A pantomina triunfalista de Ollie Rehn e a tragédia da Grande Depressão espanhola: o desemprego cresce 26%. William K. Black* Acabaram de publicar-se dois artigos que todos os interessados na crise financeira global deveriam ler. Os dois tratam da Espanha. A Espanha tende a gozar de menor cobertura por parte da imprensa norte-americana do que a Irlanda e a Grécia mas é um país e uma economia muito maior. A sua bolha em relação ao PIB foi a segunda em envergadura entre as nações economicamente desenvolvidas. A Espanha é tão grande e o seu desemprego tão grave que «quase um quarto de todos os desempregados da União Europeia de 28 membros vivem em Espanha». Em Espanha, a bolha imobiliária foi financiada por um sector bancário fora de controlo e os maiores empréstimos estão a causar um dano crescente aos bancos. «Os activos bancários continuam a deteriorar-se, com um aumento moroso dos empréstimos não devolvidos». Em finais de 2013, o governo espanhol e a UE procuraram desesperadamente apresentar a Espanha como uma história de êxito atribuído à austeridade e à «reforma laboral». É triste invocar como uma história de grande sucesso uma nação com 26% de desemprego poucas semanas antes da Espanha ter de admitir que a taxa de desemprego havia subido. Perguntei a um antigo estudante que é actualmente jornalista financeiro se consideraria a UE um fracasso perante o grande êxito de Espanha. Resposta: «Chipre». Os dois artigos que recomendo devem ser lidos em conjunto. Comecemos com o artigo de Stephen Burgen Spain’s unemploymentrise tempers green shoots.of recovery (O aumento do desemprego põe em perigo os brotos verdes da recuperação), publicado no passado dia 23 de Janeiro. «A taxa de desemprego em Espanha desceu para 25% de acordo com os dados oficiais. Os dados publicados pelas autoridades estatísticas espanholas mostraram que em 2013 se perderam mais 198 900 postos de trabalho. O número total de desempregados é agora de 5,9 milhões». Estes números genéricos tornam-se piores quando se entra em pormenores. Duas tendências preocupantes mantiveram o desemprego em «apenas» 25%. A emigração em grande escala fez com que a taxa de desemprego seja muito mais baixa do que teria sido no caso de não se ter produzido (e com grave custo para a nação). O governo espanhol animou as empresas a criar postos de trabalho a tempo parcial, um tipo de emprego sem as protecções laborais normais. Os economistas insistem com a Espanha para empreender acções como esta a fim de reduzir os salários. «O trabalho a tempo parcial subiu em 140.000 enquanto baixava em 339.000 o trabalho a tempo completo. O principal efeito das tão anunciadas reformas laborais do governo tem sido o de aumentar o trabalho a tempo parcial, que agora representa 16,34% do total. O governo espanhol respondeu à crise com uma austeridade que maximiza simultaneamente a drenagem fiscal que piora a Grande Depressão que açoita a Espanha e se encarniça contra os seus trabalhadores. O presidente do governo afirma que o gabinete decidira congelar o salário mínimo para o próximo ano em 645,00 euros por mês, aumentando as pensões, já desligadas da inflação em apenas 0,25%. O desemprego aumentou e está concentrado em lares/regiões Mais da metade do desemprego em Espanha considera-se de longa duração, aqueles que estão há mais de um ano desocupados. O número de lares em Espanha em que nenhum dos membros consegue trabalho cresceu no último trimestre até chegar a 1,8 milhões». Muita gente já está há tanto tempo parada que perdeu o subsídio de desemprego. O desemprego de longa duração levou ao aumento do número de pessoas que já não têm subsídio de desemprego. São 686.600 os lares em que nenhum dos membros dispõe de qualquer remuneração. Mas esse dano infligido aos trabalhadores espanhóis pelos vistos não é suficientemente alarmante para perturbar os economistas europeus que se lamentam de que a Espanha «impede que os salários caiam suficientemente rápido. A exigência é grotescamente inapropriada. Os economistas querem cortar os