Perpétua Gonçalves e Feliciano Chimbutane

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O PAPEL DAS LÍNGUAS BANTU NA GÉNESE DO PORTUGUÊS DE
MOÇAMBIQUE: O COMPORTAMENTO SINTÁCTICO DE CONSTITUINTES
LOCATIVOS E DIRECCIONAIS1
Perpétua Gonçalves e Feliciano Chimbutane
(Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique)
1 – Enquadramento geral do estudo
Moçambique situa-se na zona linguística das chamadas línguas bantu (LB),
pertencentes ao grupo de línguas Níger-Congo, que são faladas em quase toda a
África austral e ocidental. Embora exista alguma polémica relativamente ao número
de LBs faladas neste país, estima-se que existam cerca de vinte (Sitoe & Ngunga,
2000). Quanto ao Português, declarado língua oficial a partir da independência em
1975, é falado actualmente por menos de metade da população (39 %), constituindo a
língua materna (L1) de uma reduzida minoria (cerca de 6 %).2
De um modo geral, como língua segunda (L2), o Português é adquirido
durante a infância por via instrucional, embora nas cidades haja também condições
para a sua utilização em meio natural, através de conversas entre companheiros de
bairro, dos meios de comunicação social, etc. Pode considerar-se que, devido ao facto
de esta língua ser tipicamente aprendida na escola, num ambiente em que os
aprendentes estão expostos a um input relativamente estruturado e têm acesso a
materiais escritos nesta língua (cf. Mufwene, 1997: 49-50), está entre os principais
factores (externos) que impediram o desencadeamento de um processo de crioulização
do Português em Moçambique.3 Desta forma, tal como aconteceu com outras línguas
ex-coloniais em regiões colonizadas por potências europeias, o Português de
Moçambique (PM) emerge como uma variedade não-nativa distinta do modelo de
origem, o Português europeu (PE).
No momento actual, as novas propriedades do PM estão ainda em fase de
variação, verificando-se que a maior parte dos seus falantes ora produzem estruturas
convergentes com a norma europeia, ora usam estruturas divergentes desse padrão. A
maior parte dos falantes parece assim operar com mais do que uma gramática,
revelando estar numa fase que poderia ser designada de “diglossia interna” (Lightfoot,
1999: 92). A distribuição e frequência dos traços não-padrão no discurso dos falantes
não é idêntica para todos os membros desta comunidade. Com efeito, à semelhança do
que acontece com outras línguas ex-coloniais, o PM apresenta um amplo espectro de
variação que inclui desde as subvariedades “basilectais”, mais distantes do padrão
europeu, dos falantes com pouco contacto com a língua-alvo, até às subvariedades
mais próximas deste padrão, dos falantes mais instruídos.4
Diversos estudos sobre esta variedade do Português mostraram já o papel das
L1s dos falantes, as LBs, na fixação de novas propriedades gramaticais. Estão neste
caso, por exemplo, as alterações que atingem constituintes com a função de objecto
directo e indirecto, as novas propriedades dos verbos agentivos e inacusativos, assim
como o novo formato do sintagma do complementador. Em todas estas mudanças
gramaticais, ficou demonstrado que o conhecimento da gramática das LBs por
aprendentes de Português como língua segunda (L2) interfere no processamento do
input, dando origem a uma nova gramática do Português (Cf. Gonçalves 1990, 2002).
No que se refere mais especificamente aos constituintes locativos e
direccionais, embora existam já alguns estudos sobre esta área da gramática do PM,
estes ou abrangem parcialmente o conjunto dos fenómenos aqui analisados, e/ou não
tomam em consideração o papel que as LBs podem ter desempenhado no
desencadeamento das mudanças que atingem esta área gramatical (Carvalho 1991,
Macedo 1999, Gonçalves 1999).
O estudo do papel das LBs na fixação de novas propriedades gramaticais dos
constituintes locativos e direccionais constitui pois uma perspectiva nova de
investigação desta área gramatical, que, como se verá, permite articular entre si
fenómenos aparentemente não co-relacionados. Na verdade, existem outros factores
de relevo que deveriam ser tomados em consideração, tendo em vista a plena
compreensão das mudanças que atingem estes constituintes no PM. Seria, por
exemplo, igualmente importante verificar qual o papel do input no desencadeamento
destas mudanças, i.e., até que ponto as estruturas linguísticas geradas pela gramática
do PE desencadeiam (‘trigger’) estas novas propriedades, bloqueando a reestruturação da interlíngua dos aprendentes e a sua convergência com o modelo-alvo.
Considera-se, além disso, que o conhecimento de estágios anteriores da gramática dos
aprendentes do PM, no que se refere ao formato dos constituintes locativos e
direccionais, poderia lançar alguma luz sobre os processos cognitivos envolvidos na
aquisição destas propriedades. Apesar da sua relevância, estes aspectos serão
abordados neste estudo apenas de forma exploratória.
Assim, neste artigo, após uma descrição geral das estruturas em que se exibem
alterações ao PE (secção 2), e da apresentação de uma proposta sobre as mudanças
gramaticais que podem ter gerado essas estruturas linguísticas (secção 3), serão
2
referidos os mecanismos gerais básicos do processo de aquisição da linguagem, que
condicionam a aquisição do PE como L2, dando origem à mudança linguística
(secção 4). Em seguida, apresenta-se uma descrição das propriedades das LBs, as L1
dos falantes, que podem ter induzido as mudanças no comportamento de constituintes
locativos e direccionais (secção 5). Na secção 6, estas mudanças gramaticais serão
reavaliadas à luz de uma hipótese de interferência das LBs no processamento do
input/PE. A secção 7 sintetiza as principais contribuições deste estudo, e aponta linhas
de investigação para uma visão mais aprofundada destas mudanças.
2 – O comportamento sintáctico de constituintes locativos e direccionais
no PM
O principal traço que distingue o PM na realização sintáctica de argumentos
locativos e direccionais é o uso da preposição em com SNs referentes a lugar.5
Embora com menos frequência, este tipo de argumentos também ocorre
sintacticamente realizado como SN.6
No que refere aos casos em que é usada a preposição em, verifica-se, por um
lado, que esta preposição aparece associada a argumentos locativos com a função de
‘tema’, que desempenham no PE a relação gramatical de sujeito ou objecto directo e
são, por conseguinte, SNs (exemplos (1) e (2)). Por outro lado, esta mesma preposição
rege também argumentos direccionais de verbos de movimento, com a função de
‘destino’ (exemplos (3)) ou ‘origem’ (exemplos (4)), que no PE são regidos
respectivamente pelas preposições a/para e de. Exemplos:
(1) a. em casa dele é aqui em frente (= a casa dele é...)
b. na nossa zona era fértil (= a nossa zona era...)
(2) a. conheci em casa dela (= ... a casa dela)
b. gostava de visitar aqui mesmo na cidade (= ... a cidade)
(3) a. voltou em casa (= para casa)
b. vinham carros lá na escola (= ... lá à escola)
c. levaram para lá na igreja (= ... (para) lá para a igreja)
d. voltou para no Maputo (= ... para Maputo)
(4) a. está a sair no estúdio (= ... do estúdio)
b. eu saiu lá no Xiquelene (= ... (de) lá do Xiquelene)
3
Os
argumentos
locativos
e
direccionais
podem
também
ocorrer
sintacticamente realizados como SNs, quer exprimam direcção/’destino’ (exemplos
(5a, b e c)) ou direcção/‘origem’ (exemplo (5d)). Exemplos:
(5) a. não posso entrar o lugar que tem muitas mulheres (= ... no lugar)
b. tive possibilidade de viajar algumas províncias (= ... para algumas
províncias)
c. viemos aqui Maputo (= ... (para) aqui para Maputo)
d. saímos Matalane (= ... de Matalane)
Estes diferentes tipos de realização sintáctica não padrão de argumentos
locativos e direccionais7 do PM estão
sintetizados no quadro abaixo. Os dados
contidos neste quadro foram extraídos de um corpus-amostragem (80 frases),
produzido por sujeitos adultos de diferentes graus de escolaridade, no discurso oral e
escrito. Os dados orais foram extraídos das recolhas de Gonçalves (1990), Carvalho
(1991) e ainda da recolha realizada no âmbito do projecto “Panorama do Português
oral de Maputo” (PPOM) (Cf. Stroud & Gonçalves, 1997). O corpus de Gonçalves
(1990) foi obtido através de entrevistas abertas com 37 estudantes universitários de
várias regiões do país, com diferentes LBs como L1. O corpus de Carvalho (1991) foi
elicitado através de entrevistas estruturadas, sobre o tópico “viagens/deslocações”,
com 60 informantes residentes em Maputo, com o grau de escolaridade básico e
médio. O corpus do PPOM é constituído por entrevistas semi-estruturadas com
informantes residentes em Maputo, com o nível básico e médio.8 O corpus escrito,
igualmente recolhido por Gonçalves (1990), e produzido pelos mesmos informantes
do corpus oral, é constituído por redacções de cerca de 300 palavras cada, sobre temas
livres.
