LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA: AS ESTRATÉGIAS DE

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA: AS ESTRATÉGIAS DE
REPRODUÇÃO CAMPONESA NA COMUNIDADE RIBEIRÃO EM
CATALÃO (GO)
MARCELO DO NASCIMENTO ROSA1
JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES STACCIARINI2
Resumo: O presente artigo buscar-se-a apresentar alguns aspectos da reprodução e (re)
existência camponesa na Comunidade Ribeirão, no município de Catalão (GO).E, é a partir da luta
social e política pela existência que os camponeses conseguem visualizar a diversificação das fontes
de rendimentos como condição para sua autonomia perante o modelo de produção dominante.
Visualizam a potencialidade econômica, política e ideológica de seu modo de produzir e de viver e
reúnem em seu núcleo familiar força de trabalho e a Comunidade para reforçar sua identidade social.
Por fim, entende-se que esses elementos são parte constituinte de uma especificidade camponesa e
é através de levantamento bibliográfico sobre o campesinato no modo capitalista de produção e uma
vivência junto às famílias camponesas que buscou explicitar as estratégias de reprodução
camponesa.
Palavras-chave: Estratégia de Reprodução; Campesinato; Comunidade Ribeirão
Abstract: This article fetch up to present some aspects of reproduction and ( re) peasant existence
in the Community Stream, in the municipality of Catalão (GO ) .And , it is from the social and political
struggle for existence which the peasants can view the diversification the income sources as a
condition of their autonomy from the dominant model of production. Visualize the potential economic ,
political and ideological of their way to produce and live and gather in your household labor force and
the Community to strengthen its social identity. Finally , it is understood that these elements are a
constituent part of a peasant specificity and it is through literature on the peasantry in the capitalist
mode of production and living next to peasant families who sought to explain the peasant livelihood
strategies.
Key-words: Playing Strategy; Peasantry ; Community Ribeirão
1 – Introdução
O presente artigo buscar-se-a apresentar alguns aspectos da reprodução e
(re) existência camponesa na Comunidade Ribeirão, no município de Catalão (GO),
mais precisamente, as estratégias de trabalho e renda que vem sendo forjada pelas
famílias camponesas ao longo dos últimos anos. Contudo, salientamos que as
transformações ocorridas com a expansão das relações capitalistas no campo têm
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás/Regional
Catalão. E-mail de contato: [email protected]
2
Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão.
E-mail de contato: [email protected]
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provocado diversas interpretações acerca da existência, reprodução e (re) existência
do campesinato. Os camponeses têm buscado a sua recriação, seja com a luta pela
Reforma Agrária, seja executando diferentes estratégias que possibilitam a sua
existência e a sua permanência na terra de trabalho.
A estratégia das famílias camponesas para permanecer na terra é negar o
que as nega, ou seja, negar a produção e reprodução ampliada do capital, através
da negação da racionalidade capitalista no campo. Mesmo que inseridos numa
formação econômica e social dominada e hegemonizada pelo modo capitalista de
produção, os camponeses constroem na sua prática de trabalho e resistência social
uma reprodução social que lhes permite afirmar outra racionalidade que não àquela
dominante: a racionalidade camponesa. E esta lhe proporciona condições efetivas
de construir uma autonomia relativa perante o capital.
A autonomia é relativa porque parte do que os camponeses consomem como
insumos, implementos de origem industrial, entre outros são fruto de relações
comerciais com as empresas capitalistas do agronegócio. A apropriação da renda da
terra obtida a partir do trabalho da família é a garantia das condições para a
permanência na terra e só é possível na medida em que não ocorra a transferência
dessa renda a setores capitalistas.
Nessa lógica, pode-se compreender porque as famílias camponesas da
Comunidade Ribeirão, no município de Catalão vêm apostando em instrumentos de
comercialização direta, como as feiras camponesas e mercados institucionais como
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pois esses negam a
exploração da renda da terra realizada pelo mercado capitalista. Buscando
compreender as estratégias que os camponeses da Comunidade, desenvolvem para
a sua reprodução social, ressaltando a diversificação das fontes de rendimentos e a
disponibilidade de força de trabalho familiar nesse processo.
