Alimentação na escola e excesso de peso em adolescentes do

Propaganda
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências da Saúde
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Mestrado em Saúde Coletiva
Juliana Fabrícia Borges Freitas
Alimentação na escola e excesso de peso em
adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares
em Adolescentes - ERICA - Estudo Piloto
RIO DE JANEIRO
2014
ii
Juliana Fabrícia Borges Freitas
Alimentação na escola e excesso de peso em
adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares
em Adolescentes - ERICA - Estudo Piloto
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva,Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva.
Orientadora: Katia Vergetti Bloch
RIO DE JANEIRO
2014
F866
Freitas, Juliana Borges.
Alimentação na escola e excesso de peso em adolescentes do
Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes: ERICA: estudo
piloto / Juliana Borges Freitas. – Rio de Janeiro: UFRJ : UFF : UERJ :
FIOCRUZ, 2014.
84 f.; 30 cm.
Orientadora: Katia Vergetti Bloch.
Dissertação (Mestrado) - UFRJ/ UFF/UERJ/FIOCRUZ. Programa
de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, 2014.
Inclui Bibliografia.
1. Obesidade. 2. Adolescência. 3. Hábitos alimentares. 4. Doenças
cardiovasculares. I. Bloch, Katia Vegetti. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. III. Universidade Federal Fluminense. IV. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. V. Fundação Oswaldo Cruz. VI. Título.
CDD 613.0433
iii
FOLHA DE APROVAÇÃO
JULIANA FABRÍCIA BORGES FREITAS
Alimentação na escola e excesso de peso em adolescentes do
Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes – ERICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva,Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva.
Aprovada em 24/03/2014.
iv
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço à Deus que me deu a oportunidade de conhecer, estudar
e me especializar na área de epidemiologia e que sempre guiou meus passos.
Agradeço de todo coração aos meus pais e meu amado marido por terem
paciência e terem me incentivado em todos os momentos. Agradeço pelas palavras de
estímulo para continuar e as correções e ideias para contribuir com meu trabalho.
Gostaria de agradecer à minha equipe do ERICA que me ensinaram com
paciência e alegria. Em especial à minha orientadora Katia Bloch que atuou de forma
completa me orientando qual caminho seguir e trabalhando lado a lado comigo.
Agradeço a todos que estiveram me orientando e ajudando a crescer
profissionalmente durante esses dois anos de mestrado.
v
APRESENTAÇÃO:
Essa dissertação utilizará dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em
Adolescentes (ERICA). Trata-se de um estudo multicêntrico nacional que tem como
objetivo conhecer a prevalência de fatores de risco cardiovascular em adolescentes,
entre eles: diabetes mellitus, obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia. Serão
avaliados 75 mil estudantes entre 12 e 17 anos, de 1.251 escolas brasileiras, públicas e
particulares, distribuídas por 124 cidades, incluindo todas as capitais.
Foi realizado, entre abril e junho de 2012, um estudo piloto em cinco cidades do
Brasil: Rio de Janeiro (RJ), Cuiabá (MT), Feira de Santana (BA), Campinas (SP) e
Botucatu (SP). As informações obtidas nessas cidades foram analisadas para investigar
a associação de compra de alimentos nas cantinas escolares e de merenda escolar
oferecida nas escolas com excesso de peso nos adolescentes.
No presente estudo foram investigadas algumas variáveis como possíveis fatores
de confundimento ou modificadoras de efeito da associação de excesso de peso com
tipo de alimentação na escola: sexo, idade, atividade física e escolaridade da mãe e
consumo da merenda escolar/consumo em cantina. Posteriormente, foram ajustados
modelos para avaliar essas associações de interesse considerando as possíveis variáveis
de confundimento ou modificadoras de efeito.
Na introdução são apresentados dados sobre obesidade na adolescência e sobre
alimentação na escola, incluindo programas governamentais e leis sobre o assunto.
Construímos um modelo teórico para representar a hipótese a ser investigada e
apresentamos a justificativa para a realização desse estudo. Os objetivos, geral e
específicos, são seguidos pela descrição dos métodos utilizados no estudo piloto.
Optamos por descrever alguns procedimentos, mesmo que as informações resultantes
vi
dos mesmos não tenham sido objeto desse estudo, para dar uma visão geral da logística
do trabalho de campo realizado. Os resultados principais são apresentados, sendo que
dados da análise exploratória foram colocados como apêndice, uma vez que pode haver
interesse do leitor em conhecer esses dados.
Os resultados são discutidos em face dos achados da literatura nacional e
internacional sobre o assunto, sendo que para alguns dados não foram encontrados
estudos que tenham avaliado as mesmas características. São feitas considerações finais
sobre as implicações dos resultados obtidos.
Um artigo original, com uma introdução e métodos recortados da dissertação e
com resultados, discussão semelhantes aos da dissertação foi incluído como apêndice
para avaliação da banca.
vii
RESUMO
FREITAS, Juliana Fabrícia Borges. Alimentação na escola e excesso de peso em
adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes - ERICA - Estudo
Piloto. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
A adolescência é um período crítico para o desenvolvimento da obesidade, pois
é nessa idade que muitos hábitos de vida relacionados à alimentação e à atividade física
são formados. Tendo em vista o aumento do número de adolescentes obesos, é possível
prever um futuro com adultos obesos e mais propensos a desenvolverem doenças
cardiovasculares. O objetivo do estudo foi analisar a associação entre o excesso de peso
e tipo de alimentação realizada pelos adolescentes nas escolas.
Utilizando-se os dados do estudo piloto do Estudo de Riscos Cardiovasculares
em Adolescentes - ERICA, que avaliou adolescentes de 12 a 17 anos de escolas
públicas e privadas de cinco cidades brasileiras (Rio de Janeiro, Cuiabá, Feira de
Santana, Campinas e Botucatu), foi investigada a relação entre compra de alimentos nas
cantinas escolares ou consumo de merenda oferecida na escola com excesso de peso em
adolescentes. Investigaram-se possíveis fatores de confundimento ou modificação de
efeito com as variáveis: sexo, idade, escolaridade da mãe e consumo de merenda
escolar/compra em cantina.
Como resultado do estudo vimos que 19,4% dos adolescentes estão com
sobrepeso e 29,2% apresentam excesso de peso. O sexo feminino corresponde a 54% da
população estudada e a média de idade foi 14 anos (dp=1,54). Compram sempre lanche
na cantina 60,4% dos adolescentes e 52,1% nunca consomem merenda escolar.
O presente estudo não encontrou associação entre consumir lanche na cantina e
excesso de peso em adolescentes, OR bruto= 1,36 (IC95% 0,90-2,06) para a categoria
às vezes compra em cantina e OR bruto= 0,85 (IC95% 0,61-1,18) para a categoria
viii
sempre compra. A categoria de referência foi nunca compra. Já a merenda escolar
protege os adolescentes do excesso de peso, OR bruto= 0,73 (IC95% 0,53-0,99) para a
categoria às vezes merenda e OR bruto= 0,69 (IC95% 0,46-1,06) para a categoria
sempre merenda. A categoria de referência foi nunca merenda. Essas duas
características modificam o efeito uma da outra sendo a proteção da merenda ainda
maior dentre os que relatam comprar lanche na cantina sempre, mas merendam às
vezes, OR=0,55 (IC95% 0,36-0,85), ajustado para sexo e idade.
Estudos futuros poderão contribuir para a elucidação do papel dos fatores que
agem nessas relações a partir do detalhamento qualitativo do consumo alimentar desses
adolescentes.
Palavras-chave: adolescente, obesidade, alimentação escolar
ix
ABSTRACT
FREITAS, Juliana Fabrícia Borges. Alimentação na escola e excesso de peso em
adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes - ERICA - Estudo
Piloto. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Adolescence is a critical period for the development of obesity as it is during this
period of life that many lifelong habits related to eating and physical activity are
established. Facing the reality of the increasing number of obese adolescents, it is
possible to foresee a future with adults who are obese and more likely to develop
cardiovascular diseases. The objective of this study was to analyze the association
between adolescents with excessive weight and their eating habits in schools.
Using the data from the pilot study of The Study of Cardiovascular Risks in
Adolescents – ERICA (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes) that
evaluated students between 12 and 17 years in public and private schools, in five
brazilian cities - (Rio de Janeiro, Cuiabá, Feira de Santana, Campinas e Botucatu), it
was investigated the association between excessive weight and the consumption of food
purchased in school canteens and with the consumption of meals served by the school.
The variables that were taken into consideration that could confound or modify the
association were: sex, age, education of the mother and eating the school meal/buying
snacks in canteen.
The results of the study show that 19.4% of adolescents are overweight and
29.2% have excessive weight. 54% of those in the study were female and the median
age was 14 years (dp= 1,54). 60.4% of the adolescents always buy snack food in the
school canteen and 52.1% never consume the school meal.
The present study did not find a relationship between eating snacks from the
school canteen and excessive weight for adolescentes, crude OR = 1.36 (IC95% 0.90-
x
2.06) for those who buy snacks at school sometimes and crude OR = 0.85 (IC95% 0.611.18) for those who always buy snacks at school. The reference category was the ones
that never buy snacks at school. Eating the meal served at school protects the
adolescents from excessive weight, crude OR = 0.73 (IC95% 0.53-0.99) for those who
eat the school’s meal sometimes and crude OR = 0.69 (IC95% 0.46-1.06) for those who
always eat the school’s meal. The reference category was the ones that never eat the
school’s meal. These two habits modify the effect of each other, being the protection of
eating the school’s meal even greater for those who reported buying snacks only
occasionally from the school canteen.
Future studies may help to elucidate the role of factors acting in these
relationships by detailing the qualitative aspects of the dietary intake of these
adolescents.
Keywords: teenager, obesity, school feeding
xi
Sumário
1. Introdução --------------------------------------------------------------- 10
1.1. Obesidade na adolescência ------------------------------------- 10
1.2. Ambiente escolar ------------------------------------------------ 19
1.2.1. Programas do Governo nas escolas ----------------------- 21
1.2.2. Leis e regulamentos federais e estaduais sobre cantinas-22
2. Hipótese- Modelo teórico ---------------------------------------------- 28
3. Justificativa -------------------------------------------------------------- 30
4. Objetivos ----------------------------------------------------------------- 31
4.1. Objetivo Geral --------------------------------------------------- 31
4.2. Objetivos Específicos ------------------------------------------- 31
5. Métodos ------------------------------------------------------------------ 32
5.1. População de estudo -------------------------------------------- 32
5.2. Instrumentos e medidas ---------------------------------------- 32
5.3. Logística do estudo --------------------------------------------- 36
5.4. Análises estatísticas --------------------------------------------- 37
6. Resultados --------------------------------------------------------------- 39
7. Discussão ---------------------------------------------------------------- 46
8. Considerações finais --------------------------------------------------- 52
9. Bibliografia -------------------------------------------------------------- 53
10. Apêndice ---------------------------------------------------------------- 62
10.1 Análise Exploratória --------------------------------------------- 62
10.2 Artigo Original ---------------------------------------------------- 65
12
1. INTRODUÇÃO
1.1. OBESIDADE NA ADOLESCÊNCIA
A obesidade é a doença crônica de maior prevalência nas sociedades
industrializadas e possui múltiplas causas, entre elas o desbalanço energético, fatores
genéticos e o sedentarismo. Ela é caracterizada pelo acúmulo de gordura no corpo, mas
seu mecanismo de desenvolvimento não é totalmente compreendido e pode gerar
diferentes danos à saúde, como por exemplo, doenças cardiovasculares, diabetes,
hipertensão e alguns tipos de câncer (NAMMI et al., 2004; FRIEDRICH et al., 2012).
Um período crítico para o desenvolvimento da obesidade é a adolescência,
particularmente devido às práticas alimentares inadequadas, como por exemplo, o
consumo de lanches hipercalóricos em substituição às principais refeições e o elevado
consumo de açúcar, juntamente à predominância de atividades de lazer sedentárias,
como, jogar vídeo game e ficar horas na frente do computador (DIETZ, 1998; LUIZ et
al., 2005; VARGAS et al., 2011).
O aumento de peso em idades mais precoces tem sido motivo de grande
preocupação para pesquisadores e profissionais da saúde, pois o excesso de peso é
caracterizado por ter um impacto significativo sobre a saúde tanto física quando
psicológica do adolescente, trazendo, muitas vezes, consequências até a idade adulta (
SERDULA, 1993; DEHGHAN et al., 2005; KITZMANN et al., 2010). Assim, a
prevenção da obesidade durante a adolescência deve ser considerada uma prioridade,
buscando-se a incorporação de um estilo de vida saudável de maneira gradual e
duradoura, com ênfase na formação de hábitos alimentares mais adequados e na prática
regular de atividades físicas (NAMMI et al., 2004; GABRIEL et al., 2008).
A prevalência de sobrepeso em adolescentes brasileiros aumentou de 17,9% para
21,5%3,2 e a prevalência de obesidade aumentou de 1,8% para 5,8% em 6 anos,
13
segundo os dados do IBGE de 2002-2003 e 2008-2009 obtidos pela Pesquisa de
Orçamento Familiar (POF) (IBGE, 2004; IBGE, 2010).
Em relação à classe socioeconômica, a prevalência de excesso de peso em
adolescentes mostrou forte aumento com a renda. No sexo masculino houve um
aumento de três vezes conforme o aumento da renda. No sexo feminino esse aumento
foi de 1,6 vezes. A tabela 1 mostra esses resultados.
Tabela 1 - Excesso de peso na população de 10 a 19 anos de idade, com base na distribuição de
referência da OMS, por sexo, segundo as classes de rendimento total e variação patrimonial
mensal familiar per capita- Brasil- período de 2008-2009.
Classe de rendimento total e
variação patrimonial mensal
Masculino
Feminino
Até ¼
11,5 %
14,2 %
Mais de ¼ a ½
15,5 %
18,6 %
Mais de ½ a 1
20,8 %
19,2 %
Mais de 1 a 2
25,6 %
21,2 %
Mais de 2 a 5
28,7 %
20,0 %
Mais de 5
34,5 %
24,0 %
familiar per capita (salário
mínimo).
Fonte: IBGE, Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009.
Uma forma de se mensurar o nível socioeconômico é através da escolaridade da
mãe. Observa-se que quanto maior a escolaridade da mãe maior a prevalência de
excesso de peso dos adolescentes. TRICHES et al. realizaram um estudo nos municípios
de Dois Irmãos e Morro Reunter no estado do Rio Grande do Sul, com um total de 607
estudantes entre oito e dez anos de idade de escolas públicas que corroboraram com
14
esses resultados (TRICHES et al., 2005). Outro estudo, realizado por GUEDES et al.,
com as informações de um banco de dados de escolares de ambos os sexos entre 6 e 18
anos de idade de escolas públicas e privadas no município de Montes Claros, Minas
Gerais, com no total de 2849 escolares também apresenta resultados semelhantes que
corrobora com a hipótese acima (GUEDES et al., 2010).
