Odontologia Osteonecrose Induzida por Bifosfanatos: Patogenia, Características Clínicas e Terapêutica Dra. Leticia Mello Bezinelli1 • Dra. Fernanda de Paula Eduardo2 • Dra. Karin Sá Fernandes3 Prof. Dr. Paulo Sérgio da Silva Santos4 • Prof. Luiz Alberto Soares Valente Junior5 • Dra. Rosana Claudia Scramin Wakim6 • Dra. Maria Elvira Pizzigatti Correa7 • Profa. Dra. Luciana Correa8 A osteonecrose induzida por bifosfanato (OIB) foi inicialmente abordada na literatura em 2003 por Migliorati,(1) Marx,(2) Wang et al.(3) e Carter et al.,(4) os quais reportaram casos de pacientes com extensa lesão osteolítica semelhante a osteomielite nos ossos maxilares, cuja origem foi atribuída à terapia com altas doses de bifosfanatos.(5) Esses autores descreveram que uma característica marcante dessas lesões era terem predileção pela maxila e mandíbula, bem como estarem frequentemente associadas a extração dentária prévia. Os representantes de empresas farmacêuticas criticaram o fato de atribuir aos bifosfanatos a origem dessas lesões,(6) porém a partir desses primeiros relatos surgiram outros que mantiveram os bifosfanatos nitrogenados como determinantes do aparecimento da OIB. Esta é definida então como exposição e necrose do tecido ósseo dos ossos maxilares resistente a terapia convencional por mais de oito semanas em pacientes sob terapia com bifosfanatos e sem episódios de radiação ionizante.(2,7) Alta morbidade e resistência a medidas terapêuticas convencionais, tais como antibioticoterapia, debridamento e cirurgias ósseas(7) fazem com que a OIB seja um dos efeitos colaterais mais importantes dos bifosfanatos. É crescente o número de trabalhos na literatura descrevendo esses casos. Contudo, vários aspectos da OIB ainda continuam controversos, tais como sua real frequência entre os pacientes usuários de bifosfanatos, os fatores de risco, sua patogenia e os motivos de predileção pelos ossos maxilares, bem como as medidas terapêuticas de maior eficiência. O objetivo deste trabalho é descrever as características principais dessa lesão, principalmente no tocante às suas características clínicas, sua patogenia e os tratamentos em vigor. TIPOS DE BIFOSFANATOS E MECANISMOS DE AÇÃO Os bifosfanatos são análogos dos pirofosfatos orgânicos naturais, cuja propriedade principal é inibir a precipitação do fosfato de cálcio, tendo 1 - Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Responsável pelo Departamento de Marketing da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Odontologia e Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 84.561. 2 - Doutora em Diagnóstico Bucal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Atua no Hospital Israelita Albert Einstein – Unidade de Transplante de Medula Óssea. CROSP 67.191. 3 - Cirurgiã-Dentista do Centro de Atendimento a Pacientes Especiais, Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. CRO 94.266. 4 - Cirurgião-Dentista, Professor Doutor do Departamento de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo e Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 51.737. 5 - Cirurgião-Dentista do Departamento de Onco-Hematologia do Instituto da Criança FMUSP. Coordenador do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE, Professor Colaborador do Curso de Especialização da Escola de Aperfeiçoamento Profissional da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas e atua na Divisão de Odontologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CROSP 49.475. 6 - Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial; Membro da Equipe de Odontologia Hospitalar do Hospital Santa Isabel, atua no Serviço de Hematologia e Hemoterapia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 65.357. 7 - Responsável pelo Ambulatório de Odontologia do Centro de Hematologia e Hemoterapia Universidade Estadual de Campinas e Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 35.606. 8 - Professora Doutora da Disciplina de Patologia Geral da FOUSP. CROSP 52.772. Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 51 Quadro 1. Principais mecanismos de ação dos bifosfanatos e suas aplicações clínicas atuais Efeitos biológicos Aplicações clínicas Não-nitrogenados (metabolizados em análogos do ATP): Etidronato Clodronato Tiludronato Tipos de bifosfanato Mecanismo de ação -Adsorção à hidroxiapatita - Incorporação intracelular em análogos do ATP, resultando em nucleotídeos nãohidrolizados - Concentração em regiões no tecido ósseo com índice menor de mineralização (ex.: lacuna de Howship) - Internalização em osteoclastos por pinocitose ou fagocitose de complexos de cálcio - Modificação e/ou ruptura do citoesqueleto dos osteoclastos - Indução de apoptose (principalmente clodronato, pamidronato e risedronato) Com base na propriedade de adsorção à hidroxiapatita: Escaneamento do osso em exames de imagem para o diagnóstico de metástases e patologias ósseas Com base na propriedade de inibição da reabsorção óssea: Osteoporose: etidronato Nitrogenados (nãometabolizados e incorporados no citosol): Alendronato Pamidronato Risedronato Zoledronato Ibandronato - Interferência na via biossintética do mevalonato, responsável pela síntese de colesterol, de outros esteroides e lipídeos, bem como do GTP - Inibição da prenilação de proteínas ligantes de GTP, tais como Ras, Rab, Rho e Rac, o que interfere no citoesqueleto do osteoclastos, na sua capacidade de proliferação, no tráfico de vesículas em seu citosol e na permeabilidade de membrana plasmática Com base na propriedade de inibição da reabsorção óssea: Doença de Paget: pamidronato, zoledronato Metástases ósseas: zoledronato, alendronato Mieloma múltiplo: zoledronato, alendronato Osteoporose: alendronato, risedronato, ibandronato Osteogênese imperfeita: pamidronato Informações obtidas a partir de Rogers et al. (1997) e Russell (2007). Quadro 2. Potência relativa de ação, via de administração, indicações e doses dos bifosfanatos mais frequentemente observados nos casos de osteonecrose por bifosfanato (OIB) Bifosfanato Potência de ação* Via de administração Indicação e Dose** Baixo risco para OIB Alendronato 1000 Oral Tratamento de osteoporose: 70 mg/semana Profilaxia de osteoporose: 35 mg/semana Doença de Paget: 40 mg/dia por 6 meses Risedronato 1000 Oral Profilaxia e tratamento de osteoporose: 35 mg/semana Doença de Paget: 30 mg/dia por 2 meses Alto risco para OIB Zoledronato 10.000 Intravenoso Neoplasias malignas e hipercalcemia: 4 mg x 1 dose Mieloma múltiplo e metastases ósseas: 4 mg cada 3-4 semanas Doença de Paget: 5 mg x 1 dose Tratamento de osteoporose: 5 mg/ano Adaptado de AAOMS (2007). * O bifosfanato de menor potência é o etidronato, com valor igual a 1 e o de maior potência é o zoledronato, com valor igual a 10000. **Segundo tendências observadas nos EUA. 52 Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 alta adsorção às moléculas de hidroxiapatita. Têm baixa absorção intestinal (1-4%) e alta seletividade pelo tecido ósseo.(8) Possuem meia-vida plasmática curta (entre 20 min a 2-3h) e meia-vida longa no tecido ósseo (muitos meses a anos).(9) Além de inibir a calcificação, os bifosfanatos inibem também a reabsorção óssea. As drogas disponíveis no mercado constituem produtos melhorados dos pirofosfastos, no sentido de potencializar seu efeito inibidor da reabsorção óssea sem grande interferência na calcificação.(10) Com isso, está sendo possível aplicar, com grande eficiência, esses metabólitos no controle da osteoporose, das hipercalcemias e das metástases ósseas. Essa potencialização é obtida a partir da introdução de átomos de nitrogênio em posições específicas da cadeia lateral dos bifosfanatos. Assim, duas características químicas distinguem os tipos de bifosfanato: 1) sua capacidade de interagir, por quelação, com os íons cálcio da hidroxiapatita, que depende da presença de um radical hidroxila na molécula; 2) sua capacidade de antirreabsorção, que é potencializada pela presença de um radical do grupo amina na molécula.