E, é a partir da luta social e política pela existência que os camponeses
conseguem visualizar a diversificação das fontes de rendimentos como condição
para sua autonomia perante o modelo de produção dominante. Visualizam a
potencialidade econômica, política e ideológica de seu modo de produzir e de viver e
reúnem em seu núcleo familiar ? força de trabalho ? e a Comunidade para reforçar
sua identidade social.Por fim, entende-se que esses elementos são parte
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constituinte de uma especificidade camponesa e é através de levantamento
bibliográfico sobre o campesinato no modo capitalista de produção e uma vivência
junto às famílias camponesas que buscou explicitar as estratégias de reprodução
camponesa.
2 – A TERRA, O TRABALHO E A FAMILIA NA COMUNIDADE
RIBEIRÃO.
Quando a terra em um território é objeto de propriedade privada, a ela podem
ser dadas diferentes funções dependendo dos sujeitos que a ocupam e dos
objetivos das atividades produtivas nela desenvolvidas. Assim, a propriedade
privada pode ser de dois tipos, conforme afirma Martins (1991): terra de negócio e
terra de trabalho, ou camponesa.
Contudo, há que se ressaltar que essas funções se hibridizam na complexa
teia da realidade da sociedade capitalista globalizada, por isso muitas vezes a terra
da qual se extrai a “mais-valia” com o assalariamento também é terra de
especulação e aquela que, principalmente considerando-se o seu tamanho, seria
terra de produção camponesa é área de lazer.
Como propriedade privada para o capitalista, a terra de qualquer tamanho, é
objeto de negócio, seja pelo fato de consistir em instrumento de exploração do
trabalho alheio, isto é de extração de “mais-valia”, seja pelo fato de poder ser
instrumento de especulação. Mas, para o camponês, a propriedade é terra de
trabalho e está restrita à exploração pelo trabalho familiar. É instrumento de
sobrevivência da família. Essas diferentes funções dadas à terra, terra de trabalho e
terra de negócio/especulação,em uma mesma sociedade, só são explicadas pelo
caráter contraditório do desenvolvimento do capitalismo, que comporta e torna
funcional tanto uma quanto outra.
Na “Comunidade Ribeirão” há proprietários capitalistas – os ali chamados
“pecuaristas” –, especuladores (proprietários que compram a terra para revendê-la
por um preço maior ou transformá-la em loteamentos urbanos, pois a comunidade
está no limite com a área urbana), chacareiros (que utilizam a terra só para lazer) e
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camponeses. Isso porque a própria formação do território evidencia a combinação
de diferentes variáveis, unidas em um complexo e contraditório arranjo espacial.
Essas diferentes funções também são materializadas nas paisagens das
propriedades.
O plantio comercial de soja, o plantio camponês de milho e a pastagem para o
gado de corte e leiteiro nessa paisagem representam diferentes relações e uso da
terra: o plantio de soja trata-se de uma extração de “mais-valia”, pois a lavoura foi
cultivada por trabalhadores assalariados, a lavoura de milho está ligada ao trabalho
camponês e a pastagem apresenta duas funções distintas, o camponês à utiliza
para cria do gado leiteiro e o pecuarista cria gado de corte com o uso do trabalho
assalariado.
Partindo do pressuposto de que toda reprodução social se faz a partir do
espaço e o tem como resultado, pode-se afirmar que o “espaço é história”
(MOREIRA, 2007, p. 62) e, portanto, é dinâmico, tendo em vista o imbricamento de
diferentes variáveis (objetos e relações) em sua constituição. Por ser condicionante
e ao mesmo tempo, condicionada pelo movimento da realidade, a combinação
dessas variáveis se manifesta em um período de tempo determinado como um
“arranjo espacial” que, nas palavras de Moreira (2007, p. 75), são as formas e
conteúdos propriamente geográficos instituídos pelos sujeitos sociais.
Assim, território não é o espaço; é o recorte de domínio, é a apropriação do
espaço (MOREIRA, 2007, p. 90). Nessa perspectiva, o território é um espaço
transformado pelo trabalho e seus resultados ali contidos; é delineado por
estratégias de organização e controle. Portanto, essa apropriação não é uma
ocorrência natural, mas um dado concreto da luta dos homens e mulheres pela sua
sobrevivência. Essa compreensão permite afirmar que o território se inscreve em um
campo de poder.
Mas, tanto o território como o espaço reproduzem a lógica do modo de
produção a que pertencem. Como o capitalismo não é homogêneo, podendo
também conter relações não capitalistas, arranjos espaciais de um mesmo lugar
podem apresentar frações territoriais não capitalistas. No campo, essas frações são
os territórios camponeses. O que os define é uma combinação de singularidades,
terra, trabalho e família, que se manifesta em um “arranjo espacial”: as propriedades
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camponesas (chamadas simplesmente de “terra” pelos camponeses entrevistados) e
a comunidade à qual pertence.
