RESUMO EXPANDIDO

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Encontro Internacional Participação, Democracia e Política Públicas:
aproximando agendas e agentes
23 a 25 de abril de 2013, UNESP Araraquara, SP
Na dimensão das utopias: participação social e solidariedade entre as mulheres
de Sobral-Ce:
Ivaldinete de Araújo Delmiro Gémes (Universidade Estadual Vale do Acaraú UVA)
Fernanda Maria Matias Sousa (UVA)
Márton Támas Gémes (UVA)
O presente artigo versa sobre a problemática da inserção de um grupo
de mulheres da periferia de Sobral-Ce nos processos de participação social,
solidariedade e cidadania. A intenção é compreender como se processam as
práticas de prestações de serviço, sociabilidades entre as mulheres/mães
pobres de Sobral-Ce e analisar até que ponto estas práticas são sustentadas
pelo processo de afastamento do Estado.
A pesquisa é resultado de um estudo de caso, da observação
participante e de entrevistas com um grupo de mulheres denominado de mães
sociais. É preciso observar que, na pesquisa social, as abordagens
qualitativas ajudam no processo de interpretação das práticas cotidianas. O
agente pesquisador incorpora valores, métodos e técnicas que agem em
direção as questões e respostas geradas no campo de pesquisa. Nesse
sentido, a pesquisadora foi ao encontro das mulheres nos territórios
demarcados pelas experiências significantes de aproximação, respeito,
confiança mútua e ética.
O campo de pesquisa se desenhou na dialética da construção do
conhecimento, pois, para visão de Demo (2009, p.58) a atividade de construir
conhecimento, em si, precisa preocupar-se com a socialização por uma razão
hermenêutica vital do conhecemos o conhecido e pesquisar tornou-se uma
forma de promover a cidadania. Escrever sobre a realidade que nos cerca é
mergulhar no campo do envolvimento com o outro, nesse mergulho me
observei ocupando um tempo e um lugar reconhecível e decifrável através das
narrativas produzidas pelas personagens que habitavam aquele cotidiano.
O campo de pesquisa foi delineado pelas práticas de suas moradoras.
As
atividades
sociais
dessas
personagens
passam
por
constantes
transformações. O fazer cotidiano é proporcionado pelas artes do cuidar do
outro e foi regulado através das trocas de economias afetivas, culturais e
políticas. Os comportamentos sociais das mulheres sobralenses na função de
mães sociais estão imersos nas práticas de solidariedade das classes
populares.
Em Sobral, as políticas públicas de saúde se inscrevem no âmbito das
ações das estratégias de saúde coletiva e comunitária. Essas estratégias
atuam no sentido de valorização de novas práticas de políticas de saúde, com
a finalidade de promover à assistência à saúde de forma adequada no que
tange ao atendimento a população de baixa renda.
O Programa mães sociais é resultado da experiência de implantação de
políticas públicas de saúde para as mulheres no Município de Sobral-Ce. Esse
Programa compreende uma rede de assistência à saúde e implica na
viabilização do acesso das mulheres aos serviços de saúde existente no
município. A principal tarefa desse programa é reduzir a Mortalidade Materna.
O debate sobre a participação social envolve aqui uma ampla
experiência de gênero no tocante à propagação de estratégias de saúde para
as mulheres de camadas sociais desfavorecidas, como também envolve o
processo de uso e apropriação dos serviços das redes públicas de saúde.
Para indicar, a experiência de gênero, abordo ainda acerca das
reproduções de práticas da vida social e ritmos de sociabilidades de
mulheres/mães que partilham suas experiências públicas e privadas com
alguns setores da sociedade civil. Nesta pesquisa busco analisar as questões
de gênero relacionadas às condições de classe. A classe social, no segmento
da população pesquisada está associada à quantidade de renda, grau de
escolarização, emprego, quantidade de filhos e a qualidade de vida dos
sujeitos sociais envolvidos. As mulheres/mães e mães sociais sobralenses que
são sujeitos desta pesquisa fazem parte de uma estrutura social marcada pelas
transformações trazidas pela urbanização, industrialização e tecnologização
que, de certo modo, acarretaram mudanças na forma de pensar e viver.
A via proposta na articulação entre gênero e classe social, é configurada
na análise que discute, por um lado a relação ou alocação das mulheres com o
mundo da produção e reprodução material da existência, por outro lado, esta
análise reside na representação de caráter ideologizante do mercado de
trabalho, do consumo, da organização da divisão técnica e sexual do trabalho,
da estrutura familiar, do tempo de lazer feminino, na estruturação de políticas
públicas e na reprodução humana.
Gênero aparece aqui informando a legitimação da política social e
cultural que se apóia nas relações de dominação, principalmente no processo
de desenvolvimento das forças produtivas que acarretaram a aceleração da
precarização instituída no campo da produção e reprodução da vida familiar,
afetiva, social e política de sujeitos sociais (homens e mulheres).
As relações de classes se articulam no processo dialético do campo de
força político, cultural, técnico e educacional. A conexão entre a condição de
classe e atuação em atividades políticas de associativismo (redes) também
influenciam no resultado da disponibilização de recursos por partes de
agências privadas e do Estado, através de programas de ajuda humanística,
como os programas de combate a pobreza, de redução da mortalidade
(materna, neonatal e infantil), combate a violência doméstica e o combate a
desigualdade econômica.
A interferência do Estado na órbita das políticas de saúde e dos direitos
das mulheres é marcada por ambiguidades, principalmente quando se leva em
consideração a representação que se reproduz da mulher como um sujeito
reprodutivo, sem autonomia financeira, sem status político e que deve se
esforçar para proteger os filhos/as e cuidar da família.
