Relações físico-culturais, populações tradicionais e turismo no

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VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Relações físico-culturais, populações tradicionais e turismo no litoral da
Bahia
Miguel Cerqueira dos Santos
Prof. da UNEB e Doutor em Geografia pela Universidade de Coimbra
[email protected]
Introdução
As pesquisas apresentadas resultam do desdobramento dos trabalhos de tese de
doutorado, sobre turismo e ambientes costeiros, realizada na Universidade de
Coimbra, na condição de bosista da CAPES/Brasil. O percurso desta investigação tem
como foco principal a análise das relações físico-culturais decorrentes do turismo, no
litoral Baiano, com ênfase para costa do Recôncavo. Os procedimentos metodológicos
adotados tiveram como base as leituras de autores clássicos e contemporâneos, o
desenvolvimento de trabalho de campo, com várias visitas a área de estudo, e o
tratamento dos dados coletados, com a utilização do geoprocessamento. Para isso,
foram escolhidas as áreas costeiras, marcadas pela interação existente entre os
elementos físicos da paisagem: praias, mar, rios e mangues, e as principais expressões
culturais desenvolvidas, tais como as atividades piscatórias, a mariscagem, os cultos
religiosos e a gastronomia.
O crescimento do turismo no Estado da Bahia acontece, predominantemente, nas
áreas litorâneas, onde as populações tradicionais desenvolvem suas estratégias de
sobrevivência. O litoral baiano apresenta intensa diversidade física e cultural
distribuída por cerca de 1.100 quilômetros de extensão. Ao longo da história, foram
várias as atividades desenvolvidas, de norte a sul, principalmente voltadas para o
atendimento das necessidades econômicas dos empreendedores que ocuparam essas
áreas. A beleza da paisagem, a riqueza do clima, a diversidade edafoclimática e a
disponibilidade de mão-de-obra, ora oriunda da África e em outros momentos da
Europa e Ásia, nomeadamente, tornaram esta porção territorial uma das mais
cobiçadas do Estado.
A investigação revela a considerada interação entre a cultura das populações
tradicionais e os recursos naturais existentes. O crescimento das atividades turísticas
provoca impactos, que podem ser negativos ou positivos, a depender das
especificidades de cada ambiente. No caso das áreas costeiras do Recôncavo Baiano,
há traços identitários preservados pela população tradicional, revelados no patrimônio
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
material e imaterial. No entanto, a maneira como o turismo se insere provoca sérias
ameaças aos ecossistemas costeiros. Por um lado, existe elevado potencial para o
desenvolvimento de um ecoturismo, com possibilidades de relações mais equilibradas
entre os recursos naturais e as dinâmicas culturais encontradas. Por outro lado, a
carência de planejamento que permita a inclusão da população local, no processo de
crescimento das novas atividades, demanda maiores reflexões sobre a inserção do
turismo no litoral da Bahia.
No tocante aos procedimentos metodológicos adotados, destacamos as leituras de
autores clássicos e contemporâneos, o desenvolvimento de trabalho de campo, com
várias visitas a área de estudo, e o tratamento dos dados coletados, com a utilização
do geoprocessamento. Para isso, foram escolhidas as áreas costeiras, marcadas pela
interação existente entre os elementos físicos da paisagem: praias, mar, rios e
mangues, e as principais expressões culturais alí desenvolvidas, tais como as atividades
piscatórias, a mariscagem, os cultos religiosos e a gastronomia.
A investigação revela a existência de uma paisagem dicotômica, na costa do
Recôncavo baiano. Por um lado, há traços identitários preservados pela população
tradicional, que estão externados no patrimônio material e imaterial. É possível
perceber a existência de considerada interação entre a cultura das populações
tradicionais e os recursos naturais existentes. Por outro lado, os impulsos ocasionados
pelo crescimento das atividades turísticas provocam sérios impactos ambientais. A
maneira como o turismo se insere provoca sérias ameaças aos ecossistemas costeiros,
principalmente aos manguezais. A carência de planejamento ambiental, aliada à falta
de inserção da população, no desenvolvimento das novas atividades, e o forte fascínio
empreendido em nome do turismo demandam reflexões sobre as relações físicoculturais existentes na área estudada.