salários dos trabalhadores, o que reduzirá significativamente a procura. A sua ideia de remédio económico é equivalente à do médico disposto a sangrar o paciente. De «não haver alternativa» a «não haver alternativas fáceis» O trio composto pelo FMI, a Comissão Europeia e o BCE é conhecido como Troika. O seu fim «não há alternativa» (TINA na sigla em Inglês) a austeridade, esmagar os salários dos trabalhadores e as privatizações maciças. Os esforços da troika para apresentar agora a Espanha como uma história de sucesso sofreram um grave revés na passada quinta-feira 23 de Janeiro, quando a Espanha anunciou que a sua taxa de desemprego tinha aumentado. «Os números apresentados na quinta-feira foram recebidos em silêncio em Madrid. Mas numa entrevista concedida ao diário El Pais, o comissário europeu para assuntos económicos e monetários Ollie Rehn, declarou que em Espanha a União Europeia procurava combinar o objectivo de umas finanças públicas solventes com reformas económicas «Não há alternativas fáceis, nem para Espanha nem para ninguém. Quem pensar que há uma maneira fácil de recuperar o acesso aos mercados sem tomar medidas dolorosas, engana-se, declarou o diário madrileno. Levará dez anos a resolver a crise espanhola. O «silêncio oficial» foi uma boa esperança. O comentário de Rehn mostra os perigos das loas extemporâneas. Rehn admite que a história de sucesso que liga a troika a Espanha é pura fantasia. Esperar «resolver a crise espanhola em dez anos», é falar de 2024. A bolha imobiliária espanhola alcançou o seu ponto culminante em 2006. Isso significa que os economistas teoclássicos fracassaram na hora de travar uma bolha que se vinha a formar há pelo menos 6 anos (2000-2006) e que a austeridade chegou a causar em Espanha uma Grande Depressão tão grave, que o mais extremista dos propagandistas europeus da austeridade espera que levará 17 anos (2007-2024) a sair da fase de «crise». Rehn não faz conjecturas sobre os anos que continuará depois de 2024, em conseguir uma recuperação plena e um emprego pleno em Espanha. Rehn subestimou sistemática e espectacularmente o dano causado pela austeridade à economia e às pessoas. É o apologista máximo da austeridade, portanto tem o máximo interesse em considerá-la um êxito. Quando profetiza que a Espanha levará 17 anos a resolver a fase da «crise» da sua Grande Depressão, sabemos já que este tipo calcula perfeitamente a magnitude do desastre infligido à Espanha pelas suas políticas económicas teoclássicas. A maioria das nações recuperou-se bem mais depressa da Grande Depressão dos anos 30, e isso numa época em que as políticas macroeconómicas eram primitivas e frequentemente autodestrutivas. Não há a menor razão para que a Espanha e outras nações da periferia europeia experimentem hoje Grandes Depressões e muito menos Grandes Depressões dessa duração. Observe-se que Rehn assume tacitamente que não surgirão entretanto choques negativos durante a próxima década, embora ache que a crise persistirá em Espanha. Poucos economistas pensam que essa suposição heróica seja remotamente provável. Pressionado para explicar porque esse grande êxito de há três semanas é um pesadelo, Rehn abandonou o discurso TINA de «não há alternativa» e adoptou o discurso de «não há alternativa fácil» TWNEA sigla em Inglês). Vale a pena recordar as suas palavras literais: «Ollie Rehn afirmou que em Espanha a União Europeia procurou culminar o objectivo de umas finanças públicas solventes com reformas económicas». Não havia alternativas fáceis, nem para a Espanha nem para ninguém. Aqueles que pensam que haveria uma maneira fácil de recuperar o acesso aos mercados sem tomar medidas dolorosas, enganam-se, declarou ao diário madrileno. Levará dez anos a resolver a crise espanhola. Rehn admite, assim, que havia alternativas à austeridade e ao esmagamento dos salários dos trabalhadores. O que declara agora é que «não havia alternativas fáceis» (TWNEA). As alternativas (indeterminadas) a recuperar o «acesso aos mercados» não teriam sido «simples» e