Incapacidade e desesperança: como combater? (parte 1)

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Neurociência e Saúde Mental
COMBATER A SENSAÇÃO DE INCAPACIDADE E
DESESPERANÇA – PARTE I
http://www.escolapsicologia.com/combater-a-sensacao-de-incapacidade-e-desesperanca-parte-um/
Por Miguel Lucas em Felicidade
Há dias em que o melhor seria mesmo não sair de casa. Com algum esforço
lá nos conseguimos convencer e enfrentamos o dia-a-dia, com dificuldade em vencer a
inércia, sem motivação e com má vontade. Mesmos as coisas mais simples parecem um
trabalho digno de Hércules. A mais pequena chatice pode deixar-nos à beira de um
ataque de nervos, ou com a lágrima ao canto do olho. Mais parece que o mundo está
contra nós, se nos fosse possível num ato de magia faríamos desaparecer tudo à nossa
volta. No entanto estar sozinhos conosco é igualmente insuportável. Até os próprios
pensamento parecem lenificados, não nos saem com a facilidade do costume. Sentimonos culpados, criticamo-nos, instala-se uma sensação de vazio e incapacidade, sentimonos miseráveis e sem vontade para defrontar os nossos pensamentos negativos.
Pensamentos: “Também não mereço melhor.” “Sou um desgraçado.”
“Sinto-me injustiçado.” Estou cansado de lutar e não sair do mesmo sitio.”
Todos nós conhecemos estes estados “cinzentos”, esses períodos de dúvida,
indecisão, melancolia e desesperança. Por mais desagradável que seja, por mais
tenebrosa que seja a experiência desta ausência de motivação, esta resposta que a
natureza instalou em nós, esse programa que percorre o cérebro pode ter uma função
muito proveitosa. O organismo reage com pesar sempre que sentimos a perda de algo ou
de alguém, quando não conseguimos alcançar um objetivo a que nos propusemos, e
saboreamos o fracasso. Esse sentimento aparece como que um mecanismo de defesa,
como que um sinal para que não se continue a insistir em algo, que devido às
circunstâncias já está desprovido de propósito.
Estes estados deprimidos que se abatem sobre nós, são como que
um programa de poupança de energia da natureza. Quando sentimos as nossas forças a
esgotarem-se, quando nos sentimos num beco sem saída, retiramo-nos para dentro de
nós, ficamos num estado de introspecção induzida. Tornamo-nos pensativos,
examinamo-nos. Este processo na grande maioria das vezes é proveitoso,
perspectivamos outras formas de abordar as questões, de caminhos alternativos,
renovamos as forças e encontramos soluções.
UM PROGRAMA DE POUPANÇA DE ENERGIA PERIGOSO
No entanto demasiado miserabilismo, melancolia, desgosto também nos
pode fazer mal. Quando a desesperança se instala, desenvolve uma vida própria que já
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pouca ou nenhuma relação tem com as causas iniciais. Chegamos a um estado em que já
não estamos tristes porque, depois de uma decepção o cérebro necessita de algum tempo
para procurar percursos alternativos, mas simplesmente porque se instalou o hábito de
estarmos tristes. Ficamos com dificuldade em gerir as emoções, estas deixam de nos
servir, pela persistência no tempo, e viram-se contra nós. Tem então início a espiral
descendente dos estados deprimidos e incapacitantes. Sentimentos negativos, irracionais
e inadequados provocam pensamentos desesperados, que acabam por exacerbar ainda
mais o estado de abatimento em que nos encontramos.
Ao sentirmo-nos sem forças para mudar o rumo à nossa vida, acreditamos
que nada poderá mudar para melhor. É assim que os estados deprimidos conduzem de
uma forma perversa, uma situação em que o nosso desalento nos parece mais que
justificado. Sem dúvida alguma que quem cair neste círculo vicioso não pode ser feliz.
A depressão é a antítese da felicidade.
Nas suas formas mais profundas a depressão é uma desordem de humor que
requer tratamento especializado. Por isso, quem, ao longo de um período de mais de
quatro semanas, se sentiu, durante a maior parte do tempo, sem valor e sem vontade de
fazer nada, se sofre de cansaço constante, insónias ou até talvez tenha pensado
repetidamente sobre a própria morte, deveria o mais breve possível conversar com um
psicólogo sobre o assunto.
Estes estados de abatimento diário não são só incomodativos, como também
acabam por tornar-se em autênticos inibidores do prazer e da alegria de viver.