O turismo na Bahia
A intensificação do fenômeno turístico no Estado da Bahia tem a ver com a própria
expansão desta atividade em escala global. O turismo é uma das atividades que mais
tem crescido no mundo. Nos últimos anos, cerca de 714,2 milhões de pessoas fazem
turismo (OMT, 2004). Este quantitativo de visitantes tem provocado significativos
impactos nos diferentes territórios distribuídos por todo o planeta. Até a primeira
metade do século XX, esta atividade era restrita à elite sendo poucos os espaços
mundiais que estavam envolvidos com esta temática. Após a Segunda Guerra Mundial,
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no advento da sociedade de consumo, o turismo atinge forte estágio de massificação e
alcança dimensões territoriais ilimitadas.
O turismo baiano surge com uma visão unifacetada, com forte predomínio do viés
economicista, em decorrência da própria vinculação da Bahiatursa, com a Secretaria
de Indústria e Comércio. Os primeiros investimentos deste período foram canalizados
para a rede de hotelarias e qualificação da mão-de-obra. Isto ficou mais forte com a
parceria estabelecida entre a Embratur e a Bahiatursa, que resultou na criação da
Emtur- Empreendimento Turístico da Bahia S.A. Foi neste contexto que foram
implantados os principais hotéis, localizados na cidade de Salvador, a exemplo do
Salvador Praia Hotel, Ondina Praia Hotel e Bahia Othon Palace Hotel, dentre outros.
No surgimento do turismo na Bahia, esta atividade estava concentrada na cidade de
Salvador, capital do Estado. Eram poucas as iniciativas que ultrapassavam este raio de
ação. A partir da década de 1970, com o intuito de dar outra dimensão espacial para o
turismo, foi criado o plano denominado Caminhos da Bahia. Os esforços foram
somados no propósito de descentralizar o desenvolvimento da referida atividade
ocorrida ao entorno da Baía de Todos os Santos.
A implantação do PRODETUR-BA - Programa de Desenvolvimento do Turismo da
Bahia, em 1991, funcionou como um marco importante para empreender as
modificações territoriais, pela via do turismo, no litoral baiano. O passo importante foi
a regionalização do Estado da Bahia, com base nas potencialidades turísticas. No
primeiro momento, o litoral foi dividido em cinco regiões, de Norte para o Sul: Costa
dos Coqueiros, Baía de Todos os Santos, Costa do Cacau, Costa do Descobrimento e
Costa das Baleias. Estas intervenções demonstram o quanto o turismo de praia, sol e
mar tem sido significativos para os empreendimentos públicos e privados. No ano de
1990, o programa da PRODETUR-BA, com base nas potencialidades disponíveis para o
turismo, identificadas em épocas anteriores, dividiu o território em pólos turísticos
(figura 1).
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
Figura 1 – Principais pólos turísticos na Bahia
Fonte: Elaboração própria, com base na Bahiatursa, 2004.
Ao analisar a divisão territorial da Bahia, em função do desenvolvimento das
atividades turísticas, figura 1, nota-se que das seis áreas apresentadas, o litoral
contribui com três, o que evidencia o interesse pela mudança das funções
historicamente desenvolvidas nas áreas costeiras. Os empreendimentos turísticos
ocorridos nos últimos anos têm provocado significativas alterações ambientais. A
valorização dos espaços balneários da costa baiana não está dissociada das questões
globais. O aumento da sociedade de consumo, evidenciado após a II Guerra Mundial,
impulsionou o fortalecimento das redes operadoras do turismo e culminou no desejo
crescente da população em viajar, sentir outros aires (ESCALONA, 1992).
Diante desse contexto, verifica-se que a inserção do turismo se estende por todo o
litoral da Bahia, mas é no Recôncavo Baiano onde a presença dos resquícios de mata
atlântica e dos manguezais, em constante interação com a população tradicional,
composta por marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejos demanda reflexão
sobre os impactos ambientais.
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Inserção do turismo na costa do Recôncavo Baiano
Na análise do turismo, na costa do Recôncavo, verifica-se que as potencialidades
existentes são enormes, porém, ainda estão subaproveitadas. Há esforços no
propósito de estender essas atividades aos demais espaços, mas ainda é intensa a
concentração ao entorno da Região Metropolitana do Salvador. A capital do Estado
funciona como uma das principais portas de entrada do país, pois passou da sexta
posição, no ano de 1992 para a terceira em 2003, no rank do turismo internacional,
com o número de 514 000 turistas (BAHIATURSA, 2003). No tocante ao turismo
doméstico, a situação é ainda mais destacada, visto que a cidade se encontra no
segundo lugar do país, com 3 913 000 turistas (EMBRATUR, 2003).