Na análise crítica de duas estudiosas de gênero Matos e Borelli (2012, p.
142), se debate esta questão:
As ações governamentais priorizam a proteção e defesa
da instituição familiar, reforçando a importância da
maternidade e os cuidados femininos do lar.
Considerando o trabalho feminino fora do domicílio uma
atividade provisória e/ou complementar ao trabalho
exercido pelo chefe de família, tais ações privilegiam os
homens em detrimento das mulheres no mercado de
trabalho.
Para Pinsk (2012, p.470) é importante conhecer as representações que
prevalecem em cada época, pois elas têm a capacidade de influenciar os
modos de ser, agir e sentir das pessoas, os espaços que elas ocupam na
sociedade e as escolhas de vida que fazem.
A exclusão econômica e política das chamadas minorias sociais, e
especificamente
das
mulheres
nordestinas
engendra
uma
constante
contestação, participação e organização em torno de lutas pelos direitos
sociais, e consequetemente demandam ações das políticas públicas. As
trajetórias de participação e de envolvimento desses sujeitos sociais envolvem
uma rede de trocas sociais, econômicas, políticas e simbólicas entre
mulheres/mães em diferentes espaços/tempos sociais. Essas trocas sociais
apontam para uma discussão das relações de gênero.
No
processo
de
trocas,
de
divisão
sexual
do
trabalho,
de
reconhecimento de papeis sociais, de funções e cargos de poder, percebe-se
que há uma relação de hierarquia entre o mundo masculino e feminino. Como
frequentemente ocorre quando se analisa as relações estabelecidas entre as
esferas do público e do privado.
Para Pinsk (2012, p. 470), “Os discursos sobre o que é “próprio da
mulher” ou qual o “seu papel” afetam também as políticas públicas, o valor dos
salários, a oferta de emprego, as prescrições religiosas”. É bom ressaltar que
este processo apresenta-se como um ponto norteador para se questionar
acerca da desresponsabilização do Estado diante da gestão das políticas
públicas para as mulheres brasileiras.
A presença e a ausência do Estado devem ser estudadas a partir de
determinado contexto histórico social, pois implica em uma análise relacional
com determinantes e condicionantes que operam na base de várias instâncias
do político. É importante não separar a esfera pública da esfera privada, pois
se deve considerar que os vínculos que orientam as dinâmicas entre ambas
são
constituídos
através
dos
conflitos
de
interesses,
representação,
negociações, formas de coesão e de participação social.
Nas democracias contemporâneas falar em participação social é antes
de tudo falar do direito à proteção da liberdade individual. A história de como se
ampliou os processos democráticos no Brasil, com a participação permanente
dos várias instâncias políticas no cenário das lutas sociais e políticas, nos
mostra que os conflitos de interesses entre o Estado e as demais instâncias
políticas da sociedade civil, possuem um caráter de legitimação do exercício
dos direitos, da liberdade, do respeito e da cidadania.
Nesse jogo de interesses que brota da arena política, o interesse da
maioria se torna a principal regra que serve para legitimar e consolidar a
democracia. Desse modo, percebe-se que as regras que orientam o jogo da
democracia representativa são elaboradas pelos os princípios jurídicos,
filosófico e moral, estas regras reúnem um conteúdo de direitos civis com base
na igualdade e nas liberdades fundamentais dos cidadãos.
Durante o período de 1985 a 2000, assistiu-se um processo de
crescimento das lutas sociais no campo e na cidade na sociedade brasileira.
Os movimentos sociais se posicionavam abertamente no interior dos
crescentes conflitos de terras, de luta pelo emprego, de luta pela moradia, de
luta pela educação de qualidade, de luta pela reforma agrária, de luta pela
participação e representação política partidária, de luta pelas políticas de saúde
para as mulheres, de organização de sindicatos classistas.
Neste período deve-se reconhecer que as necessidades de lutas
assumidas pelos movimentos sociais apontavam para um progressivo processo
de efervescência e da participação política em vários setores organizado da
sociedade. A participação dos integrantes de movimentos sociais através de
diversas lutas e de ações coletivas tornou-se fonte de pesquisas e estudos no
âmbito das Ciências Sociais.
Na visão de Sader (1988, p.52) o movimento social brasileiro apresenta
uma visibilidade através de novos sujeitos sociais que entram em cena e
traçam novas formas de resistências sociais. O cotidiano é transformado em
um espaço de ação política, de resistência e práticas contra todos os tipos de
dominação. Neste sentido, os analistas passam a estudar o movimento social a
partir de suas singularidades.
Na análise de Carvalho (1988, p.1) participação popular é uma forma de
manifestação histórica dos movimentos sociais, pois:
A participação popular sempre existiu desde que
existem grupos sociais excluídos que se manifestam e
demandam ações ou políticas governamentais. Nesta
perspectiva, todas as mobilizações e movimentos
sociais são formas de participação popular, que se
diferenciam segundo as questões reivindicadas,
segundo as formas possíveis, definidas tanto pelos
usos e costumes de cada época, pela experiência
histórica e política dos atores protagonistas, assim
como pela maior ou menor abertura dos governantes
ao diálogo e à negociação.
No que diz respeito às modalidades de participação, a regra fundamental
é o interesse dos grupos, as demandas sociais, ou seja, as lutas coletivas de
cada segmento social. As práticas e os discursos políticos inscrevem-se no
universo da militância dos adeptos dos movimentos sociais e das mobilizações
realizadas a partir desses protagonistas que reivindicam os espaços de
cidadania.
