A demanda por gasolina no Brasil: uma análise - Cepea

Propaganda
A demanda por gasolina no Brasil: uma análise utilizando técnicas de co-integração
Trabalho pertencente ao Grupo de Pesquisa 1 – Comercialização, mercados e preços, do
Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural - Sober
Autoras:
Heloisa Lee Burnquist – Professora do Departamento de Economia, Administração e
Sociologia da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea. E-mail: [email protected]
Mirian Rumenos Piedade Bacchi - Professora do Departamento de Economia, Administração
e Sociologia da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea. Email: [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta estimativas de elasticidades preço e renda da demanda por gasolina no
Brasil, referentes ao período de 1973 a 1998. Os resultados obtidos indicam que no curto
prazo, a demanda por gasolina no país é inelástica a mudanças na renda real, dado que um
aumento da ordem de 1% nessa variável resulta em incremento pouco expressivo, da ordem
de 0,6% no consumo de gasolina. No longo prazo, conforme esperado, a elasticidade renda
obtida apresentou-se relativamente mais elevada, embora pouco inferior à unidade, da ordem
de 0,959. No que se refere à elasticidade preço da demanda, os resultados mostraram que o
consumo de gasolina, no contexto da economia brasileira, é aparentemente pouco sensível a
mudanças nos preços desse combustível, tanto no curto como no longo prazo.
Palavras-chave: demanda, gasolina, Brasil, elasticidade renda, elasticidade preço, cointegração.
1 – Introdução
Vários fatores têm contribuído para aumentar o interesse pela demanda de gasolina no
país, dentre os quais destacam-se a pressão crescente do consumo sobre a produção,
verificada ao longo da década de 90, bem como as mudanças planejadas pelo governo
brasileiro para flexibilizar os mecanismos de controle de preço no mercado interno.
Este artigo tem por objetivo analisar a demanda por gasolina no âmbito nacional a
partir de um modelo econômico básico que relaciona consumo, preço e renda, utilizando
técnicas de co-integração. Acredita-se que as estimativas de elasticidade preço e renda são
indicadores relevantes para definir estratégias de planejamento visando o desenvolvimento
equilibrado do mercado. Considerando que o álcool anidro é utilizado em proporções
relativamente fixas na mistura do combustível que move a frota de veículos a gasolina do
país, a obtenção das elasticidades de demanda por gasolina é importante não apenas para a
2
análise dinâmica do mercado da própria gasolina, como também para avaliar, ainda que
indiretamente, variáveis condicionantes da demanda sobre o álcool anidro.
Diversos estudos econométricos foram conduzidos ao longo das últimas décadas,
principalmente durante as de 70 e 80, quando os preços dos combustíveis tornaram-se
bastante elevados. Nesse período, a preocupação com essa questão foi acentuada nos países
em desenvolvimento, onde taxas crescentes do consumo de gasolina automotiva estiveram
associadas a efeitos negativos sobre agregados macroeconômicos, tais como o balanço de
pagamentos, o déficit fiscal e o crescimento econômico. Os sucessivos choques de preços
externos do petróleo nos anos 70 provocaram pressão sobre o nível geral de preços nas
principais economias ocidentais, enquanto os aumentos no preço da matéria-prima - o
petróleo - eram transferidos aos consumidores finais. O desencadeamento de um processo
recessivo apresentou-se como a reação mais frequente à pressão inflacionária nas várias
economias.
Na economia brasileira, esses impactos negativos também se apresentaram como uma
ameaça potencial às altas taxas de crescimento econômico que vinham sendo mantidas ao
longo da década de 70. O governo brasileiro optou, no entanto, por evitar a recessão, ao
contrário da grande maioria dos países também afetados pelo choque dos preços do petróleo.
Ocorreu no Brasil um período de transição, em que se buscou estimular o desenvolvimento de
fontes renováveis na matriz energética brasileira como estratégia para minimizar o impacto do
aumento dos preços do petróleo sobre os preços de seus derivados no mercado interno.