Quando analisamos o excesso de peso nos adolescentes segundo regiões do
Brasil e situação de domicílio (rural e urbano) nota-se que, em 2008-2009, tanto para o
sexo masculino quanto para o sexo feminino a região com maior prevalência de excesso
de peso é a região Sul e em domicílios localizados na área urbana. A tabela 2 apresenta
esses resultados.
Tabela 2 - Excesso de peso na população de 10 a 19 anos de idade, com base na distribuição de
referencia da Organização Mundial da Saúde- OMS, por sexo e situação do domicilio, segundo
Grandes Regiões- período 2008-2009.
Grandes Regiões
Sexo Masculino
Sexo Feminino
Total
Urbano
Rural
Total
Urbano
Rural
Brasil
21,5%
23,0%
15,7%
19,4%
20,1%
16,3%
Nordeste
15,9%
18,6%
10,6%
17,1%
19,1%
12,5%
Norte
18,5%
20,3%
14,7%
16,6%
16,9%
15,7%
Sudeste
24,4%
24,5%
23,6%
20,8%
20,9%
20,3%
Centro Oeste
23,9%
24,4%
20,6%
20,0%
19,6%
23,2%
Sul
26,9%
27,5%
23,7%
22,0%
21,9%
22,4%
Fonte: IBGE, Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009.
Estudos realizados nos estados de São Paulo, Ceará e Bahia comparam a
prevalência de obesidade ou sobrepeso de escolas particulares com públicas e em todos
os estudos o resultado foi a maior prevalência nas escolas particulares em relação às
escolas públicas (COSTA et al., 2006; CAMPOS et al., 2007; LEÃO et al., 2013).
15
Um estudo realizado no estado do Rio Grande do Sul não mostrou nenhuma
diferença significativa entre a prevalência de obesidade e sobrepeso nas escolas públicas
e particulares, porém quando comparados diferentes níveis socioeconômicos os
resultados mostraram que aqueles adolescentes classificados com nível intermediário e
alto apresentaram mais que o dobro de chances para obesidade e sobrepeso (RECH et
al., 2010). Outros estudos que também analisaram o nível socioeconômico mostraram
que tanto a prevalência de sobrepeso quanto a de obesidade são maiores nas classes
socioeconomicas mais altas (MARTORELL et al., 1998; SILVA, 2005).
Já em relação ao sexo os resultados são diferentes para cada local de estudo. Na
cidade de Santos, a prevalência de sobrepeso é maior para o sexo feminino e a de
obesidade é maior para o sexo masculino tanto nas escolas públicas como nas
particulares (COSTA et al., 2006). No estado do Paraná os resultados apontam uma
maior prevalência de sobrepeso para o sexo masculino e de obesidade para o feminino,
com a justificativa das diferentes características da fase de puberdade vivenciada em
cada sexo (RONQUE et al., 2005). Nos estados do Ceará e do Rio Grande do Sul não
foram encontradas diferenças significativas na prevalência de sobrepeso e obesidade
entre os sexos (CAMPOS et al., 2007; RECH et al., 2010). No estado de Pernambuco a
prevalência tanto de obesidade quanto de sobrepeso é maior para o sexo masculino em
relação ao feminino (BALABAN et al., 2001; CAVALCANTI et al., 2010). Um estudo
realizado no estado da Bahia apresentou maior prevalência de obesidade no sexo
feminino nas escolas públicas e no sexo masculino nas escolas privadas (LEÃO et al.,
2013). No estado do Rio de Janeiro, um estudo realizado por Anjos et al. em escolas
públicas indicou que a prevalência de obesidade e de sobrepeso foi maior no sexo
feminino (ANJOS et al., 2003). Porém outro estudo realizado por Fonseca indica que a
maior prevalência de sobrepeso foi para o sexo masculino em relação ao feminino. Esse
16
estudo foi realizado no município de Niterói em escolas privadas, em adolescentes entre
15 e 17 anos de idade (FONSECA, 1998).
Quando a faixa etária é analisada também não existe consenso, com diferentes
resultados em diferentes locais. No estado de São Paulo, da Bahia e do Rio Grande do
Sul não houve diferença significativa em relação à obesidade e o sobrepeso e as
diferentes faixas etárias (COSTA et al., 2006; RECH et al., 2010; LEÃO et al., 2013).
No estudo do Paraná a faixa etária com maior prevalência é a de 16-17 anos de idade
(RONNQUE et al., 2005). No estado do Ceará, ao contrário, as maiores prevalências
ocorrem na adolescência precoce (de 10 a 14 anos de idade), período onde ocorrem as
maiores mudanças hormonais que podem contribuir para a obesidade em períodos
posteriores (CAMPOS et al., 2007).
A inatividade física é outro fator de risco para obesidade em adolescentes. Sabese da importância da prática de exercícios com intensidade e frequência adequadas para
aumentar o gasto calórico e consequentemente evitar o acúmulo de gordura localizada e
a obesidade. Atualmente estamos vivendo uma transição nas atividades de lazer, que
passam de atividades de gasto acentuado, como práticas esportivas, para longas horas
diante da televisão ou computador. (CRESPO et al., 2001; MENDONÇA et al., 2004;
NUNES et al., 2007; SANTOS et al., 2008). Um estudo realizado por Pimenta et al.,
com um total de 56 estudantes entre 10 e 12 anos de uma escola pública do município
do Rio de Janeiro, indica uma importante tendência ao sedentarismo e uma associação
positiva entre assistir muitas horas de televisão e obesidade (PIMENTA et al., 2008).
Outro estudo, que monitorou durante uma semana a atividade física de 92 crianças e
adolescentes entre 10 e 16 anos com o uso de um detector de movimento (Actitrac, IM
Systems), mostrou que eles permaneceram inativos em 75% do tempo: assistindo à TV,
usando o computador e fazendo a lição de casa. Atividades vigorosas aconteceram em
apenas 1,4% do dia (STRAUSS, 2001).
17
Quando tratamos de comportamentos alimentares lidamos com comportamentos
dentro de casa, com amigos e na escola e das fortes influencias das propagandas da
indústria alimentícia. O aumento da ingestão energética pode ser decorrente tanto da
elevação quantitativa do consumo de alimentos como de mudanças na dieta que se
caracterizem pela ingestão de alimentos com maior densidade energética, ou pela
combinação dos dois. O processo de industrialização dos alimentos tem sido apontado
como um dos principais responsáveis pelo aumento do conteúdo energético da dieta da
maioria das populações do Ocidente (MENDONÇA et al., 2004).
Hoje, na maioria dos supermercados do Brasil é possível adquirir alimentos
congelados, temperados, empanados, recheados, em forma de hambúrguer, almôndegas
e etc. O aumento da concentração energética dos alimentos é consequência não apenas
do tipo de alimento, mas também da forma de preparo dos mesmos. Outro exemplo é o
aumento da oferta de misturas para bolo, iogurtes, queijos, sobremesas prontas que
contribuem para o aumento de densidade energética da alimentação (CYRILLO et al.,
1997). Uma característica cada vez mais presente na sociedade atual é o consumo de
fast food. Esse tipo de refeição é realizada normalmente de forma rápida e os alimentos
são de alta densidade energética (BURLANDY et al., 2001).
Nas duas últimas décadas houve um predomínio no consumo de alimentos
industrializados comprados em supermercado por todas as classes de renda. As
mudanças verificadas através das Pesquisas de Orçamento Familiar – POF indicam um
aumento na aquisição de produtos industrializados e uma redução na de alimentos in
natura por parte das famílias, pois as carnes, especialmente o frango, e os laticínios têm
cada vez mais sido oferecidos na forma de produtos processados. Os refrigerantes são a
representação máxima da industrialização na área de alimentos e bebidas, sendo
substitutos do leite e sucos naturais. Através de um estudo realizado por CYRILLO et
18
al. vemos essas tendências e mudanças na alimentação do estado de São Paulo
(CYRILLO et al., 1997).
Alguns fatores genéticos e biológicos também contribuem para a obesidade.
Características genéticas são fatores determinantes da obesidade presente em algumas
doenças congênitas e são causas contributivas para diversas doenças crônicas, como
diabetes, osteoporose, hipertensão, obesidade entre outras. Essas características
genéticas se expressam através da produção e/ou metabolização de hormônios e de
neuromodeladores que agem afetando o apetite e o metabolismo lipídico e glicídico.
(MARQUES-LOPES et al., 2004; DAMIANI et al., 2013). A contribuição genética na
obesidade tem sido estudada através da hereditariedade. Fonseca et al afirmam que
filhos que possuem pais obesos apresentam valores de IMC mais altos (FONSECA,
1998). Outro estudo diz que o risco dos filhos serem obesos é quase quatro vezes maior
para aqueles que possuem mãe obesa (STRAUSS, 1999). Sabe-se que esses resultados
não podem ser atribuídos totalmente à herança genética, uma vez que o componente
ambiental é sempre muito forte, mas existem evidências de que existem características
metabólicas definidas geneticamente, como os estudos citados anteriormente.
Estudos que investigaram a associação de excesso de peso com cor da pele
apresentam resultados divergentes. Leão et al. observaram tanto em escolas privadas
quanto em escolas públicas de Salvador, BA, prevalência de obesidade maior em
indivíduos com cor da pele parda comparados com indivíduos de cor da pele branca
(LEÃO et al., 2013). Guedes et al. encontraram prevalência tanto de obesidade quanto
de sobrepeso em Montes Claros, MG, maior em adolescentes de cor de pele branca
(18,4%-sobrepeso; 4,0%- obesidade) do que nos de cor de pele não branca (16%sobrepeso; 3,5%- obesidade) (GUEDES et al., 2010). Essas divergências podem refletir
diferentes formas de classificação da cor da pele ou de influências socioeconômicas e
culturais associadas à cor da pele. No Brasil a mistura racial é muito grande e a
19
classificação racial através da cor da pele é muito imprecisa. Como o país é muito
heterogêneo, em diferentes regiões esse papel de indicador socioeconômico da cor da
pele tem impacto variado. Essas diferenças mínimas entre indivíduos de cor de pele
diferente indicam que a prevalência está mais provavelmente associada a fatores
socioeconômicos e culturais do que a genéticos. Com isso a cor da pele se comporta
mais como um fator social do que genético (LEÃO et al., 2013).
1.2. AMBIENTE ESCOLAR
Alguns autores consideram o ambiente escolar como o local adequado para
realização de levantamentos do estado nutricional dos adolescentes. A escola é uma
extensão dos comportamentos alimentares dos adolescentes nas suas casas com as
famílias. A escola também apresenta diferentes opções de venda e consumo de
alimentos e a partir disso podem-se estudar hábitos e escolhas alimentares dos
adolescentes (ABRANTES et al., 2002; VAN DER HORST et al., 2008; FOX, 2010).
Os escolares constituem um dos principais grupos-alvo para estratégias de
controle nutricional, não só devido as suas características como grupo de risco para
obesidade e sobrepeso, mas também por conta das possibilidades de sucesso das ações a
serem implementadas na escola (AIRES et al., 2009).
Segundo VARGAS e MOREIRA et al., o professor possui um papel importante
na construção de hábitos alimentares saudáveis, pois além de ter um contato mais
próximo com os alunos, está envolvido na realidade sociocultural de cada um e exerce
influência na tomada de decisões por parte dos alunos. Afirmam a importância do
desenvolvimento de uma educação nutricional dentro das salas de aulas para apresentar,
na teoria, a consequência do consumo de determinados alimentos (VARGAS, 2007;
MOREIRA et al., 2006). Porém essa opinião é controversa, segundo GASPARINI et
20
al., quando professores preenchem determinadas lacunas que deveriam ser preenchidas
pela família muitas das vezes gera um desgaste físico e mental excessivo para esses
educadores (GASPARINI et al., 2005).
Em uma parcela considerável das unidades de ensino brasileiras encontram-se
disponíveis os serviços de cantinas/bar/lanchonetes. Diversos estudos mostram que uma
expressiva quantidade de alunos das escolas públicas e particulares consome alimentos
comercializados pelas cantinas. Um estudo realizado por Caroba, em 2002, teve como
amostra 578 alunos matriculados em escolas públicas de Piracicaba, São Paulo e
registrou que 69,4% dos escolares costumavam comprar lanche na cantina localizada
nas unidades de ensino, e 29,6% faziam isso cerca de duas vezes por semana
(CAROBA, 2002). Outro estudo realizado em São Paulo reafirmou a preferência de
escolares da rede pública por alimentos vendidos nas cantinas (63,3%) e 41% o faziam
uma a duas vezes na semana, no mínimo (CARVALHO, 2005).
A presença de diferentes tipos de serviços (distribuição da merenda escolar e
comercialização de alimentos através das cantinas), possivelmente gera dificuldades
para os alunos selecionarem, de maneira adequada, os alimentos que devem integrar sua
alimentação e as opções dos alunos nem sempre recaem sobre os alimentos
considerados saudáveis.
Uma pesquisa realizada em escolas públicas urbanas com 402 alunos concluiu
que a facilidade para adquirir e consumir alimentos das cantinas influenciava na escolha
por alimentos oferecidos pela merenda. Houve uma associação inversa entre o consumo
de merenda escolar e a frequência de consumo de alimentos da cantina, e 50% dos
alunos revelaram comprar alimento nas cantinas mesmo quando realizavam as
alimentações gratuitas oferecidas pela escola (STURION, 2005).
21
1.2.1. Programas do Governo nas escolas
Nos últimos anos houve uma mudança no perfil nutricional no Brasil. A partir
disso vemos a importância de um modelo de atenção à saúde que incorpore ações de
promoção da saúde, prevenção e tratamento da obesidade e de doenças crônicas não
transmissíveis (REIS et al., 2011). O governo brasileiro tem criado ações de promoção
de saúde que visam combater a obesidade na idade infanto-juvenil.
Nas escolas públicas, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é
fruto do trabalho entre Ministérios da Saúde e da Educação e tem como objetivo a
ampliação das ações específicas de saúde aos alunos da rede pública de ensino, através
de estratégias de intervenções para a consolidação de hábitos alimentares saudáveis
(DANELON,
2006).