Para Moisés (1979) os movimentos sociais na América Latina foram
marcados pelo seu caráter popular, pois eles reivindicavam uma identidade de
sujeitos coletivos e socialmente heterogêneo, desenvolviam ações coletivas no
plano da política. Daí neste período o surgimento e presença de tantos novos
sujeitos sociais no cenário político da sociedade Brasileira.
No que se referem aos movimentos sociais e populares que assumiram
este tipo de ações, as CEBs se revelaram como um sujeito coletivo com
expressões religiosas que propagaram a participação social e a identidade
política/religiosa de seus membros.
A dinâmica das comunidades Eclesiais de Base foi construída a partir de
suas bases econômicas, eclesiais, políticas e culturais. Assim descreve Delmiro
(1996, p.61) “CEB é um grupo de pessoas que vivem em comum unidade. Esta
unidade reside no plano cultural, político e socioeconômico. Existe uma rede de
solidariedade que marca a vida de uma CEB”.
Para Delmiro as Comunidades Eclesiais de Base foram, sem dúvida, um
movimento eclesial e popular que marcou um novo jeito de fazer política das
camadas populares oriundas do campo e da cidade, além de marcar “um novo
jeito de ser Igreja”. Dessa forma, as CEBs foram analisadas pela sua
importância social e pela participação social de seus membros. Em uma análise
mais detalhada sobre as CEBs, percebeu-se que as Comunidades de Base
eram um espaço de fé, de formação e cidadania. Como afirmou Delmiro (1996,
p.100):
Os membros das CEBs buscam superar suas
dificuldades através do processo de educação e
conscientização em que estão inseridos. Nesse sentido,
a comunidade aparece como uma opção para a
libertação, um canal para a vida, um leque de
participação social e um compartilhar de alegrias e
tristezas, de angústias e esperanças dos cristãos. Com
outras palavras para os membros, as CEBs representam
o viver solidário com os irmãos e o despertar para a luta.
Nesta análise é importante ressaltar que para de alguns sujeitos sociais
pertencentes às camadas menos favorecidas, a participação social é, sem
sombra de dúvida, uma forma de adquirir status político, atingir metas coletivas
e pessoais, de experimentar um processo de inclusão e pertença que muitos
estudiosos apontam como sendo uma maneira de reconhecimento, de
participação e cidadania. Neste sentido, a participação social é ressaltada
como o suporte da democracia, ou seja, é a forma consensual do fazer política
inspirada nos princípios de justiça, ética, direito, liberdade, igualdade e
cidadania.
Na análise de (Dworkin, 2001) a democracia é parceria, é um conjunto
de indivíduos associados em busca dos mesmos fins, “é a forma de governo na
qual
os
cidadãos
agem
como
parceiros
de
um
co-empreendimento
governamental” (Dworkin, 2001, p.161). Para que a democracia seja exercida é
necessário que os agentes ou protagonistas se comprometam na ação coletiva
como cidadãos.
No Brasil fica evidente que o processo de distribuição de riquezas não
acarreta de imediato o processo de reconhecimento dos direitos políticos dos
cidadãos. As formas de participação desses sujeitos sociais são redefinidas ou
remendadas no novo contexto político. Quais as razões gerais para que uma
democracia venha sobreviver com o impacto dessas desigualdades?
Para Fraser (1997) o reconhecimento das minorias sociais é constituído
no campo de luta pela redistribuição de riquezas econômicas e sociais. E o
processo de luta pela igualdade social, ocorre quando se instaura políticas de
reconhecimento dessas minorias. Esta autora debate sobre o processo de
exclusão social, sobretudo, ela aponta para a exclusão de gênero que é
reforçada a partir das desigualdades sociais e da separação entre as esferas
públicas e privadas. Nas esferas públicas as mulheres são sujeitos excluídos.
A miséria social e política aparecem de forma naturalizada na vida
cotidiana de grande parte da população brasileira. São 35 milhões de pessoas
vivendo a abaixo da linha de pobreza, sem a menor condição de viver
dignamente. Além de existir milhões de pessoas sem emprego, sem escola
sem moradia, há um grande contingente da população sem nenhum acesso
aos chamados bens de serviço.
Este estudo permitiu-me fazer a discussão sobre o “protagonismo de
mulheres pobres” da Região Norte do Estado do Ceará, por meio da inclusão e
reconhecimento, da participação social e da orientação ao mundo do
agenciamento de ações coletivas e comunitárias. Fazer política social de
interesse coletivo é uma coisa, propor políticas salvacionistas, que na maioria
das vezes, não implica no interesse da população assistida, é bem outra.
Parece haver razões (ideológicas entre outras) pelas quais o Estado tenta
propagar a promoção da justiça e dos direitos sociais em casos emergenciais.
A questão que se coloca neste artigo é como pensar em participação
social e democracia frente a essa sociedade que reproduz pobreza e misérias
dos seus membros? Até que ponto é favorável a desigualdade e a injustiça
social? Que tipos de instituições políticas se favorecem com esta situação?
A noção de participação social é também compreendida através da
perspectiva das políticas púbicas, pois coincidem com os mecanismos
(ideológicos) de apelo das instituições governamentais e não governamentais
em torno das demandas sociais ou dos chamados compromissos políticos.
Durante muitos anos a participação social foi marcada na sociedade
brasileira a partir de um contexto político permeado por diversos processos que
envolvem os direitos sociais das chamadas minorias sociais: as mulheres,
velhos, negras homossexuais, moradores de rua; pela incapacidade das
democracias representativas, pela força esmagadora do mercado e pelas
demais demandas focais.
