Disciplina de Parasitologia Curso de Medicina 2016 Aula 17/03/16: Toxoplasmose Profa. Dra. Juliana Quero Reimão Toxoplasmose • Generalidades • Zoonose cujo quadro clínico no homem varia desde infecção assintomática a manifestações extremamente graves. • Agente etiológico • Toxoplasma gondii • Parasita heteroxeno eurixeno • Inúmeros hospedeiros possíveis • Animais de sague quente • > 30 espécies de aves e 300 de mamíferos • Hospedeiros intermediários • Felídeos • Hospedeiros definitivos Toxoplasmose • Importância • Cosmopolita • 40% a 80% de soropositivos • 1% apresenta sintomas • Em recém nascidos • Aborto, prematuridade, lesões neurológicas e oculares • Em imunodeprimidos • Infecção oportunista • AIDS: 30% apresentam sintomas • Principalmente no sistema nervoso central • Quadros graves “o homem vive num mar de toxoplasma” Epidemiologia • Distribuição • Mundial (todos os continentes) • Maior em áreas rurais • Aumenta com a idade • Ligada a aspectos culturais e higiene • Consumo de carne crua, contato com gatos, insetos veiculadores • Prevalência • Mundial: 25-50% • Brasil: 50-80% • Número de recém-nascidos vivos com toxoplasmose: 2 a 4 em 1.000 • Ampla distribuição na natureza • Gatos (19%), suínos (23%), bovinos (32%), ovinos (35%), equinos (20%) e caprinos (40%) fontes de transmissão O parasito Classificação Reino Protista Filo Subfilo Mastigophora (flagelo) Sarcomastigophora Sarcodina (pseudópodes) Apicomplexa (complexo apical) Ciliophora (cílios) Gênero representativo Principais doenças Leishmania Trypanosoma Giardia Trichomonas Leishmaniose Doença de Chagas Giardíase (diarreia) Tricomoníase (vaginite) Entamoeba Amebíase (diarreia) Plasmodium Toxoplasma Cystosospora Cyclospora Cryptosporidium Malária Toxoplasmose Diarreia Diarreia Diarreia Balantidium Balantidíase (diarreia) Conóide Ultraestrutura • Conóide, micronemas e roptrias • Adesão e penetração Micronema Complexo apical Roptrias Apicoplasto • Acidocalcissomos • Reserva de cálcio • Regulação osmótica • Apicoplasto • Vestígio de cloroplasto • Sensível a antibióticos • Citóstoma • Especializada em fagocitose • Forma de funil Complexo de Golgi Mitocôndria Grânulo denso Citóstoma núcleo • Grânulos densos • Organelas secretoras • Remodelação do vacúolo Retículo endoplasmático rugoso Acidocalcissomo Morfologia • Taquizoítas • • • • • Conóide Micronemas Roptrias 2 x 6 M Forma de arco ou banana Um das extremidades estreita Forma infectante (possuem complexo apical) Encontrada na fase aguda da infecção • Formas livres (móvel) • Invade vários tipos celulares (exceto hemácias) • SFM, hepáticas, pulmonares, nervosas, submucosas e musculares • Líquidos orgânicos e excreções • Formam os pseudocistos • Multiplicação rápida (endodiogenia) Pseudocisto contendo taquizoítas Cisto tecidual contendo bradizoítas Morfologia • Bradizoítas • • • • Forma de multiplicação lenta Formam o cisto tecidual Encontrada na fase crônica da infecção Vários tecidos • Nervoso, ocular, muscular • Encontrados dentro do VP, cuja membrana forma a parede do cisto • Resistente ao pH do estômago, ao sistema imune e aos medicamentos taquizoíto bradizoíto Morfologia Oocisto esporulado Oocisto não esporulado • Oocistos • Eliminado nas fezes de gatos 1 a 5 dias Esporogonia (meio ambiente) • São eliminados imaturos • Sofrem esporulação no meio ambiente Corpo residual • Forma infectante Núcleo • Oocisto esporulado • 2 esporocistos • 4 esporozoítos Esporozoíto • Forma de resistência ambiental Esporocisto • Possuem membrana dupla • Viáveis >1 ano no solo Parede do cisto Oocisto esporulado Ciclo de vida • Fase assexuada • Vários tecidos de diversos hospedeiros • Aves e mamíferos, inclusive gatos e o homem • Hospedeiros intermediários • Fase sexuada • Felídeos domésticos e selvagens • Células do epitélio intestinal • Hospedeiros definitivos • • • • Eliminam oocistos durante ~1 mês 1 milhão oocistos/grama de fezes Uma única vez na vida (primoinfecção) Adquirem imunidade contra novas infecções Fase crônica Fase aguda taquizoíto bradizoíto bradizoíto Células intestinais bradizoíto Oocisto esporulado Hospedeiro intermediário (ciclo assexuado) Oocisto não esporulado Hospedeiro definitivo (ciclo sexuado) HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO Cérebro, músculos, pulmões, olhos, placenta... HOSPEDEIRO DEFINITIVO Ingestão bradizoíto Esquizogonia bradizoítos Disseminação pela corrente sanguínea Células intestinais Endodiogenia carnivorismo esquizonte