(10) Os mecanismos de ação de bifosfanatos contendo um radical amina são diferentes daqueles somente com radical hidroxila. Boa parte desses mecanismos de ação ainda não está elucidada. O quadro 1 mostra os tipos de bifosfanato atualmente mais indicados em termos clínicos e seus supostos mecanismos de ação. Os tipos de bifosfanato e suas dosagens/vias de administração mais frequentemente detectados nos casos de OIB estão listados no quadro 2. Os compostos nitrogenados mais potentes são os mais diretamente ligados ao aparecimento de OIB. INCIDÊNCIA Nos primeiros anos de relatos da OIB, não foi possível precisar a sua incidência em função do baixo número de casos e da ausência de informações como um Odontologia todo dos usuários de bifosfanatos. Há diferenças marcantes, contudo, ao se comparar as vias de administração endovenosa e oral. Considerando a via endovenosa, são citadas frequências entre 1 e 12% de OIB em usuários de bifosfanatos de uma maneira geral.(11) Essa variação depende da posologia, da população estudada e da doença primária. Durie et al.(12) sugeriram uma frequência com base em um levantamento feito pela Web por intermédio da International Myeloma Foundation, de pacientes com mieloma múltiplo e tumor de mama. Os autores detectaram que, num período superior a 36 meses de terapia, haveria chance de 10% e 4% dos pacientes, usuários, respectivamente, de ácido zoledrônico e pamidronato, apresentarem OIB. Nesse estudo, foram estimados que cerca de 13% dos pacientes com mieloma múltiplo e que 12% dos pacientes com neoplasias de mama usuários de bifosfanato teriam OIB. Outro estudo mostrou frequência de 17% de OIB em pacientes com mieloma múltiplo tratados com zoledronato via endovenosa.(13) Para as terapias por via oral, trabalhos de revisão sistemática mostraram uma prevalência baixa de OIB (1/10.000 a 1/100.000 pacientes/ano).(14) Nos casos de terapia para controle da osteoporose, essa frequência também é baixa. Um estudo demonstrou que, entre os 368 casos de OIB registrados, cerca de 4% eram em mulheres usuárias de bifosfanato para tratamento ou prevenção da osteoporose (cerca de 92% ocorreram em pacientes com mieloma múltiplo).(15) Essas estimativas envolvem na sua grande maioria casos tratados com alendronato via oral, e não com etidronato e ibandronato.(16) PATOGENIA E MARCADORES BIOQUÍMICOS A origem da OIB é descrita considerando as propriedades inibidoras da função osteoclástica dos bifosfanatos Alguns marcadores séricos têm sido sugeridos para predizer o risco de OIB em pacientes submetidos a cirurgias nos ossos maxilares durante a terapia com bifosfonatos citados no quadro 1, bem como de sua potencial indução de apoptose dessas células, da inibição de seus precursores na medula hematopoiética e de sua ação antiangiogênica.(17) Particularmente a inibição das células endoteliais é bastante enfatizada, fato que levou essa lesão a ter a sinonímia de “necrose avascular por bifosfanatos”. São descritos mecanismos que envolvem distúrbios na microcirculação, com o surgimento de microtrombos que impedem a vascularização no local,(18) bem como inibição de fatores angiogênicos, tais como do fator de crescimento angiogênico vascular. (7) Allegra et al. (19) demonstraram menor quantidade de precursores de células endoteliais na circulação sanguínea de pacientes com osteonecrose induzida por bifosfanatos administrados via endovenosa, bem como maior índice de apoptose de células endoteliais circulantes em pacientes com mieloma múltiplo tratados com bifosfanato, com ou sem presença de OIB. Esses índices apoptóticos provavelmente interferem não só na capacidade angiogênica em mecanismos do reparo ósseo, bem como na hemostasia, favorecendo elementos procoagulantes que acarretam a agregação de neutrófilos e plaquetas, o que induz episódios de isquemia e trombose. As modificações da vascularização inerentes a OIB explicam em parte por que a mandíbula é mais afetada do que a maxila, uma vez que a primeira possui anatomicamente menos vascularização que a segunda. Os ossos gnáticos, assim, em especial a mandíbula, seriam locais de eleição para a OIB por que são os únicos ossos suscetíveis a microtraumatismos constantes em função da presença dos dentes, o que estimula o turnover constante ósseo. Os dentes por sua vez constituem porta de entrada de micro-organismos patogênicos via endodôntica ou periodontal, o que facilita a instalação de focos infecciosos e inflamatórios cujo reparo é prejudicado pelos bifosfanatos.