Este cenário propiciou uma gama de estudos, debates, teses e críticas
sobre a representação de política social, marginalização, solidariedade, justiça,
igualdade, participação e cidadania. O processo de participação social, muitas
vezes, se propagou através das lutas e conflitos gestados no seio das
democracias representativas. Estes jogos de interesses transformaram os
processos de negociação dos interesses coletivos de vários setores da
população brasileira.
Segundo Homero (2007) há uma desconfiança dos brasileiros em
relação ao sistema democrático e suas instituições, principalmente quando se
trata dos partidos políticos, esta desconfiança e descrença tornam-se bem
visível. É evidente que a grande maioria da população defende a democracia
representativa como a melhor forma de regime para o exercício da cidadania e
para a organização da coisa pública. Porém, as instituições democráticas,
especificamente os partidos políticos atravessam uma grave crise de
credibilidade e legitimidade.
Na visão de Baquero (2000, p.149) as instituições democráticas
degeneram a democracia quando se utilizam das práticas e procedimentos
antidemocráticos, que pervertem a representação política e geram dúvidas.
Para este autor, a desconfiança e o desencanto com as instituições
democráticas ocorrem no sentido de desvalorização dessas instituições.
O
regime
democrático
brasileiro
apresenta
indícios
de
grave
desigualdade social. A população sofre com as consequências da falta de
equidade de renda, da carência de políticas públicas de saúde para mulheres,
da falta de direitos políticos como educação, moradia, segurança e
alimentação. O modelo de democracia que se consolidou no Brasil propagou,
de forma contraditória, com as formas de desigualdades sociais. As taxas de
miserabilidade dos últimos 25 anos apontam números alarmantes, são mais de
38 milhões de pessoas (crianças, mulheres, negros, adultos e velhos) vivendo
abaixo da linha de pobreza.
Neste sentido a reprodução das desigualdades sociais além de causar
erosão na economia do país devido às perdas econômicas, ainda favorece
diretamente para o enfraquecimento democrático da participação política. Daí
da necessidade de construção dos mecanismos e estratégias através dos
espaços de participação social, que reforce os potenciais de luta pela
redistribuição das riquezas econômicas e sociais, e que fortaleça o
reconhecimento dos direitos sociais das chamadas minorias sociais e dos
grupos excluídos.
Para Regina Pinto (2002, p.83/84) a democracia contemporânea deve
ser analisada a partir do surgimento de novos grupos e demandas com
destaque nas mulheres e as minorias e étnicas e sexuais.
O surgimento dessas novas identidades contribuiu de forma
muito definitiva para por em cheque uma das noções mais
arraigadas da modernidade, a saber, o universal, noção
essencial para a construção do arcabouço teórico e mesmo
político das ideias de democracia, direitos humanos,
interesses gerais. O questionamento “da universalidade do
universal” introduz a noção de diferença e de impossibilidade
de sua redução a um princípio único. (PINTO, 2002, p.83/84).
Nada expressa melhor da representação de que a democracia brasileira,
apesar das tensões e conflitos que a constitui, ela pode se fortalecer como um
meio de propagação da justiça social, da centralidade da luta pelo
reconhecimento das minorias (gays, lésbicas, mulheres, transexuais, sem terra,
sem teto, negras/os, portadores de deficiências), do direito de afirmação
identitária, da luta pela igualdade distributiva. Daí o fortalecimento dos espaços
de realização do Direito Positivo ou das políticas de discriminações positivas.
No Brasil a experiência das ações afirmativas e das cotas no final da
década de 1980 e no início da década de 1990 se solidificou como um aspecto
relevante no processo de participação social e de ação política por parte de
alguns segmentos sociais. Neste sentido as ações afirmativas apontavam para
o grau de organização política dos movimentos sociais e para eficácia da
participação e representação social de diversos setores: sindicatos, partidos
políticos, movimentos de mulher entre outros.
Na análise de Araújo (2002) foi no período de redemocratização e no
processo constituinte que aumentou a participação política e social de
mulheres. Esta autora ainda afirma que a participação das mulheres nas
instâncias de poder era invisível e insuficiente.
Foi neste período que houve uma expressa visibilidade dos mecanismos
que dificultavam o acesso das mulheres aos canais de decisões políticas. As
políticas de cotas e as ações afirmativas se desenvolveram devido à
permanente luta travada contra todas as formas (simbólicas/práticas)
discriminatórias impostas às mulheres, negras/os, portadores de deficiências e
outros sujeitos socialmente excluídos. Araújo (2002, p.149/150) esclarece que
“as ações afirmativas e as cotas emergem num contexto de enfraquecimento
de projetos políticos alternativos, quando as atenções se voltam para o
aprimoramento da democracia representativa”.
O processo de participação política, social e econômica na sociedade
contemporânea corresponde ao discurso de participação dos indivíduos
através de dinâmicas coletivas combinadas (ou não) com as estratégias de
ação estatal. Esse fato ocorre a partir de um processo de associação política,
de conflito, de socialização, de pertença e de reconhecimento. Na visão de Sorj
(2006, p.103):
A participação do cidadão e a ação estatal só são
possíveis graças às organizações e suas infraestruturas,
a recursos materiais e simbólicos, sejam os aparelhos de
Estado, os meios de comunicação, os sindicatos, os
partidos políticos, os movimentos sociais, sejam as
ONGs, para nomear os mais importantes. Em todo caso,
a coesão social não é dissociável das mediações
institucionais, a partir dos quais os indivíduos tecem (e
são tecidos por) os múltiplos interesses que os ligam a
uma dada cidadania nacional.