O
Programa
é
gerenciado
pelo
Fundo
Nacional
de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde estão envolvidos a União, os Estados, os
Municípios, Conselhos e Estabelecimentos de Ensino. O custo da merenda por aluno é
dividido entre o governo Federal, Estadual e Municipal, que completa o valor que achar
adequado, de acordo com a qualidade da refeição que pretende oferecer.
A lei que rege o Programa é a de número 11.947/2009. Esta dispõe sobre o
atendimento da alimentação e a utilização de, no mínimo, 30% dos recursos repassados
pelo FNDE para a compra de produtos da agricultura familiar e do empreendedor
familiar rural para a refeição escolar, beneficiando não só a alimentação dos alunos, mas
também os produtores da agricultura familiar.
É necessária uma adequada organização dos cardápios a serem servidos aos
estudantes e um acompanhamento da execução dos mesmos para o alcance dos
objetivos do Programa, na medida em que há uma oferta nutricional mínima a ser
garantida. Um dos problemas relatados foi a insuficiência de infraestrutura, uma vez que
uma gestão descentralizada demanda investimento em nível local para o provimento das
22
instalações, equipamentos e pessoas qualificadas para o preparo e distribuição das
refeições (SANTOS et al., 2007).
Outro programa do governo para controle da alimentação escolar é denominado
Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e
nível médio das redes públicas e privadas em todo o Brasil. As diretrizes desse
Programa foram instituídas pela Portaria Interministerial n.º 1.010, promulgada em
2006. Esse Programa baseia-se na “ação de educação alimentar e nutricional, estímulo à
produção de hortas nas escolas, implantação de boas práticas de manipulação,
monitoramento da situação nutricional e regulamentação do comércio de alimentos:
restrição ao comércio no ambiente escolar de alimentos e preparações com altos teores
de gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, com incentivo ao consumo de
frutas e hortaliças” (BRASIL, 2010).
1.2.2. Leis e regulamentos federais e estaduais sobre
cantinas
Os Ministérios da Saúde e da Educação também estão preocupados com a
qualidade dos alimentos que são vendidos nas cantinas escolares. Têm como objetivo
garantir o fornecimento de alimentos e refeições saudáveis, através do aumento da
oferta de frutas e da restrição de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sódio.
Ações de caráter regulatório visam reduzir a exposição de coletividades e indivíduos a
situações de práticas não saudáveis. Assim, o fomento a práticas alimentares saudáveis
nas escolas também apoia a regulamentação da oferta de alimentos, inclusive através
das cantinas escolares.
No nível federal, tramitam no Congresso Nacional distintos projetos de lei sobre
esse tema, mas ainda não há um dispositivo de lei de abrangência nacional para
23
regulamentação. Nos EUA, por exemplo, existem regulamentos que proíbem a venda de
alimentos por certo período antes e depois do café da manhã e do intervalo do almoço
em todo o recinto escolar. Proibições sobre bebidas e alimentos permitidos em
máquinas de venda também são incluídos nas escolas desse país (HAWKES, 2006).
Nos níveis estaduais e municipais, no Rio de Janeiro, em 2002, foi publicado pelo
Prefeito da Cidade o Decreto n.º 21.217, que regulamentava a venda e propaganda de
alimentos nas escolas públicas municipais. Esse Decreto resultou de um censo para
delinear o perfil das cantinas nas unidades escolares da rede municipal de ensino. Esse
censo revelou que 63% das escolas possuíam cantina e que os produtos mais ofertados
eram refrigerantes, biscoitos e doces. Segundo o representante da Secretaria Municipal
de Educação (SME), a regulamentação foi bem aceita na comunidade escolar. Os
gestores das escolas que possuíam cantinas, à época do decreto, foram desestimulados a
manterem tal prática. Os diretores escolares alegavam que as cantinas eram uma fonte
de renda para pequenos gastos, porém a gestão municipal argumentava que já vinha
desenvolvendo formas de repasse de recursos às escolas para essas despesas. Outro forte
argumento, segundo este representante, seria o próprio Programa de Alimentação
Escolar (PNAE), que oferece uma alimentação balanceada e de boa qualidade. Em
agosto de 2003, a I Vara da Infância e da Juventude (IVIJ) resolveu ampliar a
regulamentação das cantinas para as escolas particulares. Em fevereiro de 2004, a
Portaria n.º 02/2004 foi publicada, porém uma série de liminares e recursos a revogou.
A revogação ocorreu devido à alegação de que uma Portaria não poderia prever sanções.
Em janeiro de 2005, a governadora do Estado do Rio de Janeiro sancionou a Lei n.º
4.508, que proíbe a comercialização, aquisição, confecção e distribuição de produtos
que colaborem para a obesidade infantil, em bares, cantinas e similares instalados em
escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro. A promulgação da referida lei
causou certa surpresa, uma vez que, segundo relatos, não foi solicitado parecer da área
24
técnica estadual nem foi pactuada com a comunidade escolar e entidades afins. A
Secretaria Estadual de Educação não compactua com a ideia de proibição que a lei
propõe. Outras entidades também consideram que o teor dessa lei é muito restritivo,
principalmente se tratando da rede privada, que não possui o PNAE (BRASIL, 2007).
No Estado de São Paulo, a regulamentação também surgiu após uma pesquisa
prévia com pais, alunos, professores e diretores, via internet e 40% das escolas
relataram que a regulamentação seria adequada. Na cidade de Ribeirão Preto, os
técnicos da Secretaria Municipal de Educação nunca foram favoráveis à presença de
cantinas em escolas. Durante uma visita de supervisão do PNAE, foi realizada uma
avaliação que mostrou que as frituras e refrigerantes eram os alimentos mais vendidos.
A partir dessa avaliação foi publicada uma resolução que regulamentava o que poderia
ou não ser vendido nas cantinas. Porém, devido a pressões de alguns diretores das
escolas e da indústria de refrigerantes e biscoitos, esses itens voltaram a ser liberados
para venda. Em 2005, após a Semana Mundial de Alimentação, não foram listados
alimentos que seriam proibidos, e sim aqueles que eram mais recomendados para o
consumo (BRASIL, 2007).
O Estado de Santa Catarina foi o primeiro estado brasileiro a criar uma legislação
específica (Lei n.º 2.061/2001) para regulamentar os alimentos comercializados nas
cantinas escolares e esse processo foi realizado de forma coletiva e muito produtiva
(BRASIL, 2001).
No Distrito Federal, o projeto de Lei n.º 3.695/2005 dispõe sobre a promoção da
alimentação saudável nas escolas e indica que a cantina escolar deve ser administrada
por pessoa capacitada em aspectos de alimentação e nutrição, relevantes para o
exercício do comércio de alimentos destinados à população infanto-juvenil (BRASIL,
2005).
25
É fundamental, para evitar e/ou minimizar as discordâncias quanto à
regulamentação de alimentos nas cantinas, provocar momentos de diálogos entre
diversos segmentos da escola - associação de pais, professores, diretores, alunos - e com
outras entidades, tais como: conselhos profissionais, sindicatos e associações científicas.
A alimentação é um tema que pode ser abordado por diferentes segmentos com
diferentes enfoques. Um bom material educativo pode em muito contribuir para o
sucesso desse projeto.
Quanto à legislação e comercialização de alimentos, as principais diferenças entre
as redes pública e privada de ensino dizem respeito ao contrato, ou forma de exploração
da cantina, e a presença do PNAE. Na rede pública, muitas vezes, exploração deste
espaço é mais informal, pois, em geral, não há um contrato formal com a escola, nem
concorrência para escolher o melhor serviço. Já na rede privada este contrato existe de
uma maneira formal e enfrenta um nível maior de concorrência. Além disso, nas escolas
privadas, os pais costumam exigir certo padrão de qualidade, que está mais relacionado
à aparência e a variedade, do que à saúde.
Outro aspecto levantado é que o acesso ao PNAE, de alguma forma, facilita a
regulamentação, porque os alunos das escolas públicas têm outra opção para se
alimentar além da cantina. Em algumas escolas do Paraná, onde as cantinas fecharam,
houve aumento na adesão ao Programa de Alimentação Escolar. Os alimentos mais
vendidos na cantina eram balas, chicletes e outros alimentos baratos. Com a proibição
da comercialização desses produtos, as vendas praticamente acabaram, sob a alegação
de que os alunos que consumiam esses produtos não possuíam recursos financeiros para
comprar produtos mais caros (BRASIL, 2007).
Alguns diretores e até mesmo nutricionistas tanto de escolas públicas como
privadas acreditam que, como a cantina escolar é terceirizada, não há como interferir no
que é vendido. No entanto, quando uma instituição contrata um serviço, ela pode
26
estabelecer as regras de como a atividade irá acontecer. Portanto, a escola pode definir o
que será vendido dentro do espaço escolar.
Os donos de cantinas alegam que a “cantina saudável” é utópica e inviável
economicamente. Os cantineiros também remetem a maior responsabilidade sobre uma
alimentação saudável para os pais dos alunos, e afirmam que os pais também são uma
barreira para a mudança de hábitos em relação aos alimentos comercializados nas
cantinas. Quando os donos de cantinas tentam se adaptar a venda de alimentos mais
saudáveis, os pais, muitas vezes, permitem que os filhos levem de casa alimentos
proibidos na cantina. Com essa atitude os cantineiros tem uma redução significativa dos
seus lucros e ainda aumentam o custo para compra e preparo de alimentos mais
saudáveis. Famílias e escolas devem atuar conjuntamente para reverter hábitos
alimentares inadequados.
Outra dificuldade para implementação da “cantina saudável” é a presença de
ambulantes ao redor da escola. Segundo o Jornal Cantina Saudável, no Estado de
Brasília, um cantineiro dá o seguinte depoimento a respeito ao venda de alimentos ao
redor da escola: “Tem padaria e posto de gasolina aqui perto que vendem diversos
alimentos não saudáveis, como os salgadinhos tipo Elma Chips. Quando eu resolvi tirar
os salgadinhos industrializados, a própria fornecedora da Elma Chips me informou que
a empresa estava voltando sua venda para comércios próximos às escolas, eles estavam
trabalhando outro foco, justamente devido à proibição da venda nas cantinas saudáveis”
(RODRIGUES, 2006). Todas essas preocupações levam a uma resistência que tende a
se acentuar quando existe ainda o medo de perda de emprego devido ao fechamento das
cantinas.
Segundo alguns autores, no período da adolescência, os hábitos alimentares são
influenciados por quatro principais fatores: a alimentação do grupo de amigos, a
alimentação na escola, a alimentação na família e o marketing da sociedade (TRICHES
27
et al., 2005; CHAVES et al., 2008). A influência desses fatores leva o adolescente a ter
hábitos mais saudáveis ou não, e consequentemente a ter maior chance de ser obeso na
vida adulta ou não. Nesse estudo iremos focar na alimentação que ocorre na escola,
através da venda de alimentos nas cantinas escolares e da oferta de merenda escolar.
28
2. HIPÓTESE- Modelo Teórico
A hipótese a ser analisada é de que existe uma associação entre o excesso de peso
em escolares e o consumo de alimentos vendidos nas cantinas escolares e consumidos
na merenda escolar. Alunos com excesso de peso consumiriam produtos das cantinas
com maior frequência do que os com peso normal e alunos com excesso de peso
consumiriam mais merenda escolar do que os com peso normal.
A genética (referindo-se à hereditariedade), o sexo, a idade e a prática de atividade
física teriam papel independente na determinação do excesso de peso (Figura 1 - linha
contínua vermelha) e podem modificar ou confundir a associação entre consumo de
produtos de cantina e excesso de peso (Figura 1- linha tracejada branca).
O nível socioeconômico é o contexto que modula essas relações e seu papel pode
ser avaliado através de diferentes indicadores (cor da pele, escolaridade da mãe, renda,
escola pública/privada), de forma independente ou combinada. Juntamente com o fator
econômico temos as características estruturais da escola que também modulam essas
relações, através de variáveis como a presença ou não de quadras tanto externas como
internas, a presença ou não de uma estrutura para refeitório, entre outras.
Outros comportamentos alimentares adotados em casa (tomar, café da manhã, fazer
refeições com os pais, comer em frente a telas, etc.) assim como outros hábitos de vida
(tabagismo, consumo de álcool) não estão representados nesse modelo com o intuito de
simplifica-lo e focar nas relações a serem exploradas no presente estudo.
29
Características da escola
Nível Socioeconômico
CANTINA ESCOLAR
EXCESSO DE PESO
(alimentos com alto teor de
gordura e açúcar)
CONSUMO DE
MERENDA ESCOLAR
Inatividade Física
Genética
Sexo
Idade
Figura 1 – Modelo teórica das relações entre alimentação na escola e excesso de peso em adolescentes
30
3. JUSTIFICATIVA
A justificativa desse trabalho decorre da importância da busca de conhecimentos a
respeito dos fatores que desencadeiam a obesidade infanto-juvenil, para investigar a
melhor forma de intervenção no dia a dia do adolescente no ambiente escolar.
Compreendendo os determinantes da obesidade que são passíveis de intervenção
possibilitaremos a implementação de estratégias de prevenção, com o objetivo de
reduzir o percentual de futuros adultos com maiores chances de doenças
cardiovasculares.
31
4. OBJETIVOS
4.1. OBJETIVO GERAL
Analisar a associação de excesso de peso com compra de alimentos vendidos nas
cantinas escolares e com consumo de merenda oferecida nas escolas em adolescentes de
12 a 17 anos de idade, que frequentam as escolas públicas e privadas de cinco cidades
brasileiras que participaram do estudo piloto do ERICA – Estudo de Riscos
Cardiovasculares em Adolescentes.
4.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Investigar se variáveis demográficas, socioeconômicas e comportamentais são
variáveis modificadoras de efeito da associação entre excesso de peso e consumo de
alimentos vendidos em cantinas escolares e da associação entre excesso de peso e
consumo de merenda oferecida nas escolas em adolescentes.

Investigar se variáveis demográficas, socioeconômicas e comportamentais são
variáveis de confundimento da associação entre excesso de peso e consumo de
alimentos vendidos em cantinas escolares e da associação entre excesso de peso e
consumo de merenda oferecida nas escolas em adolescentes.
32
5. MÉTODOS
5.1. População de estudo
O presente estudo é parte de um projeto maior intitulado “Estudo de Riscos
Cardiovasculares em Adolescentes - ERICA”. Trata-se de um estudo é seccional com
adolescentes de 12 a 17 anos de ambos os sexos, de escolas públicas e privadas de cinco
cidades brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Feira de Santana (BA), Campinas (SP),
Botucatu (SP) e Cuiabá (MT) avaliados no estudo piloto do ERICA.