Tipo
de Função
Argumento
Gramatical
Estrutura
Sintáctica no PM
TO TAL
%
5%
11,2 %
Verbos
TEMA
Sujeito
SPEM
Nº
4
PE: SN
Objecto
SPEM
7
ADV + SPEM
2
SPEM
22
andar, arrancar,
Destino
ADV + SPEM
6
ausentar,
PE:
SPPARA + SPEM
7
chamar, chegar,
SPA/PARA9
Para + SPEM
2
Directo
DIRECÇÃO
Oblíquo
58,8 %
ser
conhecer,
espancar,
frequentar, roubar,
visitar
comprar,
entrar,
4
ir, levar,
SN
4
regressar,
ADV + SN
4
sair, transferir,
SPPARA + SN
2
viajar, vir, voltar
SPEM
9
desaparecer,
Origem
ADV + SPEM
3
PE: SPDE
SPDE + SPEM
1
SN
1
SN
3
ADV + SN
3
DIRECÇÃO
LOCATIVO
PE: SPEM
Oblíquo
Oblíquo
17,5 %
sair
estar, ficar,
7,5 %
parar
Realização sintáctica não padrão de argumentos locativos e direccionais no PM
Tendo em vista uma maior adequação empírica das hipóteses aqui defendidas
sobre as mudanças gramaticais que geram este tipo de estruturas no PM, deve
destacar-se em primeiro lugar o facto de que, de acordo com os dados disponíveis,
apenas ocorrem na posição de sujeito e objecto directo os sintagmas em-SN que
designam ‘lugar onde’. Não se registam assim, por exemplo, contrapartes dos
constituintes sujeito e objecto directo das frases (1b) ou (2a), como as que se seguem:
(1b)’ na minha mãe era fértil (cf. (1b) na nossa zona era fértil)
(2a)’ conheci nesse livro (cf. (2a) conheci em casa dela)
Deve ainda assinalar-se que, no PM, a preposição em co-ocorre igualmente
com a preposição até que, no PE, ora rege SNs (até [minha casa]) ora forma uma
locução prepositiva com a preposição a (até [ao cais]). Exemplos: fomos até [em
Dar-es-Salem], andou até [no destino], voltou até [no Maputo].
Em segundo lugar, no que respeita o formato dos argumentos direccionais,
deve salientar-se que as estruturas ‘(ADV) em-SN’ (cf. (3a e b) e (4a e b)) são as mais
comuns no discurso dos falantes. Por sua vez, as estruturas (3c), e mais
particularmente a estrutura (3d), em que a preposição direccional para co-ocorre com
o sintagma em-SN, são raras.
Por fim, quanto às frases (5), pode ressaltar-se que elas mostram que os
constituintes locativos e direccionais também podem ocorrer sintacticamente
realizados como ‘(ADV) SN’, mesmo em casos em que no PE é requerido um SP
regido pela preposição em, como acontece na frase (5a). Tomando em consideração os
5
dados quantitativos da amostragem, pode dizer-se que a realização de constituintes
locativos e direccionais como SNs constitui uma estratégia alternativa à opção em-SN,
menos usada pelos falantes do que esta última.
Numa síntese dos fenómenos de regência de constituintes locativos e
direccionais que ocorrem no PM, Carvalho (1991:136) considera que “as sequências
desviantes [do PM] relevam da perda de especialização da preposição em que ocupa
novas posições distribucionais”.
3 – As mudanças gramaticais do PM
Neste estudo, admite-se que o comportamento sintáctico dos constituintes
locativos e direccionais acima descrito resulta, pelo menos, de duas mudanças
gramaticais relativamente ao PE.
Uma mudança gramatical consiste na reanálise da preposição em do PE como
marcador morfológico de caso semântico locativo, e não como núcleo de um SP.
Assim, de acordo com a análise aqui defendida, considera-se que a preposição em é
usada não como uma preposição plena, mas como um instrumento morfológico
destinado a assinalar a função semântica locativa dos SNs com que co-ocorre. Um
efeito de superfície desta mudança é que, como mostram as frases (1) e (2), no PM o
argumento em-SN pode ocupar a posição de sujeito e objecto directo. Do ponto de
vista da aquisição, esta análise implica, por um lado, que, ao contrário do que poderia
parecer, as frases (1) não foram geradas por uma gramática ‘selvagem’, onde a
posição de sujeito está ocupada por um SP. Por outro lado, no que se refere às frases
(2), esta análise implica que não houve alteração das propriedades de selecção
categorial dos verbos transitivos do PE que, no PM co-ocorrem com o sintagma emSN (cf. conhecer, frequentar, ...). Por outras palavras, considera-se que, nestes casos,
estes verbos continuam a ter como traço de selecção categorial [ - SN] (e não [ - SP]),
sendo que o objecto directo é realizado através do sintagma em-SN.
A segunda mudança gramatical consiste na reanálise dos verbos direccionais
de movimento que, no PM, incorporam a informação sobre direcção (‘destino’ ou
‘origem’), podendo assim ser dispensadas as preposições a/para e de que, no PE,
marcam estes papéis semânticos. Como se verá, no PM, é adoptado um padrão de
lexicalização dos verbos direccionais de movimento segundo o qual os argumentos
6
destes verbos desempenham apenas a função de locativos (e não a função de
‘direcção’), realizando-se lexicalmente como em-SN (ou como SN).10 Um efeito de
superfície desta mudança é que aquelas preposições que no PE marcam a direcção (a,
para e de) ou não estão realizadas lexicalmente (exemplos (3a e b), (4) e ainda (5b, c
e d)), ou co-ocorrem com constituintes em-SN (exemplos (3c e d)). Dito de outra
maneira, de acordo com a análise aqui proposta, não se considera que, no PM, as
preposições direccionais do PE tenham sido substituídas sistematicamente pela
mesma preposição, em (como mostram as frases (3) e (4)), ou tenham sido suprimidas
(como mostram as frases (5)). Do ponto de vista cognitivo, uma tal análise implicaria
demasiadas ‘falhas’ no processo de aquisição do Português como L2. Com efeito, no
caso de se supor que estas preposições foram ‘substituídas’ por em, essa análise
implicaria, por parte dos aprendentes do PM – para além da não retenção de nenhuma
das preposições direccionais – a escolha da mesma preposição para desempenhar um
leque muito amplo de funções semânticas, nomeadamente ‘locativo’, ‘destino’ e
‘origem’. Por outro lado, caso se considerasse que todas estas preposições
direccionais foram simplesmente ‘suprimidas’, esta análise implicaria que nenhuma
destas preposições foi retida pelos aprendentes, isto é, uma tal análise implicaria, do
ponto de vista cognitivo, demasiadas falhas no processo de aquisição de várias
preposições do PE. Em suma, uma análise destas estruturas como resultando da
substituição ou supressão das preposições direccionais do PE seria pouco plausível do
ponto de vista da aquisição do Português/L2.