O Programa Nacional do Álcool, criado em 1975, constituiu-se na iniciativa que
registrou o maior sucesso no desenvolvimento de fontes renováveis para substituir derivados
de petróleo, mediante o uso de álcool anidro adicionado à gasolina e de álcool hidratado nos
automóveis movidos exclusivamente a álcool, um combustível renovável gerado a partir de
biomassa (MME, 1999). Conforme se visualiza no Gráfico 1, no período de 1973, até a
primeira metade da década de 80, o consumo de álcool hidratado aumentou de forma
expressiva e o da gasolina reduziu-se. Já na década compreendida entre os anos 1987 a 1998,
tal tendência foi alterada, sendo que o consumo de gasolina passou a aumentar em detrimento
do consumo do álcool.
Gráfico 1
Consumo de Gasolina e de Álcool Combustível – Brasil; em 1000m3;
Período: 1973 a 1998
2 5 0 .0 0
2 0 0 .0 0
1 5 0 .0 0
1 0 0 .0 0
5 0 .0 0
0 .0 0
73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98
G A S O L IN A
Á LC O O L
3
Fonte: Balanço Energético Nacional 1999 (MME, 1999)
Paradoxalmente, num período em que aumentavam as preocupações com
consequências ambientais do consumo excessivo de combustíveis fósseis e, particularmente,
com problema de emissões de gases-estufa, o setor de transportes brasileiro passou a
substituir o álcool combustível pela gasolina, sendo o primeiro comprovadamente menos
poluente. Isso não impediu, no entanto, a expansão acentuada do consumo de gasolina.
Conforme ilustra o Gráfico 2, a partir dos últimos anos da década de 1980, essa tendência
resultou no estreitamento entre os fluxos de produção e de consumo total de gasolina na
economia brasileira. Essa evolução ressaltou a necessidade de identificar possíveis causas,
além de medidas que atuem de forma a reduzir a pressão do consumo sobre a oferta, de forma
a evitar a formação de pontos de estrangulamento.
Gráfico 2
Produção e Consumo total de Gasolina no Brasil, em 1000m3; Período:1983 a 1998.
2 1 0 0 0 .0 0
1 9 0 0 0 .0 0
1 7 0 0 0 .0 0
1 5 0 0 0 .0 0
1 3 0 0 0 .0 0
1 1 0 0 0 .0 0
9 0 0 0 .0 0
CGAS
98:
1
97:
1
96:
1
95:
1
94:
1
93:
1
92:
1
91:
1
90:
1
89:
1
88:
1
87:
1
86:
1
85:
1
84:
1
83:
1
7 0 0 0 .0 0
PRDGAS
Fonte: Balanço Energético Nacional 1999 (MME, 1999).
O artigo está organizado de forma a apresentar na seção 2 um breve panorama das
mudanças no mercado de gasolina, particularmente no que tange à relação entre consumo,
preço e nível de atividade econômica, além de considerações sobre a matriz energética. Uma
discussão quanto aos aspectos teóricos e empíricos de trabalhos conduzidos dentro de linha de
investigação semelhante à empregada no presente artigo é apresentada na seção 3. A seção 4
expõe uma análise das séries temporais empregadas, conduzida de forma a auxiliar a
definição do modelo econométrico. A seção 5 apresenta o modelo utilizado para a realização
das estimativas dos parâmetros. Finalmente, os resultados da estimativa são apresentados
juntamente com as considerações finais do trabalho na seção 6.
2. Variáveis relacionadas à demanda por gasolina na economia brasileira
Esta seção procura descrever a evolução das variáveis utilizadas na definição do
modelo econômico empregado para estimar a função de demanda por gasolina ao longo do
4
período que foi tomado para a análise - 1973 a 1998 -, bem como a inter-relação dessas
variáveis.
2.1. Consumo, preço e renda - evolução e importância
A teoria econômica sustenta que a especificação de uma função de demanda requer a
consideração de pelo menos duas variáveis básicas: o preço do bem e a renda dos seus
consumidores. O estudo conduzido sugere que a expressão de um modelo simplificado,
pautado nessas variáveis, pode proporcionar informações úteis à análise do comportamento do
consumo de gasolina na economia brasileira.
Com relação às variáveis explicativas do consumo de gasolina no país, observa-se que
no mesmo período em que esse passou a aumentar, a partir dos últimos anos da década de 80,
o preço da gasolina - expresso em Reais de 1998-, passou por uma forte redução no mercado
interno, conforme ilustra o Gráfico 3. Adicionalmente, a tendência de preços permite verificar
que, ao longo de praticamente toda a década de 90, o preço do produto manteve-se em
patamar ligeiramente inferior ao que prevaleceu em 1973.