As transformações espaciais ocorridas na costa do Recôncavo, até a década de
1980, tinham como causa principal o desenvolviemnto de outras atividades
econômicas, a exemplo do cultivo do fumo e da cana-de-açúcar. A maior parte da
população vivia em áreas rurais e havia apenas o destaque para alguns núcleos
urbanos. As vias de transportes eram pouco expandidas, a capacidade hoteleira era
incipiente e era restrito a pequena camada da sociedade, nomeadamente as
portadoras de maior estatuto social.
A década de 1990 foi marcante para o processo de intensifação do turismo. A busca
pela praia, o sol e o mar passou a ser uma constante nos destinos dos visitantes
nacionais e estrangeiros. Foi a partir daí que as populações tradicionais, que habitavam
as áreas mais afastadas dos centros urbanos, passaram a ser envolvidas com o
crescimento das novas atividades, proporcionando mudanças nas relações físicoculturais.
Relações físico-culturais e turismo, na costa do Recôncavo Baiano
O entendimento das transformações estudadas, na costa do Recôncavo Baiano,
mediante a inserção do turismo, repercute nas diferentes escalas de abordagens. Há
alterações que podem ser analisadas sob a ótica da Geografia Física (MENDONÇA,
2001) ou da Geografia Cultural (CLAVAL, 1988). Convém também destacar a
preocupação com os estudos de natureza geográfica, a partir de uma totalidade
espacial (SANTOS, 1989). Para a análise proposta neste trabalho, o principal enfoque
constitui a relação físico-cultural encontrada na costa do Recôncavo Baiano, mediante
a inserção do turismo. O interesse pelas áreas que estavam preservadas, até a década
de 1980, aumentou intensamente. A presença marcante de uma paisagem composta
de dunas, restingas e manguezais, servida por um clima tropical subúmido, com brisas
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
e ventos oceânicos, com o balanço frequente das ondas do mar, constitui um dos
principais atrativos para a formação da diversidade natural e cultural desta região.
A compreensão do Recôncavo Baiano tem passado por diferentes concepções,
perante aos investigadores que se debruçaram sobre esta temática. Uma das primeiras
referências para a sua definição está baseada nos trabalhos realizados pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, logo após a Segunda Guerra Mundial,
que se fundamentava na Geografia Clássica e adotava critérios predominantemente
físicos. Na análise das relações físico-culturais, a Baía de Todos os Santos constitui uma
importante referência para o entendimento desta questão. Diante do exposto, foi
importante a ocorrência do acidente geográfico que contribuiu para a formação dos
principais componentes ambientais encontrados atualmente, conforme ilustra o mapa
geológico (figura 2).
Figura 2 - Estrutura geológica do Recôncavo Baiano.
os Santos
Fonte: SANTOS, M.C., com base na Secretaria das Minas e Energia, 1980.
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De acordo com a figura 2, as rochas cristalinas, datadas do pré-cambriano,
predominam nas zonas Leste, no caso de Salvador, e Oeste, passando pelos municípios
de Maragogipe, Nazaré e Jaguaripe, assim como em alguns afloramentos situados ao
fundo dos principais rios e riachos existentes nessa região. Nas partes mais baixas,
principalmente nos leitos dos rios e por toda a linha de costa, predominam os
sedimentos mais recentes, datados do Quaternário, principalmente do Holoceno. O
contato entre a terra e o mar, na costa do Recôncavo, acontece mediante o
predomínio de uma topografia suave, com poucas falésias, onde favorece a presença
de restingas e de manguezais. É neste ambiente que a população tradicional,
composta por marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejos, em sua maioria,
desenvolve as suas estratégias de sobrevivência.
Na análise do turismo na costa do Recôncavo Baiano, dois tipos de relação
merecem destaques. Aquela considerada como equilibrada, pelo fato de permitir
maior interação entre as interferências antrópicas e as condições ambientais, e aquela
entendida como de intensa degradação, por provocar sérios desequilíbrios ao
ambiente. Esta é vista como uma relação negativa, pois causa prejuízos, tanto para a
população local quanto para o desenvolvimento do próprio turismo. Diante da
complexidade física e cultural encontrada no Recôncavo Baiano, a pesquisa revela a
existência de várias transformações, com a provocação de vários impactos (SANTOS,
2009). Dentre os componentes ambientais mais impactados, destacam-se os
manguezais e a população tradicional, que sobrevive desses ecossistemas.