merozoíto Gametogonia Ingestão taquizoítos Células intestinais Micro e macrogametas Células intestinais Esporogonia esporozoítos Ingestão Oocisto esporulado MEIO AMBIENTE fezes oocisto Nos hospedeiros intermediários • O processo de invasão • Muito rápido (5 a 10 seg) 1. Taquizoítas aderem à superfície da célula 2. O conteúdo das roptrias é secretado auxiliando a formação do VP 3. Conteúdo dos grânulos densos é secretado modificando o VP A invasão pelos taquizoítas Nos hospedeiros intermediários Fase aguda A membrana da célula hospedeira invagina-se REORIENTAÇÃO INVASÃO LIGAÇÃO MULTIPLICAÇÃO Alteração da parede do VP Liberação de taquizoítos Forma-se o vacúolo parasitóforo (VP) LISE CELULAR Evolui para uma parede cística Impede a fusão de lisossomos Nos hospedeiros intermediários • Reprodução assexuada • Endodiogenia (brotamento interno) • Reprodução assexuada • Duas células filhas se formam dentro da célula mãe A doença Fase aguda • Taquizoítas causam toda a patologia da fase aguda • Dividem-se rapidamente e agressivamente, destruindo tecidos • Podem cruzar a barreira hemato-encefálica e transplacentária • Em hospedeiros não imunes • Multiplicação dentro do VP • Divisão a cada 6-9 horas • Formação de cachos (clones) • Célula hospedeira se rompe, liberando os taquizoítas Pseudocisto Taquizoítas Fase crônica • Conversão de taquizoítos a bradizoítos • • • • • • • • • ~10 dias após a infecção Forma dormente Se multiplicam lentamente Não despertam resposta imune Causam poucos danos Evadem o sistema imune Causam a fase crônica Mantém a infecção por toda vida Causam reativação (imunodeficientes) • Reclusão intracelular • Os parasitos se escondem dentro das células • Evitam o contato com anticorpos e complemento Conversão • Taquizoítos bradizoítos • Ativação da imunidade celular • Produção de NO por macrófagos ativados • Bradizoítos taquizoítos (reativação) • Ausência de estímulos como INF-, TNF- e IL-12 • Principais sítios de reativação (homem) • Sistema nervoso, linfonodos e globo ocular INF- TNF- NO INF- TNF- IL-12 Manifestações clínicas • Fatores que determinam a patogenia • Genótipo do parasito (I, II e III) • Resposta imune • Modo pelo qual ocorre a infecção: 1. Toxoplasmose transplacentária ou pré-natal • 1º, 2º ou 3º trimestre 2. Toxoplasmose adquirida ou pós-natal • • • • Ganglionar ou febril aguda Ocular Cerebroespinhal Generalizada Manifestações clínicas • Toxoplasmose transplacentária ou pré-natal • • • • Gestante na fase aguda ou reativação devido à imunodepressão Uma das forma mais graves da toxoplasmose 10-15% resultam em aborto Gravidade depende do período da gestação • 1º trimestre • Elevado risco de aborto • 2º trimestre • Elevado risco de aborto ou nascimento prematuro • Criança pode apresentar anomalias graves (síndrome de Sabin) • 3º trimestre • Criança pode nascer normal e apresentar anomalias mais tarde • Comprometimento ganglionar, hepatoesplenomegalia, miocardite, anemia • Lesões mais comuns: sistema nervoso e retina (reativação na idade adulta) Manifestações clínicas Toxoplasmose transplacentária ou pré-natal • Síndrome de Sabin • Coriorretinite (90% dos casos) • Calcificações cerebrais (69%) • Perturbações neurológicas • Retardamento psicomotor (60%) • Micro e macrocefalia (50%) Ultrassom pré-natal (6º mês) Calcificação cerebral • Outras manifestações neurológicas • • • • • • Convulsões Espasticidade Opistótono Rigidez de nuca Paralisias Dificuldades para alimentação Espasticidade Opistótono Manifestações clínicas Toxoplasmose transplacentária ou pré-natal • Lesões oculares • • • • • Presença de parasitos na retina Edema, inflamação e necrose Alterações vasculares Hemorragias Zonas cicatriciais Cicatriz macular típica de toxoplasmose congênita • Outras alterações oculares • • • • • Microftalmia Nistagmo (movimento oscilatório) Estrabismo Irite Atrofia óptica Irite Microftalmia Manifestações clínicas Toxoplasmose pós-natal • Ganglionar ou febril aguda • Forma mais frequente • Linfadenopatia e febre • Ocular • Coriorretinite (ou retinocoroidite) linfadenopatia • Alterações visuais / perda da visão • Cerebroespinhal • Pouco frequente em imunocompetentes • Mais frequente em imunodeprimidos (15-25%) • Cefaleia, febre, paralisia, convulsões, morte • Generalizada • Comprometimento sistêmico (forma rara, fatal) Lesões cerebrais Manifestações clínicas • Danos oculares • O parasita geralmente invade a retina e o coroide • Infecção (fase aguda) inflamação