Cabe destacar que, no Brasil, os preços da gasolina têm sido determinados pelo
governo, segundo mecanismo que tende a reduzir a variação dos preços desse derivado com
relação às variações do petróleo no mercado internacional. Isso sugere que se os mecanismos
de determinação desses preços forem flexibilizados, possibilitando uma internalização mais
direta dos preços do mercado internacional, os preços da gasolina no mercado doméstico
deverão se tornar mais voláteis. Nesse contexto, a estimativa e a identificação da magnitude
da elasticidade-preço da demanda assume importância fundamental para o delineamento de
políticas voltadas ao monitoramento desses mercados.
Gráfico 3
Índice de Preços da Gasolina – Brasil; Período 1973 a 1998
Fonte: Elaborado a partir de dados apresentados No Balanço Energético Nacional 1999 (MME,1999)
4 0 0 .0
3 0 0 .0
2 0 0 .0
1 0 0 .0
0 .0
73
78
83
88
93
98
Í N D IC E D E P R E Ç O S D E G A S O L IN A
B A S E :1 9 9 8 = 1 0 0
Sobre a relação com a renda agregada, é interessante ressaltar que as estatísticas e
balanços energéticos divulgados pelo Ministério das Minas e Energia têm mostrado que o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), usualmente empregado como variável proxy
neste contexto analítico, mantém uma relação direta com o consumo de energia. O MME
(1999) tem destacado que "ao longo das 3 últimas décadas, a economia brasileira cresceu a
5
uma taxa média anual da ordem de 4,2%, sendo que no mesmo período a Oferta Interna de
Energia - OIE apresentou praticamente o mesmo desempenho, 4,3%, determinando, uma
elasticidade renda de 1,03". Deve-se atentar, no entanto, que esses percentuais referem-se a
valores agregados de energéticos, ou seja, englobando eletricidade, derivados de petróleo e a
biomassa.
2.2. Considerações sobre a Matriz Energética
O setor energético brasileiro apresentou mudanças substanciais ao longo das três
últimas décadas, em grande parte devido à necessidade de atender à demanda crescente por
energia. Conforme relatório sobre o balanço energético nacional, “a participação dos
derivados de petróleo no consumo final de energia foi de 33% em 1970, passou a 43% em
1979, retrocedendo a 31% em 1985 e, atualmente, encontra-se no patamar de 35%” (MME,
1999). Além disso, é interessante destacar que, segundo essa mesma fonte, “a participação
dos Transportes no consumo final de energia tem apresentado ligeiro crescimento, passando
de 18,8% em 1970 para 21,1% em 1998”. O consumo de derivados de petróleo pelo setor de
transportes evidencia-se, portanto, como fator relevante na definição de estratégias
necessárias à manutenção do equilíbrio entre oferta e demanda.
É sabido que o consumo de petróleo no país tem sido fortemente dependente de sua
demanda por óleo diesel, englobando um percentual pouco inferior a 50% das fontes de
combustível para o transporte. No entanto, a participação percentual do diesel tem
permanecido relativamente constante por décadas. O consumo de gasolina, ao contrário, vem
aumentando rapidamente sua participação nesse total, tendo passado de 18,3% em 1988, para
um patamar de 30% em 1997, nível este que vem sendo mantido até período atual.
Essa maior importância relativa da gasolina no consumo de combustíveis pelo setor de
transportes resulta, particularmente, de um crescimento expressivo do consumo acumulado ao
longo da última década, expandindo-se a taxas médias da ordem de 9,7% ao ano, ao longo do
período de 1987/88 a 1998.
De maneira geral, a preocupação com o balanço energético tem sido um fator comum
aos países que sofreram com os problemas decorrentes das crises de petróleo, o que levou ao
acompanhamento permanente da relação entre as disponibilidades e necessidades para fins de
planejamento de estratégias a curto, médio e longo prazo. Em função disso, vários estudos
econômicos passaram a ser conduzidos nessa linha de pesquisa. A seção seguinte traz um
levantamento de trabalhos voltados à avaliação da demanda por combustíveis automotivos,
apresentados de forma a destacar a diversidade das abordagens empregadas, tanto em termos
de modelos econômicos como de procedimentos econométricos. Além disso, procura-se
caracterizar que o procedimento utilizado na presente pesquisa foi adequado, face aos
objetivos propostos.