O papel dos manguezais nas relações físico-culturais do Recôncavo.
Os ecossistemas costeiros constituem a principal riqueza para os diferentes tipos de
vida encontrados na zona de contacto terra/mar. No conjunto, os manguezais não são
os únicos, mas constituem os mais significativos para a análise dos impactos
decorrentes das atividades turísticas. Isso porque o maior número de visitantes que se
destinam à costa do Recôncavo acontece nas áreas de influências desses ecossistemas.
Os manguezais não apresentam quantidades elevadas de espécies vegetais, mas estão
presentes na maior parte da costa brasileira (POR, 1994). Apesar da baixa riqueza
florística, este conjunto de plantas apresenta densa cobertura vegetal, protege a linha
de costa da deriva litorânea e possibilita o desenvolvimento da biodiversidade, além
de servir de sustento para as comunidades tradicionais.
A intensificação do fluxo de visitantes para o balneário marítimo, num curto
período de tempo, no caso dezembro, janeiro e fevereiro, época da alta estação, na
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
Bahia, passou a demandar cuidados no tocante à preservação desses ecossistemas. O
aumento da preocupação por parte dos ambientalistas tem origem na Conferência de
Estocolmo, em 1972, onde os manguezais passaram a ser vistos como patrimônio da
humanidade (POLETE, 1994).
O manguezal aqui estudado é entendido como o conjunto de animais e plantas
que compõem o ecossistema localizado na transição terra/mar, nas áreas dos países
de clima tropical ou subtropical, em sua maioria, onde as altitudes dificilmente
ultrapassam os 10 metros, com águas geralmente calmas, a exemplo das baías,
estuários e lagunas. A presença de flores nos seus arbustos proporciona uma
paisagem belíssima para a população local e as demais pessoas que visitam a costa
do Recôncavo (foto 1).
Foto 1 – Manguezais no município de Jaguaripe, na costa do Recôncavo.
Fonte: Trabalho de campo, 2004.
A verdadeira origem dos manguezais constitui algo ainda a ser estudado.
Presume-se que as espécies de plantas que formam este ambiente tenham migrado
do Pacífico, em épocas pretéritas (NOVELLI, 1995). As espécies encontradas no
planeta têm intensa ligação com as condições ambientais que favorecem o seu
desenvolvimento. De acordo com o referido autor, o manguezal pode ser encontrado
nas regiões intertropicais. No caso das regiões temperadas, por exemplo, as
condições edafoclimáticas não favorecem ao desenvolvimento do mangue, o que
acabam por provocar a sua migração, ou morte, devido à competição com outros
vegetais mais adaptados às condições ambientais.
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Enquanto isso, no Recôncavo Baiano, a maneira como este ambiente foi
historicamente constituído favoreceu a fixação dos manguezais. Os diferentes
movimentos de transgressão e regressão marinhas, ocorridos no Quaternário,
produziram as condições básicas para o desenvolvimento dessas plantas, nas
planícies fluvio-marinhas, junto aos estuários e lagunas. As flutuações do nível do
mar, provocadas pelas últimas transgressões, principalmente aquelas ocorridas há
cerca de 120 000 anos, contribuíram para gerar as condições ambientais onde se
localizam os manguezais (BITENCOURT, 1983). O contato terra/mar, com a presença
diária das marés, torna-se indispensável à manutenção desses ecossistemas, pois as
áreas protegidas do maior fluxo de energia são as mais apropriadas às suas
dinâmicas.
Os manguezais, teoricamente, são protegidos por Lei, mas a ganância pela
aquisição de lucros rápidos, culminada com a carência de trabalhos educativos, entre
visitantes e visitados, acabam por provocar a devastação dessas áreas. Nos últimos
anos, tem intensificado o volume das intervenções antrópicas nas áreas de
manguezais (figura 3).
Figura 3 – Ações antrópicas na costa de Jaguaripe.
N
Vera Cruz
0
20 Km
Mutuípe
Oceano Atlântico
0
4 Km
0
4 Km
Áreas de Intervenção antrópica
Fonte: EMBRAPA, 2002.
A figura 3 revela o volume das transformações ocorridas nas áreas de manguezais
do Recôncavo. As visitas realizadas a esta localidade constataram que esse
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
ecossistema teve um período de preservação, em decorrência do seu isolamento com
o sistema produtivo. Porém, após a década de 1990, passou por significativas
alterações para atender ao crescimento de diferentes atividades como exploração de
madeira, implantação de loteamentos urbanos, construção de tanques para criação de
camarão e as instalações dos empreendimentos turísticos, dentre outras.