Do ponto de vista linguístico, podem igualmente aduzir-se argumentos
consistentes em favor desta hipótese de dupla mudança gramatical, que mostram que
nenhuma destas mudanças, por si só, dá conta dos fenómenos acima descritos. Com
efeito, caso só tivesse ocorrido a primeira mudança, relacionada com a reanálise como
SNs dos SPs locativos regidos pela preposição em, uma tal mudança apenas permitiria
explicar adequadamente as frases (1) e (2), onde este constituinte ocupa posições
sintácticas de SN, mas não as frases (3) e (4). De facto, se só tivesse ocorrido esta
mudança gramatical, os argumentos direccionais de verbos de movimento deveriam
ser regidos pelas preposições direccionais que no PE realizam as funções de ‘destino’
e ‘origem’, isto é, seria esperável que estas preposições estivessem realizadas
lexicalmente. Neste caso, as frases (3 a, b e c) e (4) deveriam ter o seguinte formato:
(3)’ a. voltou PARA em casa (cf. (3a) voltou em casa)
7
b. vinham carros lá PARA na escola (cf. (3b) vinham carros lá na
escola)
c. levaram PARA lá PARA na igreja (cf. (3c) levaram para lá na igreja)
(4)’ a. está a sair DE no estúdio (cf. (4a) está a sair no estúdio)
b. eu saiu DE lá DE no Xiquelene (cf. (4b) eu saiu lá no Xiquelene)
De acordo com os dados do corpus-amostragem, este é o formato de apenas
duas frases (cf. (3d)), isto é, são praticamente inexistentes as frases que validam a
hipótese de se ter registado no PM apenas esta mudança gramatical.11
Por outro lado, a segunda mudança gramatical, que atinge a regência dos
argumentos ‘direcção’ de verbos de movimento, não dá conta por si só da realização
destes argumentos como em-SN (frases (3) e (4)), podendo apenas gerar frases do tipo
de (5). Com efeito, se só tivesse ocorrido a incorporação nos verbos da propriedade
semântica ‘direcção’ – marcada no PE por preposições direccionais – estes
argumentos deveriam ocorrer no PM realizados como SNs, isto é, não seriam regidos
por qualquer preposição. É isto de facto que acontece nas frases (5), mas não nas
frases (3) e (4), que deveriam então ter o seguinte formato:
(3)’’ a. voltou casa (cf. (3a) voltou em casa)
b. vinham carros lá a escola (cf. (3b) vinham carros lá na escola)
c. levaram lá a igreja (cf. (3c) levaram para lá na igreja)
d. voltou o Maputo (cf. (3d) voltou para no Maputo)
(4)’’ a. está a sair o estúdio (cf. (4a) está a sair no estúdio)
b. eu saiu lá o Xiquelene (cf. (4b) eu saiu lá no Xiquelene)
Note-se, além disso, que esta segunda mudança gramatical não pode explicar,
por si só, o preenchimento da posição de sujeito e objecto directo pelo sintagma emSN (frases (1) e (2)).
Sintetizando, a mudança que atinge as propriedades lexicais dos verbos
direccionais de movimento só permite validar as frases (5), deixando por explicar as
estruturas das frases (1) a (4), que são quantitativamente dominantes no discurso dos
falantes adultos.
Face a estas evidências, que dão conta de algum tipo de insucesso na aquisição
do Português/L2 em Moçambique, uma das questões que se pode colocar, tendo em
vista a explicação deste insucesso, está relacionada com o papel que as L1s dos
falantes poderão ter desempenhado. Dito de outra maneira, face à não convergência
com a língua-alvo/PE, pode admitir-se que ela resulta da interferência das
8
propriedades da gramática das línguas bantu na fixação das propriedades dos
constituintes locativos e direccionais no PM. Neste estudo, procurar-se-á identificar o
papel das LBs, as L1s dos falantes, na aquisição do Português/L2, e,
consequentemente,
no
desencadeamento
das
mudanças
gramaticais
acima
apresentadas.
4 – Aquisição e mudança de línguas não maternas
Neste estudo, assume-se o modelo de aquisição de L2s defendido por
Schwartz & Sprouse (1996), “Transferência total/Acesso total” (‘Full Transfer/Full
Access’), que prediz que o estádio inicial na aquisição de uma L2 é a sua L1, embora
a Gramática Universal (GU) também tenha um papel a desempenhar neste processo.
Por outras palavras, neste estudo assume-se que, tal como na aquisição da L1, a
aquisição de uma L2 é regulada (‘constrained’) pela GU, distinguindo-se pelo facto de
que os aprendentes de uma L2 já têm o conhecimento da gramática da sua L1, e este
conhecimento constitui o estádio inicial no processamento do input/L2.
Ao longo do seu desenvolvimento linguístico, os aprendentes vão construindo
gramáticas provisórias, as chamadas ‘interlínguas’, que vão sendo reestruturadas em
direcção ao modelo da língua-alvo, com base no input a que estão expostos (Klein &
Martohardjono, 1999: 11). De um modo geral, tanto na aquisição da L1 como de uma
L2, esta reestruturação gramatical tem lugar apenas se o input não puder ser analisado
pela gramática dos aprendentes. Contudo, no processo de aquisição de L2, esta reestruturação pode ser bloqueada devido à influência da L1, mesmo em casos em que o
input (ainda) não é compatível com a gramática dos aprendentes.12 Pode admitir-se
que este bloqueio se deve ao facto de essa gramática “actuar como um filtro,
impedindo que certos aspectos do input da L2 sejam detectados” (White, 2000: 137,
meu sublinhado). Como consequência, alguns traços gramaticais não são
reestruturados, e a gramática atingida no estádio final da aquisição da L2 não
converge com a da língua-alvo.
Assumindo que a mudança linguística é gerida e condicionada pela aquisição
(Lightfoot 1991, 1999), pode admitir-se que é este bloqueio no processo de
restruturação linguística dos aprendentes que leva à estabilização/fossilização13 de
regras e traços gramaticais. Em países multilingues, onde existem comunidades
importantes de falantes de L2, esta não reestruturação parcial da gramática dos
9
aprendentes – para além de outros fenómenos aqui não tratados, como é o caso das
inovações lexicais - dá origem a novas variedades de língua.
Neste estudo, assumindo que o desencadeamento das mudanças gramaticais no
comportamento de constituintes locativos e de verbos direccionais de movimento do
PM resulta da interferência das L1s dos falantes, as LBs, serão apresentadas
propriedades da gramática destas línguas que podem ter afectado o processamento do
input, bloqueando a reestruturação da interlíngua dos aprendentes de Português/L2.
Espera-se assim identificar factores linguísticos relevantes que permitam explicar a
emergência de uma nova gramática do Português em Moçambique.
5 – Comportamento sintáctico de constituintes locativos e direccionais nas
línguas bantu
De acordo com a análise apresentada na secção 3, as alterações que no PM
atingem o comportamento de constituintes com a função de ‘lugar’ e ‘direcção’ dão
evidência da ocorrência de, pelo menos, duas mudanças gramaticais relativamente ao
modelo europeu. Assim, por um lado, os constituintes com a função de ‘lugar’ são
analisados como SNs, e, por essa razão, considera-se que a preposição em que coocorre com SNs em posição de sujeito e objecto directo (Cf. frases (1) e (2)) deve ser
considerada um marcador morfológico deste caso semântico, e não o núcleo de um
SP.14 Por outro lado, esta mudança co-ocorre com uma segunda mudança gramatical,
que consiste na reanálise dos verbos de movimento que, no PM, passam a incorporar
informação sobre ‘direcção’, diferentemente do que acontece no PE, onde estes papéis
semânticos são marcados sintacticamente por diferentes preposições.
Tendo em vista a explicação destas mudanças gramaticais, e assumindo que
elas resultam da interferência das L1s dos falantes no processo de aquisição do
Português como L2, nesta secção serão apresentadas propriedades da gramática das
LBs, que constituem o estádio inicial no processo de aquisição do Português/L2.
Considera-se que estas propriedades das L1s dos aprendentes podem tê-los conduzido
a um processamento dos dados do input/L2 como tendo sido gerados por regras
gramaticais distintas do PE.
Não sendo possível apresentar as propriedades gramaticais de todas as LBs
faladas em Moçambique, tomar-se-á o Changana como língua de referência neste
estudo. Ainda que haja propriedades específicas de cada língua, considera-se que os
10
padrões gramaticais que podem estar a intervir no processamento do input/L2 são de
um modo geral comuns às LBs.
5.1 - Os constituintes locativos nas línguas bantu
O objectivo desta subsecção é apresentar propriedades das LBs/L1s que
podem ter interferido na reanálise da preposição em por parte dos aprendentes do
Português, falantes de LBs/L1s.
Em muitas línguas naturais, incluindo o Português, constituintes com
referência espacial são normalmente realizados como SPs ou SADVs, sendo, por
conseguinte, associados a posições sintácticas de oblíquo ou adjunto. Em contraste, os
constituintes equivalentes nas LBs são normalmente realizados como SNs, com
acesso a posições sintácticas de sujeito e de objecto, para além de poderem também
ocupar posições de oblíquo e de adjunto.15 Ou seja, nestas línguas não há restrições
quanto às posições sintácticas que estes constituintes podem ocupar.
Na sua forma mais simples, o constituinte locativo em Changana é um SN que
pode exibir um dos seguintes quatro formatos: (i) nome marcado pelo sufixo locativo
–eni/-ini; (ii) nome marcado pelo prefixo locativo ka-; (iii) nome co-ocorrendo com a
marca locativa independente ka; e (iv) nome não marcado (locativo inerente).
Exemplo:16
(6) Tin-tombhi ti-y-e
kerek-eni / ka-Gaza / ka kokwani/ bazara.
10-rapariga 10MS-ir-PS 9igreja-Loc/ Loc-Gaza/ Loc 1vovó / 5mercado
‘As raparigas foram à igreja / a Gaza/ à (casa da) vovó/ ao mercado.’
Destas estratégias de codificação do locativo, o recurso ao sufixo –eni/-ini, e à
forma independente ka podem ser consideradas as estratégias de codificação mais
produtivas nesta língua.
