TRABALHO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL NA ÓTICA SOLIDÁRIA

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TRABALHO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL NA ÓTICA SOLIDÁRIA
Claudia Aguiar Pedroso Bezerra1
Introdução
A Economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta histórica dos/as
trabalhadores/as, como defesa contra a exploração do trabalho humano e como
alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre
si e destes com a natureza.
Nos primórdios do capitalismo, as relações de trabalho assalariado, principal
forma de organização do trabalho nesse sistema – levaram a um tal grau de exploração
do trabalho humano que os/as trabalhadores/as se organizaram em sindicatos e em
empreendimentos cooperativos e associativos. Os sindicatos como forma de defesa e
conquista de direitos dos/as associados/as e os empreendimentos cooperativos de autogestão, como forma de trabalho alternativo à exploração assalariada.
As lutas nesses dois campos, sempre foram complementares, entretanto, a
ampliação do trabalho assalariado no mundo levou a que essa forma de relação
capitalista se tornasse hegemônica, transformando tudo, inclusive o trabalho humano
em mercadoria.
A atual crise do trabalho assalariado, desnuda de vez a promessa do capitalismo
de transformar tudo e a todos/as em mercadorias a serem ofertadas e consumidas num
mercado equalizado pela competitivida de Milhões de trabalhadores/as são excluídos/as
dos seus empregos, amplia-se cada vez mais o trabalho precário, sem garantias de
direitos.
Hoje no Brasil, mais de 50 % dos trabalhadores/as, estão sobrevivendo de
trabalho à margem do setor capitalista hegemônico. Aquilo que era para ser absorvido
pelo capitalismo, passa a ser tão grande que representa um desafio, cuja superação só
pode ser enfrentada por um movimento que conjugue todas essas formas e que
desenvolva um projeto alternativo de economia solidária.
1
Psicóloga, gestora de ações institucionais na Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia
Solidária de Dourados/MS - [email protected].
Neste cenário, sob diversos títulos – economia solidária, economia social, sócioeconomia solidária, humano-economia, economia popular e solidária, economia de
proximidade, economia de comunhão, têm emergido práticas de relações econômicas e
sociais que, de imediato, propiciam a sobrevivência e melhoria da qualidade de vida de
milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. Estas experiências vão se ampliando
rapidamente, passando a fazer parte das ações de geração de trabalho e renda de muitas
prefeituras e de alguns governos estaduais. Na esfera federal, a partir da gestão do
governo Lula criou-se a Secretaria Nacional de Economia Solidária –SENAES com o
objetivo de inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário.
Nestas experiências já desenvolvidas podem-se citar alguns estados como: Rio
Grande do Sul, São Paulo, Recife e outros, envolvendo um número significativo de
trabalhadores (as). No estado de Mato Grosso do Sul, o Município de Dourados tornouse referência, pois desde 2001 vem estruturando uma Política Pública de Economia
Solidária, visando o fomento à Geração de Trabalho e Renda por meio de iniciativas
coletivas, promovendo e incentivando o consumo ético e comércio justo. Já são vários
empreendimentos produtivos solidários atuando em diversas atividades econômicas
como artesanatos, alimentação, confecção, material reciclável, produtos de limpeza,
lavanderias, etc. surgidos a partir da implantação do Programa Coletivo de Qualificação
para o Trabalho que em 2001 a 2008 qualificou aproximadamente 8000
trabalhadores(as), um investimento com recursos próprios da prefeitura. O Programa de
Economia Solidária vem ao encontro desses (as) trabalhadores (as), que na maioria são
mulheres que estavam desempregadas e que hoje, de uma maneira consciente dos seus
direitos, buscam a sua inserção produtiva na sociedade.
Esse programa é a implementação de um Projeto da Prefeitura, desenvolvido no
âmbito da Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia Solidária.
