incontinência urinária no homEm - Revista |HUPE

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Incontinência Urinária
no Homem
Fabrício B. Carrerette
Ronaldo Damião
Resumo
A principal causa de incontinência urinária
no homem está relacionada ao tratamento do
câncer de próstata localizado por cirurgia radical. O câncer de próstata é o mais prevalente
no homem e o diagnóstico precoce vem sendo
cada vez mais realizado; o tratamento padrão
com prostatectomia radical é uma das cirurgias
mais realizadas pelos urologistas e uma das suas
consequências é a incontinência urinária. A incontinência pós-prostatectomia está relacionada
à lesão esfincteriana na maioria dos pacientes,
entretanto alterações como a hiperatividade
do detrusor, a baixa complacência vesical e a
obstrução infravesical podem ser responsáveis
isoladamente ou em associação com a lesão
esfincteriana. O diagnóstico é clínico e confirmado por exames complementares como a
urodinâmica, entretanto deve se esperar um
tempo determinado, pois a recuperação da
continência é um processo lento. O tratamento
depende do diagnóstico preciso e pode ser não
cirúrgico, através de fisioterapia especializada e
drogas como os anticolinérgicos ou cirúrgico. O
esfíncter artificial é o padrão ouro, entretanto
alternativas mais acessíveis aos nossos pacien-
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Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ
tes têm surgido com resultados satisfatórios.
A incontinência urinária tem grande impacto
negativo na qualidade de vida do homem e deve
ser sempre tratada e nunca negligenciada
PALAVRAS-CHAVES: Saúde do homem;
Incontinência urinária; Câncer de próstata.
Introdução
A incontinência urinária no homem está
muito relacionada com a idade e com as alterações que se desenvolvem na próstata sejam
elas benignas, como a hiperplasia benigna da
próstata (HPB) ou malignas como o câncer de
próstata. A principal causa de incontinência
urinária no homem é a lesão iatrogênica dos
esfíncteres urinários durante a cirurgia para
tratamento do câncer da próstata1.
A incontinência urinária causa grande impacto negativo na qualidade de vida do homem
adulto e idoso. Um recente estudo realizado
em Nagoya, no Japão, com 7.316 familiares,
cuidadores de idosos, que preenchiam pela internet um questionário com 22 questões sobre
os cuidados com os idosos, observou-se que a
incontinência urinária era o principal fator de
impacto psicológico negativo para o familiar
cuidador e grande impacto negativo na qualidade de vida do idoso. Além das dificuldades
pessoais que sofrem o homem e os cuidadores,
há os custos com a higiene, isolamento social e
distúrbios no sono2.
A incontinência urinária também está relacionada ao maior índice de queda e fraturas
secundárias em pacientes idosos.
Portanto este tema é de extrema importância e muito significativo para a nossa sociedade
que passa por mudanças profundas, principalmente no que diz respeito à expectativa de vida
e longevidade da população.
Etiopatogenia
O adenocarcinoma de próstata é o tumor
mais frequente no homem adulto e a cirurgia
de prostatectomia radical é o tratamento padrão
para esta afecção. A incidência de incontinência
urinária pós-prostatectomia é alta, variando de
8 a 77%,3 fazendo desta, a causa mais frequente
de incontinência urinária no homem adulto. A
incontinência causada pela cirurgia de prostatectomia radical pode ser decorrente de lesão
esfincteriana, incontinência de esforço; de
alteração no funcionamento da bexiga, incontinência de urgência; podem ocorrer as duas
situações concomitantes, incontinência mista;
pode ocorrer perda da complacência vesical,
e por fim, a incontinência pode ser decorrente
de uma hiperatividade do detrusor secundária
a uma obstrução infravesical (esclerose do colo
vesical, área de anastomose entre a uretra e a
bexiga). Estas situações podem estar associadas,
levando à incontinência mista com lesão esfinc-
teriana e esclerose de colo vesical.
Em análise retrospectiva de 12 pacientes
incontinentes após cirurgia de prostatectomia
radical submetidos a estudo videourodinâmico,
observamos incontinência de esforço em sete
(58%), incontinência de urgência por esclerose
de colo vesical em dois (17%), incontinência
mista em dois (17%), perda de complacência
em um (8%) (Fig. 1).
Diagnóstico
Nos casos de incontinência pós-prostatectomia radical, devemos considerar o tempo
necessário para a recuperação espontânea da
continência, pois é comum a perda imediata
do controle urinário durante semanas ou meses após a cirurgia. Frequentemente, com seis
meses de pós-operatório, o controle urinário
alcança o seu patamar de estabilidade. Após este
período, o homem que permanece com incontinência deve ser detalhadamente investigado,
começando com história clínica completa e
exame físico minucioso, incluindo toque retal
e exames complementares como a dosagem do
PSA, função renal e exame de urina para afastar
infecção urinária.