O estatuto nominal dos locativos nas LBs justifica-se pelo facto de estes
poderem ser modificados pelos mesmos modificadores usados em geral nestas línguas
com nomes ordinários (não locativos), como sintagmas de genitivo e adjectivos
(exemplos (7)). Além disso, os locativos podem ocupar posições sintácticas de sujeito
e de objecto, podendo, por conseguinte, ser marcados no verbo, através de morfemas
de sujeito ou de objecto (exemplos (8)). 17 Veja-se em primeiro lugar como os nomes
ordinários são modificados em Changana:
(7) a. Xi-komu x-a
mamani xi-nyumb-ile.
7-enxada 7-Gen 1mamã 7MS-desaparecer-PS
‘A enxada da mamã desapareceu.’
11
b. Xi-komu x-a
mamani i xi-tsongo.
7-enxada 7-Gen 1mamã é 7-pequena
‘A enxada da mamã é pequena.’
Conforme os exemplos mostram, o nome xikomu (classe 7) controla os
morfemas de concordância da partícula genitiva –a ‘de’, em (7a), e do adjectivo tsongo, ‘pequeno’, em (7b). Os mesmos efeitos morfo-sintácticos se desencadeiam
quando os locativos desempenham funções idênticas às do nome xikomu em (7):
(8) a. Kerek-eni k-a
hina i kule.
9igreja-Loc 17-Gen nós é longe
‘Na nossa igreja é longe.’ (sem equivalente no PE)
b. Kerek-eni i ku-tsongo.
9igreja-Loc é 17-pequeno
‘Na igreja é pequeno.’ (sem equivalente no PE)
Nestes casos, o morfema de genitivo –a em (8a) e o adjectivo –tsongo
‘pequeno’ em (8b) recebem a marca de concordância locativa da classe 17 (ku-), o
que mostra que o locativo kerekeni desencadeia a concordância com estes
modificadores, tal como acontece com os nomes ordinários nesta língua (exemplos
(7)). 18 Qualquer tentativa de substituir as marcas locativas da classe 17 por outras,
como seja a marca de concordância da classe a que pertence o nome kereke ‘igreja’
(classe 9), leva à agramaticalidade,19 uma evidência de que é efectivamente o locativo
kerekeni, e não kereke, que rege a escolha dessas marcas de concordância.
Os constituintes nominais ocupando as posições de sujeito e de objecto são
marcados no verbo através de marcas de sujeito ou de marcas de objecto, tal como
ilustrado a seguir:
(9) a. [Tin-tombhi] ti-nghen-ile
kerek-eni.
10-rapariga 10MS-entrar-PS 9igreja-Loc
‘As raparigas entraram na igreja.’
b. Mu-fundhisi w-a-ti-tiv-a
([tin-tombhi ]).
1-pastor
1MS-PRE-10MO-conhecer-VF 10-rapariga
‘O pastor conhece-as (as raparigas).’
Em (9a) o sujeito tintombhi (classe 10) ‘raparigas’ exige que a forma verbal
tinghenile ‘entraram’ exiba o morfema de concordância da mesma classe 10, ti-. Da
mesma forma, quando este constituinte ocupa a posição de objecto, exemplo (9b), e
está marcado no verbo, a forma verbal deve exibir a MO dessa mesma classe.
Qualquer tentativa de utilização de marcas de concordância de outras classes leva à
12
agramaticalidade, como em *tintombhi yinghenile e *wayitiva tintombhi, em que se
usam morfemas de concordância da classe 9, classe a que pertence o nome ntombhi
‘rapariga’, a contraparte singular de tintombhi ‘raparigas’. Estas mesmas propriedades
se observam quando as posições sintácticas de sujeito e de objecto são ocupadas por
locativos. Exemplos:
(10) a. [Kerek-eni] ku-nghen-ile
tin-tombhi.
9igreja-Loc 17MS-entrar-PS 10-rapariga
‘Na igreja entraram raparigas.’
b. Tin-tombhi t-a-ku-tiv-a
([kerek-eni]).
10-rapariga 10MS-PRE-17MO-conhecer-VF 9igreja-Loc
‘As raparigas conhecem lá (na igreja).’
Conforme se vê, o locativo kerekeni ‘na igreja’ é marcado nas formas verbais
através do morfema locativo da classe 17 (ku), como sujeito em (10a) e como
objecto20 em (10b), obedecendo, portanto, aos mesmos padrões de marcação verbal
dos nomes ordinários.
Como foi referido atrás, para além de ocupar posições típicas de SN, os
constituintes locativos/SN em Changana podem também ocupar posições que noutras
línguas, incluindo o Português, são tipicamente ocupadas por SPs ou SADVs,
desempenhando as funções de oblíquo ou adjunto. Os casos a seguir são elucidativos:
(11) a. B’ava
mu-fundhisi a-vek-ile
movha [kerek-eni].
1senhor 1-pastor
1MS-pôr-PS 3carro 9igreja-Loc
‘O senhor pastor pôs o carro na igreja.’
b. Tin-tombhi ti-yimb-a
[kerek-eni].
10-rapariga 10MS-cantar-VF 9igreja-Loc
‘As raparigas estão a cantar na igreja.’
Como se procurou mostrar, o locativo nas LBs é considerado um SN, podendo
ocupar posições nucleares (de sujeito e objecto), assim como posições não nucleares
(de oblíquo e adjunto). A hipótese é que esta polivalência sintáctica dos SNs locativos
das LBs tenha interferido na reanálise dos sintagmas em-SN do Português que, como
já foi visto, podem ocupar no PM posições sintácticas nucleares e não nucleares.
5.2 – Os verbos de movimento nas línguas bantu
Conforme já referido, os dados do PM disponíveis fornecem evidências sobre
a reanálise dos verbos de movimento, mostrando que incorporam informação sobre
‘direcção’, diferentemente do que acontece no PE, onde esta informação é expressa
13
através de diferentes preposições. Pode considerar-se que esta mudança gramatical é o
resultado da adopção, na gramática do PM, de um padrão de lexicalização comum nas
LBs, em que o verbo incorpora informação sobre ‘direcção’. Para motivar esta
análise, serão descritos em primeiro lugar os mecanismos gerais de codificação dos
elementos do ‘evento movimento’ (secção 5.2.1) e em seguida far-se-á a descrição de
propriedades das LBs que interferiram na reanálise dos verbos direccionais no PM
(secção 5.2.2).
5.2.1. O evento movimento e a sua estrutura interna
Na teoria proposta por Talmy (1985, 1991), o termo ‘evento movimento’
(‘motion event’) é usado em sentido lato, cobrindo quer situações em que um objecto
se move, quer aquelas em que um objecto se localiza/situa em relação a outro objecto.
Nesta linha, a noção ‘verbo de movimento’, por exemplo, englobará quer items
lexicais que impliquem efectivamente movimento, como correr, passar ou entrar,
quer aqueles que exprimam localização estática, como morar, ficar e localizar-se.21
Um ‘evento movimento’ simples compreende uma ‘figura’ (‘figure’)22,
objecto que se move ou se localiza em algum lugar, e um ‘fundo’ (‘ground’),
espacialidade em relação à qual a ‘figura’ se desloca ou se situa. Estes dois primitivos
semânticos são os elementos centrais da teoria de Talmy.
Para além da ‘figura’ e do ‘fundo’, concebe-se que a estrutura semântica do
evento movimento engloba ainda um ‘percurso’ (‘path’) e um ‘movimento’
(‘motion’). O ‘percurso’ é definido como sendo o curso/trajectória percorrido pela
‘figura’ relativamente ao ‘fundo’. O ‘movimento’ designa a presença em si de
‘movimento’ ou localização no ‘evento movimento’. Adicionalmente, o ‘evento
movimento’ pode integrar ainda elementos designados externos como ‘modo’
(‘manner’) e ‘causa’ (‘cause’). A seguir, ilustra-se a estrutura contendo as
componentes internas de um evento movimento (in Talmy, 1985:61):
(12) The pencil rolled
Figura
Mov+Mod
off
the table.
Percurso
Fundo
‘O lápis rolou para fora da mesa.’
14
Nesta frase, the pencil ‘o lápis’ funciona como ‘figura’ e the table ‘a mesa’
como o ‘fundo’. A partícula verbal off exprime o ‘percurso’, e a forma verbal rolled
‘rolou’ exprime ‘movimento’ e ao mesmo tempo ‘modo’, já que descreve a forma
como ‘o lápis’ se moveu da mesa, ‘rolando’.
