FIORIN, José Luiz. Astúcias da Enunciação. As categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 1996. pp.32-33. As competências de que o sujeito precisa para enunciar são de várias ordens: a) competência linguística, que é a competência básica para produzir um enunciado: o falante deve conhecer a gramática (sistemas fonológico, morfológico e sintático) e o léxico de uma língua para nela produzir enunciados gramaticais aceitáveis; b) competência discursiva, que engloba uma competência narrativa, que diz respeito às transformações de estado presentes em todo texto e a seu arranjo em fases de um esquema canônico que parece ser universal: uma competência discursiva propriamente dita, que concerne, de um lado, à tematização e à figurativização e, de outro, à actorialidade, à espacialização e à temporalização, bem como aos mecanismos argumentativos, que vão da utilização dos implícitos ao uso da norma linguística adequada, das figuras de pensamento aos modos de citação do discurso alheio, dos modos de argumentação stricto sensu (ilustração, silogismo etc.) aos efeitos de sentido de objetividade, de realidade, etc.; c) competência textual, que concerne ao saber utilizar a semiótica-objeto em que o discurso será veiculado (por exemplo, os processos de criação de imagens no cinema e na televisão e mesmo os procedimentos de textualização em língua natural, que decorrem do caráter linear dos significantes de seus signos); d) competência interdiscursiva, que diz respeito à heterogeneidade constitutiva do discurso1; e) competência intertextual, que se refere às relações contratuais ou polêmicas que um texto mantém com outros ou mesmo com uma maneira de textualizar, como ocorre, por exemplo, na estilização; f) competência pragmática, que concerne aos valores ilocutórios dos enunciados2; 1 É nessa competência que incluímos as chamadas competência cultural e ideológica, ou seja, a competência enciclopédica que é preciso ter para, por exemplo, decifrar no Brasil a frase “X descolloriu”. Do nosso ponto de vista, todo conhecimento é linguístico e apresenta-se para nós discursivamente (linguístico aqui se refere a todas as linguagens e não somente à linguagem verbal). Não existe nenhum conhecimento que não esteja materializado numa linguagem, uma vez que o pensamento conceitual é linguístico (Bakhtin, 1979, p.34-7; Schaff, 1974, p.160-1; Vygotsky, 1979, p.61 e 64-5). 2 Nossa posição sobre os valores pragmáticos é que eles devem ser introduzidos na descrição como traços semânticos a que se atribui um estatuto específico. Assim, enquanto os valores pragmáticos se opõem aos semânticos em sentido estrito, constituem um subconjunto dos traços semânticos em sentido amplo. Nossa posição segue o último Ducrot (“recuso-me a distinguir o nível semântico e o nível pragmático”, 1977b, p.181), que altera a posição manifestada em 1972 (“é preciso, pois, que o valor ilocutório da expressão [...] não possa derivar de uma ‘significação’ do enunciado”, p.80). A solução descritiva aqui adotada é que o conteúdo global do enunciado contém um “conteúdo proposicional” e um valor ilocutório, que se especifica com um marcador apropriado. Essa solução não é nova. Já Bally (1932) dizia que em toda frase se distinguem o g) competência situacional, que diz respeito ao conhecimento referente à situação em que se dá a comunicação e ao parceiro do ato comunicativo 3. dictum e o modus. Searle (1972) faz a diferença entre “significação de uma frase” e “sua força ilocutória”, que diz respeito aos valores ilocutórios que se constroem com os enunciados. 3 É preciso insistir no fato de que esse conhecimento se dá por simulacros que se vão constituindo ao longo do ato comunicativo e que, assim, interferem na constituição dos enunciados (Landowski, 1989, p.218-29). Entram aqui as imagens que E1 constrói de E2 e a que ele imagina que E2 faz dele; a que E2 faz de E1 e a que ele imagina que E1 faz dele (cf. Pêcheux, 1969, p.19-20).