Como descrita anteriormente a Comunidade Ribeirão não é homogênea nem
do ponto de vista físico e muito menos do econômico, uma vez que é possível
identificar diferentes sujeitos com posse/propriedade da terra, entre eles:
camponeses (a maioria proprietários de terra, e não proprietários, posseiros,
meeiros, trabalhadores da terra assalariados), apenas moradores na zona rural, mas
(trabalhadores na zona urbana) e empresários proprietários de áreas/terra
destinadas ao lazer.
A área apresenta diferentes solos que levam a diferentes utilizações
econômicas. Os solos ou são “terra de cultura” ou “terra pedregosa”, que às vezes
ocorrem em uma mesma propriedade. Nas propriedades em que predominam solos
mais férteis (terra de cultura) verifica-se a presença de pastagens combinadas a
lavouras, como de milho e de cana-de-açúcar, que não são comercializadas, são
transformadas em alimento para o gado leiteiro, o que, consorciado com a
pastagem, resulta em maior produção de leite, com considerável destaque no
comércio da região. Geralmente essas propriedades contam com maior tecnificação,
como a ordenha mecânica, que aumenta a produtividade camponesa. Nelas a
produção de leite é quase uma especialização. E essa especialização incipiente não
é suficiente para caracterizar essas propriedades como não camponesas.
As propriedades que apresenta solos pedregosos (com baixa fertilidade)
impõem maiores desafios às famílias camponesas para a geração de renda, razão
pela qual desenvolvem uma combinação mais expressiva de atividades, como, por
exemplo, a produção de queijos, requeijões e doces, o que demanda mais força de
trabalho da família. Assim, por mais que as condições pedológicas não sejam
determinantes, a limitação físico-química do solo afeta (ou ao menos dificulta) a
renda camponesa.
Nas propriedades menores, de até vinte hectares, que apresentam manchas
de solos derivados do basalto (fertilidade maior), o milho, por ser a fonte de proteína
da alimentação dos animais, é a lavoura principal, ainda que as culturas intercalares
de feijão e tubérculos sejam expressivas para o consumo da família.
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A dificuldade em obter renda suficiente para a satisfação das necessidades
parece ser a principal razão da diversificação da produção. De qualquer modo, nas
propriedades camponesas da Comunidade Ribeirão predominam as pastagens e,
consequentemente, a pecuária leiteira. Embora a venda de leite a granel já
ocorresse mesmo antes da obrigatoriedade do uso de tanques de resfriamento e já
fosse recolhido pelos laticínios da região, é comum se encontrar nas propriedades a
“casinha do queijo”, onde o leite é transformado em queijos que são comercializados
no comércio da cidade de Catalão.
A relação de consumo e venda dos produtos camponeses se dá com a cidade
de Catalão e a proximidade com o centro urbano é ponto determinante mencionado
pelos camponeses ao serem questionados sobre os fatores que os fazem
permanecer no campo. Considerando-se que a organização territorial mostra como
são elaboradas as formas de existência dos camponeses, há que se verificar mais
detalhadamente também as relações estabelecidas entre as famílias, ou seja, é
preciso analisar a Comunidade. E, apesar da denominação de “Comunidade” ser
oriunda da Igreja Católica considera-se aqui a Comunidade Camponesa Ribeirão
como núcleo agrário camponês, onde são mantidas relações de vizinhança e
parentesco como estratégia de reprodução social.
A existência camponesa não se limita à propriedade nem as propriedades
camponesas formam um todo contínuo, muitas são cercadas por propriedades
tipicamente capitalistas. Assim, como retrata Oliveira (2009), o território está
marcado por esta unidade contraditória: o uso capitalista propriamente dito e o uso
camponês. A dinâmica desses dois ou mais usos também revela a correlação de
força entre classes sociais. Quando o uso capitalista se expande, destrói ou diminui
o uso camponês e muitas vezes isso chega a representar uma hegemonia, como é o
caso da monocultura nas chapadas do Cerrado. Quando o uso camponês se
expande e o capitalista se retrai, o domínio camponês se instala.