Dependendo da relação de predicação, o ‘fundo’ pode exprimir ‘lugar’,
‘trajectória’, ‘origem’ ou ‘destino’ (‘alvo’). A função semântica ‘lugar’ designa o
espaço em que o ‘evento movimento’ ocorre; a função ‘origem’ corresponde ao
espaço a partir do qual o ‘movimento’ da ‘figura’ se inicia; a função ‘destino’
corresponde ao espaço almejado ou em que o ‘movimento’ da ‘figura’ termina; a
‘trajectória’ corresponde a um ponto intermédio do ‘percurso’, diferente de ‘origem’ e
‘destino’, por onde a ‘figura’ se move.
Para Talmy (1985), na expressão destes elementos semânticos do ‘evento
movimento’, as línguas naturais servem-se de elementos da estrutura de superfície
como Verbo, Preposição/Posposição (‘Adposition’), Oração Subordinada e Satélite
(‘satellite’).23 Em (12), por exemplo, o SN the table exprime o ‘fundo’ e o satélite off
exprime ‘direcção-origem’.24 Talmy mostra, contudo, que na maior parte das vezes a
relação entre a estrutura semântica e a estrutura sintáctica não é de ‘um-para-um’,
podendo um mesmo elemento da estrutura de superfície exprimir diferentes elementos
da estrutura semântica.
Por exemplo, em (12), o verbo ‘rolled’ exprime
simultaneamente ‘movimento’e ‘modo’.
Nesta linha, e tomando como base a informação semântica expressa pelos
verbos de movimento de diferentes línguas naturais, Talmy (1985, 1991) nota que,
para além de ‘movimento’, estes verbos tendem a incorporar também ‘percurso’,
‘modo/causa’ ou ‘figura’. Assim, por exemplo, umas línguas privilegiam a fusão entre
‘movimento’ e ‘percurso’, ao passo que noutras há fusão entre ‘movimento’ e
‘modo/causa’. Por exemplo, o Inglês lexicaliza preferencialmente o paradigma em
que ocorre a fusão entre ‘movimento’ e ‘modo/causa’ (exemplo (12)), ao passo que o
Português (Batoréo, 2000), e as línguas românicas em geral, privilegia a fusão entre
‘movimento’ e ‘percurso’25. Exemplo:
(13) O cão
Figura
saiu
de
Mov+Fora Or
a cozinha.
Fundo
Este exemplo mostra que em Português o verbo sair incorpora ‘movimento e
‘percurso’, representado no esquema pela expressão ‘fora’.
15
Schaefer (1996) constatou que as línguas africanas também lexicalizam
preferencialmente o ‘movimento’ e o ‘percurso’, uma característica confirmada por
Sitoe (2001) em relação ao Changana.
Nestes casos, em que os verbos de movimento exprimem simultaneamente
‘movimento’ e outro elemento do ‘evento movimento’ (normalmente, ‘percurso’,
‘modo/causa’ ou ‘figura’), Talmy refere que a língua adopta o padrão de lexicalização
designado ‘verb-framing’.26 Nos casos em que o verbo de movimento exprime apenas
‘movimento’, cabendo a satélites a expressão de outros elementos semânticos, este
padrão é designado por Talmy como ‘satellite-framing’.
Como se ilustrou a partir do exemplo (12), na expressão de ‘movimento’ e
‘modo’, o Inglês adopta preferencialmente o padrão ‘verb-framing’, uma vez que
estes dois elementos estão ambos incorporados no verbo. No entanto, na expressão de
‘movimento’ e ‘percurso’, esta língua adopta preferencialmente o padrão ‘satelliteframing’, ao passo que o Francês adopta o padrão ‘verb-framing’. Vejam-se os
exemplos a seguir, extraídos de Schaefer (1996):
(14) a. The boy moved across the road. (Inglês)
(Francês)
b. Le garçon a traversé la rue.
‘O rapaz atravessou a rua.’
Enquanto no exemplo do Inglês (14a) a ideia de ‘movimento’ é expressa
através do verbo move e o ‘percurso’ através do satélite across, no caso do Francês
(14b) estes dois elementos estão incorporados na mesma forma lexical, o verbo
traverser. O Inglês é assim classificado como uma língua ‘satellite-framing’ e o
Francês é considerado uma língua ‘verb-framing’ (cf. Talmy, 1985, 1991; Schaefer,
1996). A classificação de uma língua como ‘verb-framing’ ou ‘satellite-framing’ não
significa, contudo, que nessa língua não possam ocorrer estruturas que obedeçam ao
padrão alternativo. Por exemplo, apesar de o Inglês ser um caso de língua
eminentemente ‘satellite-framing’, o evento descrito em (14a) poderia ser
alternativamente codificado como em (15), onde o verbo cross27 ‘atravessar’
incorpora simultaneamente ‘movimento’ e ‘percurso’, tal como no exemplo (14b) do
Francês.
(15) The boy crossed the road.
Antes de finalizar esta secção, e tendo em vista uma descrição apropriada das
LBs, importa referir que o elemento semântico ‘percurso’ encerra certa complexidade.
Com efeito, o ‘percurso’, para além de cobrir a expressão de uma variada gama de
16
especificações semânticas como exterioridade (fora/‘out’), interioridade (dentro/‘in’),
trajectória (por/‘via’), distanciamento (para longe de / ‘away-from’), subsume
também a expressão da ‘direcção’ propriamente dita, como ‘origem’ (de/‘from’) e
‘destino’ (para/‘to’). Numa relação de predicação, podem estar contidos diferentes
elementos semânticos do ‘percurso’. Em relação a este aspecto, as línguas
distinguem-se quanto às estratégias que adoptam para a expressão desses elementos
semânticos. Por exemplo, tipicamente, o Inglês e o Português exprimem a ‘direcção’ a
partir de preposições, mas distinguem-se quanto à expressão de especificações
semânticas como ‘fora’ e ‘dentro’. No Português estas noções estão normalmente
incorporadas no verbo de movimento, ao passo que o Inglês as exprime normalmente
através de ‘satélites’. Exemplos:
(16) The dog went out of
Mov fora Or
‘O cão saiu da cozinha.’
(17) O cão
saiu
de
Mov+fora Or
the kitchen.
a cozinha. (idem (13))
Nestes dois casos, o ‘percurso’ definido inclui os elementos semânticos ‘fora’
e ‘origem’. No caso do Inglês, estas noções são expressas a partir do satélite ‘out’
(‘fora’) e da preposição ‘of’ (origem), não estando portanto incorporadas no verbo.
Em contraste, no caso do Português, a noção ‘fora’ está incorporada no verbo, ao
passo que a ‘direcção-origem’ é expressa pela preposição ‘de’. Este é o padrão típico
de expressão do ‘percurso’ em Português. Como se verá na secção a seguir, nas LBs
os diferentes elementos semânticos do ‘percurso’ são, no geral, inteiramente
expressos pelo verbo de movimento.
5.2.2 – Lexicalização de ‘movimento’ e ‘percurso’ nas LBs
O objectivo desta subsecção é apresentar uma descrição de propriedades da
gramática das LBs que interferiram na reanálise dos verbos direccionais no PM.
As LBs enquadram-se no tipo de línguas em que o verbo de movimento
incorpora preferencialmente ‘movimento’ e ‘percurso’, incluindo a ‘direcção’
(‘origem’ e ‘destino’). Para se ilustrar este padrão de lexicalização, considerem-se os
seguintes exemplos do Changana, extraídos de Sitoe (2001:26):
(18) a. Tin-tombhi
10-rapariga
ti-hum-a
[kerek-eni].
10MS-sair.de-VF 9igreja-Loc
Mov+Fora+Or
17
‘As raparigas saem da igreja’.
b. Tin-tombhi ti-nghen-a
10-rapariga 10MS-entrar.em-VF
Mov+Dentro+Dt
‘As raparigas entram na igreja.’
[kerek-eni].
9igreja-Loc
Conforme se pode ver, as formas verbais tihuma ‘saem’, em (18a), e tinghena
‘entram’, em (18b), exprimem simultaneamente ‘movimento’ e ‘percurso’. O
‘percurso’ abarca os elementos semânticos ‘exterioridade’ (18a) e ‘interioridade’
(18b), e ainda ‘direcção-origem’ (18a) e ‘direcção-destino’ (18b). O facto de em
ambos os casos os verbos co-ocorrerem com o mesmo locativo SN kerekeni ‘na
igreja’ pode ser usado como uma forte evidência de que, para além dos elementos do
percurso ‘fora’ e ‘dentro’, os verbos de movimento incorporam também a ‘direcção’
(‘origem’ ou ‘destino’). Por essa razão, a ‘direcção’ não é expressa por nenhum outro
elemento lexical ou morfológico.
