Cai a noite escura, e no céu estendidas, As estrelas cintilam com pele reluzente. E a flor da paixão, toda em seda vestida, Enfeita a nossa terra da aurora ao poente. Planta audaciosa e de flor colorida Igual que a uma estrela de brilho atraente. Filhas de um só céu que gerou,que deu vida, Separadas pelo abismo, unidas pela mente. É muito mais que encanto é saúde é sustento, É a mão da natureza aos mortais exibida Na condição de flor delicada e inocente. Por mais fascinação e beleza envolvida É tão misteriosa como nosso firmamento Que dá tom celestial ao sul do continente. Utilização das Passifloraceae na criação de borboletas Fernando Campos Intr odução Introdução A família Passifloraceae abriga as plantas hospedeiras das borboletas da tribo Heliconiini. Ambos, as Passifloraceae e os Heliconiini, são típicos das Américas, mas também ocorrem na África e na Ásia, são aproximadamente 500 espécies de maracujás e quase uma centena de borboletas dessa tribo. Algumas com distribuição ampla, como a borboleta Dryas iulia, sendo uma de suas plantas hospedeiras Passiflora suberosa, outras com ocorrência relativamente restrita, como Heliconius nattereri e a Passifloraceae Tetrastyles ovalis. Essa estreita relação entre plantas e borboletas, mais precisamente entre plantas e lagartas, pois estas se alimentam de suas folhas, criando significativa interface que torna o estudo das Passifloraceae imprescindível para o conhecimento dessas borboletas. Uma nova atividade que envolve a produção de Passifloraceae para a criação de borboletas em fase de expansão são os borboletários considerados como espaço de lazer contemplativo de pesquisa, de conservação e como uma multifuncional ferramenta de Educação Ambiental. 467 Maracujá: germoplasma e melhoramento genético O borboletário Trata-se de um espaço voltado para a apresentação do mundo dos Lepidópteros, principalmente, das borboletas de hábitos diurnos e mais coloridas que as mariposas. No borboletário, o visitante, ao contrário do que ocorre na maioria dos recintos, entra no viveiro e divide o espaço com esses insetos. É uma vivência de imersão, o contato é direto e interativo. As borboletas pousam no colorido da roupa do visitante e até mesmo chegam a sugar o suor de sua pele. Esse contato tão íntimo, com esses seres, que são representantes da mais pura beleza, delicadeza, vida, renovação e liberdade, cria uma condição muito especial na qual o público torna-se mais aberto à abordagem de outras questões ambientais. Os borboletários surgiram na década de 1970 na Europa e, nos anos 80, no Japão; espalharam-se, também, pela América do Norte. No Brasil, apesar da riqueza da fauna da flora e do clima favorável, surgiram mais tarde. No final de 1996, foi inaugurado um borboletário na Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte e alguns outros o seguiram. Nos últimos dois anos, os números têm aumentado mais rapidamente. Ao que parece, finalmente, essa idéia está sendo difundida por todo o País. A efêmera vida das borboletas, em média, um mês na fase adulta, faz do borboletário um criadouro dinâmico e produtivo, longe da maioria dos recintos de um jardim zoológico, que normalmente mantém animais de grande longevidade. A criação de milhares de lagartas todos os meses demanda uma produção de grande quantidade de plantas hospedeiras, entre elas diversas Passifloraceae. Existe, agora, uma nova ótica para o estudo dos maracujás, voltada para a produção de plantas hospedeiras para lagartas dos Heliconiini que envolve levantamento, identificação, reprodução, cultivo, hibridização e até a produção de dietas artificiais. 468 Utilização das Passifloraceae na criação de borboletas A escolha de borboletas e de plantas No borboletário, o mundo das borboletas deve ser apresentado com toda a sua diversidade, dessa forma, é importante que se tenham borboletas de tamanhos, cores, formas e comportamentos variados e que representem as principais famílias. O ideal seria criar espécies da região, evitando que a fuga de espécies exóticas viesse a se tornar um problema. No Brasil isto ocorre, pois a riqueza de nossa fauna e flora permite a escolha de grande número de borboletas em todas as regiões do País. Algumas características são especialmente interessantes como: longevidade como adulto, ciclo rápido como lagarta, adaptação ao cativeiro, nível de atividade, beleza, delicadeza e cores vivas e na maioria dos Heliconiini é possível observar essas características, estando entre as mais recomendadas para borboletários, principalmente, as do gênero Heliconius, que chegam a viver até seis meses como adulto. Algumas espécies são muito polífagas, como Agraulis vanillae e Dione juno, outras muito seletivas, como H. nattereri, certas espécies são bastante resistentes a doenças, outras são mais suscetíveis a viroses. Estes são critérios que se deve levar em conta na escolha das espécies que