implementando, como resultado, um recurso sintático para o português do Brasil, ou seja, um Constructicon (Fillmore, LeeGoldman & Rhodes, 2012). Atualmente, temos nos focado nas análises das construções em Para Infinitivo e de Quantificação Indefinida. Neste trabalho, portanto, demonstraremos o que tem sido observado acerca de um dos padrões construcionais identificados entre as construções em Para Infinitivo. Desse modo, objetivamos traçar uma análise contrastiva entre a Construção Habilitativa do Português do Brasil – [(SN) Vter SN para Vinf] – e a Construção Wherewithal (Fillmore, 2008), como estudo preliminar acerca das correspondências entre construções do português brasileiro e do inglês. Para desenvolver essa pesquisa, tomamos como base conceitos da Semântica de Frames (Fillmore, 1982) e da Gramática das Construções (Fillmore & Kay, 1999; Fried & Ostman, 2004; Goldberg, 1995, 2006). A Semântica de Frames, a partir das ideias apresentadas pela Inteligência Artificial, propõe que “o conhecimento não deve ser visto como uma coleção de fragmentos simples e desconexos, mas sim como estruturas complexas, denominadas frames” (Torrent, 2010). Estes são admitidos como sistemas de conceitos que se relacionam de modo que, para entender um determinado conceito 1 O projeto Frames e Construções conta com apoio da FAPEMIG (APQ-03954/10), da CAPES/CNPq (401853/2011-0) e do CNPq (476292/2012-3). separadamente, é imprescindível entender o sistema em que ele se insere como um todo. Goldberg (1995), por sua vez, na teoria da Gramática Cognitivista das Construções, afirma que as construções derivam de um conjunto finito de cenas ou eventos básicos experienciados pelos falantes de cada língua e considera uma construção o pareamento de forma e significado. Nesse sentido, segundo Torrent (2010), essa teoria aproxima-se da Semântica de Frames, visto que considera a possibilidade de outros elementos, além das Unidades Lexicais, serem capazes de evocar frames. Isso fez com que surgisse a necessidade de se incorporar à FrameNet a anotação de padrões construcionais por serem eles também evocadores de frames. Metodologicamente, iniciamos nosso trabalho com a escolha da sintaxe a ser analisada e a busca pelos dados, os quais são retirados de corpora. Em seguida, buscamos identificar o frame evocado por tal padrão construcional, para, então, realizarmos a anotação seguindo a metodologia da FrameNet para a anotação de construções (Fillmore, Lee-Goldman & Rhodes, 2012). Tal procedimento é realizado em camadas, localizadas abaixo da sentença a ser anotada, que se dividem em: Elementos da Construção (CE), Função Gramatical (GF), Tipo Sintagmático (PT) e Elemento Evocador da Construção (CEE), o que pode ser observado na Figura 1, que exemplifica a realização dessa tarefa no FrameNet Desktop. Figura 1: Exemplo de anotação da construção Habilitativa em Para Infinitivo. Como já foi previamente mencionado, com este estudo, portanto, intencionamos discutir a equivalência de tradução entre a construção do português brasileiro – Habilitativa em para Infinitivo – e a do inglês – Wherewithal –, bem como demonstrar, por meio de exemplos contrastivos, de que modo essas construções se aproximam semântica e sintaticamente. No que tange à interpretação semântica, ambas construções podem apresentar verbos no domínio geral de ter – indicando posse ou existência de um determinado recurso. Este é necessário para a realização de uma dada atividade, a qual é instanciada pela oração infinitiva, introduzida por preposição para ou to. Entretanto, as construções habilitativas do português podem apresentar ocorrências com valor semântico de obrigação, o que não é observado na Wherewithal do inglês. Nesses casos, o verbo ter indica o valor deôntico das sentenças, demonstrando que algo deve ser realizado obrigatoriamente, como é evidente na sentença (1). (1) Eu tenho otras coisa pra resolvê (IBITI-JOB) No que tange à contraparte sintática, por sua vez, ambas as construções apresentam uma cláusula relativa reduzida de infinitivo que se vincula a um núcleo nominal que representa, justamente, o referido recurso. Este é seguido por preposição (para/to) a qual introduz o SV (VP) infinitivo – a atividade a ser realizada. Contudo, no inglês, o nome que designa aquilo que pode ser entendido por recurso é sempre precedido pelo artigo definido the, o que não ocorre no PB como uma obrigatoriedade, o que é explícito nas frases transcritas em (2) e (3), do inglês e do PB, respectivamente. (2) I don’t have the money to take a vacation. (3) Eu não tenho dinheiro para tirar férias. A partir de tais análises preliminares, podemos perceber, com este trabalho, uma aproximação entre as construções Habilitativas do PB e Wherewithal do inglês, o que indica que há, de fato, certa equivalência entre elas. Apesar disso, ambas apresentam aspectos divergentes tanto semântica quanto sintaticamente, os quais remetem às características e aos usos individuais de cada uma das línguas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FILLMORE, C. J. (1982). “Frame Semantics”, in: THE LINGUISTIC SOCIETY OF KOREA (org.). Linguistics in the morning calm. Seoul: Hanshin. _____. (2008). “Border Conflicts: FrameNet Meets Construction Grammar”, in: EURALEX. Anais do EURALEX 13. Barcelona: Universitat Barcelona Fabra. _____., KAY, P. (1999). “Grammatical Constructions and Linguistic Generalizations: The What's X Doing Y? Construction”. Language, vol. 75, nº 1. _____., LEE-GOLDMAN, R. & RHODES, R. (2012). “The FrameNet Constructicon”. In: BOAS, H. & SAG, I. Sign-Based Construction Grammar. Chicago: The University of Chicago Press. FRIED, M. & OSTMAN, J. O. (2004). “Construction Grammar: a thumbnail sketch”. In: _____. Construction Grammar in a Cross-Language Perspective. Amsterdam: John Benjamins. GOLDBERG, A. (1995). Constructions: A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: The University of Chicago Press. _____. (2006). Constructions at Work: The nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Press. SALOMÃO, M. M. M. (2009). “FrameNet Brasil: um trabalho em progresso”. Calidoscópio, vol. 7 nº 3. São Leopoldo: UNISINOS. 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