Note-se que no caso do Changana, a incorporação da ‘direcção’ no verbo é
inteiramente válida quanto à ‘direcção-destino’, dado que estes verbos não
co-ocorrem nunca com marcas formais alternativas para a sua expressão. Contudo, no
que diz respeito à ‘direcção-origem’, esta língua dispõe da preposição direccional hi
para a expressão deste tipo de ‘direcção’. Esta preposição é facultativa com verbos
orientados para a ‘origem’, mas obrigatória com verbos orientados para ‘destino’.
Para ilustrar estes casos, considerem-se os exemplos a seguir:
(19) Tin-tombhi ti-hum-a
[kerek-eni] / [hi
10-rapariga 10MS-sair.de-VF 9igreja-Loc / de
‘As raparigas saem da igreja.’
kerek-eni].
9igreja-Loc
(20) a. B’ava a-fik-ile
[ka-Maputsu].
1papá 1MS-chegar.a-PS Loc-Maputo
‘O papá chegou a Maputo.’
b. B’ava a-fik-ile
[hi [ka-Maputsu]].
1papá 1MS-chegar.a-PS de Loc-Maputo
‘O papá chegou de Maputo.’
Em (19) o verbo de movimento huma ‘sair.de’ tanto pode ocorrer com o SN
locativo kerekeni ‘na igreja’ quanto com o SP [hi kerekeni] ‘de na igreja’ sem que
isso altere o sentido da frase. Em ambos os casos a relação semântica que se
estabelece entre o verbo e o locativo é a mesma, uma vez que kerekeni funciona como
18
o ponto inicial do movimento, mostrando assim que a preposição hi não é crucial na
expressão da ‘direcção-origem’.
Em contraste, em (20), onde ocorre o verbo fika ‘chegar’, orientado para o
‘destino’, a presença ou ausência da preposição hi é crucial na interpretação das
frases. Com efeito, em (20a) o locativo kaMaputsu ‘em Maputo’ apenas pode ser
interpretado como exprimindo o lugar de ‘destino’. Para que este mesmo locativo
exprima a ‘origem’, é necessário que seja regido pela preposição direccional hi que,
como se viu, exprime esta função semântica (cf. (20b)).
Pode considerar-se que o facto de os verbos de movimento nas LBs
incorporarem informação sobre ‘direcção’, constitui um factor de relevo no abandono
das diferentes preposições direccionais do PE pelos aprendentes do Português/L2. De
acordo com a análise a ser aqui proposta, admite-se que os aprendentes reanalisem os
verbos de movimento como incorporando ‘direcção’, à semelhança do que acontece
nas suas L1s, e por essa razão, estes verbos co-ocorrem com o constituinte locativo
(em-SN ou SN), sendo dispensadas as preposições direccionais do PE.
6 – Papel das LBs no desencadeamento das mudanças gramaticais no PM
Neste estudo, assumindo que as mudanças no comportamento sintáctico de
constituintes locativos e de verbos direccionais resultam do processo de aquisição do
PM por falantes com L1s bantu, foram apresentadas as propriedades gramaticais
destas línguas que podem ter interferido no processamento do input/PE, bloqueando a
reestruturação da interlíngua dos aprendentes. Estas mudanças serão agora retomadas,
procurando-se estabelecer de que forma o conhecimento das LBs afectou o
estabelecimento destas propriedades, impedindo a convergência com a língua-alvo, o
PE.
No que se refere à mudança que atinge os constituintes locativos, pode
considerar-se que tem um papel determinante na reanálise da preposição em a
“polivalência” sintáctica destes constituintes nas LBs, nomeadamente a ausência de
restrições relativamente às posições sintácticas que podem ocupar. Assim, como se
viu, embora nestas línguas os constituintes locativos sejam considerados SNs –
realizados morfologicamente através de marcas específicas (cf. exemplo (6)) – eles
podem ocupar posições sintácticas que, noutras línguas, são tipicamente ocupadas por
sintagmas preposicionais ou adverbiais.
19
No PM, uma primeira evidência da interferência desta propriedade das L1s
dos falantes reside na atribuição da categoria nominal aos constituintes locativos, que
são assim realizados como SNs propriamente ditos ou como sintagmas em-SN. Em
qualquer dos casos, estes constituintes exibem alta mobilidade sintáctica, uma vez que
podem ocupar posições de sujeito, objecto directo e oblíquo. Como se viu, a primeira
opção é mais fraca, uma vez que, tanto quanto as evidências empíricas mostram, na
gramática dos adultos sobrevivem poucos casos em que estes constituintes são
realizados como SNs (cf. frases (5)), sendo a opção em que estes constituintes
apresentam o formato em-SN aquela que tem tendência a prevalecer (cf. frases (1) a
(4)).
No que se refere mais especificamente a este último formato, foi aqui referido
que a preposição em não constitui o núcleo de um sintagma preposicional, devendo
antes ser interpretada um marcador “morfológico” de caso (semântico) locativo. Face
aos dados aqui apresentados sobre as propriedades dos constituintes locativos nas
LBs, pode considerar-se que esta reanálise da preposição em resulta da interferência
das L1s dos falantes, nas quais estes constituintes são marcados através de diferentes
estratégias (prefixos, sufixos, morfemas livres, etc.). Pode assim admitir-se que a
perda de traços sintácticos da preposição em resulta de um fenómeno mais geral, de
acordo com o qual, sendo os locativos fixados como constituintes nominais, a
preposição em constitui a estratégia morfológica de codificação locativa. Dada esta
reanálise, no PM os constituintes nominais locativos em-SN podem ocupar posições
típicas de SNs (de sujeito e objecto directo), como acontece nas frases (1) e (2), sem
que isso represente uma violação dos princípios da gramática universal.
É provável que a escolha da preposição em como marcador morfológico de
caso locativo esteja relacionada com a ambiguidade das evidências geradas pela
gramática do PE para aprendentes com L1s bantu. Com efeito, o input gerado pela
gramática do PE contém muitas estruturas em que os sintagmas preposicionais
regidos pela preposição em correspondem nas LBs a SNs locativos. Estão neste caso
os chamados complementos circunstanciais de lugar, que co-ocorrem no PE com
verbos como estar, dormir, viver, etc. Exemplos:
(21) PE: As raparigas rezam/dormem/vivem
Changana: Tinthombi
na igreja.
tikhongela/tiyetlela/tihanya kerekeni
20
Como se pode ver, o sintagma preposicional locativo do PE, na igreja,
corresponde nas LBs a um SN locativo, kerekeni. Face a este tipo de evidências, pode
admitir-se que, ao longo do desenvolvimento linguístico dos aprendentes, tenha
emergido uma propriedade gramatical de acordo com a qual a preposição em, que no
PE rege os constituintes locativos, é fixada como marcador morfológico deste tipo de
constituintes, com uma função equiparável às diferentes estratégias usadas na
codificação destes constituintes nas LBs. Assim, uma vez fixado este papel não
sintáctico para esta preposição, os sintagmas referentes a lugar, regidos pela
preposição em já não são tomados como sintagmas preposicionais propriamente ditos,
e, como tal, podem ocupar as posições típicas de SNs locativos.
Pode admitir-se que, em termos de aquisição do Português como L2, este
fenómeno decorre da ambiguidade do input para aprendentes com L1/LBs, resultando
do facto de os sintagmas em-SN do PE poderem ser analisados pelos aprendentes
desta língua como uma estratégia de codificação de constituintes locativos,
equiparável às que estão disponíveis nas L1s/LBs. Conforme já demonstrado por
Gonçalves (2002: 326), certas estruturas gerada pela gramática de uma dada língua
podem ser ambíguas apenas para os aprendentes dessa língua como L2, devido à
influência do conhecimento que já têm da gramática da sua L1, i.e., a ambiguidade da
L2 resulta da possibilidade de as evidências geradas pela sua gramática poderem ser
analisadas na base de propriedades gramaticais das L1s dos aprendentes. Esta
perspectiva de análise do processo de aquisição de uma L2 implica assim que é
necessário articular o conhecimento prévio da L1 com o formato das evidências
geradas pela gramática da língua-alvo/L2, que consituem o input para os aprendentes.
Apesar da importância do input no desencadeamento das mudanças gramaticais que
atingem os constituintes locativos e direccionais no PM, está para além dos objectivos
deste estudo uma análise mais aprofundada desta componente do processo de
aquisição.28
No que se refere à mudança que atinge os verbos direccionais de movimento
(cf. frases (3) a (5)), pode considerar-se que ela resulta não só da adopção do padrão
de lexicalização destes verbos nas L1s dos falantes, como tem igualmente de ser
articulada com a fixação dos locativos como constituintes nominais (em-SN ou SNs
propriamente ditos) na gramática do PM.
