Estudos Filosóficos e Antropológicos Aplicados à Psicologia Santo Agostinho VIDA E OBRA Aureliano Agostinho (354-430) nasceu em Tagasta, pequena cidade da Numídia, na África, e faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia. Seu pai, Patrício, era pequeno proprietário de terras, ainda ligado ao paganismo. Já sua mãe, Mônica, era fervorosa cristã. Estudou em Tagasta e na vizinha Madaura, conseguiu ir para Cartago, onde realizou seus estudos de retórica (370/3 71). Em sua trajetória intelectual, Agostinho sentiu-se despertado para a Filosofia pela leitura de Cícero. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo maniqueísmo, seita persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal. Como professor ensinou em Tagasta (374) em depois em Cartago (375-383). Transferiu-se para Roma em 384. De Roma para Milão onde foi professor de retórica. Entre os anos 384 e 386 converteu-se ao Cristianismo. Em 387 recebeu o batismo do bispo Ambrósio. Agostinho deixou Milão e retornou para África. Em 391 foi ordenado sacerdote e em 395 bispo na cidade de Hipona. Morreu em 340 quando os vândalos sitiavam a cidade. Principais Obras: Contra acadêmicos; A vida feliz; A ordem; A imortalidade da alma; A cidade de Deus; A doutrina cristã; os Comentários literais ao Gênesis; Sobre o livre arbítrio; a verdadeira religião; A graça de Cristo e o pecado original, As Confissões, entre outras. PENSAMENTO O FILOSOFAR NA FÉ Plotino mudou o modo de pensar de Agostinho, oferecendo lhe as novas categorias que romperiam os esquemas do seu materialismo e se sua concepção maniqueísta da realidade substancial do mal. Mas a conversão e a fé em Cristo e em sua Igreja mudaram também o modo de viver de Agostinho. A fé tornou-se substância de vida e pensamento para Agostinho. A conversão, com a conseqüente conquista da fé, foi, portanto, o eixo em torno do qual passou a girar todo o pensamento de Agostinho. Diz ele: “Ninguém pode atravessar o mar do século se não for carregado pela cruz de Cristo.” Nisso consiste precisamente o “filosofar na fé”, ou seja, “a “filosofia cristã”: uma mensagem que mudou por mais de um milênio o pensamento ocidental. REALE, Giovanni. A Patrística: Santo Agostinho. In___História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990, (Col. Filosofia), p.428-459. Estudos Filosóficos e Antropológicos Aplicados à Psicologia A DESCOBERTA DA PESSOA E A METAFÍSICA DA INTERIORIDADE Segundo Agostinho, o homem é o verdadeiro mistério a ser desvendado. “O verdadeiro mistério não é o mundo, mas nós para nós mesmos.” Agostinho propõe o problema do eu, do homem como indivíduo irrepetível, como pessoa, como indivíduo, poder-se-ia dizer com terminologia posterior. Nesse sentido, o problema do seu eu e o sua pessoa tornam-se significativos: “eu próprio me havia tornado um grande problema para mim; eu não compreendo tudo o que sou.” Como pessoa, tornou-se protagonista de sua filosofia: ao mesmo tempo observante e observado. Em Agostinho, o problema do Eu nasceu de sua combatida religiosidade: o ponto de partida é a interioridade e a contraditoriedade do seu querer, que ele só superou abdicando completamente à própria vontade em favor da vontade nele exercida por Deus. Assim, é a problemática religiosa, o confronto da vontade humana com a vontade divina, que leva à descoberta do eu como pessoa. Para Agostinho, o homem interior é imagem de Deus e da Trindade. Na obra Cidade de Deus, Agostinho diz que não somos iguais a Deus, no entanto, somos a obra que mais se aproxima de sua natureza, reconhecemos em nós mesmos a imagem de Deus, ou seja, da Santíssima Trindade, imagem que precisa ser aperfeiçoada. Sabemos que existimos e amamos o nosso ser e o nosso conhecimento. Eu estou certíssimo de ser, de me conhecer e de me amar. Em relação a isto, não há que se enganar. Se eu estiver enganado, isso quer dizer que existo. Quem não existe não pode se enganar; se eu me engano, logo, eu existo. Dessa forma, Deus se espelha na alma. E “alma” e “Deus” são os pilares da “filosofia cristã” agostiniana. Não é indagando o mundo, mas sim escavando a alma que se encontra Deus. Conhecer-se a si mesmo, para Agostinho, significa conhecer-se como imagem de Deus. O nosso pensamento é recordação de Deus, o conhecimento que o encontra é inteligência de Deus e o amor que procede de um e de outro é amor de Deus. A VERDADE E A ILUMINAÇÃO Na temática Alma-Deus, o papel de alicerce é desempenhado pelo conceito de verdade. A verdade está no interior da alma humana. “Não busques fora de ti (...); entra em ti mesmo.” Mas como o homem chega à verdade? REALE, Giovanni. A Patrística: Santo Agostinho. In___História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990, (Col. Filosofia), p.428-459. Estudos Filosóficos e Antropológicos Aplicados à Psicologia O argumento de Agostinho está na dúvida cética. No momento em que pretendo negar a verdade, a reafirmo. Se duvido, precisamente para poder duvidar, existo e estou certo de pensar. Agostinho interpreta o processo do seguinte modo: 1. Como Plotino já havia ensinado, a sensação não é uma alteração sofrida pela alma. Os objetos sensoriais agem sobre os sentidos. Essa alteração do corpo não escapa à alma, que, conseqüentemente, atua, extraindo, não do exterior, mas do interior de si mesma, aquela representação do objeto que é a sensação. 2. A sensação é apenas o primeiro degrau do conhecimento. Por sua vez, a alma julga as coisas corpóreas com a razão. E as julga com base em critérios que contêm um “algo mais” em relação aos objetos corpóreos. Estes são mutáveis e imperfeitos ao passo que os critérios segundo os quais a alma julga são imutáveis e perfeitos. 3. De onde a alma deriva esses critérios de conhecimento com que julga as coisas? Segundo Agostinho, acima da nossa mente existe uma Lei que se chama Verdade. E não há dúvida de que existe uma natureza imutável, superior à alma humana. A alma mesmo sentindo superior aos objetos aos quais aplica o seu próprio juízo, não pode ignorar tal natureza. O intelecto humano encontra a verdade como objeto superior a ele, com ela julga, mas por ela é julgado. A verdade é a medida de todas as coisas e o próprio intelecto é medido em relação a ela. 4. As verdades que captamos com o puro “intelecto” são constituídas pelas Idéias, que são as supremas realidades inteligíveis de que já falava Platão. Agostinho reforma Platão em dois pontos: 1. Faz das Idéias os pensamentos de Deus e 2. Rejeita a doutrina das reminiscências na célebre doutrina da “iluminação”. REALE, Giovanni. A Patrística: Santo Agostinho. In___História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990, (Col. Filosofia), p.428-459.