Os eixos centrais de ação do Programa de Economia Solidária são os seguintes:
9 Qualificação para o Trabalho;
9 Formação para a cidadania;
9 Formação e educação em autogestão;
9 Capacitação do processo produtivo;
9 Financiamento;
9 Comercialização;
9 Luta por criação da lei municipal para a regulamentação
da Economia Solidária;
9 Legalização dos empreendimentos;
9 Criação do centro público de Economia Solidária;
9 Fortalecimento da Rede de Economia Solidária;
9 Parcerias
com
organização
não
governamental
e
universidades.
Os resultados deste trabalho são extremamente positivos. “É claro, não
imediatos como exige a sociedade capitalista, pois o mesmo está em construção e os
protagonistas são os próprios desempregados (as) que na luta buscam construir a
sociedade que sonhamos. Por isso, pode-se dizer que a Economia Solidária é algo muito
humano, uma das forças propulsoras de vida, que resume num grande movimento
coletivo”.
Um dos grandes responsáveis pela discussão sobre Economia Solidária é o
economista, já citado anteriormente, autor de vários livros e atualmente Secretário
Nacional de Economia Solidária Paul Singer, que com sua sabedoria diz: “A Economia
Solidária é, nada mais nada menos, que a tentativa de levar ao campo econômico aquilo
que, no capitalismo, não se deve levar...”.
“O reconhecimento da economia solidária como estratégia de
desenvolvimento sustentado, com ênfase na geração de
emprego, renda e superação da acessibilidade de amplas
camadas da população aos bens de consumo vinculados às
necessidades sociais, faz com que nela se anteveja a
possibilidade
de
incremento
de
um
desenvolvimento
econômico e social de novo tipo”. (SILVA, 2002, p.123).
Estas experiências de economia solidária apontam para a construção de novas
relações sociais firmadas em princípios da solidariedade, da partilha e fraternidade entre
as pessoas, um novo desenvolvimento econômico e uma nova proposta de organização
da sociedade. Ao fazer a gestão compartilhada, as pessoas aprendem novas habilidades,
socializam as alegrias e sofrimentos, criam resistências frente aos problemas,
recuperando assim, a cidadania, a motivação para viver, e alcançando a emancipação
em todos os seus sentidos.
Nesse contexto a Psicologia, cujo objetivo é a promoção da saúde e da qualidade
de vida das pessoas, pode em muito contribuir oportunizando espaços e momentos de
discussão e reflexão sobre questões inerentes as situações experienciadas por esses
indivíduos, e incentivando a elaboração de estratégias que sobreponham os problemas
enfrentados.
Objetivos
Objetivo geral
O objetivo principal deste trabalho é o desenvolvimento da consciência crítica,
da ética da solidariedade e de práticas autogestionárias, de modo que o/a
empreendedor/a possa assumir progressivamente seu papel de sujeito de sua própria
história.
Objetivos específicos
1.
Contribuir para o acesso dos cidadãos e cidadãs ao trabalho e à
renda, como condição essencial para a inclusão, mobilidade social e para a
melhoria da qualidade de vida;
2.
Fomentar o desenvolvimento de novas formas sócio-produtivas
coletivas e autogestionárias, bem como a sua consolidação;
3.
Incentivar e apoiar a criação, o desenvolvimento, a consolidação,
a sustentabilidade e a expansão de empreendimentos solidários organizados de
acordo com os princípios da Economia Solidária;
4.
Estimular a produção e o consumo de bens e serviços oferecidos
pela Economia Solidária;
5.
Fomentar a criação de redes de empreendimentos solidários e de
grupos sociais produtivos, visando o fortalecimento e estimulando uma cultura
do consumo ético;
6.
Fomentar a constituição de espaços e redes solidárias de
produção, consumo e comercialização;
7.
Participação em processo de incubação voltado a criar, a
consolidar e a fortalecer a organização de empreendimentos solidários;
Metodologia
A metodologia utilizada é a da participação conjunta, através da qual a equipe
técnica – psicóloga, assistente social, pedagogas - e empreendedores trabalham juntos
na busca de práticas que sobreponham os problemas colocados e, além disso, planejem
e executem programas que intervenham diretamente nos desafios encontrados.