(7,17,18,20) Trabalhos ainda apontam o papel das infecções bacterianas, sendo estas mais importantes na OIB do que na osteorradionecrose.(20,21) São detectadas colonizações por Actinomyces, Staphylococcus aureus, Streptococcus sp(13) e por bactérias da flora normal da cavidade oral.(7) Nesse sentido, a terapia com antibióticos é fundamental para o controle da doença. Marx et al.(2) e Merigo et al.(9) consideram ainda outras propriedades dos bifosfanatos que podem estar envolvidas na patogenia da OIB, tais como inibição de adesão das células tumorais sobre a matriz óssea e inibição de metaloproteinases, o que interferiria diretamente nos processos de angiogênese e reabsorção óssea. Cofatores não estão descartados na patogenia da OIB, tais como fumo, diabetes, uso de esteroides e outros medicamentos, anemia, hipóxia e disfunções renais.(22) Alguns marcadores séricos têm sido sugeridos para predizer o risco de OIB em pacientes submetidos a cirurgias nos ossos maxilares durante a terapia com bifosfonatos. O telopeptídeo C do colágeno tipo I (CTX) é considerado um marcador importante da atividade osteoclástica e pode ser indicado para monitorar os níveis de reabsorção óssea nessas condições.(23,24) Lee et al.(23) verificaram não haver alterações significativas nos níveis de CTX, fosfatase alcalina específica do Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 53 osso, osteocalcina, paratormônio intacto, T3, T4, TSH e vitamina D25 em 7 pacientes com OIB. Lazarovici et al.,(24) em casuística maior com 78 pacientes submetidos a terapia oral e endovenosa com bifosfanatos, com ou sem OIB, verificaram haver associação entre baixos níveis de CTX (menos que 150 pg/mL) e OIB, bem como níveis significativamente menores de fosfatase alcalina óssea em pacientes com bifosfanatos administrados por via oral portadores de OIB. Filleul et al.,(27) em revisão sistemática ampla, observaram que 66% dos casos citados na literatura enquadram-se no estágio II, 16%, no I e 18%, no estágio III Quadro 3. Características clínicas, radiográficas e história dental associada aos casos de osteonecrose induzida por bifosfonato Características clínicas •Exposição do tecido ósseo, com ou sem sequestro ósseo •Focos de supuração intraoral •Áreas de ulceração isoladas ou múltiplas •Sintomatologia dolorosa •Parestesia* •Manifestações extraorais de fístula ou edemaciamento, principalmente na região submandibular Características radiográficas •Aspecto normal nos estágios iniciais da osteonecrose •Rarefação óssea irregular, mesclada com pontos radiopacos, sugestiva de necrose óssea •Imagem de sequestro ósseo •Ruptura da cortical alveolar História dental associada ao aparecimento da lesão •Extrações dentárias prévias •Focos infecciosos de origem endodôntica ou periodontal •Próteses mal adaptadas •Colocação de implantes ou próteses sobre implantes mal adaptadas •Movimentações dentárias ortodônticas * Pode indicar envolvimento do nervo alveolar inferior. Quadro 4. Principais medidas terapêuticas para a ostenecrose induzida por bifosfanatos em função do seu estágio clínico Estágio clínico Medidas terapêuticas 0 – Sem evidência clínica de lesão, porém com risco de desenvolvê-la. •Monitorização dos cuidados orais, sem tratamentos específicos 1 – Exposição de tecido ósseo necrótico, porém sem sintomatologia. •Monitorização e reforço dos cuidados orais •Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%) •Contraindicação de cirurgias orais •Acompanhamento clínico periódico (a cada 4 meses) 2 – Exposição do tecido ósseo sintomática, com ou sem infecção secundária e supuração. •Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%) •Prescrição de antibióticos de amplo espectro (penicilina, amoxicilina, clindamicina, cefalexina)* •Controle da dor (com analgésicos