Por tratar-se de um estudo Piloto, a amostra não foi planejada para ser
representativa, e sim para abranger os diferentes tipos de escolas a serem analisadas em
cidades de diferentes características em diferentes regiões do País. Em cada cidade
foram selecionadas três escolas (duas públicas Municipais/Estaduais e uma privada). Os
alunos elegíveis cursavam os 7o, 8o e 9o anos do ensino fundamental ou os 1o, 2o e 3o
anos do ensino médio. Nessas escolas foram realizados sorteios de três turmas por
escola (duas do turno da manhã e uma do turno da tarde) e foram entrevistados e
examinados todos os alunos dessas turmas que concordaram em participar. Foram
avaliados apenas os alunos que assinaram um termo de assentimento concordando em
participar do estudo e que trouxeram termo de consentimento livre e esclarecido
assinado pelos responsáveis para coleta de sangue.
5.2. Instrumentos e Medidas
Para coleta de dados foram utilizados: um questionário para o adolescente,
medidas objetivas (antropométricas e de pressão arterial), um questionário para o
responsável do adolescente e um questionário sobre a escola. O consumo alimentar foi
avaliado através de um recordatório de 24 horas.
33
O questionário do adolescente é autopreenchível e foi aplicado utilizando-se um
coletor eletrônico de dados - Personal Digital Assistant (PDA). É composto por dez
blocos que totalizam cerca de cem questões (variações de acordo com o sexo)
abordando várias áreas: aspectos sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade da mãe,
escore de bens (ABEP, 2012), escola pública ou privada, número de pessoas que
dormem no mesmo cômodo, entre outras), atividades ocupacionais, atividades físicas
(tipo de atividade, frequência e duração para cálculo de minutos / semana) (BIDDLE et
al., 1998). O comportamento alimentar é avaliado através da frequência com que o
escolar: “toma café da manhã”, “faz refeições com os pais”, “faz refeições assistindo
TV”, “faz refeição na escola”, “come a merenda oferecida pela escola” e “compra
lanche na cantina da escola”. Uso de tabaco, de bebidas alcoólicas, saúde reprodutiva,
saúde bucal, morbidade referida e duração do sono também são avaliados.
Ainda no questionário do adolescente, a “escolaridade da mãe”, “critério de
bens”, “agregação domiciliar” e “tipo de escola” foram avaliados como indicadores
socioeconômicos.
A variável “escolaridade da mãe” é inicialmente medida através da pergunta:
“Qual é a escolaridade da sua mãe?” respondida pelo próprio adolescente. As opções de
resposta são: 1- “Analfabeta/menos de um ano de instrução”; 2- “1 a 3 anos de Ensino
Fundamental (Primeiro grau)”; 3- “4 a 7 anos de Ensino Fundamental (Primeiro grau)”;
4- “Ensino Fundamental (Primeiro grau) completo”; 5-” Ensino Médio (Segundo grau)
incompleto”; 6- “Ensino Médio (Segundo grau) completo”; 7- “Superior incompleto”;
8- “Superior completo”; 77- “Não sei / Não lembro / Prefiro não responder”. Essa
variável foi agrupada da seguinte forma: 1- “Escolaridade da mãe baixa”, que representa
aquelas mães que possuem de apenas um ano de instrução até aquelas que possuem o
ensino fundamental completo; 2- “Escolaridade da mãe média”, que representa aquelas
mães que possuem ensino médio incompleto ou completo; 3- “Escolaridade da mãe
34
alta”, que representa aquelas mães que possuem ensino superior completo ou
incompleto.
A variável “Critério de bens” foi construída através da informação da soma de
números de determinados bens juntamente com a escolaridade do chefe de família,
formando-se as categorias A, B e C+D de classes econômicas, sendo esses os pontos de
corte para essa variável (ABEP, 2012).
A variável “Agregação domiciliar” foi construída a partir do número de pessoas
que moram no domicílio sobre o número de cômodos (considerando quartos, salas e
cozinha). Os pontos de corte dessa variável foram divididos em “Baixa agregação”,
“Média agregação” e “Alta agregação” correspondendo aos tercis de distribuição.
Foi avaliada também a variável “Número de pessoas que dormem no mesmo
cômodo que você contando com você” categorizada como: 1,2 3 ou mais.
A variável “Cor da pele” é constituída pelas opções “Branca”, para aqueles
adolescentes que se consideram de cor branca; “Parda/Mulata”, para aqueles alunos que
se consideram de cor da pele parda ou mulata; “Negra/Preta”, para aqueles alunos que
se consideram de cor da pele negra ou preta; “Outras”, para aqueles adolescentes que
consideram ter a cor da pele de outra cor que não essas apresentadas acima, como por
exemplo indígenas e orientais e “Não quiseram/souberam responder”, para aqueles
alunos que não quiseram responder qual é a cor da sua pele.
A variável “Atividade física” é construída a partir dos minutos por semana de
atividade física em todas as atividades possíveis presente no questionário. A partir
desses minutos foi feito um corte para “Ativo”, para aqueles alunos que realizam mais
ou igual a 300 minutos de atividades físicas semanais e “Não ativo”, para aqueles
alunos que realizam menos de 300 minutos de atividades físicas semanais (BIDDLE et
al., 1998).
35
A frequência com que o adolescente compra lanche na cantina é obtida através
da pergunta: “Com que frequência você compra lanche na cantina/ bar da escola?”. O
adolescente escolhe entre as opções “nunca”; “às vezes” e “quase sempre/sempre”. A
frequência com que o adolescente consome a merenda escolar é obtida através da
pergunta: “Você come a merenda oferecida pela escola?”. O adolescente escolhe entre
as opções “nunca”; “às vezes” e “quase sempre/sempre”. Tanto para a compra de
lanche na cantina como para o consumo de merenda escolar existe a opção “minha
escola não possui cantina/oferece merenda”, os alunos que escolheram uma dessas
opções foram realocados para o grupo de alunos que escolheram a opção “nunca”.
As medidas antropométricas realizadas foram: peso, estatura e perímetros da
cintura e do braço. O peso foi aferido em balança eletrônica com capacidade de até 150
kg e variação de 50g (Líder®, São Paulo, Brasil). A estatura foi aferida em duplicata,
utilizando-se antropômetro portátil (portable stadiometer Alturexata®, Minas Gerais,
Brasil) com variação de 0,1 cm (admitindo-se variação máxima de 0,5 cm entre as duas
medidas e calculando-se a média). Para aferição do peso e estatura, os escolares
estavam descalços, usando roupas leves e em posição ortostática.
A Organização Mundial da Saúde classifica os indivíduos a partir do Índice
de Massa Corporal (IMC). O IMC é calculado pela fórmula Peso/Altura2 (peso em
quilos e altura em metros). O critério utilizado, tendo como referência curvas de
distribuição de IMC por sexo e idade é: desnutrição Z-score <-3; baixo peso Z-score ≥ 3 e <-1; ≥ peso normal Z-score ≤ -1 e 1; sobrepeso Z-score> 1 e ≤ 2, obesidade Zscore> 2 (WHO, 2007).
O questionário do responsável, em papel, foi enviado para os responsáveis pelos
alunos e forneceu informações adicionais sobre a escolaridade materna (anos de estudo
da mãe), histórico de doenças cardiovasculares ou metabólicas na família e
características relacionadas ao nascimento dos estudantes (peso ao nascer, aleitamento
36
materno). As informações sobre a escolaridade materna obtida nesses questionários
foram utilizadas para complementar as informações fornecidas pelos adolescentes,
quando esses não informavam a escolaridade da mãe.
Exames bioquímicos foram realizados em uma subamostra dos adolescentes do
turno da manhã.
Adolescentes grávidas foram excluídas da análise. Alunos com alguma
deficiência ou prótese que impedisse ou alterasse as medidas antropométricas foram
excluídos da análise.
No presente estudo não serão utilizados os dados sobre consumo alimentar,
informações do questionário da escola, de pressão arterial ou parâmetros bioquímicos.
5.3. Logística do estudo
Em cada cidade havia uma coordenadora local responsável pela guarda do
equipamento, pelo acesso a facilidades oferecidas pela instituição, pelo contato com
secretarias de educação e diretores(as) de escolas, com laboratório local para coleta de
sangue, com a coordenação central e com a empresa local responsável pela logística do
trabalho.
As equipes foram formadas por sete membros: dois(uas) supervisores(as); um(a)
de escola, para o agendamento das atividades e sensibilização dos alunos; e outro(a) de
campo, para supervisão da coleta de dados no campo e transferência eletrônica dos
dados; dois(uas) antropometristas; um(a) aferidor(a) de pressão arterial; dois(uas)
entrevistadores(as) para o recordatório de 24 horas.
Todos os procedimentos foram padronizados através de treinamento das equipes
utilizando-se o manual operacional de procedimentos e vídeos, tanto para orientações
sobre o questionário como para a realização das medidas.
37
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CE) de cada estado
participante do estudo piloto e só participaram do estudo os alunos que assinaram o
termo de assentimento informado, concordando em participar do estudo e o termo de
consentimento livre e esclarecido assinado por responsável, para coleta de sangue,
respeitando-se as exigências de cada CEP. Os diretores de cada escola assinaram um
termo de autorização para a realização do estudo.
5.4. Análises estatísticas
Foi realizada uma análise exploratória das variáveis de interesse para identificar
formas de distribuição e pontos de corte para análise das variáveis contínuas, quando
aplicável. Foram exploradas também as associações de diferentes variáveis
socioeconômicas com excesso de peso e com consumo de lanches/merenda, assim como
a associação entre escolaridade da mãe e outras variáveis socioeconômicas.
Investigou-se a possibilidade de modificação de efeito das variáveis: idade, sexo,
escolaridade da mãe e consumo de merenda e atividade física. Primeiramente realizouse uma análise estratificada da associação de interesse pelas categorias das variáveis
sendo examinadas. Aquelas que apresentaram heterogeneidade na associação foram
testadas no modelo logístico utilizando-se um termo de interação. A interação foi
considerada estatisticamente significativa se o p valor de pelo menos uma das categorias
do termo de interação fosse ≤0,05.
As variáveis que não se comportaram como modificadoras de efeito das
associações de excesso de peso com consumo de alimento em cantina ou com merenda
foram avaliadas quanto à possibilidade de confundimento. Sendo assim, foram
avaliadas as associações de idade, sexo e escolaridade da mãe com excesso de peso e
com alimentação em cantina e com merenda.
38
Por último, foram ajustados modelos de regressão logística com as variáveis que
se mostraram associadas ao excesso de peso e com consumo em cantina ou de merenda
escolar na análise bivariada (p≤0,20). A presença de confundimento foi avaliada pela
análise do impacto no odds ratio (OR), variação≥20%, da retirada do modelo das
potenciais variáveis confundidoras.
39
6. RESULTADOS
Foram avaliados 1.065 adolescentes dos 1.369 cadastrados nas 15 escolas que
aceitaram participar do estudo. A recusa em participar foi de 23,8%. Após exclusão dos
alunos fora da faixa etária elegível (89) e de alunas grávidas (2) foram analisados os
dados de 976 adolescentes. A média de idade foi de 14 anos (dp= 1,54), 54% dos
adolescentes eram do sexo feminino e 49,9% foram considerados inativos.
As características dos alunos segundo sexo são apresentadas na tabela 4. Quase
1/3 dos adolescentes foram classificados como tendo excesso de peso, sendo maior o
percentual nas adolescentes, embora essa diferença não seja estatisticamente
significativa, OR= 1,30, IC95% 0,99-1,72.
Tabela 3- Características dos participantes segundo sexo.
Característica
Nível escolar
Fundamental
Médio
Tipo de escola
Pública
Privada
Escolaridade da mãe*
Baixa
Média
Alta
Estado Nutricional**
Sobrepeso
Obesidade
Excesso de Peso
*102 alunos sem informação
**17 alunos sem informação
Feminino
Masculino
Total
% (n)
% (n)
% (n)
66,4 (350)
33,6 (177)
72,2 (324)
27,8 (125)
69,1 (674)
31,0 (302)
67,7 (357)
32,3 (170)
69,7 (313)
30,3 (136)
68,7 (670)
31,4 (306)
36,3 (174)
31,7 (152)
32,1 (154)
34,5 (136)
33,5 (132)
32,0 (126)
35,5 (306)
32,5 (284)
32,0 (280)
18,7 (96)
8,0 (41)
26,7 (137)
20,2 (90)
11,9 (53)
32,1 (143)
19,4 (186)
9,8 (94)
29,2 (280)
40
Apenas 2,4% (23) dos adolescentes disseram fumar. Em relação à ingesta de
bebidas alcoólicas cerca de 50% disseram nunca ter tomado, 27% disseram não ter
tomado nos últimos 30 dias e os demais 23% tomaram bebidas alcoólicas com
frequências variadas, de 1 a 29 dias. Optou-se por não analisar a associação entre esses
comportamentos e excesso de peso e consumo de alimentos em cantina e merenda por
apresentarem categorias com números pequenos.
Para a informação sobre atividade física, 9,5% dos adolescentes não puderam ser
classificados em ativos ou não ativo pois o tempo informado de duração da atividade
física por semana foi considerado improvável. Não foi observada associação com
excesso de peso (quiquadrado = 0,055, p= 0,82) nem com consumo de alimentos em
cantina (quiquadrado = 0,65, p= 0,72) ou merenda (quiquadrado= 3,06, p= 0,22).
Foram analisados diferentes indicadores socioeconômicos e observou-se que
critérios de bens e agregação domiciliar apresentaram um percentual de não resposta ou
de valores improváveis acima de 20%. Essas variáveis foram, portanto descartadas das
futuras análises.
A associação das variáveis “Tipo de escola”, “Cor da pele”, “Número de pessoas
que dormem no mesmo cômodo” e “Escolaridade da mãe” com excesso de peso e com
consumo de alimentos em cantina e merenda, são apresentadas como apêndice
(apêndice A e tabelas 1 a 3).
Foi observada forte associação entre os demais indicadores socioeconômicos tipo de escola, cor da pele e número de pessoas que dormem no mesmo domicílio com
escolaridade da mãe (ver apêndice A e tabela 4), portanto, optou-se por utilizar apenas a
escolaridade da mãe, uma vez que, além do aspecto econômico, esse indicador agrega
informação sobre o papel da educação na escolha de comportamentos saudáveis.
Os adolescentes tiveram dificuldade em informar sobre a escolaridade da mãe,
24, 6% não informaram, sendo que desses, foi possível recuperar 57% das informações
41
pelo questionário dos responsáveis, resultando em apenas 10,5% ainda sem
informações.