Para a efetivação deste trabalho, são considerados os seguintes passos:
1.
Programa Coletivos de Qualificação para o Trabalho – O
programa tem como objetivo qualificar trabalhadores(as) para o mercado formal
e/ou para economia solidária. A prefeitura faz o contrato com as Escolas
profissionalizantes e a instituição vai até o bairro ministrar os cursos de acordo
com a demanda da comunidade e da agência de emprego do município,
mediante cadastros selecionados pela equipe técnica responsável pelo programa.
2.
Educação Popular – Durante o período de qualificação, os
beneficiários participam da formação para a cidadania, visando à construção da
cidadania, os valores éticos e culturais, a solidariedade, o cooperativismo e o
sentimento comunitário. Além da psicóloga, as oficinas também são realizadas
por educadores populares e assistentes sociais. A Educação Popular contribui
para que as pessoas despertem suas potencialidades, aprendam a importância da
participação em grupos de mulheres, jovens, alfabetização, movimentos
comunitários, artes populares, geração de renda, auto-ajuda e muitas outras
opções. Leva as pessoas à desvelar a realidade na qual está inserida, a tomar
consciência de seu papel no mundo e a organizar-se vivendo em grupo, assumir
o papel de construtor(a) social.
3.
Período pré-incubação – Após a conclusão da qualificação para
o trabalho, os interessados em formarem grupos de produção, passam por uma
capacitação através do Projeto “Formando Times” que tem como objetivo
preparar os (as) trabalhadores (as) para o trabalho coletivo. É a fase de
sensibilização, na qual, as pessoas começam a participar da Rede de Economia
Solidária e entender o que é economia solidária e quais seus princípios. Toda a
formação é acompanhada pelo profissional de psicologia, a fim de elaborar o
vínculo com empreendedores/as e fomenta-lo entre eles próprios.
4.
Período de Incubação: Neste período permanecem apenas
aqueles participantes que chegaram a elaborar na pré-incubação um projeto de
empreendimento e que desejam incuba-lo. Neste momento a finalidade é
assessorar os beneficiários para que criem e coloquem em funcionamento os
projetos de empreendimentos elaborados e passam por três cursos ministrados
pelo SEBRAE: Aprender a empreender, Juntos somos fortes, Técnicas em
vendas, totalizando uma carga horária de 51 horas. É a fase da formação e
capacitação em autogestão.
5.
Acompanhamento técnico e capacitação do processo produtivo
– é o período no qual os técnicos (as) – psicóloga, assistente social, pedagoga,
visitam semanalmente os grupos de produção, orientando a parte da gestão e
fazendo o monitoramento necessário para o sucesso do empreendimento.
6.
Encontros da Rede de Economia Solidária - Considerando a
importância da capacitação continuada e o fortalecimento da rede solidária são
promovidos mensalmente encontros regionais nos bairros com temas de
interesse do processo emancipatório. A lógica e o objetivo da Rede é integrar
grupos de consumidores, de produtores e de prestadores de serviço em uma
mesma organização. A formação de uma rede pode resultar na construção de um
projeto alternativo de desenvolvimento e de transformação social. Nesta
estratégia de colaboração solidária em rede, a difusão do consumo e do trabalho
solidários possibilita subverter os fluxos de valor do capitalismo e promover a
distribuição de riquezas e o bem viver do conjunto das sociedades.
7.
Apoio à comercialização e consumo solidário – O apoio à
comercialização é realizado através das Lojas Solidárias (3) e o apoio às feiras
de economia solidária que ocorrem em quatro datas comemorativas durante o
ano com o objetivo de divulgar os produtos da Economia Solidária, bem como
estimular a cultura para o consumo ético.
8.