3. Modelos e procedimentos econométricos empregados em avaliações de demanda por
combustível automotivo
Dahl & Sterner (1991) conduziram uma pesquisa sobre diversos estudos que
enfocaram a demanda de gasolina, na qual evidenciaram que os principais parâmetros
utilizados nos trabalhos têm sido o preço e a renda. Uma conclusão importante deste trabalho
foi que embora existam vários estudos sobre a demanda por gasolina que apresentam
resultados aparentemente conflitantes, quando estes são devidamente estratificados por
6
modelo e tipo de dados, prevalece o consenso. Os autores classificaram os trabalhos por tipo
de dados e por dez diferentes categorias de modelos, tendo constatado semelhanças
consideráveis com respeito aos valores obtidos para as elasticidades preço e renda, tanto de
curto-prazo como de longo-prazo dentre os vários estudos.
Ramanathan (1999) argumenta, também com base em discussão conduzida a partir de
extensa revisão de trabalhos recentes nessa área, que um volume expressivo de análises
conduzidas confirmou a existência de relações de co-integração entre o consumo de energia
de uma maneira geral, e da demanda por gasolina, em particular, à renda do país, muito
embora outras metodologias venham sendo também empregadas para investigar a relação
entre essas variáveis.
Moreira (1996) conduziu análise enfocando o consumo de óleo diesel no Brasil,
tendo empregado dois modelos de projeção de longo prazo do consumo, sendo um para o
nível nacional e outro para análise regional. Para a análise de abrangência nacional, utilizou
um modelo para a realização de previsões condicionadas ao preço do combustível e ao nível
de atividade (PIB) baseado em estimativa de uma relação de equilíbrio de longo prazo entre
essas variáveis. A metodologia empregada foi a de análise de auto-regressão vetorial com
correção de erros (VCE) indicando que essa escolha foi feita por se tratar de procedimento de
estimação que permite testar a existência e avaliar os parâmetros das relações de longo prazo.
Para a análise regional, em função da limitação da amostra de dados disponível, foram
testadas algumas especificações alternativas do modelo, não tendo avaliado a possibilidade de
existirem relações de equilíbrio de longo prazo.
Vários estudos empregaram a técnica de co-integração e de modelos de correção de
erros para examinar a questão da causalidade entre variáveis nessa linha de investigação.
Glasure & Lee (1997), por exemplo, aplicaram técnicas de co-integração para averiguar o
sentido da causalidade entre o consumo de energia e o PIB, aplicado às economias da Coréia
do Sul e de Cingapura. Masih & Masih (1997) conduziram um trabalho com um propósito
semelhante, que consistiu em examinar a questão da causalidade entre o consumo de energia e
a renda real, considerando a influência dos preços uma terceira variável. A análise foi
aplicada às economias da Coréia e de Taiwan, tendo-se justificado tal escolha por se tratarem
de duas economias altamente dependentes de energia. Cheng & Lai (1997) utilizaram dados
de Taiwan para avaliar a causalidade entre: (1) energia e PIB; e (2) energia e emprego.
Kayser (2000) conduziu estudo relativo à demanda por gasolina automotiva, buscando
determinar as correspondentes elasticidade-preço e elasticidade-renda e empregando um
modelo que considerou a demanda por gasolina e por automóveis como decisões tomadas de
forma simultânea. Para a obtenção de dados relativos ao consumo individual empregou-se um
procedimento de painel, o denominado Panel Study of Income Dynamics (PSID). Esses dados
foram empregados conjuntamente com preços de gasolina e medidas de eficiência de
combustível.
Espey (1998) realizou uma avaliação baseada em meta-análise que permitiu
determinar os fatores que afetaram sistematicamente as estimativas de elasticidade-preço e de
elasticidade-renda obtidas para a demanda por gasolina. Quatro modelos econométricos foram
estimados utilizando como variáveis dependentes as estimativas de elasticidade-preço e renda
de curto e de longo-prazos, obtidas em estudos conduzidos previamente.