Vejam-se em primeiro lugar alguns aspectos relacionados com propriedades
dos verbos direccionais de movimento. Como se viu na secção 4, embora as LBs e o
21
PE fixem o padrão ‘verb framing’ para este tipo de verbos, estas línguas são distintas
no que se refere à codificação de ‘percurso-direcção’: nas LBs os verbos incorporam
este elemento semântico, ao contrário do que acontece no PE, onde este é expresso
através de preposições direccionais. A título de exemplo deste contraste, retome-se a
frase (18a) do Changana, aqui renumerada (22a), e veja-se a estrutura da sua
correspondente no PE (22b):
(22) a. Tinthombi tihuma________ kerekeni.
Mov +Fora+Or Fundo
b. As raparigas saem_____ de a igreja.
Mov +Fora Or Fundo
Como se pode verificar, enquanto no PE a ‘direcção’ (neste caso ‘origem’) é
marcada pela preposição de, nas LBs pode não estar marcada por nenhum elemento
lexical, e, por essa razão, o verbo pode co-ocorrer apenas com o constituinte
(nominal) da classe locativa (kerekeni). Em frases equivalentes do PM, este mesmo
verbo apresenta uma estrutura idêntica às LBs, isto é, tal como nestas línguas, coocorre apenas com o constituinte (nominal) locativo, não existindo nenhum elementos
lexical (preposição ou outro) que desempenhe a função de ‘direcção-origem’. As
frases (4) e (5b), aqui renumeradas (23), dão conta desta propriedade:
(23)
a. está a sair [SN/locativo no estúdio ]
b. eu saiu lá [ SN/locativo no Xiquelene ]
c. saímos [ SN/locativo Matalane ]
Como se viu anteriormente, se a adopção no PM do padrão de lexicalização
dos verbos das LBs pode explicar a não realização das preposições direccionais do
PE, esta mudança gramatical não explica, só por si, por que razão estes verbos coocorrem no PM com sintagmas em-SN (frases (23a e b)), e não apenas com SNs como
acontece na frase (23c). A fim de dar conta deste fenómeno, foi aqui defendido que a
mudança gramatical que atinge os verbos direccionais de movimento no PM tem de
ser articulada com a mudança no formato dos constituintes locativos. Com efeito, se
se considerar que os sintagmas em-SN no estúdio (23a) e no Xiquelene (23b)
representam constituintes nominais locativos, verifica-se que estas frases apresentam
uma estrutura semântica idêntica à que foi atribuída à frase do Changana (22a):
(23)’
a. está a sair________ no estúdio
Mov +Fora+Or Fundo
22
b. eu saiu________
Mov +Fora+Or
lá no Xiquelene
Fundo
Como se viu anteriormente, esta análise exclui a hipótese de a preposição em
estar a ser usada ‘em-vez-de’ uma preposição direccional, mostrando-se por isso mais
adequada.
Resumindo os argumentos sobre o comportamento sintácticos dos verbos
direccionais de movimento no PM, pode considerar-se que, por um lado, houve
interferência das L1s dos falantes, verificando-se que é atribuído a estes verbos o
mesmo padrão de lexicalização fixado pela gramática das LBs. Em consequência
desta interferência, a informação sobre ‘percurso’ está codificada no verbo e, por essa
razão, no PM as preposições direccionais do PE não estão realizadas lexicalmente.
Por outro lado, a fim de dar conta da realização dos complementos destes verbos
como em-SN (cf. frases (3) e (4)), é necessário admitir que estas frases foram
geradas por uma (nova) gramática, distinta do PE, em que os constituintes nominais
locativos podem apresentar o formato em-SN.
Conforme foi assinalado, as frases (3c e d), aqui renumeradas (24), apresentam
uma estrutura um pouco mais complexa do que as frases (3a e b) e (4), uma vez que
contêm, para além do sintagma em-SN, a preposição direccional para:
(24) a. levaram para lá na igreja
b. voltou para no Maputo
Embora este tipo de estruturas tenha pouca relevância quantitativa nos dados
produzidos pelos falantes adultos, elas são sem dúvida importantes como “fósseis” de
estágios anteriores do desenvolvimento linguístico dos aprendentes (cf. Nota 11).
Com efeito, nos dados de interlíngua, este tipo de estruturas é relativamente frequente,
mostrando assim a existência de um estágio anterior, em que já está fixado o formato
em-SN para os constituintes locativos, mas em que, no que se refere aos verbos
direccionais de movimento, ainda não foi fixado o padrão ‘verb framing’ que se exibe
na gramática dos adultos. Observadas numa perspectiva de aquisição, as frases (24),
em que a preposição direccional para está presente e co-ocorre com constituintes emSN, podem considerar-se evidências de um estágio intermediário no desenvolvimento
linguístico dos falantes, em que, por interferência das LBs, os constituintes locativos
já apresentam o formato em-SN, mas em que ainda é adoptado o padrão de
lexicalização dos verbos direccionais de movimento fixado pelo PE.29 Apesar da
23
importância que esta perspectiva de aquisição possa ter para a compreensão das
mudanças gramaticais aqui analisadas, não é possível desenvolvê-la no contexto deste
estudo, dedicado ao papel das L1s no formato da gramática do PM.
7 – Conclusões
Este estudo teve como principal objectivo mostrar o papel das L1s dos falantes
do PM no desencadeamento das mudanças gramaticais que afectam constituintes
locativos e verbos direccionais de movimento. Assim, tomando como base uma
descrição destas áreas da gramática das LBs, mostrou-se que, em qualquer dos casos,
aquelas duas mudanças gramaticais têm de ser articuladas com a interferência do
conhecimento prévio das propriedades destas línguas no processamento do input. Dito
de outra maneira, ao articular aquelas mudanças gramaticais com a gramática das L1s
dos falantes do PM, fica não só mais bem fundamentada empiricamente a análise aqui
defendida, como também ficam afastadas hipóteses explicativas pouco verosímeis do
ponto de vista cognitivo. Recorde-se que, tal como foi referido na secção 2, seriam
pouco plausíveis hipóteses em que se admitisse que a gramática do PM é compatível
com uma gramática ‘selvagem’ (caso se considerasse por exemplo que a posição de
sujeito é ocupada por sintagmas preposicionais), ou em que se admitisse um grande
número de falhas na aquisição do PM (caso se considerasse por exemplo que as
diferentes preposições direccionais do PE não foram retidas, sendo substituídas pela
preposição em).
Apesar da validade e relevância da análise aqui apresentada, considera-se que
esta área do PM necessita ainda de ser investigada noutras perspectivas. Como se viu,
a hipótese de interferência das L1s no desencadeamento das mudanças não dá conta
por si só da emergência dos novos traços gramaticais no PM. Com efeito, se é verdade
que as L1s desempenham um papel de relevo, também é verdade que essa
interferência não explica por que razão não chegou a ocorrer a reestruturação da
interlíngua dos aprendentes. Para explicar a fossilização dos novos traços gramaticais,
é necessário tomar em consideração outras componentes do processo de aquisição do
Português/L2, nomeadamente avaliar de que forma o input gerado pela gramática do
PE desencadeia (‘trigger’) esses novos traços. Esta componente do processo de
aquisição foi aqui pouco aprofundada, apesar de ela poder, sem dúvida, contribuir
para uma melhor compreensão destas mudanças. Além disso, como se viu, os dados
de
interlíngua
podem
fornecer
informação
adicional
sobre
estágios
do
24
desenvolvimento desta área da gramática do PM, revelando estratégias intermediárias
de aquisição, anteriormente estabelecidas pelos aprendentes, que acabam por
fossilizar no estádio final da aquisição.
Estas são perspectivas ainda em aberto para futuras investigações sobre esta
área do PM, que não só podem contribuir para uma clarificação dos mecanismos que
conduzem às mudanças gramaticais no comportamento de constituintes locativos e de
verbos direccionais de movimento, como também podem ser tomadas como evidência
empírica para generalizações mais amplas sobre a aquisição de L2s em contextos
multilingues.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1
Este estudo foi realizado no quadro do projecto de investigação “A expressão do espaço e do
movimento no Português de Moçambique” (Faculdade de Letras/Universidade Eduardo Mondlane,
2002-03), financiado pela Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacional (ASDI/SAREC).
2
Cf. Firmino (2000).
3
Esta situação difere da história do Português no Brasil onde se admite que possa ter ocorrido um
processo de crioulização, devido à actuação de um conjunto diversificado de factores históricos e
sociais. Vários autores defendem assim a hipótese de formação de um “semi-crioulo” (Holm 1992) ou
de ocorrência de um processo de crioulização “leve” (não radical) em contextos de transmissão
linguística irregular (Baxter 1998; Lucchesi & Baxter no prelo). Note-se, contudo, que esta é ainda hoje
uma questão polémica, havendo igualmente autores que refutam que o Português do Brasil tenha uma
história crioula (cf. Naro & Scherre (1993) ou Tarallo (1993)).