Foi investigada a associação de excesso de peso com a compra de alimentos nas
cantinas, com consumo de merenda escolar e com características que pudessem
confundir as associações de interesse (Tabela 4).
Tabela 4 - Distribuição de excesso de peso segundo características da população estudada e p
valor para associação da característica com excesso de peso.
Características
Sexo
Feminino
Masculino
% (n)
P valor
0,06
26,7 (137)
32,1 (143)
0,02
Idade
12-14
15-17
31,7 (206)
24,3 ( 74)
0,85
Escolaridade da mãe*
Baixa
Média
Alta
Compra na cantina
Nunca
Às vezes
Sempre
Consumo de merenda
Nunca
Às vezes
Sempre
Atividade Física
Ativo
Inativo
*102 alunos sem informação
29,7 (91)
28,8 (80)
31,0 (85)
0,04
29,9 (75)
36,7 (62)
26,5 (143)
0,06
32,5 (163)
25,9 (81)
25,0 (36)
0,82
29,4 (128)
28,7 (124)
42
Quando analisada a faixa etária observou-se que a maior prevalência de excesso
de peso encontra-se em adolescentes que tem entre 12 e 14 anos de idade, comparados
com aqueles que têm entre 15 e 17 anos.
Não houve diferença estatisticamente significativa entre escolaridade da mãe e
excesso de peso.
Para compra de alimento nas cantinas, os adolescentes que compram às vezes na
cantina apresentaram maior percentual de excesso de peso quando comparados com
aqueles que nunca compram ou que sempre compram na cantina.
Segundo o consumo de merenda escolar, observou-se que alunos que consomem
sempre merenda tem menos excesso de peso comparado com aqueles alunos que nunca
consomem merenda escolar.
Na Tabela 5 são apresentadas as frequências de consumo de alimentos em
cantina e de merenda escolar segundo características da população estudada.
43
Tabela 5- Distribuição de consumo de alimentos em cantina e de frequência de merenda segundo
características da população estudada e p valor para associação com cada característica.
Cantina
Características
Nunca
% (n)
Às vezes
Sempre
% (n)
% (n)
Merenda
P valor
26,2 (256) 17,7 (173) 56,1 (547)
Todos
Sexo
TTodosT
Feminino
Masculino
Idade
12-14
15-17
26,2 (256) 17,7 (173) 56,1 (547)
25,2 (135) 13,9 ( 73) 65,5 (319)
Nunca
Às vezes
Sempre
% (n)
% (n)
% (n)
52,1 (508) 32,7 (319) 15,3 (149)
0,001
27,0 (121) 22,3 (100) 50,8 (228)
52,1 (508) 32,7 (319) 15,3 (149)
55,8 (294) 28,7 (151) 15,6 (82)
0,01
47,7 (214) 37,4 (168) 15,0 (67)
<0,001
0,77
22,1 (146) 16,5 (109) 61,4 (405)
51,5 (340) 33,5 (221) 15,0 (99)
35,1 (109) 20,3 ( 63) 44,7 (139)
53,0 (165) 31,2 (97)
15,8 (49)
<0,001
Escolaridade da
P valor
<0,001
mãe
Baixa
Média
Alta
Consumo da
Nunca
merenda
Ás vezes
Sempre
Atividade Física
Ativo
Inativo
29,0 (90)
18,7 (58)
52,3 (162)
41,9 (130) 42,3 (131) 15,8 (49)
29,6 (84)
14,8 (42)
55,6 (158)
51,4 (146) 32,4 (92)
16,2 (46)
22,1 (62)
19,6 (55)
58,2 (163)
67,9 (190) 20,3 (57)
11,8 (33)
<0,001
-
23,0 (117) 22,8 (116) 54,1 (275)
-
-
-
26,0 ( 83) 11,0 ( 35) 63,0 (201)
-
-
-
37,6 ( 56) 14,8 ( 22) 47,7 ( 71)
-
-
-
0,80
0,22
23,3 (116) 18,8 (83)
54,9 (242)
53,1 (234) 33,6 (148)
13,4 (59)
24,2 (116) 17,2 (76)
56,6 (250)
52,9 (234) 29,9 (132)
17,2 (76)
Em relação à compra de alimentos na cantina segundo o sexo a maior
prevalência dos que sempre compram na cantina está entre os estudantes do sexo
feminino. Segundo a idade, a maior prevalência dos que sempre compram na cantina
está entre os mais novos. Quanto à escolaridade da mãe, a maior prevalência de sempre
comprar lanche na cantina é daqueles com escolaridade da mãe alta. Para o consumo de
merenda, a maior prevalência dos que sempre compram na cantina é daqueles que às
vezes consomem a merenda.
Em relação ao consumo de merenda escolar, segundo o sexo a maior prevalência
dos que nunca consomem merenda está entre os estudantes do sexo feminino. Segundo
idade, não foi encontrada significância estatística entre os grupos. Segundo escolaridade
44
da mãe, a maior prevalência de nunca consumir merenda escolar está entre os que têm
mães com alta escolaridade.
Os odds ratios brutos para as categorias “às vezes” e “sempre” compro em
cantina quando comparadas à nunca compro foram respectivamente OR=1,36, IC95%
0,90-2,01 e OR= 0,85, IC95% 0,61-1,18. Para merenda, os ORs brutos para as
categorias “às vezes” e “sempre” merendo quando comparadas à nunca merendo foram
respectivamente OR=0,73, IC95% 0,53-0,99 e OR= 0,69, IC95% 0,46-1,06.
Sexo, idade, atividade física e escolaridade da mãe não modificaram de forma
estatisticamente significativa as associações de excesso de peso com compra em cantina
ou com consumo de merenda. Já as variáveis “compra em cantina” e “consumo de
merenda” modificam o efeito uma da outra na associação com excesso de peso (p =
0,003). Na tabela 6 são apresentados os modelos de regressão logística que analisam a
associação de excesso de peso com comprar alimentos em cantinas e com merenda
levando em conta a modificação de efeito observada.
Tabela 6- Parâmetros dos modelos de regressão logística para excesso de peso segundo
consumo de lanches em cantinas (7a) ou frequência de merenda escolar (7b).
Modificado por: Consumo de Merenda
(6a)
Exposição
Cantina
Nunca
Às Vezes
Sempre
(6b)
Exposição
Merenda
Às Vezes
Nunca
Sempre
OR
1
1,40
1,04
OR
1,30
1
0,68
Nunca
IC 95%
Às vezes
OR
IC 95%
Sempre
OR
IC 95%
1
1
0,80 - 2,44
0,91 0,38 - 2,17
1,92
0,64 - 1,70
0,44 0,24 - 0,81
1,20
Modificado por: Comprar em Cantina
Nunca
IC 95%
0,71-2,39
0,32-1,45
OR - odds ratio ajustado por sexo, idade
IC 95% - intervalo de confiança de 95%
0,62 - 6,01
0,50 - 2,82
Às vezes
OR
IC 95%
Sempre
OR
IC 95%
0,94
1
0,77
0,55
1
0,72
0,42-2,11
0,29-2,04
0,36-0,85
0,40-1,33
45
Foi observada significância estatística apenas no efeito protetor de obesidade na
categoria “sempre” compra em cantina e “às vezes” merenda (equivalente a “às vezes”
merenda e sempre compra em cantina).
46
7. DISCUSSÃO
Considerando a obesidade como uma doença crônica que atinge cada vez mais
precocemente os indivíduos, são necessárias ações de intervenção que consigam
prevenir ou controlar essa doença ainda na juventude para evitarmos adultos com maior
chance de ter doenças cardiovasculares (TRICHES et al., 2005; CHAVES et al., 2008).
O ambiente escolar é um bom local para realização de estudos que visam investigar
prevalências dos hábitos comuns dos adolescentes e a associação destes com o excesso
de peso (ABRANTES et al., 2002; AIRES et al., 2009).
A distribuição de excesso de peso dos adolescentes que participaram do estudo
mostrou que a maior prevalência ocorre no sexo masculino, em concordância com os
resultados encontrados nos estados de São Paulo (COSTA, 2006), Rio de Janeiro
(PEREIRA, 1998; FONSECA, 1998) e Recife (BALABAN et al., 2001;
CAVALCANTI et al., 2010).
Cerca de 1/5 dos adolescentes não souberam, ou não quiseram informar sobre a
escolaridade da mãe. Mesmo tendo sido possível recuperar uma parte dessa informação,
é possível que as informações obtidas não sejam acuradas, podendo resultar em erro de
classificação. Embora mais de 50% das informações faltantes tenham ocorrido no grupo
de adolescentes com mães de escolaridade mais baixa (dados não apresentados no
artigo), não é possível afirmar que seja um erro diferencial, pois para isso seria preciso
que o percentual de desinformação fosse maior dentre os filhos de mães com mais baixa
escolaridade e com % de excesso de peso diferente dos que informaram e isso é pouco
provável.
Ao contrário do presente estudo, que não observou associação entre excesso de
peso e escolaridade da mãe, outros estudos sugerem que indivíduos com mães que
possuem alta escolaridade, provavelmente melhor nível socioeconômico, têm maior
47
prevalência de excesso de peso. Essa associação pode ser explicada por uma maior
aquisição de produtos industrializados e um consumo reduzido de alimentos in natura
por parte das famílias com maior poder aquisitivo (RECH, 2010; GUEDES, 2010). Os
refrigerantes são os produtos mais emblemáticos da industrialização na área de
alimentos e bebidas, sendo os principais substitutos dos sucos naturais (CYRILLO et
al., 1997; GUEDES et al., 2010; TRICHES et al., 2005; RECH et al., 2010). Os alunos
cujas mães têm escolaridade mais alta compram lanche na cantina mais frequentemente
do que os alunos com escolaridade da mãe mais baixa. Esse resultado indica que o nível
socioeconômico interfere na oportunidade de compra desses lanches. Uma possível
explicação para a ausência de associação observada seria o lado “protetor” da maior
escolaridade da mãe, que poderia influenciar não só as opções de produtos comprados
nas cantinas mas também a adoção de outros hábitos saudáveis e uma alimentação de
melhor qualidade em casa.
Em relação à compra de alimento nas cantinas, os adolescentes que compram às
vezes na cantina apresentam maior prevalência de excesso de peso quando comparados
com aqueles que compram nunca e do que os que compram sempre na cantina. Esse
resultado pode também resultar de erro de classificação dos adolescentes que compram
“sempre” na cantina. Esses adolescentes, principalmente os com excesso de peso, por
saberem que esse hábito é considerado pouco saudável, acabam optando por selecionar
a opção “às vezes” e fazem com que essa categoria fique com prevalência de excesso de
peso superestimada, enquanto que a categoria “sempre” fique com a prevalência de
excesso de peso subestimada. O tipo de alimento consumido pelos adolescentes que
compram “às vezes” na cantina pode ser de maior valor calórico do que o tipo de
alimento consumido pelos que compram “sempre”. As duas justificativas para esse
achado podem ocorrer ou estar associadas a outros fatores não investigados, tais como
consumo de lanche caseiro ou compra de alimentos fora da escola. Outros autores
48
também não encontraram associação entre comprar em cantina com maior frequência e
obesidade (ou excesso de peso) (THIBAULT et al., 2012; CHAVES et al., 2008).
Adolescentes que nunca consomem merenda escolar apresentam maior
prevalência de excesso de peso quando comparados com aqueles que consomem sempre
a merenda. Isso corrobora achados de outros estudos que indicam que os alimentos
consumidos na merenda escolar são provavelmente alimentos mais saudáveis e/ou que
esses adolescentes consomem menos produtos com maior valor calórico, e por
consequência a merenda se torna um fator protetor para excesso de peso
(OCHSENHOFER et al., 2007; ONÓRIO, 2009).
Quanto à relação entre consumo de merenda e compra de lanche na cantina, um
estudo realizado com 402 estudantes mostrou que a taxa de alunos que consumiam com
maior frequência a merenda escolar foi aproximadamente 25% maior nas escolas que
não possuíam cantina, em relação às escolas que possuíam esse serviço. Esse resultado
mostra que existe uma relação inversa, pois aqueles que nunca comem a merenda
sempre compram na cantina e aqueles que sempre comem a merenda não costumam
comprar lanche na cantina (STURION, 2005).
As adolescentes compram mais lanche nas cantinas e consomem menos merenda
escolar do que os adolescentes, porém mesmo assim os alunos do sexo masculino são
mais obesos do que os do sexo feminino. Uma explicação para esse fato ter ocorrido é a
composição corporal dos meninos possuírem mais massa do que as meninas, e também
a explicação pode ser a partir da qualidade do alimento que os meninos comem na
cantina, sendo mais calóricos do que os alimentos que as meninas comem. Porém não
foram encontrados estudos na literatura que tenham analisado a associação entre sexo e
esses hábitos e investigado possíveis explicações.
Adolescentes cujas mães têm maior escolaridade provavelmente possuem um
nível socioeconômico mais alto e tendem a comprar mais lanches na cantina e a
49
consumir menos a merenda oferecida pela escola. Zancul et col encontraram resultados
semelhantes (ZANCUL, 2007).
Quanto à modificação de efeito observada no modelo final ajustado para sexo e
idade, só é possível afirmar que consumo de merenda “às vezes” tem um efeito protetor
para excesso de peso para quem “sempre” compra lanche na cantina. Entre aqueles que
comem sempre na cantina, os que comem às vezes a merenda escolar possui menor
excesso de peso comparado com os que nunca merendam. Porém o grupo que sempre
compram na cantina e sempre merendam não apresentam um maior peso, pois
provavelmente a alimentação na cantina é uma complementação da alimentação
merenda. Por exemplo, aqueles alunos que comem a merenda e compram um pequeno
chocolate na cantina todo dia para servir de sobremesa.
Para que as associações estudadas sejam mais bem compreendidas informações
qualitativas sobre o consumo, sobre formas alternativas de alimentação na escola e
sobre os motivos que levam os adolescentes a optarem por diferentes comportamentos
são necessárias.
Os resultados sugerem que pode ser importante para proteger de excesso de peso
o hábito de consumir a merenda escolar e não apenas o de não comprar lanche nas
cantinas. Como apenas em escolas públicas é oferecida merenda, esse resultado serve
como um estímulo para expandir a oferta de merenda como opção de alimentação
também para as escolas particulares.
Um estudo realizado na cidade de São Bernardo dos Campos - SP relata uma
iniciativa realizada em 2000 por um colégio particular. O programa era denominado
“Qualidade de Vida”, cujo objetivo era o de trabalhar na reeducação alimentar. A partir
da preocupação dos professores com o aumento de peso dos adolescentes, foram
coletados dados antropométricos dos alunos de 3 a 14 anos de idade, verificando que
40% deles estavam acima do peso ideal. Foi então que teve início um trabalho de
50
conscientização nutricional para os pais, funcionários e alunos, seguido de uma
reformulação dos alimentos vendidos na escola (BARROS, 2001).