Em análise empírica sobre a demanda por gasolina na Dinamarca, Bentzen (1994)
empregou técnicas de co-integração a modelos baseados na relação entre a quantidade de
gasolina consumida em veículos de passageiros, estoque de veículos e o preço real da
gasolina. Estudo conduzido por Ramanathan (1999) para determinar as elasticidades de curto
7
e longo prazos da demanda por gasolina para a Índia, empregou modelos que apresentam o
consumo per capita por gasolina como uma função da renda real per capita e de um índice de
preços de gasolina, semelhantes aos indicados pelas seguintes equações:
log CGt = α + β log Pt + δ log REt + et
log CGt = α + β log Pt + δ log REt + γ log CGt-1 + et
(1)
(2)
onde: CG: consumo per capita de gasolina; P: preço da gasolina, expresso em valor real;
RE: renda agregada per capita, expressa em valor real.
O modelo (1) representa a expressão da função de demanda que inclui as variáveis
básicas, tais como preço e renda, sem as quais considera-se que o modelo de demanda
apresenta problemas de especificação. A equação (2) expressa modelos de ajustamento
parcial, utilizados para expressar comportamentos dinâmicos. Esses são empregados
essencialmente para captar o fenômeno de adaptações que requerem tempo para serem
plenamente implementadas.
No presente trabalho pôde-se inferir que o comportamento da demanda por gasolina
no Brasil é passível de investigação tomando como base a forma mais simplificada, expressa
pela equação (1). Os dados e os procedimentos econométricos empregados na análise das
séries temporais são discutidos no item a seguir.
É importante atentar, no entanto, que a possibilidade de substituição, ainda que parcial,
da gasolina pelo álcool carburante como combustível automotivo no contexto nacional
sustenta a inclusão do preço do álcool combustível1 como variável explicativa na função de
demanda por gasolina. Durante o período compreendido pela análise, no entanto, o preço do
álcool era administrado pelo governo, segundo uma política que buscava manter praticamente
constante os preços relativos desses combustíveis. Deve-se considerar ainda, que mesmo com
preços liberados - como é a situação atual no mercado brasileiro-, tem-se que restrições de
ordem técnica, impedem que o álcool e a gasolina apresentem alto grau de substitutibilidade
no curto-prazo.
4. Análise de séries temporais
4.1. Fonte de dados
Os dados utilizados nas estimativas compreendem médias anuais, relativas ao período
de 1973 a 1998. Os dados de consumo e preço de gasolina para o mercado brasileiro foram
obtidos junto a publicações anuais do Balanço Energético Nacional – 1999 do Ministério das
Minas e Energia. A série de preços equivale a valores médios anuais do preço da gasolina no
mercado brasileiro, expressos em Reais de 1998. O consumo de gasolina corresponde ao total
consumido na economia brasileira, tomado em 1.000m3, e transformado em valor per capita,
considerando dados de população obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Os dados relativos ao PIB real per capita, utilizados para representar a
variável renda na função demanda também foram obtidos junto ao IBGE. Essa série também
foi expressa em Reais de 1998, de forma semelhante ao empregado para os preços de
gasolina.
1
O álcool combustível pode ser utilizado tanto como mistura na gasolina, que é o caso do álcool anidro, como na
forma de álcool hidratado combustível para a frota de carros a álcool.
8
4.2. Testes de raiz unitária
O teste de raiz unitária de Dickey-Fuller Aumentado - ADF (Dickey & Fuller; 1979),
foi conduzido para avaliar a existência de tendência estocástica nas séries de preços de
gasolina (PG), do consumo de gasolina (CG) e do PIB per capita (RE). O teste baseia-se no
ajustamento do seguinte modelo:
p −1
⎛ p
⎞
ΔYt = α + β t + ⎜⎜ ∑ pi − 1⎟⎟Yt −1 + ∑ λ i ΔYt −i + et
i =1
⎝ i =1
⎠
com λ i =
(1)
p
∑ρ
j =i +1
j
, e p a ordem do modelo auto-regressivo que descreve o comportamento da
série temporal. Para a determinação do valor de p no modelo expresso pela equação (1),
tomou-se como base um modelo mais parametrizado, tendo-se reduzido progressivamente o
número de defasagens empregando os critérios de AIC (Akaike Information Criterion) e SC
(Schwarz Criterion).