cicatriz (fase crônica) • ~35% de todos os casos de retinocoroidite são atribuídos à toxoplasmose Toxoplasmose ativa Toxoplasmose inativa (cicatriz) Manifestações clínicas • Neurotoxoplasmose Ressonância magnética e tomografia computadorizada Bradizoítos em biópsia Diagnóstico • Clínico RIFI • Sugestivo • Demonstração do parasito • Raramente usado • Pesquisa de taquizoítos (fase aguda ou reativação) • Líquido amniótico, líquor, lavado brônquio-alveolar • Pesquisa de bradizoítos (fase crônica) • Biópsia (imunohistoquímica ou corados) • Isolamento e identificação • Inóculo em animais ou cultura • PCR • Testes sorológicos • Frequentemente usados • ELISA, RIFI e hemaglutinação indireta • Não são satisfatórios em imunodeprimidos • Realizar exames parasitológicos ou PCR ELISA Diagnóstico IgM IgG • Testes sorológicos • Indicam a presença de anticorpos e a fase da infecção • Fase aguda: IgM e IgA • Fase crônica: IgG titulação • Alta avidez de IgG indica doença crônica (há mais de 4 meses) meses Interpretação - - Não imune* + - Infecção muito recente + + Possível infecção aguda - + Infecção há mais de 6 meses *gestante susceptível a primoinfecção Diagnóstico no recém nascido • Clínico • Presença de alterações indicativas de infecção aguda na gestante • Alterações clínicas detectadas após o nascimento • Sorológico • IgM e IgA (não atravessam a placenta) • IgG (atravessa a placenta – pode ser da mãe) • Parasitológico • Isolamento do parasita (líquido amniótico ou creme leucocitário) • Inoculação em camundongos ou cultura • Demonstração do DNA do parasito (líquido amniótico) - PCR sulfadiazida pirimetamina Tratamento • Considerada incurável • Persistência dos bradizoítos • Medicamentos atuais atuam nos taquizoítos • Recomenda-se o tratamento apenas de: 1. Casos agudos sintomáticos 2. Gestantes em fase aguda 3. Toxoplasmose ocular ativa 4. Imunodeficientes sintomáticos espiramicina • Medicamentos • • • • Sulfadiazina + pirimetamina (tóxica, teratogênica) + ácido folínico Espiramicina gestantes no 1º trimestre (não atravessa a placenta) Clindamicina + pirimetamina alternativa (2ª escolha) Anti-inflamatórios + antiparasitários acima toxoplasmose ocular Toxoplasmose adquirida ou suspeita durante a gestação Tratamento com espiramicina e ultrasson mensal < 33 semanas de gestação > 33 semanas de gestação Diagnóstico pré-natal Fluido amniótico PCR Se positivo Diagnóstico pós-natal Placenta, cordão umbilical e sangue Sorologia, PCR e Western blot Se negativo Tratamento com pirimetamina + sulfadiazina + ácido folínico Metabolismo dos folatos Sulfadiazina folato Pirimetamina DHFR DHFS H2-folato GTP+pABA+Glu Síntese de DNA H4-folato dTMP Timidilato sintetase dUMP • • • • • • pABA: ácido para-aminobenzóico Glu: glutamato dTMP: timidilato dUTP: desoxiuridilato DHPS: dihidropteroato sintetase DHFR: dihidrofolato redutase Vias de transmissão humana 1. Ingestão de oocistos esporulados • Fezes de felídeos • Água, alimento, solo contaminados 2. Ingestão de bradizoítos • Carne crua ou mal cozida • Viáveis a 4 °C por 3 semanas 3. Infecção transplacentária • Infecção aguda em gestantes (taquizoítas) 4. Ingestão de taquizoítas • Leite não pasteurizado e derivados 5. Transplante de órgãos ou transfusão sanguínea • Doador com infecção aguda (taquizoítas) 6. Inoculação acidental • Acidentes de laboratório (taquizoítass) Prevenção e controle • Consumo de carne • Suínos, bovinos, caprinos, ovinos • 65 °C por 5 min • -20 °C por 2 dias • Higiene das mãos • Após manipulação de carne crua • Após contato com gatos e areia • Gatos • Evitar que se alimentem de carne crua e caça • Diagnóstico e tratamento • Gestantes • Evitar o contato com gatos e caixa de areia • Exame e acompanhamento sorológico Não há vacina disponível Dúvidas? 1. Quais medidas devem ser adotadas para assegurar a prevenção de toxoplasmose congênita? 2. Descreva como é feita a definição de casos de toxoplasmose congênita. 3. Quais são os anticorpos usados como marcadores para a determinação das fases da infecção toxoplásmica recente e passada na gestante? 4. Quais anticorpos são usados no diagnóstico da toxoplasmose em recém-nascidos? Justifique. 5. Quais exames clínicos e laboratoriais devem ser feitos para a avaliação de recém-nascidos de mãe com infecção toxoplásmica? 6. Qual é o tratamento indicado para mulheres que adquiriram a primo-infecção toxoplásmica durante a gestação? E em casos em que a infecção congênita foi confirmada?