Pelo fato do excesso de peso ser uma doença multifatorial, todas as relações que
a envolvem são complexas e devem ser analisadas com cautela. Muller et al. ressaltam
que é improvável que intervenções isoladas numa única área, como por exemplo, proibir
a presença de cantina nas escolas, resolva totalmente o problema da obesidade entre os
adolescentes. Esse autor afirma que devem ser consideradas também a influência dos
pais, a pressão dos colegas, a publicidade e a autoimagem, entre outros, no
desenvolvimento de estratégias para enfrentar a complexidade das causas (MULLER et
al., 2001).
Vários estudos apontam que os alimentos preferidos dos adolescentes nas
cantinas são salgados, balas/doces e refrigerantes (ZANCUL et al., 2007;
OCHSENHOFER et al., 2007; CAROBA, 2005; MONIS et al., 2006, MESQUITA,
2006), e todos esses alimentos apresentam baixa qualidade nutricional. Um estudo
realizado em Barueri, São Paulo, onde 384 adolescentes foram entrevistados quanto à
qualidade de alimentos nas escolas, mostra que a maioria dos adolescentes (39,9%)
afirma que os alimentos vendidos na cantina são mais maléficos à saúde do que aqueles
consumidos na merenda escolar – “os alimentos da cantina não são saudáveis”, “são
gordurosos”, “são besteiras”, “são menos saudáveis” – (OCHSENHOFER et al., 2007).
Outro estudo realizado no município de Nova Prata do Iguaçu, Paraná, com
adolescentes entre 12 e 16 anos de idade, afirma que 68,7% dos adolescentes dizem que
a merenda escolar possui alimentos mais saudáveis (ONÓRIO, 2009). Esses dois
estudos apontam que os próprios adolescentes têm consciência da qualidade nutricional
dos alimentos oferecidos dentro das escolas.
Uma questão limitante do presente estudo é que tanto a compra de alimento em
cantina quanto o consumo de merenda são abordados apenas de forma semiquantitativa.
51
Uma análise qualitativa dos produtos/alimentos consumidos poderia contribuir para o
entendimento sobre as relações analisadas. Outra limitação do estudo é que a quantidade
total de alunos estudados pode não ter sido suficiente para encontrar diferenças
estatisticamente significativas ao se trabalhar com variáveis com três categorias como
exposição (merenda e cantina) ou confundidoras (escolaridade da mãe).
Ao combinarmos excesso de peso e obesidade trabalhamos com um grupo de
certa forma mais heterogêneo do que se trabalhássemos apenas com obesos, mas nesse
caso o número de desfechos seria ainda menor, dificultando também a observação de
diferenças estatisticamente significativas.
Estratégias para estimular a alimentação saudável através de uma merenda
escolar atrativa, com alimentos com mais cores e sabores devem ser implementadas em
escolas públicas e privadas uma vez que o consumo de merenda escolar pode ser um
fator de proteção de excesso de peso.
A escola deve proporcionar acesso à informação sobre hábitos alimentares
saudáveis utilizando diferentes abordagens e levando em consideração sexo e idade dos
adolescentes.
52
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O excesso de peso possui múltiplas causas e devemos focar em um conjunto de
ações que possibilitem a mudança de hábitos de forma consciente e contínua sem
necessariamente realizar mudanças radicais com medidas impositivas. É preciso lembrar
que a adolescência é um período no qual a dificuldade de aceitação de regras é mais
difícil, sendo mais indicada a orientação, tanto através dos professores como através da
família. A conscientização sobre uma boa alimentação deve ser feita desde cedo e a
educação da mãe tem certamente um papel importante nesse processo.
Apesar de estudos mostrarem que a cantina possui alimentos gordurosos e o
consumo desses alimentos geraria uma maior prevalência de obesidade, nossos
resultados não mostram um gradiente linear dessa associação, como seria esperado, ou
seja, quanto mais frequente o aluno consome produtos da cantina, maior a prevalência
de excesso de peso. Outros fatores, além dos analisados no presente estudo, podem estar
interferindo nessa associação, tais como alimentação feita em casa, levada de casa para
a escola e outras. Por outro lado, parece que o consumo da merenda escolar protege em
relação ao excesso de peso entre os adolescentes, principalmente entre aqueles que
sempre compram lanche em cantina.
Estudos sobre a relação entre alimentação dos jovens nas escolas que incluam
análise qualitativa dos alimentos comprados, oferecidos e levados, e indicadores de
saúde contribuirão para a elaboração de estratégias mais eficazes para tornar a
alimentação dos adolescentes mais saudável.
53
9. REFERÊNCIAS
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62
10. APÊNDICES
APÊNDICE A- ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS
Tabela 1- Associação entre variáveis socioeconômicas e excesso de peso.
Variáveis
Socioeconômicas
Tipo de escola
Pública
Privada
Cor da pele*
Branca
Parda
Negra
Número de pessoas que
dormem no cômodo
Uma pessoa
Duas pessoas
Três ou mais pessoas
Escolaridade da mãe**
Baixa
Média
Alta
Frequência
% (n)
Excesso de peso
%
(n)
P valor
0,99
68,7 (670)
31,4 (306)
29,2 (193)
29,2 (87)
44,5 (434)
40,6 (396)
9,8 (96)
32,6 (139)
27,3 (106)
22,3 (21)
0,18
0,22
54,2 (529)
33,2 (324)
12,6 (123)
29,8 (155)
30,7 (98)
22,5 (27)
0,85
35,5 (310)
32,5 (284)
32,0 (280)
29,7 (91)
28,8 (80)
31,0 (85)
* não incluídos 23 alunos que declararam outra cor da pele e 27 que não quiseram responder.
** não incluídos 102 alunos que não quiseram/souberam responder e sem informação do
questionário dos responsáveis.
63
Tabela 2- Associação entre variáveis socioeconômicas e consumo em cantina
Variáveis
Socioeconômicas
Tipo de escola
Pública
Privada
Cor da pele*
Branca
Parda
Negra
Número de pessoas que
dormem no cômodo
Uma pessoa
Duas pessoas
Três ou mais pessoas
Escolaridade da mãe
Baixa
Média
Alta
Nunca
Às vezes
Sempre
P valor
<0,01
31,6 (212)
14,4 (44)
19,1 (128)
14,7 (45)
49,3 (330)
70,9 (217)
0,5
25,8 (112)
26,5 (105)
29,2 (28)
18,2 (79)
15,7 (62)
21,9 (21)
56,0 (243)
57,8 (229)
49,0 (47)
0,22
26,1 (138)
25,3 (82)
29,3 (36)
18,2 (96)
15,1 (49)
22,8 (28)
55,8 (295)
59,6 (193)
48,0 (59)
0,15
29,0 (90)
29,6 (84)
22,1 (62)
18,7 (58)
14,8 (42)
19,6 (55)
52,3 (162)
55,6 (158)
58,2 (163)
* não incluídos 23 alunos que declararam outra cor da pele e 27 que não quiseram responder.
** não incluídos 102 alunos que não quiseram/souberam responder e sem informação do
questionário dos responsáveis
Tabela 3- Associação entre variáveis socioeconômicas e merenda.
Variáveis
Socioeconômicas
Tipo de escola
Pública
Privada
Cor da pele*
Branca
Parda
Negra
Número de pessoas que
dormem no cômodo
Uma pessoa
Duas pessoas
Três ou mais pessoas
Escolaridade da mãe
Baixa
Média
Alta
Nunca
Às vezes
Sempre
P valor
<0,01
45,4 (304)
66,7 (204)
37,9 (254)
21,2 (65)
16,7 (112)
12,1 (37)
61,5 (267)
46,5 (184)
30,2 (29)
25,4 (110)
38,1 (151)
49,0 (47)
13,1 (57)
15,4 (61)
20,8 (20)
<0,01
<0,01
59,9 (317)
43,8 (142)
39,8 (49)
29,1 (154)
34,9 (113)
42,3 (52)
11,0 (58)
21,3 (69)
17,9 (22)
<0,01
41,9 (130)
51,4 (146)
67,9 (190)
42,3 (131) 15,8 (49)
32,4 (92) 16,2 (46)
20,4 (57) 11,8 (33)
* não incluídos 23 alunos que declararam outra cor da pele e 27 que não quiseram responder.
** não incluídos 102 alunos que não quiseram/souberam responder e sem informação do
questionário dos responsáveis
64
Análise da colinearidade entre os indicadores socioeconômicos
Tabela 4- Associação entre escolaridade da mãe e demais variáveis socioeconômicas
(cor da pele, tipo de escola e número de pessoas que dormem no mesmo cômodo).
Escolaridade da mãe**
Baixa
Média
Alta
Tipo de escola
Pública
45,5 (267) 33,7 (198)
Privada
15,0 (43) 30,0 (86)
Cor da pele*
Branca
27,1 (96) 31,4 (111)
Parda
38,6 (108) 30,7 (86)
Negra
32,4 (24) 41,9 (31)
Número de pessoas que
dormem no cômodo
Uma pessoa
22,7 (95) 32,0 (134)
Duas pessoas
37,9 (88) 34,9 (81)
Três ou mais pessoas
59,6 (53) 22,5 (20)
P valor
<0,01
20,8 (122)
55,1 (158)
0,003
41,5 (147)
30,7 (86)
25,7 (19)
<0,01
45,4 (190)
27,2 (63)
18,0 (16)
* não incluídos 23 alunos que declararam outra cor da pele e 27 que não quiseram responder.
** não incluídos 102 alunos que não quiseram/souberam responder e sem informação do
questionário dos responsáveis
65
APÊNDICA B - ARTIGO ORIGINAL
TÍTULO
Alimentação na escola e excesso de peso em adolescentes do Estudo de Riscos
Cardiovasculares em Adolescentes- ERICA - Estudo Piloto
Autores
Instituições
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ
RESUMO
A adolescência é um período crítico para o desenvolvimento da obesidade, pois
é nessa idade que muitos hábitos de vida relacionados à alimentação e à atividade física
são formados. Tendo em vista o aumento do número de adolescentes obesos, é possível
prever um futuro com adultos obesos e mais propensos a desenvolverem doenças
cardiovasculares. O objetivo do estudo foi analisar a associação entre o excesso de peso
e tipo de alimentação realizada pelos adolescentes nas escolas.
Utilizando-se os dados do estudo piloto do Estudo de Riscos Cardiovasculares
em Adolescentes- ERICA, foi investigada a relação entre compra de alimentos nas
cantinas escolares ou merenda oferecida na escola com excesso de peso em
adolescentes. Investigaram-se possíveis fatores de confundimento ou modificação de
efeito com as variáveis: sexo, idade, escolaridade da mãe e consumo de merenda
escolar/compra em cantina.
66
O presente estudo não encontrou associação entre consumir lanche na cantina e
excesso de peso em escolares, OR bruto= 1,36 (IC95% 0,90-2,06) para a categoria às
vezes compra em cantina e OR bruto= 0,85 (IC95% 0,61-1,18) para a categoria sempre
compra. A categoria de referência foi nunca compra. Já a merenda escolar protege os
adolescentes do excesso de peso, OR bruto= 0,73 (IC95% 0,53-0,99) para a categoria às
vezes merenda e OR bruto= 0,69 (IC95% 0,46-1,06) para a categoria sempre merenda.
A categoria de referência foi nunca merenda. Essas duas características modificam o
efeito uma da outra sendo a proteção da merenda ainda maior dentre os que relatam
comprar lanche na cantina sempre, mas merendam às vezes, OR=0,55 (IC95% 0,360,85), ajustado para sexo e idade.
Estudos futuros poderão contribuir para a elucidação do papel dos fatores que
agem nessas relações a partir do detalhamento qualitativo do consumo alimentar desses
adolescentes.
ABSTRACT
Adolescence is a critical period for the development of obesity as it is during this
period of life that many lifelong habits related to eating and physical activity are
established. Facing the reality of the increasing number of obese adolescents, it is
possible to foresee a future with adults who are obese and more likely to develop
cardiovascular diseases. The objective of this study was to analyze the association
between adolescents with excessive weight and their eating habits in schools.
Using the data from the pilot study of The Study of Cardiovascular Risks in
Adolescents – ERICA (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes) that
evaluated students between 12 and 17 years in public and private schools, in five
brazilian cities - (Rio de Janeiro, Cuiabá, Feira de Santana, Campinas e Botucatu), it
67
was investigated the association between excessive weight and the consumption of food
purchased in school canteens and with the consumption of meals served by the school.
The variables that were taken into consideration that could confound or modify the
association were: sex, age, education of the mother and eating the school meal/buying
snacks in canteen.
The results of the study show that 19.4% of adolescents are overweight and
29.2% have excessive weight. 54% of those in the study were female and the median
age was 14 years (dp= 1,54). 60.4% of the adolescents always buy snack food in the
school canteen and 52.1% never consume the school meal.
The present study did not find a relationship between eating snacks from the
school canteen and excessive weight for adolescentes, crude OR = 1.36 (IC95% 0.902.06) for those who buy snacks at school sometimes and crude OR = 0.85 (IC95% 0.611.18) for those who always buy snacks at school. The reference category was the ones
that never buy snacks at school. Eating the meal served at school protects the
adolescents from excessive weight, crude OR = 0.73 (IC95% 0.53-0.99) for those who
eat the school’s meal sometimes and crude OR = 0.69 (IC95% 0.46-1.06) for those who
always eat the school’s meal. The reference category was the ones that never eat the
school’s meal. These two habits modify the effect of each other, being the protection of
eating the school’s meal even greater for those who reported buying snacks only
occasionally from the school canteen.
Future studies may help to elucidate the role of factors acting in these
relationships by detailing the qualitative aspects of the dietary intake of these
adolescents.
68
INTRODUÇÃO
A obesidade é a doença crônica de maior prevalência nas sociedades
industrializadas. Possui múltiplas causas, entre elas o desbalanço energético entre o que
é consumido e o que é gasto, fatores genéticos e sedentarismo (ABRANTES, 2002).