4
Ao destacar a variação do PM ao longo de um continuum, pretende-se apenas mostrar que,
provavelmente devido ao facto de este ser adquirido como língua não materna, a distância entre os
vários lectos deste continuum é mais nítida do que em línguas adquiridas como L1, como é o caso do
PE, onde existe igualmente variação a vários níveis (dialectal, social, etc.).
5
É interessante assinalar que, no Português do Brasil, esta mesma preposição é também usada com
complementos de verbos de movimento com a função de ‘direcção’ (destino) (ir, chegar), mas não com
constituintes locativos ou direccionais (relativos a ‘origem’), como acontece no PM. Num estudo sobre
a regência de argumentos do verbo ir, Mollica (1996), assumindo que a regência não padrão pela
preposição em não é aleatória, estabelece alguns factores contextuais que podem condicionar a sua
escolha, nomeadamente a ‘configuração do espaço’ e o ‘grau de definitude’ do referente. A autora
conclui que a preposição em é preferida às preposições a/para em contextos em que o nome locativo é
[+ fechado] (cf. cinema ou casa) e é [+ definido], sendo acompanhado pelo artigo definido ou pronome
possessivo/demonstrativo. Como se verá, uma tal perspectiva de análise não parece dar conta das regras
que condicionam a utilização da preposição em com constituintes locativos e direccionais no PM.
27
6
Os dados do PM também evidenciam alterações sistemáticas na realização sintáctica de constituintes
com a função “trajectória”, que ocorrem regidos pela preposição de. Exemplo: passou da Beira. Este
tipo de constituintes não será aqui analisado, uma vez que não está associado ao uso desviante da
preposição em no PM.
7
Note-se que os verbos chamar e comprar, incluídos neste grupo, não seleccionam propriamente
argumentos ‘direcção’ (destino), podendo contudo co-ocorrer com argumentos ‘alvo’ (referentes a
lugar). Exemplos: fui chamado para cá Maputo (= ... para cá para Maputo); vou comprar para aqui
em casa (= ... para aqui para casa).
8
Embora este corpus tenha sido produzido por 100 informantes, para os efeitos desta amostragem,
apenas se trabalhou com 20 informantes.
9
Exceptua-se o verbo entrar, cujos argumentos ‘destino’ são regidos pela preposição em. Conforme
assinalado por um “reviewer” anónimo, não é de excluir a hipótese de que, para os falantes do PM, esta
regência preposicional possa ter constituído uma evidência em favor do uso da preposição em com
argumentos com este papel semântico.
10
Cf. Secções 5 e 6, sobre a adopção no PM do padrão ‘verb-framing’ das LBs (Talmy, 1991), para os
verbos de movimento.
11
É interessante assinalar que, ao longo do desenvolvimento linguístico dos aprendentes de
Português/L2 ocorrem frequentemente estruturas idênticas a (3d) e (3a)’. Exemplos:
(i) um dia foi para lá em casa do gigante (aluno do ensino primário, 3ª classe)
(ii) escreveu uma carta para na PRM (aluno do ensino primário, 5ª classe)
(iii) retirou para num lugar (aluno do ensino primário, 7ª classe)
12
Para uma visão panorâmica do papel da interferência da L1 na aquisição de uma L2, veja-se Gass
(1996), Siegel (1999) e Odlin (2003).
13
Considera-se que existe “fossilização” (Selinker, 1972) nos casos em que parece ter ocorrido na
interlíngua dos aprendentes a “retenção permanente de regras e formas desviantes” (Long, 2003).
14
Conforme se referiu na secção 3, esta análise permite dar conta de frases como [na nossa zona] era
fértil, em que só aparentemente as posições de sujeito e objecto directo são ocupadas por SPs regidos
pela preposição em.
15
Como Bresnan (1994: 104) estabelece, nas línguas naturais, só constituintes nominais podem ocupar
posições sintácticas de sujeito e de objecto (directo ou primário), o que não impede, contudo, que estes
constituintes possam ocupar posições de oblíquo e de adjunto.
16
Nas glosas, os números antes dos nomes ou das marcas de concordância nas palavras dependentes
indicam a respectiva classe nominal. Assim, por exemplo, em (6) o nome tin-tombhi pertence à classe
10 (10-rapariga); a forma verbal ti-y-e, por seu lado, exibe a marca de sujeito da classe 10 ti-. Veja-se a
seguir a lista completa dos símbolos usados nas glosas: GEN – genitivo; Loc – locativo; MO – marca
de objecto; MS - marca de sujeito; PS – passado; VF – vogal final.
17
Estes têm sido alguns dos critérios usados para justificar o estatuto nominal de locativos noutras
LBs. A este respeito, veja-se, por exemplo, Moshi (1994), em relação ao Kivunjo-Chaga, e Machobane
(1995), em relação ao Sesotho. Para mais desenvolvimentos em relação ao Changana, veja-se
Chimbutane (2002).
18
É importante sublinhar que a sufixação como estratégia de marcação locativa no Changana (cf.
kereke-eni) pode ser vista como alternativa à perda de produtividade na utilização dos prefixos
locativos do Proto-Bantu (classes 16, 17 e 18). Assim, ainda que os locativos formados por sufixação
possam manter o prefixo da classe da base de que derivam (cf. xi-kolwe ‘escola’ xi-kolw-eni ‘na
escola’), exigem morfemas da classe 17 para a concordância, o que mostra que, uma vez aplicada a
sufixação, já não pertencem à classe da base.
19
Com efeito, estruturas como kerekeni ya hina e kerekeni i yitsongo em que o genitivo e o adjectivo
recebem o morfema de concordância da classe 9, yi-, não são aceites nesta língua.
20
Também neste caso, a utilização de outros morfemas de concordância diferentes dos da classe 17
leva a construções mal formadas, como em *kereke-ni yinghenile... e *...tayitiva kerekeni, em que se
usam morfemas de concordância da classe 9, classe a que pertence o nome kereke ‘igreja’.
21
Para argumentos a favor da integração de verbos estativos no âmbito de verbos de movimento,
veja-se Teixeira (1998).
22
A Figura equivale a Tema (‘Theme’) em Gruber (1976).
23
Talmy (1985:102) define ‘satélites’ como constituintes imediatos de radicais verbais, diferentes de
marcas flexionais, auxiliares ou argumentos nominais. As partículas verbais do Inglês como across,
apart e forth e prefixos verbais do Português como a- e des-, em a-costar e des-locar, são exemplos
deste tipo de marcas lexicais. Talmy distingue preposições/posposições de satélites, e chama a atenção
28
para o facto de em algumas línguas, como o Inglês, algumas formas lexicais poderem funcionar como
preposições e como satélites.
24
Jackendoff (1990) usa os termos ‘place-function’ e ‘path-function’ para designar, respectivamente,
os marcadores de ‘lugar’ e de ‘percurso’, como satélites, preposições e afixos.
25
Ainda que menos frequentes, Batoréo (1998; 2000) mostra que no Português são possíveis outros
paradigmas de lexicalização, como os centrados na ‘figura’ (cf. esburacar), no ‘fundo’ (cf. aquartelar)
ou no ‘modo’ como o ‘movimento’ é efectuado (cf. voar).
26
Nestes casos, diz-se que os elementos semânticos ‘movimento’ e ‘percurso’ estão
incorporados/fundidos no verbo. Como Talmy (1985:60) aponta, lexicalização (‘lexicalization’),
incorporação (‘incorporation’) e fusão (‘conflation’) são termos usados para referir a representação de
sentidos em formas de superfície. Contudo, adianta o autor, eles distinguem-se quanto às conotações e
enfoques a que se associam na literatura. Neste estudo, a utilização de cada um dos três termos
dependerá da relação semântico-estrutural que se pretender destacar.
27
Nesta classe enquadram-se verbos como descend ‘descer’, enter ‘entrar’, exit ‘sair’, pass ‘passar’ e
return ‘regressar’. Talmy (1985:72) considera que a maior parte destes verbos entraram para o Inglês
por via das línguas românicas.
28
Uma pesquisa orientada nesta perspectiva deveria ainda incorporar outro tipo de factores,
relacionados, por exemplo, com as propriedades semânticas e sintácticas das preposições do PE em
geral, e da preposição em em particular (cf. Cunha & Cintra (1984) e Carvalho (1991:42)).
29
Veja-se a manipulação das frases do corpus (3)’ e (4)’, artificialmente geradas para efeitos da
demonstração, que têm as mesmas características que as frases (3c e d)/(24).
29
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