ou outras vias) •Debridamento superficial, retirando somente tecido ósseo agressivo ao tecido mole 3 – Exposição de tecido ósseo sintomática, ampla, com infecção secundária, acompanhada de algum dos seguintes itens: fratura patológica, fístula extraoral e lise óssea estendendo-se até a borda inferior da mandíbula. •Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%) •Antibioticoterapia com antibióticos de amplo espectro* •Controle da dor •Debridamento cirúrgico ou ressecção parcial Adaptado de AAOMS (2007). * O tempo de antibioticoterapia está em função da evolução clínica da lesão, sendo necessária por vezes a administração prolongada de antibióticos. 54 Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS O quadro 3 resume as características clínicas e radiográficas das lesões de OIB, bem como a história dental associada a elas. Ruggiero et al.(7) estabeleceram uma classificação clínica das lesões com base nos níveis de destruição do tecido ósseo e da sintomatologia, apresentada no quadro 4. Filleul et al.,(27) em revisão sistemática ampla, observaram que 66% dos casos citados na literatura enquadram-se no estágio II, 16%, no I e 18%, no estágio III. Hutchinson et al.(28) descreveram as características radiográficas dos pacientes em estágio 0, ou seja, sem evidências clínicas de lesão de OIB, porém com alto risco para desenvolvê-la. Proeminência do canal do nervo alveolar inferior, ruptura da cortical óssea, pouco osso formado e cavidade alveolar persistente após a extração foram achados frequentes. O risco de OIB quando da colocação de implantes dentários ainda é controverso na literatura. Bedogni et al.(29) descreveram o décimo caso de OIB associado a implante dentário citado na literatura em um paciente usuário de alendronato para tratamento de osteoporose. Enfatizaram que esse risco não está descartado, sendo fundamental o esclarecimento ao pacientes desse risco, bem como orientações rigorosas de higiene oral. Não foram estabelecidos também os níveis de risco para OIB quando das movimentações dentárias ortodônticas. Há relatos de que os bifosfanatos impedem essas movimentações devido a sua ação inibidora sobre os mecanismos de reabsorção e aposição óssea.(30) Em função disso, naturalmente esses pacientes têm um tratamento mais prolongado, por vezes com alocação de forças maiores para promover o deslocamento dentário. Esse fato, aliado a maior concentração de bifosfanato em regiões de alto turnover ósseo, como é o caso do osso perirradicular submetido a tração e pressão, pode significar maior risco de desenvolver OIB.(30) Odontologia TERAPIA PREVENTIVA E CURATIVA Terapia preventiva A terapia preventiva para as OIB é atualmente bastante enfatizada na literatura. A Associação Americana de Cirurgiões orais e maxilofaciais propôs algumas diretrizes de tratamento em pacientes usuários de bifosfanatos:(31) • Previamente à instituição da terapia por bifosfanatos, o paciente deve ter orientação cuidadosa de cuidados com a saúde oral, revisão do aparato protético se houver, bem como eliminação de focos infecciosos, com extrações dentárias se necessário. No caso destas, o uso de bifosfanatos deve ser adiado até que haja reparo completo da mucosa e, preferencialmente, reparo adiantado do tecido ósseo. • Para os pacientes já usuários de bifosfanatos, deve-se evitar a colocação de implantes em regimes de 4-12 aplicações de pamidronato ou zoledronato por ano. • Para os usuários de bifosfanatos orais menos de 3 vezes ao ano sem associação a outros fatores de risco, como terapia com corticosteroides, nenhuma alteração na rotina odontológica deve ser adotada. Quando da necessidade de intervenções cirúrgicas, ao haver a associação de fatores de risco (terapia com corticosteroides e outros esteroides), deve-se interromper a terapia com bifosfanato 3 meses antes e 3 meses depois da intervenção odontológica. A interrupção dos bifosfanatos deve estar de acordo com as orientações do oncologista, que avaliará as condições sistêmicas do paciente para tal. Terapia curativa O quadro 4 resume as