O teste de raiz unitária foi realizado para cada uma das séries temporais considerandose as seguintes versões do modelo explicitado na equação (1):
(a) incluindo constante e tendência;
(b) incluindo só constante;
(c) sem constante e tendência.
A escolha da versão correta para realizar o teste é feita a partir da especificação geral
do modelo, incluindo constante e tendência, passando para modelos mais parcimoniosos se
esses termos apresentarem-se não significativos, segundo procedimento apresentado em
Enders (1995).
Tabela 1 - Testes de raiz unitária para as séries de consumo de gasolina (CG), preço de
gasolina (PG) e PIB per capita (RE)
Q
Var. Mod.1 τ τ
τ
Q
Q2
τμ
τ βτ
τ αμ
τ ατ
CG
1
-0,340
1,454 0,063
0,452 -1,626
1,612
0,474
2
PG
1
-2,314
2,320
0,866 -0,941
0,835
0,809
2
RE
1
-2,738
1,735 2,868*
0,138 -2,245
2,333*
0,251
2
(***) = significativo a 1%; (**) = significativo a 5%.
1
No modelo 1 a variável dependente é ΔY e no modelo 2 a variável dependente é ΔΔY
-0,257
-2,259**
0,728
-3,100***
1,195
-2,423**
0,419
0,801
0,427
. Quando o modelo 1
inclui constante e tendência, no modelo 2 omite-se a variável tendência devido a diferenciação da série, e
quando o modelo 1 inclui só constante, no modelo 2 omite-se esse termo, também devido à diferenciação da
série.
2
Os valores correspondentes ao teste Q referem-se ao seu nível de significância.
Obs: - Nos três casos foi utilizada uma defasagem da variável dependente no modelo.
- Os valores críticos das estatísticas são apresentados em Fuller (1976) e Dickey & Fuller (1981).
9
Os resultados dos testes de raiz unitária são apresentados na Tabela 1. Observa-se que
a um nível de significância estatística de 5%, a hipótese nula de existência de uma raiz
unitária não é rejeitada para nenhuma das três variáveis analisadas. Esses resultados indicam
que o modelo econométrico deve ser ajustado com as três séries tomadas nas suas primeiras
diferenças.
Deve-se observar, no entanto, que a especificação de modelos em diferenças pode
conduzir a estimativas inconsistentes dos parâmetros se forem ignoradas possíveis relações de
co-integração entre as variáveis. Para evitar problemas dessa natureza, foram conduzidos
testes de co-integração e estimou-se um modelo de auto-regressão vetorial de correção de
erros (VCE), conforme apresentado na seção a seguir.
4.3. Análise de co-integração
O procedimento de Johansen (1988) é empregado para a analisar co-integração entre
as séries. Trata-se de procedimento baseado na versão reparametrizada de um modelo de autoregressão vetorial da forma expressa como:
Δy t = Γ1 Δy t −1 + ... + Γ p −1 Δy t −p +1 + Πy t −1 + μ + ε t
(2)
(
)
onde y t é um vetor com k variáveis, ε t ~ N( 0, Σ) e E e t e 's = 0 para qualquer t diferente
de s. Critérios AIC e SC adequados a um contexto multi-equacional são empregados para a
determinação do valor de p.
A determinação de que r é o posto da matriz Π , permite inferir que esta tem r
autovalores diferentes de zero, sendo que 3 situações podem ocorrer: (i) se r = k então y t é
estacionário; (ii) se r = 0 então Δy t é estacionário; e (iii) finalmente, se 0 < r < n, existem
matrizes α e β de dimensão k x r tais que Π = αβ ′ e o vetor β ' y t é estacionário, havendo,
portanto, r vetores de co-integração (as r colunas de β).
Os resultados apresentados na Tabela 2 (para os testes do traço e do λ max ) permitem
concluir que existe apenas um vetor de co-integração. Uma vez rejeitada a hipótese de que as
variáveis não são co-integradas, deve-se incorporar os termos que representam os desvios em
relação ao equilíbrio de longo prazo (modelo de correção de erros), ao modelo ajustado para o
estudo das relações de curto prazo.
O vetor de co-integração fornece informações sobre as relações de longo-prazo entre
as variáveis. No que se relaciona à elasticidade-preço, tem-se que a estimativa resultante foi
de (-0,2272), tendo sido considerada relativamente baixa. A elasticidade-renda estimada foi
de 0,9590, valor considerado elevado, embora não possibilite caracterizar a demanda como
elástica.
