Taxa de Juros para Aumentar a Poupança Interna Carlos Feu Alvim [email protected] Condição para Crescer No número anterior vimos que aumentar a poupança interna é condição indispensável para voltar a crescer. Entre investimento e crescimento, existe uma correlação estreita onde causa e efeito se confundem e se realimentam. Com efeito, as perspectivas de crescimento induzem ao investimento que é, por outro lado, necessário para poder aumentar a produção. Nosso diagnóstico é que o problema do crescimento econômico brasileiro vem das limitações da oferta e sendo preciso aumentar o investimento para voltar a crescer. Como foi visto no número anterior, a contribuição que pode ser esperada do exterior é modesta e será indispensável um incremento da poupança interna para elevar o investimento e voltar a crescer o PIB per capita. Também foi visto que existe, conjunturalmente, alguma capacidade de produção não utilizada e que ganhos adicionais podem advir de um esforço para incrementar a produtividade do capital. Ou seja, o passo inicial depende de condições políticas, já existindo a base necessária a um aumento do PIB. Já a continuidade do crescimento depende da resolução de alguns problemas estruturais da economia que inclue o aumento da poupança interna. Provavelmente, a retomada da poupança interna apresentará uma inércia que procuramos considerar na retomada que projetamos e que foi mostrada no número anterior da e&e. A trajetória da poupança interna foi mostrada no artigo do número anterior, bem como o melhor ajuste, à trajetória anterior da poupança interna (de 1947 a 1994). Para o ajuste, foi escolhida uma curva logística e encontrou-se uma “poupança ajustada” que tenderia para 27% do PIB. Na Figura 1 mostramos o comportamento da poupança interna a preços correntes e a preços constantes (de 1980). Os valores a preços constantes são mostrados para lembrar que o pico de poupança interna nos anos de 1989 e 1999 deve ser principalmente atribuído a uma variação de preços relativos. Nesses anos, houve um forte incremento dos preços de bens de investimento correspondendo, provavelmente, a uma fuga das aplicações financeiras em previsão do calote da dívida do Plano Collor em 1990. Fica claro, na Figura 1, que houve, no início dos anos noventa, uma ruptura no padrão de poupança interna. Provavelmente, os primeiros anos foram afetados pelas perturbações da retenção dos ativos financeiros e da queda na produção. A manutenção dessa tendência de menor poupança deve estar relacionada com a mudança do modelo econômico que contemplou uma maior abertura para importações propiciada por um afluxo externo de aumentos que só foi possível com a decentralização do câmbio e o aumento das taxas de juros. Esta redução de poupança redundou também em uma redução do investimento já que as transferências do exterior não foram suficientes para suprir a deficiência da poupança interna. Na Figura 1 podemos perceber o déficit em relação à tendência anterior no que pode ser chamado de “hiato de poupança”. Esta ruptura coincide com a mudança do modelo econômico. O crescimento da poupança no final da década de oitenta, como já comentamos, está associado a uma variação de preços relativo e não teve conseqüência no incremento da capacidade de produção. Figura 1: Poupança Interna e ajuste para dados anteriores a 1990. Os valores a preços correntes e de 1980 são também indicados. Dados IBGE, ajuste e&e 33. O hiato de poupança interna, que se percebe ba Figura 1 teria que ser compensado nos próximos anos para que o Brasil alcance o nível de crescimento de nossa modesta utopia. Juros do Governo e Investimentos A política do governo de interferir em variáveis macroeconômicas para controle da economia, tem sido o instrumento preferido do modelo implantado no final do século passado. Comumente este tipo de intervenção tem sido identificado como parte do neoliberalismo mas esta prática bem poderia ser chamada de “neointervencionismo” . O "neoinvervencionismo" parece deixar, por conta do mercado, as decisões cotidianas e intervir, com todos os meios do governo, em variáveis macro selecionadas como a taxa de câmbio, de juros ou a de inflação. Dentro desta concepção, os juros reais altos foram utilizados, em