O fato de as propriedades camponesas na Comunidade Ribeirão estarem
rodeadas por mineradoras e pelo centro urbano não é suficiente para
descaracterizá-las. Almeida (2006) é enfática ao dizer que a distribuição espacial
não torna as unidades camponesas menos camponesas, até porque não se pode
considerar homogêneo o território. É a essência e o estabelecimento de relações
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sociais, principalmente de trabalho, que fazem as propriedades serem ou não
camponesas. Por exemplo, nem todas as propriedades que se encontram nos
limites da Comunidade Ribeirão são camponesas.
Portanto, não se considera a noção de continuidade ou dispersão geográfica
na definição de propriedades ou de comunidades camponesas, mas, a teia de
relações estabelecidas capaz de caracterizar uma fração do território.
A
comunidade camponesa é instituída por uma lógica singular que, ao mesmo tempo
em que é individual, centrada na autonomia camponesa, é também comunitária, face
às mais diferentes sociabilidades estabelecidas entre as famílias de uma
comunidade.
Assim, é na comunidade que culminam essas combinações do modo de ser e
de viver cultivado nas práticas cotidianas e ela traduz uma unidade territorial
singular. E isso imprime uma identidade que não é possível ser pensada apenas do
ponto de vista da reprodução material das famílias.
A solidariedade esteve sempre presente na vida camponesa, seja em
atividades laborais, festivas, religiosas ou mesmo políticas. Martins (2002) também
analisa essa singularidade camponesa da solidariedade, a qual eles chamam de
“ajuda,” seja entre os membros de uma mesma família, seja entre diferentes
famílias.
Enquanto no operário manifesta-se o indivíduo, o fragmento a que
ele foi reduzido pela contratualidade das relações sociais, no
camponês manifesta-se a pessoa, o ser inteiro ainda que mediado
pela coisificação da mercadoria [...]. A consciência do camponês
expressa a consciência da pessoa, que é extensão da família e da
comunidade e dos laços comunitários. É mais uma consciência
afetiva de pertencimento a um sujeito coletivo real, um corpo natural
de que se faz parte desde sempre, desde o nascimento. Por isso,
nas comunidades camponesas o trabalho e a festa se mesclam nos
mutirões, nas festas celebrativas [...]. (MARTINS, 2002, p.75).
Por terem esse ponto de encontro as famílias moradoras da Comunidade
estabelecem outras relações que vão além das religiosas nesse lugar. Estabelecem
uma sociabilidade que muitas vezes facilita a permanência na terra de trabalho. Em
todas as conversas, o Centro Comunitário aparece como parte da vida das famílias
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e, apesar da proximidade que a Comunidade tem com a cidade de Catalão, ele
sempre é retratado como lugar onde os vizinhos se encontram. Um lugar que “une a
Comunidade”. Com o fim da festa em homenagem a santa padroeira da
Comunidade, a quadra de esportes, que foi construída pelo poder público municipal,
é utilizada esporadicamente, para algumas festas internas da comunidade ou para
jogos de futebol.
As diferentes formas de ajuda mútua também são referência na lógica de
reprodução do campesinato. E sempre se devem às relações de vizinhança e/ou de
parentesco. Reconhecer essas relações permite, mesmo que não seja possível uma
perfeita determinação temporal, localizar no tempo e no espaço o processo de
territorialização dos camponeses na Comunidade Ribeirão. As relações de
parentesco são predominantes entre os membros da comunidade, o que permite
afirmar que ali ocorreu um processo de territorialização camponesa mais
consolidada e mais antiga. O certo é que as relações de vizinhança se devem à
proximidade geográfica, mas também criam a identidade que serve de base para a
ajuda mútua. As práticas de ajuda mútua, antes muito mais usuais, dependem do
decorrer dos ciclos agrícolas. Os “mutirões” e as “trocas de dia de serviço” eram as
mais praticadas.
Os mutirões e a trocas de dias de serviço possibilitam o equilíbrio da
demanda da força de trabalho principalmente nos períodos em que se intensificam
as atividades. Também há casos em que os camponeses resolvem essa
necessidade com contratações temporárias recorrendo ao dispêndio monetário.
Pagam, muitas vezes, outro camponês, para ajudar na lida, na colheita, por
exemplo. Hoje é comum ouvir dos camponeses que a jornada de trabalho impõelhes um ritmo que na maioria das vezes lhes toma o dia todo, fazendo com que a
convivência comunitária fique reduzida, em certas épocas.
