O cérebro eletrônico Web 2.0 rompe conceitos da comunicação corporativa. Talvez pouca gente saiba, mas no início na década de 60, antes de se chamar computador, o maldito era conhecido como “cérebro eletrônico”. No Brasil, em plena era desenvolvimentista de JK, a revista “O Cruzeiro” noticiava em letras garrafais: “Brasil vai importar cérebros eletrônicos!”. Os esforços e a política de crescimento do presidente bossa-nova fizeram com que os primeiros cérebros eletrônicos operados no Brasil fossem instalados em diversos órgãos estatais, como o IBGE, ministérios civis e militares, Banco do Brasil e Petrobras, mas ele incentivou também que a iniciativa privada adquirisse essas enormes máquinas. Os computadores da década de 60 ocupavam uma sala inteira, eram equipados com milhares de válvulas, se alimentavam de cartões perfurados e produziam, para a época, um gigantesco volume de dados que eram invariavelmente registrados em pilhas e pilhas de formulários contínuos. Lógico que, naquela época, não se discutia a sustentabilidade! O debate pautado nos anos dourados era o impacto que o computador e sua incrível capacidade de processar dados causariam na vida e no emprego das pessoas. Enfim, pairava o medo da substituição do homem, suas características, sentimentos, medos e percepções por hardwares e softwares. Outro dia o Rafael Payão, diretor de planejamento da AG2, me lembrou de uma canção gravada em 1969 pelo atual ministro da Cultura e sempre mestre compositor Gilberto Gil, chamada exatamente de “cérebro eletrônico”. Na canção, Gil retrata e se posiciona, com a sensibilidade dos iluminados, nesse debate que se estenderia por toda a década de 70, entre outros versos, Gil diz: … O cérebro eletrônico comanda Manda e desmanda Ele é quem manda Mas ele não anda Só eu posso pensar Se Deus existe Só eu posso chorar quando estou triste Eu cá com meus botões de carne e osso Eu falo e ouço Eu penso e posso… Gil compôs essa canção mais de dez anos antes do PC e pelo menos 25 anos antes da internet comercial, compôs numa época em que os computadores residiam ainda tranqüilos, sem ameaça de vírus, em salas limpas e brancas, com piso elevado e temperatura controlada nas megacorporações. Nos anos seguintes, o computador já não era mais chamado de cérebro eletrônico, desceu do pedestal para invadir todos os departamentos das grandes empresas (microinformática), as empresas pequenas e médias e até nossas casas. 1 Depois, todos os computadores se conectaram em redes locais e em pouco tempo na grande rede mundial, que passou a aceitar também outros dispositivos, como handhelds, celulares e até geladeiras! Na continuidade natural desse mundo tecnológico e evolucionista, a bola da vez é uma “web viva”, ou melhor, a web 2.0. colaborativa, plena de conteúdo de opinião e serviços gratuitos (ou quase) de alta relevância e interatividade. É nessa “web viva” que finalmente o usuário tem vez e voz. É nela que “eu falo e ouço, eu penso e posso”. Na web 2.0 os serviços se reinventam e se misturam num louco processo de melhoria contínua a partir da interação dos usuários. É finalmente o cérebro eletrônico a serviço da inteligência coletiva! Para os engajados, seria como pensar numa “democracia do proletariado”; para os religiosos, num mundo monoteísta onde os “mandamentos” e a vontade divina fossem automaticamente revistos de acordo com as vontades e necessidades dos fiéis. Esse inimaginável modelo pulsante e incontrolável criou um desconforto no mundo corporativo parecido com o que vivemos no início da internet. Hoje, é fácil observar executivos paralisados diante de questões de posicionamento no ambiente digital, simplesmente pela ruptura dos conceitos que já estavam assimilados numa “web pré-moderna”. - Devemos fazer o blog do nosso CEO? - Vale a pena abrir nosso portal e pedir a opinião de nossos clientes? - Podemos utilizar “wikis” para montar uma base de conhecimento do departamento? - Que tal colocar nossa marca no Second Life? - Podemos criar um serviço para nossos clientes utilizando o Google Maps? - Vale a pena colocar um vídeo no “youtube”? É muito interessante observar como a natureza e a lógica dos serviços da web 2.0 desafiam a mentalidade de “comando-e-controle” das grandes corporações, e como a web 2.0 poderá realmente fragilizar nas empresas uma série de fronteiras organizacionais entre gestores e colaboradores e entre as companhias, seus parceiros e seus clientes. Todos os serviços que a web 2.0 já disponibilizou para o usuário comum passaram a ser objeto de desejo do mundo dos negócios, numa inversão maravilhosa de valores e prioridades entre o mundo corporativo (que sempre foi vanguarda na definição de arquiteturas, plataformas e sistemas) e o consumidor final! Parece que o cérebro eletrônico teve um enorme AVC e agora depende dos médicos de plantão. Oremos! Fonte PAZ, Cesar. O cérebro eletrônico. Disponível em: <http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/04/30/o-cerebro-eletronico/>. Acesso em: 17 out. 2007. 2