10
Tabela 2 - Resultados dos testes de co-integração
Hipótese Ho
______________ Testes _________________
λ máximo
traço
_______
4,782
4,782
r≤2
14,885
19,668
r≤1
r=0
26,654***
46,322***
*** Valores significativos a 0,01 de probabilidade. Valores críticos em Osterwald-Lenum 1992 modelo com constante não restrita .
Obs: Foi utilizada uma defasagem no modelo.
5. Modelo econométrico
O modelo de correção de erro especificado para a análise das relações de curto prazo é
dado como:
Δln CGt = α + βΔ ln PGt + δΔ ln REt + γ Δln REt-2 + θ zt-1 + et
onde:
CG: consumo per capita de gasolina;
PG : preço da gasolina;
RE: renda agregada per capita; e
z: termo de correção de erro.
Com base na proposição de que a definição de modelos estatísticos deve considerar, a
princípio, um contexto geral, passando para um específico, foram inicialmente considerados
modelos alternativos incluindo um maior número de defasagens das variáveis dependente e
explicativa. Dentre os modelos analisados, identificou-se o que apresentou melhor
ajustamento, em termos estatísticos, para a condução da presente análise. O coeficiente de
determinação encontrado para o modelo selecionado foi de 0,700 e os testes Durbin-Watson e
Q levaram à não rejeição da hipótese nula de ausência de auto-correlação dos resíduos. Todos
os coeficientes apresentaram-se estatisticamente diferentes de zero considerando um nível
máximo de significância da ordem de 10%.
As estimativas das elasticidades de demanda obtidas são apresentadas na Tabela 3. O
valor estimado para a elasticidade-preço foi de –0,319, comprovando que a demanda de
gasolina é inelástica em relação a essa variável.
Verifica-se que esse valor é semelhante ao verificado em outros estudos sobre
demanda de gasolina. No entanto, considera-se razoável esperar que, para o caso brasileiro, a
elasticidade-preço resultante fosse relativamente mais elevada que a de outros países, dada a
possibilidade, ainda que parcial, da substituição da gasolina pelo álcool carburante no
11
contexto nacional. Dessa forma, a utilização do álcool combustível poderia acentuar os
impactos das variações do preço da gasolina sobre o seu consumo.
Durante o período da análise, no entanto, esse efeito não foi captado, conforme
discutido anteriormente, dado que o preço do álcool era administrado pelo governo, que
mantinha praticamente constante a sua relação com o preço da gasolina, reduzindo a
influência potencial sobre a elasticidade-preço da demanda.
Para a elasticidade-renda contemporânea o valor obtido foi de 0,600, e com duas
defasagens o valor resultante foi de 0,608, que se mostra bastante semelhante ao primeiro.
Considera-se que a relação contemporânea é associada de forma mais direta a variações do
considerar consumo da frota existente provocados por alterações na renda, enquanto que a
defasada relaciona-se ao aumento do uso de combustível decorrente da expansão de veículos
na frota nacional, o que requer um período maior para a concretização plena.
Conforme esperado, a elasticidade-renda de longo prazo encontrada no vetor de cointegração referente à maior raiz característica, apresentou-se superior à de curto prazo no
modelo de correção de erro. Isso não ocorreu, todavia, no caso da elasticidade-preço, tendo-se
obtido um valor relativo à de elasticidade de longo prazo ligeiramente inferior ao da
elasticidade de curto prazo. Apesar de esse resultado ser conflitante com as evidências
empíricas de existência de elasticidades maiores no longo prazo, considera-se o resultado para
curto prazo é bastante robusto, sendo o coeficiente significativo a 1% de probabilidade.
Tabela 3 – Resultados do Modelo de Correção de Erros (MCE)
Coeficiente
ΔPt
Estimativa
-0,319***
-3,478
ΔREt
0,600*
1,686
ΔREt-2
0,608*
1,782
V1t
0,481***
0,000
*** significativo a 0,01 de probabilidade, ** significativo a 0,05 de probabilidade *significativos a 0,10 de
probabilidade Os valores entre parênteses (abaixo do respectivo coeficiente) referem-se ao teste t de Student.