Nas propriedades camponesas em geral há uma divisão de trabalho conforme
a idade e o gênero, embora essa divisão não apresente rigidez absoluta. Cuidar da
horta, do quintal, das criações (galináceos, suínos) é tarefa das mulheres e das
crianças. À mulher também cabe o zelo da casa, da roupa, o preparo das refeições e
a produção de queijos. Além de trabalharem na roça quando necessário,
principalmente em época de colheita. Os homens ficam com a responsabilidade de
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cuidar do gado, tirar o leite, cuidar dos pastos e da roça e estabelecer a relação com
o comércio.
Essa divisão também é notada no fato de quando vão fornecer as
informações sobre a propriedade sempre um membro da família chama o outro, ou
seja, como as atividades são divididas, precisam dos diferentes membros para saber
do todo da propriedade. Em noventa por cento das propriedades visitadas, ao
aceitarem responder o questionário, sempre se reunia o casal (marido e mulher)
para responder às perguntas, pois juntos sabem do todo da propriedade. E nos
casos onde um dos membros do casal não estava presente as informações ficaram
incompletas.
Entre os camponeses da “Comunidade Ribeirão”, o critério para avaliar
riqueza e pobreza, bem como se a colheita foi boa, é a satisfação das necessidades
de consumo da família. Em seus relatos, nunca dão ênfase à colheita que está por
vir, mas sempre à colheita anterior. Isso porque a alimentação é sempre garantida
pela colheita anterior. É outra compreensão do tempo. Um trabalhador da cidade
utiliza sua renda mensal para pagar o que consumiu no mês ou para comprar o que
vai consumir no próprio mês, ou seja, nesse caso, se trabalha para comer.
Pode-se dizer que, ao contrário, o camponês come para trabalhar. Para
produzir seu sustento há um ciclo a ser respeitado: preparar a terra, esperar a chuva
para plantar, esperar a chuva e o sol para o desenvolvimento das plantas até granar,
a maturação e a colheita. Esse ciclo pode durar até seis meses para as culturas
temporárias e um ano para as permanentes, além da possibilidade de “perda da
roça” em caso de alterações climáticas ou ocorrências de pragas e doenças. Mas, o
alimento é produzido para o ano inteiro. Inverte-se, assim, a lógica capitalista.
Esse relato explicita mais uma vez a lógica que orienta o funcionamento da
propriedade camponesa: a satisfação das necessidades da família e isso faz com
que a terra e o trabalho tenham o valor de uso, e, não, de troca. A referência de
tempo é o ano/ciclo agrícola. A quantidade de roça plantada e o número de vacas
leiteiras estão relacionados com a força de trabalho disponível e com as
necessidades de consumo por pelo menos um ano.
Contudo, algo novo aparece ao se analisar o campesinato na Comunidade
Ribeirão. O trabalho e os esforços da família camponesa são para a sua reprodução
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e seu sustento, mas não necessariamente significa que toda sua produção é para o
autoconsumo e que só o excedente vai para a comercialização ou que eles
produzem todos os bens agropecuários de que necessitam. Na contemporaneidade
os camponeses têm uma nova relação com o dinheiro, e na comunidade estudada,
em especial, a proximidade com a área urbana ressalta ainda mais esta lógica. O
resultado de tal relação se materializa quando a produção nas unidades
camponesas visa atender o mercado local e a obtenção de dinheiro para a compra
de produtos para o seu consumo interno.
A organização do trabalho e dos recursos naturais como um todo para uma
produção que vise o comércio local não retira a condição de ser e de viver dos
camponeses, pois a lógica relatada pelo camponês acima citado preserva o critério
M – D – M, em que a produção de mercadorias objetiva a obtenção de dinheiro para
a aquisição de mercadorias que não são produzidas, mas que são necessárias à
reprodução da família. Esses novos fatores são resultado da hegemonia do capital
sobre o território.
Mesmo na lógica da produção que objetiva a obtenção de dinheiro, não se
desmantela a máxima camponesa de que se a força de trabalho da família não é
suficiente, aciona-se a ajuda mútua da comunidade ou o contrato temporário. Como
descrito acima, o uso agropastoril da terra é o que caracteriza o campesinato deste
lugar. A terra é condição de autonomia e de liberdade, muito valorizadas pelas
famílias camponesas. A posse da terra dá condição aos camponeses de eles serem
sujeitos de sua própria criação, de disporem de seu tempo, do espaço e de seu
saber. É a consolidação do espaço terra dos camponeses apesar de novos e
diferentes usos lhe dados nos dias de hoje.
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