A forma de participação social, que existe na cidade de Sobral-CE faz
parte de um processo de institucionalização de políticas públicas de saúde para
as mulheres no período reprodutivo. Neste artigo pesquisei o caso das mães
sociais, ou melhor, busquei compreender a participação de um grupo de
mulheres que fazem parte de uma estratégia de saúde construída a partir de
ações sociais elaboradas e planejada pelo município (estado), instituições
privadas e organizações não governamentais (ONGs), que se propõem ao
atendimento às mulheres das camadas populares do município de Sobral-CE.
A mãe social é a mulher/mãe que presta um serviço comunitário e
dedica parte de seu tempo na prática de cuidar de outras mulheres e de suas
crianças (filhas e filhos) até o primeiro ano de vida. Elas assumem o papel de
articuladoras da transmissão das experiências populares das práticas
cuidativas. Este tipo de experiência foi engendrado a partir da Estratégia Trevo
de Quaro Folhas, que atua com o objetivo de balizar as estratégias e
programas de saúde na orientação, nos cuidados e no atendimento necessário
às mulheres e crianças até um ano de vida, neste sentido, esta estratégia visa
garantir que mulheres/mães pobres durante o período de gestação, parto e o
primeiro ano de vida de seu filho sejam assistidas de forma mais humanizada.
As práticas cuidativas das mães sociais constituem parte de um tipo de
trabalho em domicílio executado por mulheres mães que recebem um benefício
social para atuarem em uma estratégia (programa) de saúde da cidade de
Sobral-CE. Esta participação se manifesta, de um lado, pelo aumento das
formas de assistência à saúde da mulher gestante e da criança até o primeiro
ano de vida. Por outro lado o processo de participação social das mães sociais
se desenvolve pelas diversas situações relacionadas a algumas demandas
sociais, como: o direito à vida, ao reconhecimento, ao trabalho, a saúde.
As mães sociais são pessoas que participam de um processo de trabalho em
rede, são submetidas a uma qualificação e avaliação de suas experiências de
vida por uma equipe multiprofissional de saúde. O trabalho que é elaborado
pelas mães sociais é um tipo de atividade realizada em tempo parcial.
As mulheres mãe sociais são responsáveis por esse tipo de atividade,
na medida em que representam uma estratégia de proteção social ou um
vínculo de solidariedade e de cidadania para outras mulheres mães que
necessitam de cuidados especiais na gestação, no parto e no período do pósparto. O fato que chama atenção, é que o desempenho ou das práticas
cuidativas das mães sociais intercede diretamente no processo da redução da
mortalidade materna e infantil.
Ora, minha pretensão foi investigar a participação de mulheres em
situação de pobreza em um programa de práticas cuidativas e de cooperação
social na cidade de Sobral-CE. Busquei compreender quais os motivos que
influenciam a participação dessas mulheres no exercício específico de
compartilhar suas experiências de mães, através das práticas cuidativas, com
outras mulheres/mães. Esse fenômeno aponta para as práticas de gênero
ligadas ao cuidar do outro. A dimensão das desigualdades sociais proporciona
por um lado discriminação da mulher, mas por outro lado condiciona
estratégias de sobrevivências, reciprocidades e escolhas.
É interessante observar que o processo de socialização reproduzidos
nos espaços das redes de assistência, cooperação e ajuda social estabelece
uma conotação de gênero. Porque as relações sociais de gênero estão
associadas a outras relações tais como classe social, geração e etnia. Na
definição de Scaparo (1996, p. 35) as diferentes formas que compõe o
processo de socialização são estabelecidas da dialética entre o sujeito e o
contexto cultural e social.
Os espaços físicos foram delineados e mapeados, durante a pesquisa,
através das necessidades e das oportunidades de socialização, de trocas, de
saberes e de experiências. Esta delimitação não teve como principal requisito a
localização física, as circunstâncias sociais e as condições materiais, mas o
que ficou marcado neste espaço foi a frequência das estruturações das
práticas cuidativas e de outros eventos sociais significativo, principalmente o
evento da reciprocidade que foi apreendido no cotidiano dos grupos e
instituições que formam as redes sociais.
No decorrer da observação de campo, um fenômeno que chamou a
minha atenção foi o da reciprocidade identificado nas redes de apoio
reproduzidas pelas as mães sociais, as mulheres mães usuárias, os agentes
sociais, as madrinhas sociais, as instituições públicas, as entidades privadas.
Esses sujeitos sociais são identificados como tais por suas contribuições e
seus investimentos simbólicos na dinamização dos processos de socializar e
reproduzir as experiências que privilegiam a dimensão da dádiva.
Na pesquisa realizada através dos arquivos do Trevo de Quatro Folhas,
a Madrinha Social é alguém que assume a criança como afilhada e fornece
suporte financeiro para ajudar a manter o trabalho da Mãe Social e acompanha
o desenvolvimento da criança sua afilhada. As madrinhas sociais são iniciativas
da Estratégia Trevo de Quatro Folhas e outras entidades do município. Elas
participam ativamente da decisão de adotar uma criança doando uma pensão
ou ajuda financeira para ajudar no orçamento da família e melhorar a qualidade
de vida das crianças. O papel atribuído as madrinhas sociais vai além da ajuda
financeira, uma vez que quando há o acompanhamento de perto, se consolida
uma relação afetiva entre madrinhas e afilhados.