Um período crítico para o desenvolvimento da obesidade é a adolescência,
particularmente devido às práticas alimentares inadequadas e a predominância de
atividades de lazer sedentárias (DIETZ, 1998; LUIZ et al., 2005; VARGAS et al.,
2011). Esse aumento de peso em idades mais precoces tem sido motivo de grande
preocupação para pesquisadores e profissionais da saúde, pois o excesso de peso é
caracterizado por ter um impacto significativo sobre a saúde tanto física quando
psicológica do adolescente, trazendo, muitas vezes, consequências até a idade adulta
(SERDULA, 1993; DEHGHAN et al., 2005; KITZMANN et al., 2010). Assim, a
prevenção da obesidade durante a adolescência deve ser considerada uma prioridade,
buscando-se a incorporação de um estilo de vida saudável de maneira gradual e
duradoura, com ênfase na formação de hábitos alimentares mais adequados e na prática
regular de atividades físicas (NAMMI et al., 2004; GABRIEL et al., 2008).
A prevalência de obesidade e sobrepeso em adolescentes brasileiros aumentou
3,2 e 1,2 vezes, respectivamente, quando comparamos os dados de 2002-2003 e 20082009 obtidos pela Pesquisa de Orçamento Familiar - POF (IBGE, 2004; IBEG, 2010).
Na escola as duas formas predominantes de alimentação são a merenda oferecida
em escolas públicas pelo Governo através do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) e os lanches comprados nas cantinas localizadas no interior das escolas
(escolas públicas e privadas). Diversos estudos mostram que uma expressiva quantidade
de alunos das escolas públicas e particulares consome alimentos comercializados pelas
69
cantinas (CAROBA, 2002; CARVALHO, 2005). A maioria dos alunos que tem como
opção os dois locais para obter alimento durante o período na escola acaba optando por
consumir alimentos na cantina ao invés de se alimentar com a merenda escolar. A classe
social pode ser um fator limitante, pois alunos de classe social muito baixa não têm
condições de optar por comprar lanche na cantina ao invés da merenda escolar
(OCHSENHHOFER et al., 2007).
Nas cantinas os alimentos mais vendidos são guloseimas, pizzas e salgados,
refrigerantes e sanduíches naturais, todos com alto valor calórico. A preferência dos
escolares é por alimentos com teor excessivo de açúcar e gordura, cujos valores
calóricos e nutricionais ultrapassam as recomendações indicadas para essa faixa etária
(BATISTA, 2006).
Em relação à merenda escolar, a qualidade dos alimentos oferecidos é melhor,
com alimentos mais nutritivos e menos calóricos. Os adolescentes indicam ter
consciência da melhor qualidade dos alimentos oferecidos na merenda, porém mesmo
assim, muitas vezes, optam pela compra na cantina pois afirmam que os alimentos mais
saborosos (ONÓRIO, 2009).
O objetivo desse estudo é analisar a associação de excesso de peso com compra
de lanches em cantinas e com consumo de merenda escolar em adolescentes de 12 a 17
anos de idade que frequentam as escolas públicas e privadas de cinco cidades brasileiras
que participaram do estudo piloto do ERICA – Estudo de Riscos Cardiovasculares em
Adolescentes.
70
MÉTODOS
População de Estudo
O presente estudo é parte de um projeto maior intitulado “Estudo de Riscos
Cardiovasculares em Adolescentes - ERICA”. Trata-se de um estudo seccional com
adolescentes de 12 a 17 anos de ambos os sexos, de escolas públicas e privadas de cinco
cidades brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Feira de Santana (BA), Campinas (SP),
Botucatu (SP) e Cuiabá (MT) avaliados no estudo piloto do ERICA.
Por tratar-se de um estudo Piloto, a amostra não foi planejada para ser
representativa, e sim para abranger os diferentes tipos de escolas a serem analisadas em
cidades de diferentes características em diferentes regiões do País. Em cada cidade
foram selecionadas três escolas (duas públicas Municipais/Estaduais e uma privada). Os
alunos elegíveis cursavam os 7o, 8o e 9o anos do ensino fundamental e os 1o, 2o e 3o anos
do ensino médio. Nessas escolas foram realizados sorteios de três turmas por escola
(duas do turno da manhã e uma do turno da tarde) e foram entrevistados e examinados
todos os alunos dessas turmas que concordaram em participar. Foram avaliados apenas
os alunos que assinaram um termo de assentimento concordando em participar do
estudo e que trouxeram termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos
responsáveis para coleta de sangue.
Instrumentos e Medidas
Para coleta de dados foram utilizados: um questionário para o adolescente,
medidas objetivas (antropométricas e de pressão arterial), um questionário para o
responsável do adolescente e um questionário sobre a escola. O consumo alimentar foi
avaliado através do recordatório 24 horas.
O questionário do adolescente é autopreenchível e foi aplicado utilizando-se um
coletor eletrônico de dados- Personal Digital Assistant (PDA) e é composto por dez
71
blocos que totalizam cerca de cem questões (variações de acordo com o sexo)
abordando várias áreas: aspectos sociodemográficos, atividades ocupacionais,
atividades físicas, tabagismo, uso de bebidas alcoólicas, saúde reprodutiva, saúde bucal,
morbidade referida e duração do sono. O comportamento alimentar é avaliado através
da frequência com que o escolar: toma café da manhã, faz refeições com os pais, faz
refeições assistindo TV, come a merenda oferecida pela escola, compra lanche na
cantina da escola.
A frequência com que o adolescente compra lanche na cantina é obtida através
da pergunta: “Com que frequência você compra lanche na cantina/ bar da escola?”. O
adolescente escolhe entre as opções “nunca”; “às vezes” e “quase sempre/sempre”. A
frequência com que o adolescente consome a merenda escolar é obtida através da
pergunta: “Você come a merenda oferecida pela escola?”. O adolescente escolhe entre
as opções “nunca”; “às vezes” e “quase sempre/sempre”. Tanto para a compra de
lanche na cantina como para o consumo de merenda escolar existe a opção “minha
escola não possui cantina/oferece merenda”, os alunos que escolheram uma dessas
opções foram realocados para o grupo de alunos que escolheram a opção “nunca”.
Além do questionário do adolescente, foi utilizados no estudo um questionário
para responsável e outro sobre a escola. O do responsável forneceu informações sobre a
escolaridade materna, histórico de doenças cardiovasculares ou metabólicas na família e
características relacionadas ao nascimento dos estudantes (peso ao nascer, aleitamento
materno). O questionário da escola obteve informações sobre características físicas e
funcionais da escola.
As medidas antropométricas realizadas foram: peso, estatura e perímetros da
cintura e do braço. O peso foi aferido em balança eletrônica com capacidade de até 150
kg e variação de 50g (Líder®, São Paulo, Brasil). A estatura foi aferida em duplicata,
72
utilizando-se antropômetro portátil (portable stadiometer Alturexata®, Minas Gerais,
Brasil) com variação de 0,1 cm (admitindo-se variação máxima de 0,5 cm entre as duas
medidas e calculando-se a média). Para aferição do peso e estatura, os escolares
estavam descalços, usando roupas leves e em posição ortostática.
A Organização Mundial da Saúde classifica os indivíduos a partir do Índice
de Massa Corporal (IMC). O IMC é calculado pela fórmula Peso/Altura2 (peso em
quilos e altura em metros). O critério utilizado, tendo como referência curvas de
distribuição de IMC por sexo e idade é: desnutrição Z-score <-3; baixo peso Z-score ≥ 3 e <-1; ≥ peso normal Z-score ≤ -1 e 1; sobrepeso Z-score> 1 e ≤ 2, obesidade Zscore> 2 (WHO, 2007).
No presente estudo não serão utilizados os dados sobre consumo alimentar,
informações do questionário da escola, de pressão arterial ou parâmetros bioquímicos.
Adolescentes grávidas foram excluídas da análise. Alunos com alguma
deficiência ou prótese que impedisse ou alterasse as medidas antropométricas foram
excluídos da análise.
Análises Estatísticas
Foi realizada uma análise exploratória das variáveis de interesse para identificar
formas de distribuição e pontos de corte para análise das variáveis contínuas, quando
aplicável.
A associação de excesso de peso com consumo de lanches na cantina e com
consumo de merenda escolar foi analisada utilizando-se modelos de regressão logística.
Investigou-se a possibilidade de modificação de efeito das variáveis: idade, sexo,
escolaridade da mãe e consumo de merenda/compra em cantina e atividade física.
Primeiramente realizou-se uma análise estratificada da associação de interesse pelas
73
categorias das variáveis sendo examinadas. Aquelas que apresentaram heterogeneidade
na associação foram testadas no modelo logístico utilizando-se um termo de interação.
Quando o termo de interação apresentasse p valor≤0,05, em qualquer categoria, a
interação foi considerada estatisticamente significativa e os resultados apresentados em
cada categoria da variável modificadora de efeito.
As variáveis que não foram modificadoras de efeito das associações de interesse,
ou seja, de excesso de peso com consumo de merenda e com compra em cantina foram
avaliadas quanto à possibilidade de confundimento. Foram ajustados modelos de
regressão logística com as variáveis que se mostraram associadas ao excesso de peso e
ao hábito de comprar em cantina ou de consumir merenda escolar na análise bivariada
(p≤0,20). O confundimento foi avaliado pela análise do impacto da retirada do modelo
das potenciais variáveis confundidoras, considerando-se presente quando o odds ratio
(OR) variou mais do que 20%.
RESULTADOS
Foram avaliados 1.065 adolescentes dos 1.369 cadastrados nas 15 escolas que
aceitaram participar do estudo. A recusa em participar foi de 23,8%. Após exclusão dos
alunos fora da faixa etária elegível (89) e de alunas grávidas (2) foram analisados os
dados de 976 adolescentes. A média de idade foi de 14 anos (dp= 1,54), 54% dos
adolescentes eram do sexo feminino e 49,9% eram inativos.
As características dos alunos segundo sexo são apresentadas na tabela 1. Quase
1/3 dos adolescentes foram classificados como tendo excesso de peso, sendo maior o
percentual nos adolescentes, embora essa diferença não seja estatisticamente
significativa. Os adolescentes tiveram dificuldade em informar sobre a escolaridade da
mãe, 24, 6% não informaram, sendo que desses, foi possível recuperar 57% das
74
informações pelo questionário dos responsáveis, resultando em apenas 10,5% ainda sem
informações.
Tabela 1- Características dos participantes segundo sexo.
Característica
Nível escolar
Fundamental
Médio
Tipo de escola
Pública
Privada
Escolaridade da mãe*
Baixa
Média
Alta
Estado Nutricional**
Sobrepeso
Obesidade
Excesso de Peso
*102 alunos sem informação
Feminino
% (n)
Masculino
% (n)
Total
% (n)
66,4 (350)
33,6 (177)
72,2 (324)
27,8 (125)
69,1 (674)
31,0 (302)
67,7 (357)
32,3 (170)
69,7 (313)
30,3 (136)
68,7 (670)
31,4 (306)
36,3 (174)
31,7 (152)
32,1 (154)
34,5 (136)
33,5 (132)
32,0 (126)
35,5 (306)
32,5 (284)
32,0 (280)
18,7 (96)
8,0 (41)
26,7 (137)
20,2 (90)
11,9 (53)
32,1 (143)
19,4 (186)
9,8 (94)
29,2 (280)
**17 alunos sem informação
Foi investigada a associação de excesso de peso com a compra de alimentos nas
cantinas, com consumo de merenda escolar e com características que pudessem
confundir as associações de interesse (Tabela 2).
75
Tabela 2 - Distribuição de excesso de peso segundo características da população estudada e p
valor para associação da característica com excesso de peso.
Características
Sexo
Feminino
Masculino
Idade
12-14
15-17
Escolaridade da
mãe*
Baixa
Média
Alta
Compra na
cantina
Nunca
Às vezes
Sempre
Consumo de
merenda
Nunca
Às vezes
Sempre
Atividade Física
Ativo
Inativo
% (n)
P valor
0,06
26,7 (137)
32,1 (143)
0,02
31,7 (206)
24,3 ( 74)
0,85
29,7 (91)
28,8 (80)
31,0 (85)
0,04
29,9 (75)
36,7 (62)
26,5 (143)
0,06
32,5 (163)
25,9 (81)
25,0 (36)
0,82
29,4 (128)
28,7 (124)
*102 alunos sem informação
Quando analisada a faixa etária observou-se que a maior prevalência de excesso
de peso encontra-se em adolescentes que tem entre 12 e 14 anos de idade, comparados
com aqueles que têm entre 15 e 17 anos.
Não houve diferença estatisticamente significativa entre escolaridade da mãe e
excesso de peso.
Para compra de alimento nas cantinas, os adolescentes que compram às vezes na
cantina apresentaram maior percentual de excesso de peso quando comparados com
aqueles que nunca compram ou que sempre compram na cantina.
76
Segundo o consumo de merenda escolar, observou-se que alunos que consomem
sempre merenda tem menos excesso de peso comparado com aqueles alunos que nunca
consomem merenda escolar.
Na Tabela 3 são apresentadas as frequências de consumo de alimentos em
cantina e de merenda escolar segundo características da população estudada.
Tabela 3- Distribuição de consumo de alimentos em cantina e de frequência de merenda segundo
características da população estudada e p valor para associação com cada característica.
Características
Nunca
% (n)
Cantina
Às vezes Sempre
% (n)
% (n)
P valor
26,2 (256) 17,7 (173) 56,1 (547)
Todos
Sexo
Feminino
Masculino
Idade
12-14
15-17
Escolaridade
da mãe*
Baixa
Média
Alta
Consumo da
merenda
Nunca
Ás vezes
Sempre
Atividade
Física
Ativo
Inativo
Nunca
% (n)
Merenda
Às vezes Sempre
% (n)
% (n)
52,1 (508) 32,7 (319) 15,3 (149)
0,001
25,2 (135) 13,9 ( 73) 65,5 (319)
27,0 (121) 22,3 (100) 50,8 (228)
0,01
55,8 (294) 28,7 (151) 15,6 (82)
47,7 (214) 37,4 (168) 15,0 (67)
<0,001
22,1 (146) 16,5 (109) 61,4 (405)
35,1 (109) 20,3 ( 63) 44,7 (139)
0,77
51,5 (340) 33,5 (221) 15,0 (99)
53,0 (165) 31,2 (97) 15,8 (49)
<0,001
29,0 (90)
29,6 (84)
22,1 (62)
18,7 (58)
14,8 (42)
19,6 (55)
52,3 (162)
55,6 (158)
58,2 (163)
<0,001
41,9 (130) 42,3 (131) 15,8 (49)
51,4 (146) 32,4 (92) 16,2 (46)
67,9 (190) 20,3 (57) 11,8 (33)
<0,001
23,0 (117) 22,8 (116) 54,1 (275)
26,0 ( 83) 11,0 ( 35) 63,0 (201)
37,6 ( 56) 14,8 ( 22) 47,7 ( 71)
-
-
-
0,80
23,3 (116) 18,8 (83)
24,2 (116) 17,2 (76)
*102 alunos sem informação
54,9 (242)
56,6 (250)
P valor
0,22
53,1 (234) 33,6 (148)
52,9 (234) 29,9 (132)
13,4 (59)
17,2 (76)
Em relação à compra de alimentos na cantina segundo o sexo a maior
prevalência dos que sempre compram na cantina está entre os estudantes do sexo
feminino. Segundo a idade, a maior prevalência dos que sempre compram na cantina
está entre os mais novos. Quanto à escolaridade da mãe, a maior prevalência de sempre
77
comprar lanche na cantina é daqueles com escolaridade da mãe alta. Para o consumo de
merenda, a maior prevalência dos que sempre compram na cantina é daqueles que às
vezes consomem a merenda.