teriam de empregar «medidas dolorosas». A primeira coisa que salta à vista é que esta concessão se torna fatal para as pretensões e para as políticas de Rehn. É óbvio que uma alternativa não precisa de ser «simples» para ser superior à austeridade e à destruição salarial de Rehn, que geraram uma virulenta Grande Depressão, de cuja fase crítica espera Rehn, tardará em sair-se (se nada de mal ocorrer na economia mundial na próxima década) 17 anos. Logicamente, qualquer alternativa que inflija menor dor que optimistas 17 anos da alternativa de Rehn será melhor que a estratégia da Grande Depressão da troika. Os terríveis «objectivos ocultos” da UE 1. “A austeridade como um «objectivo perpétuo, não como meio para um fim» — O que Rehn admite tacitamente torna-se mais fatal para as suas políticas do que parece à primeira vista, se examinarmos a forma em que apresenta o debate para defender a estratégia de uma Grande Depressão dirigida ao esmagamento dos salários dos trabalhadores. Já sei que «solvente» soa como uma palavra e um conceito a que nenhuma pessoa sensata se oporia. O antónimo de solvente é «insolvente», quebrado, em bancarrota, palavras todas de sobejas conotações negativas. Rehn colocou um marco astuto na sua tese, mas o marco está concebido para confundir o público e os meios de comunicação com o objectivo de provocar o apoio às suas políticas, a umas políticas que causam um dano terrível ao público em geral e à classe trabalhadora em particular. «Solvente» é o código cifrado para austeridade. O marco de Rehn está pensado para que as pessoas possam pensar que se o governo tem défice é «insolvente» e irresponsável e se dirige para a catástrofe. Como acontece sempre, o objectivo dos «austericidas» é difundir o lema de que o governo de um Estado soberano é «exactamente como» uma família. Rehn fugiu-lhe a boca para a verdade, revelando que isso é falso. Observe-se que Rehn nunca define o que é «solvência». Não o faz, porque, se tentasse, a falsidade do mesmo tornar-se-ia ainda mais óbvia. A «solvência» é um conceito falacioso. Não é um conceito que se use na auditoria de governos com moedas soberanas, porque aí seria inaplicável. Rehn dá a entender que solvente significa que o governo não pode incorrer em défices, sob pena de consequências terríveis. Haveria quatro problemas insuperáveis se Rehn definisse os governos deste modo. Primeiro, foi a crise que causou os défices orçamentários, e não os défices os causaram a crise. Quando há uma Grande Depressão, os trabalhadores perdem os seus postos de trabalho e os seus salários (o que reduz as suas receitas fiscais). Segundo, as nações da UE incorrem tipicamente em défices. Terceiro, não é por ai que vai mal ao mundo. Mas o quarto erro é o pior. Não há nada moralmente superior numa nação que disponha de superavit orçamentário. Utiliza-se quando a procura já é insuficiente, a procura será ainda mais insuficiente e aumentará o desemprego, a menos que a nação seja uma exportadora nata. (nem todos podemos ser exportadores natos). Uma Grande Depressão como a que vemos em Espanha gera um grande défice orçamentário por causa dos efeitos orçamentários, a que acabo de referir-me, do desemprego maciço. O que o governo nacional deveria fazer, segundo a maioria dos economistas, é cobrir a procura insuficiente aumentando a despesa pública em projectos úteis. Fazer isto é o melhor método e quase o único — para reduzir rapidamente o desemprego e arrancar a nação de uma Grande Depressão. A austeridade diminuirá o ritmo e o alcance da recuperação. Uma política monetária vigorosa é normalmente ineficaz para estimular a recuperação de uma crise grave. A austeridade perpétua em forma de «orçamento equilibrado» não pode ser um objectivo racional de Estado nacional. O objectivo de um Estado nacional só pode ser o bem-estar do seu povo, e um orçamento equilibrado normalmente torna-se mau para a população. Rehn não pode ignorar isso. Nem sequer a UE é suficientemente louca para ordenar orçamentos equilibrados e lançar outra vez toda a UE na sua terceira recessão em seis anos. É crucial reconhecer que a Espanha, Itália e Grécia se encontram numa situação de Grande Depressão. Os seus níveis de desemprego estão abaixo dos níveis médios das nações europeias durante a Grande Depressão dos anos 30 (das poucas nações europeias de que temos dados de época considerados adequados pelos economistas). 