Psicólogos e investigadores na área da neurologia têm vindo a recolher evidências sobre
a plasticidade do cérebro e sua adaptabilidade infindável. Ele tem o poder de mudar a
sua própria estrutura, permitindo que nós possamos aprender a ser felizes, mas também
aprender os caminhos da infelicidade. Na verdade, tudo indica que a tristeza profunda, a
melancolia extrema e as preocupações ruminativas não são mais do que um pedaço de
infelicidade aprendida.
DESAMPARO APRENDIDO
Para conseguirmos atuar contra os sentimentos e pensamentos negativos
temos de perceber de onde eles vêm. Atualmente e de acordo com a abordagem da
psicologia positiva, parte-se do princípio de que um estado de abatimento duradouro
advém da experiência de uma situação desagradável e incapacitante para a qual e apesar
de a pessoa se ter esforçado, não foi encontrada uma solução satisfatória. A pessoa
aprendeu que independentemente dos seus esforços para combater a situação todas as
suas ações obtém o mesmo resultado negativo, estamos a falar do “desamparo
aprendido”. Foi esse o nome que o psicólogo norte americano, Martin Seligman deu
para a teoria da depressão:
A reter: O abatimento surge devido à resignação.
Através de experiências particularmente frustrantes ou traumáticas, uma
pessoa poderia aprender que seus comportamentos são insuficientes ou inúteis para
mudar ou controlar os fenómenos a que se vê exposto. De acordo com Seligman, irá
dizer que tal estado de desamparo levaria a pessoa à desmotivação, passividade, falta de
agressividade, deficiências sociais e sexuais e apatia geral.
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Na realidade, a coragem e a vontade de viver dependem muito mais do
modo como avaliamos uma situação do que da situação propriamente dita. São as
nossas crenças que determinam o que sentimos e como vamos agir em determinada
situação. É modificando estas crenças que podemos mudar o nosso estilo explicativo
para um estilo mais optimista. Para isto, Seligman usa o modelo, ABCDE:
A – Adversidade. A situação a analisar.
B - Crenças (Beliefs). Aquilo que pensamos acerca da situação pode não ser
totalmente consciente.
C –Consequências dessa crença. A forma como agimos ou como nos
sentimos, consequência dos pensamentos. Os sentimentos dão-nos a
pista para descobrir o que pensamos.
D - Disputar a crença que já faz parte da rotina. A parte mais importante do
modelo: questionar as crenças que mantemos inconscientemente.
E - Energia que ocorre quando se disputa com sucesso. Sentimento de bemestar que se sucede após percebermos que não somos obrigados a ver as
coisas da mesma forma negativa como antigamente.
Solução: A parte mais importante deste modelo é a da disputa, que nos
permite distanciar das nossas explicações pessimistas para as podermos analisar. Esta
deve ser feita como se estivéssemos a disputar as afirmações de outra pessoa que nos
quisesse ver infelizes. Devem-se procurar objetivamente as provas que apoiem essa
explicação pessimista e, caso os encontremos, questionar a utilidade de manter essa
crença e quais as consequências de o fazermos.
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COMO A DESGRAÇA SE AUTOMATIZA
Umas quantas frases lidas podem mudar o nosso estado de espírito, mas o
inverso é igualmente verdade. O estado de espírito também influencia aquilo que
percepcionamos. A percepção e a emoção são permeáveis nos dois sentidos. Quando
estamos abatidos temos uma grande propensão para repararmos em frases, situações ou
acontecimentos compatíveis com o nosso estado. Ao ler o jornal repara-se em frases do
género “o futuro é negro”, repara-se mais nas profecias pessimistas do género “não
conseguiremos sair da crise”, estamos mais susceptíveis a ler as notícias de desgraças e
pessoas sem sucesso.
Esta tendência para a confirmação pessimista do estado deprimido, tem uma
razão de ser, o nosso lobo frontal, é uma parte do cérebro responsável pelas nossas
memórias e também responsável pelas emoções, ao estabelecer ligações entre os dois
canais de informação (memórias e emoções) gera-se uma tendência que todos nós temos
para recuperar recordações tristes quando nos sentimos desanimados e deprimidos. É
como se víssemos o mundo através de uns “óculos escuros”, a tendência do cérebro é
manter esse estado de espírito negativo, é fá-lo escolhendo os estímulos que condizem
com a situação emocional vivida. Pensamentos obscuros, experiências negativas,
acontecimentos traumáticos, fracassos e recordações amargas adquirem primazia,
ocupando a nossa consciência e atenção.