medidas terapêuticas em função do estágio clínico da OIB. Vale dizer que na literatura grande ênfase é dada aos insucessos dos trata- mentos instituídos para OIB. Em boa parte dos casos, o paciente demonstra remissão satisfatória de sintomatologia dolorosa e de parestesia, porém são raros os casos em que há cura ou mesmo redução do tamanho da lesão. Em geral, são recomendados antibioticoterapia principalmente com amoxicilina e outros derivados da penicilina por período prolongado, debridamento das lesões, bochechos com clorexidina e cirurgias para retirada do tecido necrótico, tanto conservadoras quanto amplas.(5,18) Em especial, alguns relatos não recomendam cirurgias amplas como um possível tratamento, em função dos altos índices de insucessos.(5,7) A reconstrução com retalhos também é descrita como sendo ineficaz. (7) Foi considerada também a terapia com oxigênio hiperbárico, a qual demonstrou insucesso nas OIB, sendo contraindicada.(5,7) A interrupção da terapia com bifosfanatos é controversa. Lenz et al.(18) enfatizaram a importância de não se interromper essa terapia diante de OIB, uma vez que os mecanismos dessa lesão, bem como os fatores determinantes de seu aparecimento, ainda não eram conhecidos. Merigo et al.,(9) por outro lado, realizaram a interrupção do tratamento com bifosfanato, porém alertaram que não existem evidências de que essa medida auxilie no tratamento. Migliorati et al.(32) comentaram que a interrupção dos bifosfanatos deve ser decisão do oncologista, em função do impacto dessa interrupção no controle das neoplasias; porém não estão descartadas algumas vantagens da diminuição dos teores da droga no tecido ósseo, tais como menor inibição da angiogênese, o que poderia ajudar na cicatrização das lesões. Para os pacientes usuários de bifosfanato por via oral, a Associação Americana de Cirurgiões Orais e Maxilofaciais(31) recomenda a interrupção da terapia por 3 e 6-12 meses, respectivamente, para situações de risco de OIB e quando há presença da mesma. Por via endovenosa, essa Associação afirma haver vantagens da interrupção prolongada da droga para a resolução da lesão, quando as condições sistêmicas do paciente assim permitirem. CONCLUSÕES A alta morbidade da OIB e os níveis altos de insucesso terapêutico caracterizam essas lesões como sendo de alto impacto clínico para o paciente, interferindo de forma substancial na sua qualidade de vida, bem como na cura de sua doença primária. Apesar de os estudos atuais indicarem uma incidência baixa em usuários de bifosfanato por via oral, e média nos usuários por via endovenosa, o risco da OIB não pode ser negligenciado pelos oncologistas e cirurgiões-dentistas, que juntos devem prescrever medidas preventivas e esclarecer ao paciente as características do curso clínico dessas lesões. t REFERÊNCIAS 1. Migliorati CA. Bisphosphonates and oral cavity avascular necrosis of bone. J Clin Oncol 2003;21:4253-4. 2. Marx RE. Pamidronate (aredia) and zoledronate (zometa) induced avascular necrosis of the jaws: a growing epidemic. J Maxillofac Surg 2003;61:1115-8. 3. Wang J, Goodger NM, Pogrel MA. Osteonecrosis of the jaws associated with cancer chemotherapy. 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O bjetivos Divulgar a talassemia em nosso país, esclarecendo aos profissionais da saúde a importância do diagnóstico precoce; Realizar a prevenção da talassemia junto aos casais no planejamento familiar; Dar suporte para o tratamento adequado e apoio para que os exames de acompanhamento sejam feitos regularmente; diagnóstico, fornecer aos familiares esclarecimento e informações, apoio jurídico Após o diagnóstic e psicológico; Incentivar a doação de sangue no Brasil; Contribuir para a atualização dos profissionais de saúde, com a finalidade de disponibilizar no país o melhor tratamento possível. Fale com a ABRASTA! 56 Para esclarecer suas dúvidas e dar sugestões, entre em contato com a nossa equipe pelo 0800-773-9973 ou [email protected]. Mais no www.abrasta.org.br. Prática Hospitalar • Ano XII informações • Nº 72 • Nov-Dez/2010