2. O objectivo das reformas económicas é reduzir os salários dos trabalhadores — Rehn só prossegue no seu marco conceptual confuso quando declara que o segundo objectivo da UE é as «reformas económicas». Também aqui como o fez com a «solvência» se aproveita do termo vago. Aclarada a noção, fica também claro para o leitor que o termo é orwelliano e o objectivo, depreciativo, autodestrutivo, e indigno de qualquer governo. «Reformas económicas» é léxico ‘lixo’ em código cifrado da troika. Podemos traduzi-lo assim «forçar os cortes de salários aos trabalhadores». Esse não pode ser o objectivo legítimo de um Estado nacional. É uma guerra de classes com a qual os trabalhadores perdem e os altos executivos das grandes empresas se tornam ainda mais ricos. Rehn nem sequer trata de explicar a legitimidade desse objectivo. Já não pode declarar que os lucros das grandes empresas são «demasiado baixos» e os salários «demasiado altos», porque os lucros das empresas são frequentemente muito altos. O marco conceptual eleito por Rehn põe os trabalhadores a competir entre si em todos e em cada um dos Estados da UE, a ver quem ganha a corrida para o abismo de salários e direitos sociais. Aos espanhóis dizem-lhes que têm de cortar os salários dos trabalhadores para serem competitivos com os trabalhadores italianos, que por sua vez terão de competir com os gregos… Chamo a isso a dinâmica da via de Bangladesh». A formulação rehniana dos objectivos da UE revela que esses objectivos não são o objectivo legítimo de nenhum dos Estados membros da UE. Rehn garante que os objectivos da EU são reduzir a despesa pública dos governos nacionais e cortar drasticamente os salários dos trabalhadores. Os objectivos da UE na formulação de Rehn são ideológicos e consegui-lo redundaria num grande desastre para os povos da União Europeia. Vejamos que objectivos ficam fora da lista de Rehn. O emprego pleno não é um objectivo. Uma redução rápida e espectacular do desemprego não é um objectivo. Reduzir a pobreza não é um objectivo. Proporcionar educação superior não é um objectivo. Fazer com que a recuperação de Espanha seja suficientemente forte para deter a sangria migratória dos seus licenciados universitários não é um objectivo. Prevenir crises futuras assegurando que cada Estado nacional regule energicamente a sua banca não é um objectivo. Reduzir o risco financeiro global representado pelas Entidades Sistémicamente Perigosas (SDIs, sigla em Inglês), exigindo a sua contracção até deixarem de representar um risco também não é um objectivo. Actuar energicamente contra a mudança climática global não é um objectivo. Não haveria uma maneira simples de recuperar o acesso aos mercados sem medidas dolorosas? Mais uma vez Rehn trata de marcar conceptualmente o debate, de modo que só irracionalmente se pode concordar com ele. Só os adolescentes acham que algo importante na vida pode ser simples e indolor. A maturidade ensina que a vida não é simples nem indolor. Mas Rehn perde apesar de utilizar um marco retórico desenhado para inclinar a balança a seu favor. A razão por que Rehn perde tem uma ironia fantástica que nos leva directamente ao segundo artigo que queria comentar aqui e cuja leitura vivamente recomendo. Mas antes precisamos ver primeiro o aspecto da crise financeira que permite valorizar as teses de Rehn sobre a luta das nações da Periferia para «recuperar o acesso aos mercados (é o jargão habitual para referência à restauração da capacidade espanhola de empréstimo). A crise financeira e as falhas críticas inerentes ao desenho do euro (pelo qual, as nações membros cederam a sua soberania monetária) levou a uma espiral da morte em