Embora a incontinência de esforço seja o
tipo mais frequente após a cirurgia radical da
próstata, devemos realizar o diagnóstico preciso,
pois o tratamento para esta alteração requer uma
nova cirurgia com implante de dispositivos para
obter a continência. Além do implante de dispositivo para incontinência ser um procedimento
cirúrgico complexo, alterações como detrusor
hiperativo ou baixa complacência vesical podem
Figura 1: Gráfico mostrando percentagem das alterações encontradas em 12 pacientes incontinentes pós prostatectomia radical.
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afetar o resultado da cirurgia.
Na figura 2, mostramos o exame de videourodinâmica de um paciente com incontinência
urinária mista seis meses após cirurgia de
prostatectomia radical que também apresentava
perda da complacência vesical. Neste caso, o
implante de dispositivo ou de esfíncter artificial
isoladamente não seria capaz de curar a incontinência deste paciente e, pior, a obstrução que
poderia resultar deste procedimento poderia
levar a um quadro de deteriorização do trato
urinário superior podendo culminar com insuficiência renal.
Nestes casos, exames complementares mais
detalhados como a urodinâmica ou até mesmo
a videourodinâmica podem ser essenciais para
orientar o tratamento ideal.
Embora menos frequente, a incontinência urinária no homem adulto ou idoso pode
estar relacionada com a hiperplasia benigna
da próstata, esta afecção é tão frequente que
pode ser encontrada em até 80% dos homens
octogenários.
O aumento prostático e a obstrução infravesical causada por este aumento pode
levar ao quadro de hiperatividade do detrusor
secundária à obstrução. Esta hiperatividade é
caracterizada por contrações involuntárias do
detrusor, às vezes, de forte intensidade, que
podem provocar incontinência urinária de
urgência como mostra a figura 3.
Muitos pacientes com HPB mesmo na
vigência de tratamento clínico com alfa bloqueadores e inibidores da 5-alfa-redutase podem
apresentar, como complicação da progressão
da doença, a incontinência urinária de urgência como descrito acima. Em situações menos
frequente, entretanto mais grave, a progressão
da HPB pode levar à incontinência paradoxal,
que é aquela decorrente de retenção urinária por
obstrução infravesical com perda de urina por
transbordamento. Nestes casos, o tratamento é
urgente e a simples colocação de cateter vesical
resolve provisoriamente até o tratamento definitivo que pode ser a cirurgia.
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Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ
Tratamento
Nos casos de incontinência pós-prostatectomia radical, devemos iniciar o tratamento
precocemente. A fisioterapia com exercícios
para fortalecimento do assoalho pélvico pode
diminuir o tempo de recuperação esfincteriana, abreviando o período de incontinência e
também auxiliando na resposta de tratamentos
futuros que porventura sejam necessários.
Agentes injetáveis, como colágeno e micro
esferas, podem ser utilizados para provocar obstrução uretral nos casos de lesão esfincteriana.
Os resultados a longo prazo não são animadores,
principalmente pela absorção do agente injetado
e recidiva da incontinência4. O agente ideal
seria aquele que tivesse grande eficácia, fosse
biocompatível, durável e que não migrasse; este
agente ainda não existe1.
O esfíncter urinário artificial é o padrão
ouro para o tratamento da incontinência urinária de esforço no homem. Ele começou a ser
utilizado em 1973. Até o presente, já passou por
inúmeras modificações, alcançando o modelo
atualmente utilizado (AMS 800), desenvolvido
pela American Medical Systems, Minnetonka,
Minnesota, EUA. O seu alto custo e a complexidade da sua implantação e manipulação pelo
paciente são os maiores obstáculos ao uso em
larga escala deste dispositivo1.
O esfíncter artificial é composto de três
partes conectadas entre si. Um cuff, que é colocado em torno da uretra bulbar; um reservatório
implantado na pelve e uma bomba colocada
no escroto. O cuff fica permanentemente cheio
de líquido, comprimindo a uretra e formando
assim o esfíncter artificial. Quando o paciente
desejar urinar, ele acionará a bomba que fica no
escroto e o líquido do cuff passa para o reservatório, abrindo-se e permitindo a passagem da
urina (micção); o líquido volta a retornar para
o cuff espontaneamente, o que leva cerca de um
minuto. Se o paciente não conseguir esvaziar
totalmente a bexiga neste tempo, pode acionar
imediatamente a bomba e o cuff se abre, por,
aproximadamente mais um minuto. É muito
Figura 2: Videourodinâmica mostrando lesão esfincteriana e contrações involuntárias com
bexiga de baixa complacência em um paciente incontinente seis meses após uma cirurgia de
prostatectomia radical.