Durante o processo de pesquisa realizei um estudo de caso da
Estratégia Trevo de Quatro Folhas, fiz observação e entrevistas semi
estruturadas com as mães sociais e com profissionais imersos nas áreas de
saúde (enfermeiras, pediatra, ginecologista, psicólogas entre outros) que atuam
diretamente no processo de gerenciar, cuidar e garantir o atendimento
adequado à saúde da mulher. Procurei realizar detalhadamente a descrição do
processo de implementação do programa da mãe social na cidade de Sobral.
Também fiz uma abordagem teórica dessa problemática, buscando
dialogar com alguns autores, no sentido de possibilitar uma discussão mais
específica sobre esse fenômeno. A abordagem teórica pretendida neste
trabalho visa aprofundar as discussões sobre a política pública de saúde,
participação
social,
desigualdade
social,
ideologia,
democracia,
reconhecimento, direitos sociais, reciprocidade entre mulheres pobres e o
cuidar do outro, levando em consideração as novas perspectivas teóricas e as
divergências dos conhecimentos que configuram na compreensão dessa
problemática social.
A emergência de questões de gênero mostra dimensões subjetivas, que
vão além de uma racionalidade instrumental. Esta emergência tem contribuído
para o surgimento de estudos acerca das estratégias alternativas resultantes
de processos sociais e organizações de práticas articulatórias que condicionam
o desenvolvimento de redes de participação, reciprocidades e de sobrevivência
na configuração social das mulheres.
O estudo de caso foi conduzido através dos processos de participação e
aprendizagem sociais produzidos no campo da pesquisa. Esta perspectiva
metodológica pode ser descrita como uma aproximação e envolvimento da
pesquisadora na dinâmica que envolve os processos de interação social. Esta
dinâmica foi construída através de uma relação intersubjetiva entre os atores
sociais e a pesquisadora.
Durante o trabalho de campo, foi realizada uma pesquisa documental
em instituições públicas e privadas, relacionadas ao atendimento à saúde da
mulher. Estabeleci contatos com os agentes sociais que estavam envolvidos
nas experiências e tramas socialmente construídas. Estes contatos ocorreram
através de visitas realizadas na Escola de Formação em Saúde da Família
Visconde de Sabóia, nas unidades de saúde, na Secretaria de Saúde do
Município de Sobral, na Estratégia Trevo de Quatro Folhas, na Maternidade da
Santa Casa de Misericórdia de Sobral.
O crescimento das cidades no Brasil foi acompanhado pela aceleração
das desigualdades sociais e pelos processos de destituição que a elas estão
associados. Essas desigualdades criaram desequilíbrios nos diversos setores
da sociedade civil, como no setor da educação, da saúde, do lazer, do mercado
de trabalho. A desigualdade aparece, na sociedade brasileira, de forma
relacional e multidimensional como resultado de um processo da má
distribuição dos recursos sociais gerados pelas políticas neoliberais que afetam
diretamente todos os cidadãos. Os mecanismos geradores e reprodutores das
desigualdades sociais reforçam o processo de exclusão e o aumento da
população desfavorecida, especialmente de mulheres, negras e jovens.
Nesse contingente da população excluída encontram-se: negros, os
analfabetos, idosos, moradores de rua, jovens, crianças e as mulheres pobres,
que são atingidas de diversas formas dentro do sistema perverso de
precarização social. Além das desigualdades estruturais, as mulheres sofrem
outros tipos de desigualdades respaldadas nas tensões geradas dentro do
processo coletivo que alimentou, durante muito tempo, a cultura patriarcalista
que classificou historicamente a mulher como inferior ao homem.
As práticas de dominação e da violência imposta às mulheres foram
construídas historicamente a partir de relações dissimétricas de poder entre os
sexos, onde as representações de feminino e masculino, de desigualdades e
igualdades, de diferença e igualdade entre homens e mulheres afirmaram/ou
afirmam as diversas formas de dominação entre os dominadores e os sujeitos
dominados.
Na perspectiva de Bleichmar (1985) o gênero abarca aspectos culturais,
sociais e psicológicos do tornar-se homem ou mulher. Pois, segundo esta
autora o gênero é descrito (1985, p.38) como uma categoria “complexa e com
múltiplas articulações, que se desdobram em papel de gênero, identidade de
gênero e atribuição de gênero”
No que diz respeito à dominação imposta às mulheres, na maioria das
vezes, aparece através dos dispositivos sociais, políticos, econômicos, jurídicos
e nos costumes corporificados através das práticas cotidianas que se
expressam no recorte das diferenças racial/étnica, de sexo, de gênero,
urbano/rural, de idade/geração e de classe. Um caso específico que pode
servir para exemplificar os dispositivos da dominação criada na nossa
sociedade é a forma como aparece o trabalho doméstico. Trata-se de uma
atividade que é atribuída somente às mulheres, como afirma Pedro (2012,
p.251): “Poucas mulheres têm a sorte de contar com a participação do
companheiro nas tarefas do lar. Mesmo as que recebem tal colaboração
(consideram
uma
ajuda),
sentem-se
as
principais
responsáveis
pela
organização e boa administração do lar.”
A situação de desigualdade social no Brasil é agravada pela inexistência
ou descaso com a proteção social e com os direitos sociais, como: moradia,
lazer, educação, saúde, trabalho entre outros.
As consequências desse fenômeno são visíveis através da situação
preocupante, da maioria das mulheres nordestinas que vivem em uma situação
cultural, política, educacional, de saúde e econômica de exclusão social. Na
Região Nordeste e Norte do país o agravamento do quadro de injustiça social é
promovido pela precariedade na qualidade de vida da população que é carente
no uso de recursos sociais como: transporte, saúde, moradia, educação
saneamento, trabalho. A apropriação desigual desses bens e recursos
intensifica de forma perversa os abismos regionais e aponta para a real
situação de desigualdade social.
