1- DEFINIÇÃO Doença hereditária autossômica recessiva Maior frequência nos indivíduos caucasoides Incidência: 1 em cada 2 a 3 mil nascimentos nos caucasoides 1 em cada 25 caucasóides é portador assintomático do gene Menos frequente em negros, rara em asiáticos ou indígenas População brasileira (etnia miscigenada): estima-se que nasçam, a cada ano, entre 700 e 800 crianças com fibrose cística (FC) (base IBGE e estudo de determinação de gene em amostras de pessoas saudáveis no Sul e Sudeste do Brasil). Casos diagnosticados: Brasil: < 160 casos/ano, portanto 80% dos pacientes com FC não são diagnosticados EUA: com uma população 1,3 vezes maior que a do Brasil: foram diagnosticados 906 novos pacientes em 1998 Brasil: a maioria dos diagnósticos têm sido feitos em crianças com quadro clinico bastante avançado e, por consequência, com pior prognóstico. Idade mediana do diagnóstico Sobrevida mediana (idade alcançada por 50% dos pacientes com FC) Brasil (estimativa) 31,2 meses (2 anos e 7 meses) Não ultrapassa a adolescência EUA 6 meses 32,3 anos (1998) 2 – FISIOPATOGENIA Disturbio no transporte de íons nos epitélios Nas glândulas exócrinas Secreções desidratadas e extremamente viscosas Obstrução : vias áreas periféricas, ductos intrapancreáticos, canais deferentes, intestinais Nas glândulas endócrinas Má reabsorção de cloro e sódio pelos ductos Suor com alto teor de cloro e sódio Secreções desidratadas e extremamente viscosas PULMÃO Secreções espessas Obstrução nos brônquios e bronquíolos Infecção crônica progressiva das vias aéreas Lesões pulmonares (bronquiectasia) Hipoxemia Cor pulmonale óbito PANCREAS Obstrução de pequenos ductos intrapancreáticos Fibrose do pâncreas Diminuição na produção de enzimas pancreáticas Má digestão e má absorção dos nutrientes (em graus variáveis) 3 – SUSPEITA CLINICA Manifestações respiratórias Sugerem o diagnóstico de FC: Tosse crônica Síndrome do lactente chiador Pneumonias de repetição ou crônicas Doença crônica das vias aéreas inferiores com colonização por Pseudomonas aeruginosa (principalmente pela variedade mucóide) e/ou Staphylococcus aerus Pneumonia estafilocócica de repetição Bronquite recidivante ou crônica Tórax com diâmetro ântero-posterior aumentado (tórax em barril) Dispneia e/ou taquipneia Hipocratismo digital (unhas em vidro de relogio ou baqueteamento digital) Pansinusite crônica e/ou pólipos nasais OBS: É importante ressaltar que, em doente com pouco acometimento pulmonar ou com doença em estágio inicial, a propedêutica pulmonar poderá ser normal na fase estável da doença. Manifestações respiratórias que sugerem doença avançada ou complicações da doença Atelectasias ou colapsos segmentares, lobares ou pulmonares Bronquiectasias Hemoptise Cianose Baquetamento digital Pneumotórax Manifestações digestivas Íleo meconial Colestase neonatal prolongada Insuficiência pancreática exócrina: presente em 80 a 85% dos pacientes com FC. A má digestão e má absorção, principalmente de gorduras, leva a esteatorréia (fezes volumosas, amolecidas, flutuantes e muito fétidas). Clinicamente observa-se flatulência e abdome globoso Desnutrição não responsiva a aporte calórico/proteico adequado Outras obstruções de vias digestivas e biliares Prolapso retal Síndrome de obstrução intestinal distal e/ou equivalente ao íleo meconial Hepatobiliar: coletitíase, esteatose, fibrose, cirrose biliar focal. Cirrose multilobular com sinais de hipertensão portal, como esplenomegalia, ascite, varizes esofageanas, hipoprotrombinemia e hipoalbuminemia, pode ocorrer em alguns pacientes. Outras manifestações Desidratação: principalmente quando hiponatrêmica e sem perdas diarreicas importantes Hiponatremia/hipocloremia persistentes Pancreatite Pansinusite crônica Pólipos nasais Diabetes mellitus Esterilidade