Quando as regras do jogo mudam * Christian Luiz da Silva Para um país se desenvolver, precisa ter regras claras e um ambiente democrático fortalecido de modo que se permita o planejamento e a avaliação sobre as melhores alternativas de alocação dos recursos. Cada vez que mudamos uma regra do jogo, alteram-se também as possibilidades relativas às decisões que envolvem aquela regra, bem como colocam-se em questão as demais regras existentes em virtude da possibilidade de mudança também. Quanto mais se mudam as regras, mais instável é o ambiente político e econômico para novas tomadas de decisões. Instaura-se um ambiente de instabilidade. Essas regras são as instituições de um país, composto, por exemplo, pela legislação, pela organização dos agentes, entre outras, como as regras do sistema financeiro. A mudança do sistema de tributação da poupança parece uma ação corriqueira no sistema financeiro, mas também é uma alteração das regras do jogo. Diante disso, cabe refletir sobre o motivo dessa alteração e o possível impacto da mesma. O motivo está relacionado ao custo de oportunidade do dinheiro, ou seja, deixar menos atrativo a poupança para investimentos maiores que R$ 50 mil, incentivando os investidores desses montantes a manter suas aplicações em títulos do governo e fundos de rendas fixas, com a finalidade de financiar a dívida interna do governo e mantendo um fluxo contínuo nas aplicações dos bancos comerciais. O possível impacto é a diminuição da atratividade da poupança para os investidores, não somente os médios e grandes, mas também os pequenos investidores, que não têm informação suficiente para compreender essas mudanças. Estes ficaram sem rumo ao querer saber qual alternativa estável, segura, buscar. A única, para pequenos investidores, era a poupança, cuja mudança acontecida no governo Collor é lembrada até hoje como algo inesperado e com impacto nas nossas regras do jogo e na nossa economia. Essa lembrança se deve ao fato da poupança representar uma instituição: local de investimento seguro. É também um parâmetro para as decisões econômicas e uma alternativa para pequenos investidores. Quando foi alterada no governo Collor, criou-se um ambiente instável porque se mexia em uma das poucas “instituições” seguras da economia naquele momento. Agora retomamos isso. Contudo, a perplexidade com a mudança nas regras da poupança já é não tão grande. Não porque deixou de ser uma instituição, mas porque já estamos (infelizmente) nos acostumando com as mudanças nas regras do jogo. Tal situação nos distancia de um ambiente estável para o real crescimento da economia. Um dos argumentos adicionais era o vínculo da poupança com o custo dos financiamentos para o sistema habitacional. Isso é uma verdade, porém haveria alternativas a esta para se ter um sistema de financiamento melhor, com regras próprias. Isso representa uma mudança da regra do jogo possível, sem criar instabilidades. Quando as regras não são mais viáveis ou adequadas ao atual sistema, demanda-se a sua alteração que é conhecida e aceita pelos agentes econômicos (empresas, sociedade e governo) sem criar instabilidades. * Economista, pós-doutor em administração pela USP e professor da FAE Centro Universitário. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.2, n.4, junho 2009 1 Por isso, não estamos argumentando que as regras devem ser imutáveis. Como no caso do vínculo da poupança para regra habitacional poderiam se buscar alternativas e mudar essa regra. O que não funciona deve ser mudado. Devemos ter consciência sobre as mudanças e elas devem ocorrer quando são necessárias, avaliando o custo e o benefício de cada ação. A atual decisão de tributação da poupança muda a regra do jogo, estabelecida há anos, justificada para desincentivar os médios e grandes investidores nesta fonte de financiamento por uma situação conjuntural de redução da queda de juros. Ou seja, uma mudança desnecessária. Se muitos mantinham os investimentos na poupança rendendo entre 6 a 8% ao ano enquanto os títulos públicos rendiam entre 15 a 17% ao ano ou próximo disso na renda fixa, eram porque consideravam essa fonte de investimento segura; longe das instabilidades financeiras. Mudar essa regra para manter o fluxo de financiamento público, entre outros objetivos, é uma visão de curto prazo e míope acerca da importância de se manter instituições reconhecidas pela sociedade. O custo dessa ação será alto; será a mudança de percepção da sociedade sobre essa fonte de investimento que sempre foi considerada um porto seguro para a população. Neste sentido, caberá a questão final: qual a próxima regra do jogo que vai ser alterada? A outra questão é: como planejar sem saber responder a questão anterior? Esse será o resultado com essa mudança: maior instabilidade institucional e um ambiente menos estável para novos investimentos. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.2, n.4, junho 2009 2