Esse quadro de exclusão levou as constantes pressões sociais dos
grupos e movimentos sociais. Os movimentos de mulheres ingressaram na luta
pela construção dos direitos humanos, sociais, políticos, econômicos. Estes
movimentos sociais desempenharem um papel relevante no tocante a luta pela
implantação e pela fiscalização das políticas públicas, especialmente no que se
refere aos direito à saúde e a qualidade de vida das mulheres brasileiras.
Embora as políticas públicas apareçam aqui entendidas, como medidas,
programas e planos estruturados a partir de um sistema do reconhecimento de
carências sociais que afetam vários setores da sociedade, nem sempre é
comum encontrar viabilização dos programas que visam sanar todas as
demandas.
As instituições sociais que se encarregam de aplicação de políticas
públicas lidam de modo consciente com as práticas institucionais de exclusão.
É dever do estado e da sociedade civil garantir a igualdade de acesso à
participação das mulheres pobres na vida econômica, política, cultural,
educacional, especialmente nas esferas relacionadas à saúde e a plena
valorização do fortalecimento da qualidade de vida.
Pois segundo Heinen (2009, p.188), “As políticas sociais e familiares
cobrem um espectro muito amplo de campos de ação do Estado, indo da
demografia ao emprego, passando pela saúde, a educação e a moradia. Elas
implicam uma intervenção dos poderes públicos na esfera do privado”.
O Estado brasileiro estabeleceu a formulação e a implantação de
políticas públicas em vários setores da sociedade, a partir dos diagnósticos
oficiais e das emergências da demandas sociais. No Brasil durante a década
de 1990 a temática da saúde da mulher se configurou com um grave problema
político, foram criadas políticas públicas de combate ou redução da mortalidade
materna e da mortalidade infantil.
Essas medidas e ações governamentais foram adotadas com a
finalidade de assumir responsabilidade no campo da reprodução humana
(aborto, anticoncepção, monitoramento da gravidez, técnicas reprodutiva,
acompanhamento no período de gestação, aleitamento etc.).
No
conjunto
dessas
políticas,
percebeu-se
a
importância
de
compreender as especificidades de cada setor e as diferenças regionais,
culturais, e étnicas, em funções das discriminações e relações desiguais de
ordem: étnica, política e social. Outros estudos têm mostrado que a mulher das
regiões Norte e Nordeste não goza de condições equânimes em relação à
população das regiões sudeste e sul do país.
Neste trabalho faço uma análise acerca da saúde da mulher nordestina
pobre pertencente às camadas sociais mais desfavorecidas, onde destaco que
as políticas públicas de atendimento à saúde de mulher têm um papel
importante na redução da mortalidade materna e infantil, porém, esse papel é
limitado no combate às diferenças e desigualdades sociais.
Diante disso, a pesquisa se propõe analisar as questões de gênero
marcadas pelo marco de classe. A classe social, no contexto da pesquisa em
andamento é associada à quantidade de renda, grau de escolarização,
emprego, quantidade de filhos e a qualidade de vida dos sujeitos sociais
envolvidos. As mulheres/mães e mães sociais sobralenses que são sujeitos
desta pesquisa fazem parte de uma estrutura social marcada pelas
transformações trazidas pela urbanização, industrialização e tecnologização
que, de certo modo, acarretaram mudanças na forma de pensar e viver.
Desde o final dos anos 1990, no município de Sobral vêm-se discutindo
formas de introduzir programas e políticas públicas que articulem a viabilidade
econômica, educacional e cultural da população. Esse processo culminou na
elaboração de uma proposta de política pública de saúde que visa articular os
mecanismos de intervenção governamentais as redes de apoio e cuidado dos
usuários/beneficiários.
Em Sobral-CE foi desenvolvido programas de saúde com a finalidade de
reduzir a mortalidade materna e infantil. A Estratégia Escola de Formação em
Saúde da Família Visconde de Sabóia, juntamente com os Centros de saúde
da família, a Secretaria de Saúde e a Estratégia Trevo de Quatro Folhas
criaram mecanismos para organizar a atenção básica a saúde das mulheres
das baixas camadas sociais.
Uma das estratégias foi acompanhamento as mulheres sobralenses no
período de gestação (pré-natal), na assistência ao parto e no processo de
cuidado com as mães e com os recém nascidos (puericultura). O programa da
mãe social é um caso específico das estratégias de saúde que serve para
exemplificar as práticas do cuidado especial que as mulheres e as crianças
recebem dos setores e redes sociais de saúde de Sobral.
Este programa social se justifica através da obrigatoriedade ou do
compromisso dos poderes públicos em promover políticas públicas que visa
garantir a assistência à saúde da mulher no período fértil, gestacional, durante
o parto e no período pós-parto, no sentido de implementar as ações básicas
sobre o planejamento da qualidade de vida da mulher e da criança das
camadas pobres da população.
No ano de 2001, a Secretaria de Saúde do Município de Sobral criou
uma estratégia com a intenção de promover a melhoria no atendimento e na
assistência à saúde da mulher no período fértil, da gestante e das crianças de
até um ano de vida, com o objetivo de reduzir a mortalidade materna, a
mortalidade perinatal e infantil. Este órgão público reorganizou a atenção
básica a saúde através da implantação do Programa de Saúde da Família e
outros programas sociais relacionados à saúde.