Historia familiar: parentes em primeiro grau com FC. 4 – SUSPEITA LABORATORIAL Tripsina imunorreativa (TIR) A dosagem de TIR é o melhor método para a triagem neonatal da doença A grande vantagem de se fazer o teste de triagem neonatal é o diagnostico precoce da doença (2 meses x 2 anos de idade) e a instituição precoce de terapêutica especifica. A padronização da TIR para triagem neonatal de FC no Brasil nos ajudará a mostrar a real incidência da FC no paios, já que, no momento, um dos nossos grandes problemas em relação à FC é o diagnostico tardio, ou mesmo, a falta de diagnostico dependendo do padrão usado: 70ng/ml ou 140ng/ml. A dosagem de TIR é extremamente sensível, ou seja, deixa de selecionar poucos casos de FC: sensibilidade de 95-98%. Entretanto, pode apresentar um numero elevado de testes falso-positivos. A fim de se evitar falso-positivos, quando a TIR for positiva deve-se repetir o teste no prazo de 15 a 30 dias, o que reduz em 90% os resultados falso-positivos. Quando a TIR for positiva, é SEMPRE necessária a confirmação da fibrose cística com o teste de suor. 5 – DIAGNÓSTICO OU CONFIRMAÇÃO LABORATORIAL Teste de suor (PADRÃO ÁUREO) Dosagem quantitativa de cloro e/ou sódio em suor coletado pela técnica de iontoforese por pilocarpina O diagnostico da FC é baseado em, pelo menos, dois testes positivos realizados, em ocasiões diferentes, associados apresentação clinica sugestiva ou histórico familiar de FC Não é muito fácil, porém é possível obter suor de lactentes com menos de seis semanas de vida (são necessários pelo menos 100mg de suor para o exame). Valores de referência (concentração de cloro (e/ou sódio no suor em mmol/L Valores normais Individuo com FC ≤40 ≥60 OBS: A concentração de eletrólitos no suor aumenta com a idade, e adultos sadios podem apresentar concentrações de cloro no suor de até 80mmol/L 98% dos pacientes com FC tem concentrações de cloro no suor iguais ou maiores que 60mmol/L Naqueles 2% com concentrações menores que 60mmol/L o diagnostico pode ser confirmado pelo teste genético. Deve-se sempre repetir o teste do suor coletando-se volume adequado (≥ 100mg) para evitar falsos resultados. O teste do suor deve ser realizado, preferentemente, em centros de maior experiência na sua execução. Teste genético O teste genético pode detectar a principal mutação A identificação do gene da FC em 1989 possibilitou a detecção das mutações que levam à doença, sendo que atualmente já foram descritas acima de 800 mutações. Em algumas regiões do Brasil, o teste genético para detectar a mutação da FC é geralmente realizado em amostra de sangue. Um teste genético negativo para FC não afasta esse diagnostico, se o paciente apresentar quadro clinico compatível e teste do suor alterado. Apenas significa que o paciente em questão não apresenta as mutações analisadas, devendo provavelmente ser portador de uma mutação mais rara. ALERTA AOS PEDIATRAS DO BRASIL A segunda causa de mortalidade infantil em nosso país são os problemas respiratórios. Quantas crianças que morrem por desnutrição e por problemas respiratórios eram portadoras de FC e não tiveram a chance do diagnostico e tratamento adequado? Vamos pensar mais nessa possibilidade diagnóstica quando estivermos defronte a uma criança com o quadro clinico anteriormente descrito, solicitando o teste do suor e encaminhando-a a um centro de referencia que lhe ofereça o melhor tratamento disponível, caso o diagnostico se confirme. Nos países desenvolvidos já existem muitos adultos com FC que estudam, trabalham e se casam, apesar de todas as dificuldades impostas pela doença. Embora a doença seja ainda incurável, o diagnóstico precoce com encaminhamento a um centro especializado aumenta significativamente a sobrevida e melhora a qualidade de vida dos pacientes.