Figura 3: Videourodinâmica evidenciado forte contração involuntária do detrusor (alcançando pressão de 170 cmH2O) e provocando perda urinária (setas vermelhas) em um paciente
com aumento prostático, HBP (setas azuis).
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importante salientar que os pacientes que necessitam deste procedimento geralmente são idosos
com comorbidades, assim, se necessitarem de
algum procedimento de cateterismo vesical após
o implante do esfíncter, o cuff deve ser desativado durante o tempo de cateterismo para evitar
isquemia da uretra e complicações decorrentes.
Esta desativação deve ser feita sempre por profissional experiente e habituado a lidar com o
esfíncter. Os resultados do esfíncter artificial são
muito bons, com índice de cura em torno dos
80%, entretanto existem falhas e complicações;
os índices de revisão são em torno de 8 a 45%
e a retirada pode ser necessária em cerca de 7 a
17% dos pacientes5.
Devido à complexidade e ao alto custo
do esfíncter artificial, outras alternativas vêm
despertando o interesse dos urologistas. O
sling masculino é uma alternativa, embora não
funcione como um esfíncter, não possui a dinâmica de se abrir sinergicamente com contração
do detrusor e posteriormente se fechar. O sling
nada mais é do que a criação de uma obstrução
uretral para evitar a perda constante de urina, e
a micção deve ser realizada com esforço vesical
para vencer esta obstrução. O sling moderno
é baseado nos modelos descritos por Barry,
Kaufman e Kishev 6, 7, 8. Shaeffer e colaboradores
publicaram resultados animadores com o sling
sub uretral masculino. Eles conseguiram sucesso
de 64% em 64 pacientes com incontinência urinária grave com acompanhamento de 18 meses9.
No nosso meio, não conseguimos reproduzir
estes resultados.
O constritor periuretral desenvolvido por
Salvador Vilar e popularizado por João Luiz
Schiavini, professor de Urologia da UERJ, é uma
alternativa nacional ao sling. Da mesma forma
que o sling masculino, o constritor provoca mais
uma obstrução do que uma ação esfincteriana.
Em um artigo recentemente publicado com
30 pacientes acompanhados por 42 meses em
média, os autores encontraram 73,3% de continência social. A revisão do dispositivo foi necessária em 4 casos, 4 pacientes tiveram erosão
do constritor e 3 casos de infecção necessitaram
de remoção completa do dispositivo.
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Conclusão
A incontinência urinária no homem é um
problema complexo que ainda necessita de
avanços importantes. Embora o esfíncter artificial seja o padrão ouro para o tratamento desta
alteração, alternativas viáveis existem em nosso
meio para aliviar o sofrimento destes homens.
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10.João Luiz Schiavini, Ronaldo Damião, José
Anacleto Dutra de Resende Júnior, Maria
Cristina Dornas, Danilo Souza Cruz Lima da
Costa, Cesar Borges Barros. Treatment of Postprostate Surgery Urinary Incontinence With
the Periurethral Constrictor: A Retrospective
Analysis. Urology 2010. Volume 75, Issue 6,
Pages 1488-1492.
Abstract:
The main cause of urinary incontinence
in men is related to the treatment of localized
prostate cancer performed by every urologist.
The number of radical prostatectomies is
increasing as long as early diagnosis is becoming more frequent. One of its consequences
is urinary incontinence. Incontinence after
prostatectomy is related to sphincter injury in
most patients, however changes as detrusor
overactivity and low compliance bladder contributes to bad continence results. However
these factors added to outlet obstruction may
be responsible alone or in combination with
sphincter injury to post prostatectomy urinary
incontinence. The diagnosis is made by clinical
anamnesis and confirmed by additional tests
such as urodynamics; the urologist should pay
attention to the fact that there is a time to regain
continence before the diagnosis of incontinence is done. Treatment depends on an accurate
diagnosis and may be surgical or not, by means
of specialized physiotherapy and drugs such as
anticholinergics. The artificial sphincter is the
gold standard treatment, however alternatives
more accessible to our patients has come up with
satisfactory results. Urinary incontinence has a
major impact on the quality of men´s life and
should always be treated and never neglected.
KEY WORDS: Men’s Health; Prostate Cancer; Urinary Incontinence.
Endereço para correspondência:
Setor de Urologia – HU Pedro Ernesto.
Av. 28 de setembro, 77/5º andar, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Telefones: (21) 2587-6223, (21) 2587-6222,
(21)2587-6242
E-mail: [email protected]
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