Em relação ao consumo de merenda escolar, segundo o sexo a maior prevalência
dos que nunca consomem merenda está entre os estudantes do sexo feminino. Segundo
idade, não foi encontrada significância estatística entre os grupos. Segundo escolaridade
da mãe, a maior prevalência de nunca consumir merenda escolar está entre os que têm
mães com alta escolaridade.
Os odds ratios brutos para as categorias “às vezes” e “sempre” compro em
cantina quando comparadas à nunca compro foram respectivamente OR=1,36, IC95%
0,90-2,01 e OR= 0,85, IC95% 0,61-1,18. Para merenda, os odds ratios brutos para as
categorias “às vezes” e “sempre” merendo quando comparadas à nunca merendo foram
respectivamente OR=0,73, IC95% 0,53-0,99 e OR= 0,69, IC95% 0,46-1,06.
Sexo, idade e escolaridade da mãe não modificaram de forma estatisticamente
significativa as associações de excesso de peso com compra em cantina ou com
consumo de merenda. Já as variáveis “compra em cantina” e “consumo de merenda”
modificam o efeito uma da outra na associação com excesso de peso (p = 0,003). Na
tabela 4 são apresentados os modelos de regressão logística que analisam a associação
de excesso de peso com comprar alimentos em cantinas e com merenda levando em
conta a modificação de efeito observada.
78
Tabela 4- Parâmetros dos modelos de regressão logística para excesso de peso segundo
consumo de lanches em cantinas (4a) ou frequência de merenda escolar (4b).
(4a)
Exposição
Cantina
Nunca
Às Vezes
Sempre
(4b)
Exposição
Merenda
Nunca
Às Vezes
Sempre
OR
1
1,76
1,35
OR
1
1,92
1,00
Modificado por: Consumo de Merenda
Nunca
Às vezes
Sempre
IC 95%
OR
IC 95%
OR
IC 95%
0,90 - 3,45
0,73 - 2,50
1
0,48
0,41
0,35 - 2,01
0,22 - 0,76
1
1,83
1,03
0,54 - 6,23
0,39 - 2,70
Modificado por: Comprar em Cantina
Nunca
Às vezes
Sempre
IC 95%
OR
IC 95%
OR
IC 95%
0,93-3,94
0,39-2,56
1
0,90
0,76
0,40-2,05
0,29-2,02
1
0,48
0,74
0,31-0,75
0,40-1,38
OR - odds ratio ajustado por sexo, idade
IC 95% - intervalo de confiança de 95%
Foi observada significância estatística apenas no efeito protetor de obesidade na
categoria “sempre” compra em cantina e “às vezes” merenda (equivalente a “às vezes”
merenda e sempre compra em cantina).
DISCUSSÃO
Considerando a obesidade como uma doença crônica que atinge cada vez mais
precocemente os indivíduos, são necessárias ações de intervenção que consigam
prevenir ou controlar essa doença ainda na juventude para evitarmos adultos com maior
chance de ter doenças cardiovasculares (TRICHES et al., 2005; CHAVES et al., 2008).
O ambiente escolar é um bom local para realização de estudos que visam investigar
prevalências dos hábitos comuns dos adolescentes e a associação destes com o excesso
de peso (ABRANTES et al., 2002; AIRES et al., 2009).
A distribuição de excesso de peso dos adolescentes que participaram do estudo
mostrou que a maior prevalência ocorre no sexo masculino, em concordância com os
79
resultados encontrados nos estados de São Paulo (COSTA, 2006) e Recife (BALABAN
et al., 2001; CAVALCANTI et al., 2010).
Cerca de 1/5 dos adolescentes não souberam, ou não quiseram informar sobre a
escolaridade da mãe. Mesmo tendo sido possível recuperar uma parte dessa informação,
é possível que as informações obtidas não sejam acuradas, podendo resultar em erro de
classificação. Embora mais de 50% das informações faltantes tenham ocorrido no grupo
de adolescentes com mães de escolaridade mais baixa (dados não apresentados no
artigo), não é possível afirmar que seja um erro diferencial, pois para isso seria preciso
que o percentual de desinformação fosse maior dentre os filhos de mães com mais baixa
escolaridade e com % de excesso de peso diferente dos que informaram e isso é pouco
provável.
Ao contrário do presente estudo, que não observou associação entre excesso de
peso e escolaridade da mãe, outros estudos sugerem que indivíduos com mães que
possuem alta escolaridade, provavelmente melhor nível socioeconômico, têm maior
prevalência de excesso de peso. Essa associação pode ser explicada por uma maior
aquisição de produtos industrializados e um consumo reduzido de alimentos in natura
por parte das famílias com maior poder aquisitivo (RECH, 2010; GUEDES, 2010). Os
refrigerantes são os produtos mais emblemáticos da industrialização na área de
alimentos e bebidas, sendo os principais substitutos dos sucos naturais (CYRILLO et
al., 1997; GUEDES et al., 2010; TRICHES et al., 2005; RECH et al., 2010). Os alunos
cujas mães têm escolaridade mais alta compram lanche na cantina mais frequentemente
do que os alunos com escolaridade da mãe mais baixa. Esse resultado indica que o nível
socioeconômico interfere na oportunidade de compra desses lanches. Uma possível
explicação para a ausência de associação observada seria o lado “protetor” da maior
escolaridade da mãe, que poderia influenciar não só as opções de produtos comprados
80
nas cantinas mas também a adoção de outros hábitos saudáveis e uma alimentação de
melhor qualidade em casa.
Em relação à compra de alimento nas cantinas, os adolescentes que compram às
vezes na cantina apresentam maior prevalência de excesso de peso quando comparados
com aqueles que compram nunca e do que os que compram sempre na cantina. Esse
resultado pode também resultar de erro de classificação dos adolescentes que compram
“sempre” na cantina. Esses adolescentes, principalmente os com excesso de peso, por
saberem que esse hábito é considerado pouco saudável, acabam optando por selecionar
a opção “às vezes” e fazem com que essa categoria fique com prevalência de excesso de
peso superestimada, enquanto que a categoria “sempre” fique com a prevalência de
excesso de peso subestimada. O tipo de alimento consumido pelos adolescentes que
compram “às vezes” na cantina pode possuir maior valor calórico do que o tipo de
alimento consumido pelos que compram “sempre”. As duas justificativas para esse
achado podem ocorrer ou estar associadas a outros fatores não investigados, tais como
consumo de lanche caseiro ou compra de alimentos fora da escola. Outros autores
também não encontraram associação entre comprar em cantina com maior frequência e
obesidade (ou excesso de peso) (THIBAULT et al., 2012; CHAVES et al., 2008).
Adolescentes que nunca consomem merenda escolar apresentam maior
prevalência de excesso de peso quando comparados com aqueles que consomem sempre
a merenda. Isso corrobora achados de outros estudos que indicam que os alimentos
consumidos na merenda escolar são provavelmente alimentos mais saudáveis e/ou que
esses adolescentes consomem menos produtos com maior valor calórico, e por
consequência a merenda se torna um fator protetor para excesso de peso
(OCHSENHOFER et al., 2007; ONÓRIO, 2009).
81
Quanto à relação entre consumo de merenda e compra de lanche na cantina, um
estudo realizado com 402 estudantes mostrou que a taxa de alunos que consumiam com
maior frequência a merenda escolar foi aproximadamente 25% maior nas escolas que
não possuíam cantina, em relação às escolas que possuíam esse serviço. Esse resultado
mostra que existe uma relação inversa, pois aqueles que nunca comem a merenda
sempre compram na cantina e aqueles que sempre comem a merenda não costumam
comprar lanche na cantina (STURION, 2005).
As adolescentes compram mais lanche nas cantinas e consomem menos merenda
escolar do que os adolescentes, porém mesmo assim os alunos do sexo masculino são
mais obesos do que os do sexo feminino. Uma explicação para esse fato ter ocorrido é a
composição corporal dos meninos possuírem mais massa do que as meninas, e também
a explicação pode ser a partir da qualidade do alimento que os meninos comem na
cantina, sendo mais calóricos do que os alimentos que as meninas comem. Porém não
foram encontrados estudos na literatura que tenham analisado a associação entre sexo e
esses hábitos e investigado possíveis explicações.
Adolescentes cujas mães têm maior escolaridade provavelmente possuem um
nível socioeconômico mais alto e tendem a comprar mais lanches na cantina e a
consumir menos a merenda oferecida pela escola. Zancul et col encontraram resultados
semelhantes (ZANCUL, 2007).
Para que as associações estudadas sejam mais bem compreendidas informações
qualitativas sobre o consumo, sobre formas alternativas de alimentação na escola e
sobre os motivos que levam os adolescentes a optarem por diferentes comportamentos
são necessárias.
82
Os resultados sugerem que pode ser importante para proteger de excesso de peso
o hábito de consumir a merenda escolar e não apenas o de não comprar lanche nas
cantinas. Como apenas em escolas públicas é oferecida merenda, esse resultado serve
como um estímulo para expandir a oferta de merenda como opção de alimentação
também para as escolas particulares.
Um estudo realizado na cidade de São Bernardo dos Campos - SP relata uma
iniciativa realizada em 2000 por um colégio particular. O programa era denominado
“Qualidade de Vida”, cujo objetivo era o de trabalhar na reeducação alimentar. A partir
da preocupação dos professores com o aumento de peso dos adolescentes, foram
coletados dados antropométricos dos alunos de 3 a 14 anos de idade, verificando que
40% deles estavam acima do peso ideal. Foi então que teve inicio um trabalho de
conscientização nutricional para os pais, funcionários e alunos, seguido de uma
reformulação dos alimentos vendidos na escola (BARROS, 2001).
Pelo fato do excesso de peso ser uma doença multifatorial, todas as relações que
a envolvem são complexas e devem ser analisadas com cautela. Muller et al. ressaltam
que é improvável que intervenções isoladas numa única área, como por exemplo, proibir
a presença de cantina nas escolas, resolva totalmente o problema da obesidade entre os
adolescentes. Esse autor afirma que devem ser consideradas também a influência dos
pais, a pressão dos colegas, a publicidade e a autoimagem, entre outros, no
desenvolvimento de estratégias para enfrentar a complexidade das causas (MULLER et
al., 2001).
Vários estudos apontam que os alimentos preferidos dos adolescentes nas
cantinas são salgados, balas/doces e refrigerantes (ZANCUL et al., 2007;
OCHSENHOFER et al., 2007; CAROBA, 2005; MONIS et al., 2006, MESQUITA,
2006), e todos esses alimentos apresentam baixa qualidade nutricional. Um estudo
83
realizado em Barueri, São Paulo, onde 384 adolescentes foram entrevistados quanto à
qualidade de alimentos nas escolas, mostra que a maioria dos adolescentes (39,9%)
afirma que os alimentos vendidos na cantina são mais maléficos à saúde do que aqueles
consumidos na merenda escolar – “os alimentos da cantina não são saudáveis”, “são
gordurosos”, “são besteiras”, “são menos saudáveis” – (OCHSENHOFER et al., 2007).
Outro estudo realizado no município de Nova Prata do Iguaçu, Paraná, com
adolescentes entre 12 e 16 anos de idade, afirma que 68,7% dos adolescentes dizem que
a merenda escolar possui alimentos mais saudáveis (ONÓRIO, 2009). Esses dois
estudos apontam que os próprios adolescentes têm consciência da qualidade nutricional
dos alimentos oferecidos dentro das escolas.
Uma questão limitante do presente estudo é que tanto a compra de alimento em
cantina quanto o consumo de merenda são abordados apenas de forma semiquantitativa.
Uma análise qualitativa dos produtos/alimentos consumidos poderia contribuir para o
entendimento sobre as relações analisadas. Outra limitação do estudo é que a quantidade
total de alunos estudados pode não ter sido suficiente para encontrar diferenças
estatisticamente significativas ao se trabalhar com variáveis com três categorias como
exposição (merenda e cantina) ou confundidoras (escolaridade da mãe).
Ao combinarmos excesso de peso e obesidade trabalhamos com um grupo de
certa forma mais heterogêneo do que se trabalhássemos apenas com obesos, mas nesse
caso o número de desfechos seria ainda menor, dificultando também a observação de
diferenças estatisticamente significativas.
CONCLUSÃO
Em relação à associação entre excesso de peso com compra de lanche na cantina
e consumo de merenda escolar só é possível afirmar que consumo de merenda “às
84
vezes” tem um efeito protetor para excesso de peso para quem “sempre” compra lanche
na cantina. Entre aqueles que comem sempre na cantina, os que comem às vezes a
merenda escolar possui menor excesso de peso comparado com os que nunca
merendam. Porém o grupo que sempre compram na cantina e sempre merendam não
apresentam um maior peso, pois provavelmente a alimentação na cantina é uma
complementação da alimentação merenda. Por exemplo, aqueles alunos que comem a
merenda e compram um pequeno chocolate na cantina todo dia para servir de
sobremesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estratégias para estimular a alimentação saudável através de uma merenda
escolar atrativa, com alimentos com mais cores e sabores devem ser implementadas em
escolas públicas e privadas uma vez que o consumo de merenda escolar pode ser um
fator de proteção de excesso de peso.
A escola deve proporcionar acesso à informação sobre hábitos alimentares
saudáveis utilizando diferentes abordagens e levando em consideração sexo e idade dos
adolescentes.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos aos coordenadores(as) locais do estudo piloto: Cecília Lacroix e
Denise Giannini (Rio de Janeiro, RJ); Gisela Brunken (Cuiaba, MT); Ana Mayara de
Oliveira (Feira de Santana, BA); Inês Monteiro (Campinas, SP) e Adriano Dias e
Tamara Oldberg (Botucatu, SP).
Apoio financeiro: DECIT-MS, CNPq e FAPEMAT.
85
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