6. Considerações finais
Os resultados obtidos nesta análise quanto ao comportamento da demanda por
gasolina no Brasil sugerem que a resposta do volume consumido, mediante alterações nos
preços, é pouco expressiva. Dessa forma, considerando-se a possibilidade de que os
mecanismos de formação dos preços venham a evoluir de forma a permitir uma maior
internalização das oscilações nos preços internacionais do petróleo, tem-se que os efeitos
esperados mediante uma redução nesses preços, por exemplo, são positivos. Em termos
macroeconômicos, o efeito positivo associado a reduções dos preços seria vinculado à
importância relativa do preço dos combustíveis na determinação dos índices inflacionários.
Além disso, a possibilidade de que a expansão no consumo seja relativamente pequena, em
12
reposta a uma redução nos preços de gasolina, restringe a possibilidade da evolução de um
desequilíbrio entre a oferta e demanda pelo produto no mercado interno.
Os valores obtidos para as elasticidades-renda de curto e longo prazo, indicam que o
consumo de gasolina é mais sensível a alterações nessa variável do que nos preços. Os
resultados permitem caracterizar a gasolina como um bem normal, dado que as elasticidadesrenda estimadas apresentam-se menores que a unidade, mesmo no longo-prazo. No caso da
renda, cabe ressaltar ainda, que além da relação contemporânea significativa, os movimentos
da variável podem influenciar o consumo de gasolina em períodos futuros. Isso pode ser
explicado pelo fato de que esse consumo pode aumentar não apenas pelo uso mais intensivo
da frota existente, como também pelo aumento do número de veículos que constituem a frota
nacional, sendo que a efeito desse último fator tende a ser captado com alguma defasagem de
tempo.
7. Referências
BENTZEN J., An empirical analysis of gasoline demand in Denmark using cointegration
techniques. Energy Economics, 16(2) (1994) pp.139-143.
BRASIL, MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA. Balanço Energético Nacional, Brasília,
1999. 153p.
DICKEY, D.A.; FULLER, W.A., Distribution of the estimator for auto-regressive time series
with a unit root. Journal of the American Statistical Association, 74 (1979) pp:427-31.
_________________________, Likelihood ratio statistics for auto-regressive time series with
a unit root. Econometrica, 49(1981) pp:1057-72.
CHENG, B.S.; LAI, T.W., An investigation of co-integration and causality between energy
consumption and economic activity in Taiwan. Energy Economics, (19) 4 (1997)
pp:435-444.
DAHL, D; STERNER, T., Analysing gasoline demand elasticities: a survey. Energy
Economics, (13) 3 (1991) pp: 201-210.
ENDERS, W., Applied econometric time series. New York: Willey. 1995. 433p.
ESPEY, M., Gasoline demand revisited: an international meta-analysis of elasticities. Energy
Economics, (20) 3 (1998) pp: 273-295.
FULLER, W.A., Introduction to statistical time series. New York: John Wiley. 1976.
GLASURE, Y.U. & LEE, AIE-RIE., Cointegration, error-correction, and the relationship
between GDP and energy: The case of South Korea and Singapore. Resource and
Energy Economics. (20) 1 (1998) pp:17-25.
JOHANSEN, S., Statistical analysis of cointegration vectors. Journal of Economic
Dynamics and Control, 12 (1988) pp:231-54.
KAYSER, H. A., Gasoline demand and car choice estimating gasoline demand using
household information. Energy Economics, 22 (2000) pp:331-348.
13
MASIH, M.M., MASIH, R., On the temporal causal relationship between energy
consumption, real income, and prices: some new evidence from Asian-energy
dependent NICS based on a multivariate cointegrated vector error-correction approach.
Journal of Polícy Modelling, 19 (1997) pp: 417-440.
MOREIRA, R. B. Modelos para a Projeção do Consumo Nacional e Regional de Óleo Diesel.
Rio de Janeiro: IPEA. 1996. (Texto para Discussão no 443).
OSTERWALD – LENUM, M., A note with quantiles of the asymptotic distribution of the
maximum likelihood cointegration rank test statistics. Oxford Bulletin of Economics
and Statistics, 54 (1992) pp:461-471.
RAMANATHAN, R. Short- and long-run elasticities of gasoline demand in India: An
empirical analysis using cointegration techniques. Energy Economics, (21) 4 (1999)
pp: 321-330.
Download