devem ser criadas. Quanto às plantas, o primeiro passo é o levantamento e a identificação das espécies de borboletas e das plantas hospedeiras usadas por elas. Precisa-se de espécies bem-aceitas pelas lagartas cuja reprodução seja fácil e sejam muito produtivas, não em frutos, mas em folhas, que os galhos cortados tenham durabilidade em vasos com água e produzam brotos mais tenros e que produzam menos toxinas e mais nutrientes. Também é interessante cultivar diferentes espécies de plantas de modo a atender às diversas espécies de borboletas, aproveitar as diferentes épocas de brotação e não ficar sujeito à ocorrência de doenças que, afetando uma única espécie, comprometam toda a produção. Conseguir híbridos mais produtivos ou mais bem-aceitos também é um 469 Maracujá: germoplasma e melhoramento genético bom caminho. O desenvolvimento de dietas artificiais com baixa concentração de folhas desidratadas da planta hospedeira pode ser útil para criação de grandes quantidades de lagartas principalmente para regiões mais frias onde é necessário o uso de estufas aclimatadas para a produção das plantas no inverno. O Cultivo Podemos nos valer das informações geradas sobre o cultivo de Passiflora edulis ou P. alata, no entanto, ainda precisamos fazer algumas adaptações tendo em conta que cultivaremos outras espécies e que o objetivo é a produção de folhas e não de frutos. Muitas vezes semearemos um número excessivo de sementes num vaso inadequado ao pleno desenvolvimento de uma única planta, mas, se o objetivo for o fornecimento de brotos tenros para criação de lagartas, é uma opção interessante para a concentração da planta hospedeira em um vaso pequeno e leve. Em alguns casos, em que se cria grande quantidade de lagartas com uma planta hospedeira que dura bem em vaso com água, como Passiflora misera, é mais prático plantar diretamente no solo em longos canteiros e oferecer a planta em vasos com ramos cortados. Para a criação de algumas espécies, é mais recomendável que a planta esteja em vaso, especificamente, para a coleta de ovos. O melhor é que seja um vaso bem pequeno, com um volume inferior a meio litro, nesse caso, um substrato mais leve e rico deixaria o vaso ainda mais leve. Este vaso ficará pendurado no interior do viveiro para que as borboletas depositem seus ovos, isto porque algumas borboletas têm como estratégia a postura de ovos fora da planta hospedeira, evitando o encontro entre ovos e lagartas canibais. Tal comportamento torna necessária a instalação de fibras de sisal em volta do vaso onde serão depositados os ovos, e o distanciamento do vaso em relação ao solo e a outras plantas, de modo que os ovos sejam depositados exclusivamente nas fibras, tornando sua coleta mais rápida e eficiente. Conseguir uma seleção de plantas de forma que cada uma delas seja aceita por apenas uma única espécie de borboleta facilitaria a separação de 470 Utilização das Passifloraceae na criação de borboletas ovos, que é muito difícil quando temos diversas espécies no viveiro, pois todos eles são depositados numa mesma planta. Conservação Outro aspecto que demanda pesquisa e valorização é a inclusão das plantas hospedeiras dos Lepidópteros nos planos de recomposição de áreas degradadas. Normalmente, são plantadas árvores de grande porte e são valorizadas as plantas que fornecem frutos para animais de grande e médio portes, raramente os insetos são lembrados. Nesse sentido, as Passifloraceae não fogem à regra, são negligenciadas como fornecedoras de frutos para os animais e como planta hospedeira dos Heliconiini. Há muitas espécies raras de Passifloraceae que precisam ser mantidas e acompanhadas em áreas de preservação e também de borboletas, como Heliconius nattereri, que demandam cuidados. Uma das ações nesse sentido seria a produção e o repovoamento de sua planta hospedeira, no caso Tetrastyles ovalis, nas áreas em recuperação dentro da sua área de ocorrência. Essas ações demandam trabalhos de levantamento, taxonomia, reprodução e cultivo, estudos conjuntos que não dissociem os Heliconiini das Passifloraceae. Conclusão A produção de Passifloraceae para a criação de borboletas é uma nova demanda que requer pesquisas mais específicas quanto à identificação, distribuição ou ocorrência, às técnicas de reprodução e aos cuidados relativos ao cultivo dos maracujás para os borboletários. Referência Bibliográfica BROWN JR., K. S.; MIELKE, O. H. H. The heliconians of Brazil (Lepidoptera: Nymphalidae). Part II. Introduction and general comments, with a supplementary revision of the tribe. Zoologica, New York, v. 57, p. 1-40, 1972. 471 Maracujá: germoplasma e melhoramento genético A B C D E F A- Lagartas de Dryas iulia; B- Lagartas de Dione juno juno em P. serrato-digitata; C- Adulto de Dione juno juno; D- Adulto de Agraulis vanillae vanillae; E- Adulto Macho de Dryadula phaetusa; F- Adulto de Dione juno juno em P. alata. 472