Diante das transformações ocorridas na costa do Recôncavo, a pesquisa revela uma
relação físico-cultural mais equilibrada, sendo considerada positiva, na maneira como
a população faz uso dos recursos naturais que se encontram ao seu entorno. A retirada
do sustento para a sobrevivência e a venda ou até mesmo a troca dos excedentes
favoreciam uma relação saudável entre os habitantes destas localidades e demais
componentes desse ambiente.
As entrevistas realizadas com a população
evidenciaram o nível de interação existente entre as atividades culturais, tais como
religiosidades e o desenvolvimento da agricultura e da pesca com as condições
naturais existentes, no caso o rio, os mangues e o mar.
Em contrapartida, a forma como o manguezal vem sendo devastado na costa do
Recôncavo demanda sérias preocupações (fotos 2 e 3).
Foto 2 - Residência tradicional de pescadores
Fonte: trabalho de campo, 2008.
Foto 3 - Construção de tanques para
camarão
Fonte: trabalho de campo, 2008
As imagens revelam o paradoxo encontrado no tipo de ocupação ocorrido nesses
ecossistemas. Por um lado, encontram-se as residências de pescadores, construídas
sobre estacas, em sua maioria, de modo a proteger-se das movimentações
constantes das ondas do mar e dos sedimentos. Os impactos provocados por essas
intervenções são mínimos, visto que a maioria desses habitantes pratica uma pesca
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artesanal e não dispõe de equipamentos técnicos como moto-serra, tratores e
veículos automotores. Por outro lado, assiste-se à intensa devastação dos
manguezais, pelos empreendedores econômicos, que nesse caso constituem aqueles
que empregam maiores volumes de capital, principalmente com a implantação de
projetos imobiliários e com a construção de tanques para a criação de camarão, entre
outras atividades, sem as devidas precauções ambientais.
Considerações
O estudo das relações físico-culturais que envolvem o turismo e a população
tradicional, no Recôncavo Baiano, revelou o aumento da procura dos visitantes para a
prática do turismo de praia, sol e mar. O intenso fluxo de turistas oriundos de Salvador,
principal porta de entrada para os visitantes nacionais e internacionais, tende a se
expandir. O desejo da população local, a divulgação dos meios de comunicação, o
melhoramento das vias de acesso e a agilidade dos agentes turísticos funcionam como
os motores básicos para o crescimento do turismo.
Diante das mudanças ambientais ocorridas nas áreas onde o turismo se insere, foi
constatado que o mar, os manguezais, os rios e as diferentes formas de convivência da
cultura local, destacam-se entre os atrativos turísticos. Verifica-se que a maior parte
dos desequilíbrios provém de causas humanas, principalmente em decorrência da
forma como a população ocupa os territórios e da falta de gerenciamento das
atividades desenvolvidas pelos empreendedores econômicos e pelos visitantes. A
população local passou a experimentar uma dicotomia no seu quotidiano. Há o intenso
desejo de ver o crescimento das atividades turísticas, com a perspectiva de melhoria
da qualidade de vida. Fato este que ficou evidenciado nas entrevistas e questionários
realizados com os moradores, quando 80% acreditam na inserção do turismo,
enquanto possibilidades de melhoria das condições de vida. Em contrapartida, ocorre
o descontentamento de boa parte da população em ver aumentar o processo de
degradação dos principais recursos naturais necessários à sua sobrevivência, a
exemplo dos manguezais e dos rios.
De acordo com os estudos realizados, constata-se que o Recôncavo Baiano tem
forte potencial para o desenvolvimento de um turismo mais equilibrado, onde as
relações físico-culturais aconteçam mediante o respeito à preservação do ambiente.
Entretanto, as transformações ocorridas, após a década de 1990, provocam sérios
prejuízos, tanto aos aspectos físicos, quanto aos bióticos e culturais. Assim, os
discursos da ecologia e do desenvolvimento sustentável somente terão espaços com a
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Tema 5 – Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
elaboração de políticas públicas, que permitam incluir a população tradicional e
valorizar a preservação ambiental.
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Empresa Brasileira de Turismo (http://www. embratur.gov.br)
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (http://www. ibge.gov.br)
Superintendência de
(http://www.sei.ba.gov)
Estudos
Econômicos
e
Sociais
da
Bahia
–
SEI
Tourism, World Organization (http://www.world-tourism.org)
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