uma primeira fase, para atrair recursos externos. Atualmente são considerados a principal arma de combate à inflação, Da teoria econômica, sabe-se que juros maiores adiam o consumo e, ao limitar a demanda, podem ajudar no controle da inflação. Quando os juros pagos pelo sistema financeiro superam os ganhos dos investimentos produtivos, eles também limitam e oneram os investimentos. No médio prazo, os juros altos elevam os custos financeiros e, reduzindo os investimentos, reduzem a oferta futura de bens. A maior disponibilidade de recursos financeiros gera, esgotado o prazo da aplicação, a possibilidade de realizar a demanda adiada. Os dois fatores pressionam a inflação. No Brasil, esses efeitos podem chegar rapidamente e com grande intensidade porque os prazos dos títulos do governo são curtos e os juros muito altos. Na Figura 2, mostramos a evolução da taxa mensal de juros nominal e de inflação desde 1974. Os juros buscam representar os valores pagos pelo Governo, correspondendo à taxa SELIC. O índice de inflação utilizado para determinar os juros reais foi o IGPM (da FGV). Figura 2: Taxas mensais de juros nominais e de inflação. Dados Banco Central. Na Figura 2 podem ser observados períodos em que os juros nominais superam a inflação (juros reais positivos). Também podem ser observados períodos onde os juros reais são negativos e a inflação supera a taxa de juros nominal. Na Figura 2 indicamos os diferentes planos heterodoxos, do Cruzado ao Real. Em alguns desses planos a taxa de juros real foi fortemente negativa como é indicado na Figura 3. Também indicamos as médias correspondentes aos 6 meses anteriores (média móvel) que dão uma melhor idéia de como é sentida pelo aplicador a política de juros praticada. Existem períodos, nas décadas de setenta e de oitenta em que os juros reais praticados foram sistematicamente negativos. Houve um período em que foram alternados períodos de juros reais positivos com confiscos por ocasião de alguns dos planos. A partir de 1994, salvo nos 5 últimos meses representados, os juros foram sistematicamente positivos. Figura 3: Juros reais pagos pelo Governo e sua média no semestre anterior (média móvel). São assinalados os planos heterodoxos aplicados e os valores de picos de juros, negativos e positivos. Normalmente, os planos foram seguidos (ou antecipados) de variações importantes nos juros reais. Alguns desses valores estão indicados na Figura 4. Para que possamos ter uma idéia mais clara dos movimentos de “perde-ganha” nos títulos do Governo representamos na Figura 4 a situação hipotética da conta de um cidadão que possuísse, no primeiro dia de 1974, 100 unidades monetárias nacionais. Os valores indicados na Figura 4 foram obtidos aplicando-se sobre o capital os juros nominais mensais e descontando-se a inflação, medida pelo IGPM. Figura 4: Valor real acumulado de uma aplicação em títulos do Governo, remunerada pelos juros reais indicados. Figura 5: Desvio da poupança interna em relação ao ajuste para anos anteriores. Quem tivesse 100 unidades monetárias no primeiro dia de 1974, teria em meados de 1976 só 81% do valor inicial. Em meados de 1979, ele teria o equivalente a 88 unidades originais. Deste momento em diante, haveria uma perda sistemática e em Setembro de 1981 o cidadão em questão teria apenas o valor correspondente a 57 unidades. A partir daí ele passaria a ver seu saldo aumentar em valor real e finalmente, em Janeiro de 1985, teria recuperado o valor original, passados 11 anos. Chegaria ao Plano Cruzado com 116 unidades e esse valor permaneceria relativamente estável por mais dois anos. Os planos Cruzado e Bresser foram aproximadamente neutros para as aplicações em títulos federais. O final do Governo Sarney foi de juros altos e a pequena perda que ocorreu no Plano Verão foi recuperada com folga nos meses seguintes. Nosso aplicador entraria no Governo Collor com um saldo equivalente de 178 unidades. Nos primeiros meses do Governo Collor ele sofreria o primeiro grande confisco abrupto e ainda teria seu saldo, de 108 unidades (depois do confisco), possivelmente retido. Ainda no Governo Collor o valor real de sua aplicação subiria ainda para 122 mas em maio de 1991 o confisco do Plano Collor 2 reduziria