Desta forma, como já só vemos desgraças em todo o lado, o organismo
reage de forma coerente. Os pensamentos negativos, passam a ter quase a totalidade da
atenção de processamento do cérebro. O nosso cérebro é capaz de se aperceber de uma
ameaça real, mas igualmente de uma imaginada, dando-lhe a mesma importância.
Imaginamos até ao mais ínfimo pormenor aquilo que poderá vir a acontecer e
preocupamo-nos com aspetos e acontecimentos altamente improváveis. O fato de
pensarmos neles, gera mal-estar. Isto mostra-nos até que ponto o fluir dos pensamentos
e fantasia influenciam o nosso estado de espírito. Muitas vezes é a capacidade que
temos para imaginar a infelicidade que nos torna infelizes. Então o que podemos fazer
para combater a sensação de incapacidade e desesperança?
Proponho o seguinte método:
TRANSFORME O PENSAMENTO OU O SENTIMENTO EM ACÇÃO
Uma forma eficiente de mudar a visão de um problema é simplesmente
mudar aquilo a que se está a dar atenção. Em vez de se concentrar na sua vida interior
entre em ação. Em vez de se centrar em colocar a si mesmo questões complicadas,
como por exemplo, “porque estou com este problema?”, “o que há de errado comigo?”,
“o que fiz eu para merecer isto?”, sugiro que faça perguntas que sejam variações destas:
“porque razão continuo a fazer, pensar e a prestar atenção ao que me coloca em baixo e
que não é útil, que outras coisas poderia pensar, ou focar para alterar a situação em que
me encontro?”
Recomendo-lhe que faça perguntas iniciadas por: com?, ou o quê? Por
exemplo, em vez de se questionar porque só me acontecem a mim estas coisas
desagradáveis e incapacitantes?, ou porque fracassam sempre as minhas relações
amorosas?, faça perguntas mais produtivas, como o que posso fazer para alterar a
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situação? ou, como devo agir para que as minhas relações no futuro possam ser melhor
conseguidas?
Se está numa situação em que sente um forte impulso para levantar questões
complicadas, tente algumas destas alternativas:
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O que posso ver e ouvir relativamente a esta situação (quais são os fatos)
e que conclusões (histórias, julgamentos, críticas) tirei a partir daquilo
que vi e ouvi.
Se neste momento não tenho como me sentir bem, o que posso aprender
com isto
Se não posso de forma nenhuma deixar de viver este momento de aflição,
o que posso aprender com isto
O que posso fazer, para que as coisas corram da forma como desejo
O que posso deixar de fazer para que as coisas corram da forma como
desejo
É com isto que quero gastar a pouco energia que ainda me resta? caso
não seja, onde posso vir a focar a minha energia?
Há alguma coisa que posso fazer para minimizar o meu estado
sentimental neste momento? Em caso afirmativo, qual o primeiro passo a
dar? Caso contrário, como posso aceitar e lidar com aquilo que não
consigo alterar imediatamente?
Nesta situação, quem me poderá ajudar, quem me poderia esclarecer
algumas dúvidas?
Qual foi a melhor forma em que lidei com situações idênticas no
passado?
Resumindo: Mude o tipo de perguntas que faz ou com que vive, ou seja,
aquelas que não levam a lado nenhum ou que o fazem sentir pior, para outras que abram
possibilidades e levem a soluções ou bons sentimentos.
Na grande maioria das vezes, os nossos estados incapacitantes e duradouros,
devem-se a um erro de raciocínio. Este erro de raciocínio é induzido por uma tendência
do nosso cérebro para ser coerente na produção de pensamentos que comprovam os
nossos sentimentos, e aliado a tudo isto estão as circunstâncias eventualmente
desfavoráveis que se enfrenta, e ainda uma possível ausência de competências de
combate à frustração e resignação. Com todos estes ingredientes na ementa da nossa
vida, ficamos vulneráveis e gera-se um ciclo de negatividade. Este ciclo de negatividade
pode ser revertido, se tivermos consciência e percebermos que em determinadas
situações o estado em que nos encontramos altera a forma como raciocinamos. Com isto
em mente, conseguimos iniciar o processo de desafiar os nossos próprios pensamentos e
colocá-los à prova.
Fique atento à segunda parte deste artigo, onde irei abordar os efeitos que
estes estados têm na degradação do nosso cérebro, alternativas para escapar à tristeza,
como dinamizar o cérebro e muito mais.
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