Em cada unidade de saúde do Município de Sobral-CE foi instalado este
programa, neste sentido cada segmento social (crianças, jovens, mulheres,
idosas, trabalhadores e etc.) foi beneficiado através das práticas do Programa
de Saúde da Família, principalmente as famílias de baixa renda composta por
desempregados,
trabalhadores
informalizados,
domésticas,
operárias,
estudantes, idosos, alfabetizados, trabalhadores do comércio e dos setores
público e privado.
As mães sociais são de origem urbana e rural moradoras dos bairros e
distritos de Sobral: Bairro das Pedrinhas, Bairro da Coelce, Terrenos Novos, D.
Expedito, Bairro do CAIC, Estação, Alto da Brasília, Bairro do Junco, Distrito do
Jordão e Distrito do Aprazível. Estão na faixa entre 26 e 50 anos de idade. A
maioria faz parte de uma rede de relações que se apresentam na seguinte
configuração social: condições de vida econômica precária, casadas, mães de
filhos (tem de 4 a 10 filhos), possuem o curso primário completo,
desempregadas, são mulheres que assumem as exigências do trabalho
doméstico, são responsáveis diretas na criação e educação dos seus filhos, às
vezes, a mãe social é mantenedora do grupo familiar.
Para a pesquisa foram entrevistadas 10 mães sociais. No meu trabalho
de campo agendei e realizei as visitas e entrevistas com essas mulheres. Neste
percurso fui auxiliada pelos sujeitos envolvidos nos territórios onde se
desencadeia as práticas de saúde: monitores, agentes comunitários de saúde,
assistentes sociais, enfermeiras, pediatras e médicos, obstetras. Este fato
explica primeiramente pela dimensão territorial de difusão e acolhimento das
variadas práticas de saúde. E segundo pelas táticas de minimização dos
sofrimentos causados pela situação de pobreza e descaso pela vida.
As funções e as práticas de cuidar do outro são consideradas, até hoje,
práticas e tarefas associadas às mulheres. No transcurso das práticas
cuidativas que acompanha quase todas as etapas da vida das mulheres, a
maternidade, o aleitamento, a educação das crianças, o cuidado com os
doentes, dos velhos, o trabalho doméstico são funções que possuem grande
relevância para a construção das esferas da dominação de gênero. Além de
que na maioria das vezes essas práticas são alocadas historicamente com o
propósito de ritualizar a mulher como uma sombra, um corpo, ou aquela
pessoa que só tem visibilidade a partir da arte do cuidar do outro. Na visão de
Oliveira (1992, p. 88):
A imagem refletida é a de quem tenta fazer coexistirem em si
desejos que se anulam e se superpõem sem integração
possível – alguém que se desloca de um desejo a outro, de
uma existência a outra, de uma personalidade a outra, em um
esforço desesperado de ser tudo ao mesmo tempo.
Ou seja, o que se percebe é que existe uma pressão no campo da
demarcação nos limites dos territórios e das práticas cotidianas de homens e
de mulheres, buscando afirmar positiva e negativamente as diferenças de
gênero, estrategicamente instituindo ou descarregando sobre as mulheres os
trabalhos da produção e reprodução na sociedade e particularmente no âmbito
familiar, onde a mulher se consagra como esposa/mãe dedicada, que
necessariamente exerce a função política, afetiva, biológica, cultural e
doméstica de cuidar dos outros.
A função de gerar e criar os filhos serviu, na maioria das vezes, como
um imperativo na demarcação dos limites sociais, políticos e culturais das
mulheres.
As
pressões
enfrentadas
pelas
mulheres
vão
aparecer,
principalmente, em plena fase de sua vida produtiva e reprodutiva. As mulheres
foram educadas, durante muito tempo, como sendo as responsáveis pela
perpetuação da espécie. Ou seja, a concepção da maternidade foi ensinada às
mulheres com a realização da “essência feminina”. Na verdade esta
representação de ser mãe foi uma forma imperativa de atribuição de
responsabilidade às mulheres.
A acumulação das funções sociais atribuída historicamente às mulheres
remete-nos ao debate das escolhas possíveis e impossíveis dentro das esferas
da vida cotidiana da mulher. Como escolher? O que escolher? E por que
escolher novas práticas, novas condutas e novos valores? Os elementos que
definem essas escolhas estão diretamente relacionados ao gênero, ao sexo, a
maternidade, a divisão de trabalho, a geração, a etnia, a corporificação e as
posturas éticas assimiladas ao longo do processo histórico. A não escolha
produz o ser alienado, cria uma prática vazia de sentido e projeta o ser para a
fuga do conhecimento da vida, reproduz o humano através da alienante função
de imitar e cuidar do outro.
Enfim, a ação social revelada nas práticas de cuidar do outro possui
significações que marcam as escolhas e não escolhas das mulheres. O projeto
de construção de vida individual é direcionado para as esferas do mundo do
outro, traduzindo em negação da realização de desejos e sonhos projetados.
Ao mesmo tempo, esse fenômeno se perpetua nos processos das funções
sociais da mulher, como da função da maternidade que é considerado como
impulso de realização das mulheres através da existência do outro.
Muitas vezes, as mulheres incorporam práticas de dedicação e de
cuidados aos filhos e aos demais membros da sociedade, reforçando as velhas
posturas de abnegação que lhes foi atribuída coletivamente. Nesse sentido, se
percebe que esta situação política e educacional em que as mulheres se
inserem, acarreta sem sombra de dúvidas, a dominação de gênero e
institucionaliza o domínio masculino dos espaços públicos de poder e decisão.
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