que os «vigilantes dos títulos» bancos, (fundos de risco) pediam taxas de juro mais elevadas para comprar divida soberana das nações da periferia europeia, o que incrementava o défice destas, o que dava às agências de qualificação o pretexto de degradar a sua qualificação, o que, por sua vez, incrementava as taxas de juro exigidas à dívida emitida pelas nações periféricas da UE… O BCE adoptou uma política de auxílio aos vigilantes dos títulos porque estes obrigavam a Periferia a cortar drasticamente os seus orçamentos e a fazer «reformas» para cortar salários. Mas o BCE não queria uma quebra verdadeira, porque isso podia levar à desintegração do euro. Portanto, o BCE interveio, desde logo depois de deixar passar meses e com diversos atrasos oportunos. Geralmente esperava que a nação se achasse à beira do colapso. Isso dava ao BCE a alavanca para se assegurar de que as nações da periferia cediam às exigências da troika e tomariam seus os seus objectivos gémeos: austeridade para sempre e cortes drásticos nos salários dos trabalhadores. Mas a troika descobriu que tinha perdido o controlo dos vigilantes dos títulos. A troika havia desempenhado o papel de «quebra-costas» do tubarão prestamista a entidades privadas e os vigilantes dos títulos descobriram que transformar as crises financeiras em emergências maximizava os seus benefícios. Os assaltos coordenados dos vigilantes não tardaram em transformar a Periferia da UE no espectáculo das «crises semanais». A Espanha foi empurrada para a beira de um resgate soberano total em 2012, mas salvou-se em boa medida graças à promessa do BCE de interferir caso necessário no mercado de bónus, o que fez baixar os custos do empréstimo nacional. O BCE foi assumindo dezenas de milhões de activos tóxicos, sem que visse fim ao processo. A situação era desesperada e todo o adulto sabe que não há meios «simples» e «indolores» para restaurar a capacidade de acesso da Espanha aos mercados de crédito. O BCE trava as incursões dos vigilantes dos títulos da Periferia A ironia é que havia um meio simples e indolor para que o BCE pudesse travar os ataques dos vigilantes de títulos às nações da UE. O artigo de Benn Stell e Dinah Walker publicado a 24 de Janeiro e intitulado «A Eurocrise morreu! Viva a Eurocrise» explica por que sabemos que Rehn se enganou voluntariamente a respeito da terrível dor causada pela restauração do acesso espanhol aos mercados de dívida. «Tudo se deve a Mário Draghi. Nunca na história dos bancos centrais um homem fez tanto com tão poucas palavras e com menos acções ainda. Depois de haver anunciado a criação de um programa de Operações Monetárias sobre Títulos (OMT) em Agosto de 2012. Draghi teve o gosto de sentar-se à espera enquanto via descer continuamente os diferenciais entre os títulos públicos espanhóis e alemães sem precisar de comprar um só título. Os diferenciais italianos comportaram-se do mesmo modo. Logo que os vigilantes de títulos começaram os seus ataques muitos economistas de várias persuasões explicaram que havia uma maneira simples e indolor com o que BCE podia travar os vigilantes e urgiram o BCE a actuar sem demora. Jean Claude Trichet negou-se. Draghi, seu sucessor à frente do BCE seguiu o conselho dos economistas. Durante 18 meses os resultados foram óbvios, portanto Rehn não revela mais do que desrespeito pela realidade com a sua história do «acesso aos mercados» que qualquer pessoa minimamente familiarizada com o mundo das finanças sabe que é falso. Mas Draghi continua a usar o BCE para forçar as nações da UE a aceitar os objectivos da troika (austeridade e cortes salariais) se querem receber a protecção do BCE perante os vigilantes dos títulos. Draghi dirige obstinadamente o equivalente a um bando de protecção mafiosa. Qual emprego? Rehn não disse que não há um meio «simples» e «indolor» de evitar o desemprego e incrementar o crescimento económico. A UE enfrenta complexas e dolorosas restrições sofridas pelas nações que desejam baixar o desemprego e promover o crescimento económico. A