seu saldo para 110 unidades. Transcorridos mais de quinze anos, o ganho líquido de nosso aplicador era de 10% numa média de 0,6% ao ano. Teria início, com o Ministro Marcílio Marques Moreira, um período de ganhos extraordinários. Com esses ganhos, às vésperas do Plano Real, ele teria um saldo de 242 unidades e que seria reduzido a 179 em um confisco tão bem disfarçado que somente os muito privilegiados conseguiram, até hoje, alguma correção de seus haveres. No final do primeiro mandado do Presidente FHC, ele já teria 430 unidades. Seu ganho médio foi de 20% ao mês e o valor de sua aplicação seria duplicado nestes 4 anos. Se olharmos um período mais longo, entre junho de 1990 e junho de 2002, mesmo com o confisco do Real, o valor aplicado em títulos do governo foi multiplicado por um fator superior a cinco. O ganho anual médio, nestes 12 anos, foi de 15%. Pode-se observar na Figura 5 que o hiato de poupança (que foi também de investimento) teve início a partir de 1991. Na Figura 4, pode-se constatar que foi a partir daí que os investimentos financeiros passaram a ter ganhos reais sistemáticos. Não é de se admirar, pois, que nesse período tenham caído o percentual de poupança e o investimento interno. Existem muito poucas aplicações lícitas que proporcionem, em prazo semelhante, tal resultado. Do ponto de vista País, o rendimento financeiro não deveria superar o rendimento médio da atividade produtiva. Na atualidade o Brasil necessita 270 unidades de capital para gerar 100 de produto. Das 100 unidades de produto 82 se destinam ao consumo e 18 são poupadas (6,7% do capital). Nas Contas Nacionais, em um sistema fechado, o que não é consumo aparente (incluindo variação de estoques) é formação bruta de capital fixo (investimento real)[1]. Para manter o estoque de capital[2], é necessário investir cerca de 10% do PIB (3,7% do estoque de capital) para repor a parte sucatada ou obsoleta do capital acumulado. Das 18 unidades percentuais de PIB poupadas restariam 8 que permitiriam aumentar em 3,0% o estoque de capital[3]. Mantida a produtividade de capital, seria também possível aumentar, nos mesmos 3,0% ao ano, a capacidade de produção. Ou seja, é de 3% a capacidade atual da parte real da economia brasileira de aumentar seu capital produtivo. Em termos da economia real (objeto das Contas nacionais), esse pode ser considerado rendimento médio do capital produtivo. O que provavelmente vem ocorrendo nos últimos dez anos é que, a cada ano, uma maior fração de investimentos que seriam direcionados à atividade produtiva foi abandonada em favor da aplicação financeira. Na média do período, o resultado da política de elevadas taxas de juros reais (de dois dígitos), foi uma redução da poupança real (formação bruta de capital fixo) em favor do consumo. É essa a política que tem sido apresentada ao País como inibidora do consumo. Por outro lado, como já mostramos anteriormente, o aporte de investimento externo obtido foi bastante inferior ao hiato de poupança interna que provocou essa política. Por fim, deve ser levado em conta que existe um limite para a dívida interna que não deveria ser ultrapassado. Na situação atual, existe um quase consenso que a dívida interna atingiu seu limite em termos de percentual do PIB. Em um horizonte de suposto crescimento do PIB da ordem de 3% ao ano, uma taxa de juros, também de 3% anuais, é a que permitiria ao Governo manter estável a dívida interna relativa ao PIB sem desviar dinheiro de impostos e taxas para o pagamento de juros[4]. [1] Em um sistema aberto o investimento é a parte não consumida do PIB (poupança territorial ou interna) mais as transferências do exterior (importações líquidas de serviços reais e bens). O investimento resultante da poupança interna será acrescido das transferências do exterior. Essas transferências foram negativas em 2002 e deverão continuar assim nos próximos anos ou, em nossa utopia, seriam aproximadamente nulas. [2] E a produção, na hipótese de permanecer constante a produtividade o capital. [3] 8/270=3,0%. [4] Esta não é, em nosso entendimento, uma finalidade moralmente aceitável para os impostos e, ainda menos, para o desvio de taxas e contribuições pagas pelo cidadão para finalidades específicas.