Fórum de Economia Solidária (as) – Em 2006 foi criado o
fórum de Economia Solidária com o objetivo de democratizar as relações, o
conhecimento e a troca de experiências. È um espaço de politização e discussão
em vista do crescimento e bem viver de toda rede. É composto por
representantes de empreendedores, gestores públicos e entidades de apoio.
9.
Marco legal. –Depois de todo esse processo, embora ainda não
exista uma forma LEGAL de incluir os empreendimentos da Economia Solidária
no sistema formal de legalização de empresas, através de uma Lei específica
para a ECONOMIA SOLIDÁRIA, cujos impostos e taxas estejam ao alcance
desses empreendedores (as), alguns setores tem procurado se organizar e criar
formas alternativas de legalização, como o que ocorreu com o segmento da
confecção com a criação da micro-empresa solidária PIREVEST, e com o
segmento de produtos de limpeza com a criação da micro-empresa Produtos de
Limpeza Pire.
10.
Constituição de Incubadoras tecnológicas – O eixo de
incubadoras tecnológicas busca a constituição do espaço físico e o
desenvolvimento de novas tecnologias para os empreendimentos da economia
solidária. No momento a UEMS, UFGD e Faculdade Anhanguera estão
envolvidas no processo de constituição, estruturação, acompanhamento e
legalização de empreendimentos de Economia Solidária.
11. O monitoramento e avaliação do Programa se dá de forma
sistemática através de relatórios fotográficos, reuniões mensais, preenchimento
de questionários sobre o Programa e avaliação por escrito dos(as) beneficiários
(as) visando superar as dificuldades e aprimorar as ações.
Resultados
Avaliando o trabalho pode-se perceber que já ocorreram grandes e efetivos
avanços até o momento. Como a criação do Fórum de Economia Solidária, a
implantação de quatro lojas solidárias para comercializar os produtos, a organização do
setor de confecção com a criação de uma micro-empresa cooperada (Grife Pirevest), o
lançamento da moeda social Pirapire e a criação do Banco Pire, que faz empréstimo a
empreendimentos solidários.
Além do crescimento em quantidade (245 empreendimentos em maio de 2008) e
em qualidade já que é evidente a mudança de pensamento que dia-a-dia acontece com
os/as empreendedores/as.
Sabe-se que o processo de emancipação e transformação social é lento, mas
acredita-se que a força e maturidade que provém do trabalho em grupo e da tomada de
decisões de forma coletiva, contribui consideravelmente nesse processo. E a Rede de
Economia Solidária propicia, além da geração de renda e inserção produtiva, a
possibilidade de crescimento dos/as empreendedores/as enquanto seres humanos
autônomos e participativos, visando a construção de uma nova sociedade.
Conclusão
Por fim, observa-se que são muitos os impactos desse tipo de trabalho na vida
dos trabalhadores(as). Hoje em Dourados existem aproximadamente cerca de 800
pessoas diretamente envolvidas em atividades de geração de renda e cadastradas na
Rede de Economia Solidária, movimentando um total de mais ou menos R$ 200.000,00
por mês. São pessoas que estão buscando e satisfazendo suas necessidades através de
um novo jeito de trabalhar e se relacionar. Isso sem falar nos outros benefícios
proporcionados, a dita “eficiência sistêmica”, ou seja, o empoderamento popular através
do resgate da cidadania e auto-estima, a consciência de valorização pessoal e a crença
num novo mundo baseado na ética e na solidariedade.
Através do trabalho de acompanhamento psicossocial pode-se perceber que
foram muitos os resultados alcançados, entretanto o mais significativo é observar o
quanto o trabalho – mesmo sem o vínculo empregatício, tem o poder de (re)construir a
pessoa, e o quanto ele influencia na subjetividade, na construção da identidade e na
retomada da autonomia, se envolto em valores éticos e solidários. Enfim, o trabalho em
muito contribui para a emancipação social, desde que respeitado o processo
(tempo+mecanismos de reflexão+práticas solidárias) e dentro de uma ótica participativa
e solidária.
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