UE não dispõe de uma moeda verdadeiramente soberana e ao juntar nações desligou-se dos três meios mais efectivos para baixar o desemprego e promover o crescimento económico quando chega a recessão. Não podem dar estímulos significativos, não podem desvalorizar a moeda e não podem adoptar uma política monetária agressiva. A UE está actualmente como um corredor que começou o seu percurso seguindo o conselho de algum louco que na Internet sugeriu amarrar um peso morto aos tornozelos com grilhetas, para não correr depressa demais e acabar por partir uma perna. É certo que o corredor já não pode correr, mas isso não quer dizer que não haja um modo indolor que lhe permita correr. Precisa das chaves para abrir as grilhetas e a educação para compreender o que jamais ouvirá de charlatães como Rehn. As nações podem dar excelentes passos para correr mais depressa e evitar partir (as pernas) criando um sistema forte de estabilização automática antes de chegar o golpe da próxima crise. Os estabilizadores ajudam a reduzir a grandeza da queda da economia durante a recessão, de modo que a nação não tenha de procurar uma saída a partir do fundo do poço. E além disso aceleram a recuperação. Os estabilizadores automáticos infligem alguma dor quando a economia está no auge (sobem os impostos e a fiscalidade progressiva aumenta mais depressa). Mas essa dor afecta sobretudo as pessoas que no tempo do auge estão a melhorar, de modo que a dor será menos insuportável. Rehn fala de quando a política fiscal actua noutra direcção quando a nação se acha numa recessão grave ou numa depressão. Nessas circunstâncias, a política fiscal adequada não inflige dor. A despesa pública nacional aumenta, proporcionando serviços vitais quando mais são necessários. Baixam os impostos, principalmente daqueles que estão mais necessitados, se o sistema fiscal é progressivo. Podem construir-se infra-estruturas úteis e realizar trabalhos de manutenção preventiva em benefício das gerações futuras. Como falcão do défice, Rehn aceita os défices e as dívidas. Rehn repete o erro que os economistas de Roosevelt cometeram em 1937 quando convenceram o presidente de que devia pôr fim aos aumentos da despesa pública, assim o que vinha sendo até então uma recuperação robusta tornou-se a segunda volta da Grande Depressão. Rehn teria alertado em 1941 que os Estados Unidos entrariam numa dívida ruinosa para financiar a II Guerra Mundial e que essa dívida condenaria os Estados Unidos a décadas de ruína económica. Ter-se-ia equivocado como está provado que se equivoca agora. Até os economistas do FMI tiveram de admitir a sua surpresa perante a efectividade apresentada pelos programas de estímulos nesta crise. Não é «simples», principalmente se os estabilizadores automáticos estiverem enfraquecidos, servir-se da política fiscal para reduzir a gravidade e a duração da depressão. Há dificuldades políticas e dificuldades propriamente técnicas de realização. É bom ter identificado antes da crise projectos úteis de infra-estrutura e manutenção e ter planeado previamente que programas terão de ser levados à prática. Por mais insignificante que seja a magnitude do pacote de estímulos norte-americano na crise, e por mais que esteja orientado para o corte fiscal a favor dos ricos, os dados demonstram a sua eficácia substancial para impedir uma queda drástica e gerar uma recuperação moderada. As dificuldades não estão na economia mas nas políticas criadas pelas austeridades que exigem que os poderosos sangrem o paciente para o curar. *William Black é autor de A melhor maneira de roubar um banco é ser dono de um e professor associado de Economia e Direito na Universidade do Missouri em Kansas City. Passou anos a trabalhar na política de regulação e prevenção de fraudes como Director Executivo do Instituto da Prevenção da Fraude. Director de Litígios da Junta Federal de Empréstimos do Banco Hipotecário e Director Adjunto da Comissão Nacional para a Reforma das Instituições Financeiras, além de outros cargos. Fonte: “SinPermiso”