Osteonecrose Induzida por Bifosfanatos: Patogenia

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Odontologia
Osteonecrose Induzida por
Bifosfanatos: Patogenia,
Características Clínicas
e Terapêutica
Dra. Leticia Mello Bezinelli1 • Dra. Fernanda de Paula Eduardo2 • Dra. Karin Sá Fernandes3
Prof. Dr. Paulo Sérgio da Silva Santos4 • Prof. Luiz Alberto Soares Valente Junior5 • Dra. Rosana
Claudia Scramin Wakim6 • Dra. Maria Elvira Pizzigatti Correa7 • Profa. Dra. Luciana Correa8
A
osteonecrose induzida por bifosfanato
(OIB) foi inicialmente abordada na literatura em 2003 por Migliorati,(1) Marx,(2)
Wang et al.(3) e Carter et al.,(4) os quais reportaram casos de pacientes com extensa lesão
osteolítica semelhante a osteomielite nos ossos
maxilares, cuja origem foi atribuída à terapia com
altas doses de bifosfanatos.(5) Esses autores
descreveram que uma característica marcante
dessas lesões era terem predileção pela maxila e
mandíbula, bem como estarem frequentemente
associadas a extração dentária prévia. Os representantes de empresas farmacêuticas criticaram
o fato de atribuir aos bifosfanatos a origem
dessas lesões,(6) porém a partir desses primeiros relatos surgiram outros que mantiveram os
bifosfanatos nitrogenados como determinantes
do aparecimento da OIB. Esta é definida então
como exposição e necrose do tecido ósseo dos
ossos maxilares resistente a terapia convencional
por mais de oito semanas em pacientes sob
terapia com bifosfanatos e sem episódios de
radiação ionizante.(2,7)
Alta morbidade e resistência a medidas terapêuticas convencionais, tais como antibioticoterapia, debridamento e cirurgias ósseas(7) fazem
com que a OIB seja um dos efeitos colaterais
mais importantes dos bifosfanatos. É crescente
o número de trabalhos na literatura descrevendo
esses casos. Contudo, vários aspectos da OIB
ainda continuam controversos, tais como sua
real frequência entre os pacientes usuários de
bifosfanatos, os fatores de risco, sua patogenia e
os motivos de predileção pelos ossos maxilares,
bem como as medidas terapêuticas de maior
eficiência. O objetivo deste trabalho é descrever
as características principais dessa lesão, principalmente no tocante às suas características clínicas, sua patogenia e os tratamentos em vigor.
TIPOS DE BIFOSFANATOS E
MECANISMOS DE AÇÃO
Os bifosfanatos são análogos dos pirofosfatos orgânicos naturais, cuja propriedade principal
é inibir a precipitação do fosfato de cálcio, tendo
1 - Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Responsável pelo Departamento de
Marketing da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Odontologia e Membro
do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 84.561.
2 - Doutora em Diagnóstico Bucal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Atua
no Hospital Israelita Albert Einstein – Unidade de Transplante de Medula Óssea. CROSP 67.191.
3 - Cirurgiã-Dentista do Centro de Atendimento a Pacientes Especiais, Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo. CRO 94.266.
4 - Cirurgião-Dentista, Professor Doutor do Departamento de Estomatologia da Faculdade de
Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo e Membro do Comitê Científico de Odontologia da
ABRALE. CROSP 51.737.
5 - Cirurgião-Dentista do Departamento de Onco-Hematologia do Instituto da Criança FMUSP.
Coordenador do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE, Professor Colaborador do Curso
de Especialização da Escola de Aperfeiçoamento Profissional da Associação Paulista de Cirurgiões
Dentistas e atua na Divisão de Odontologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. CROSP 49.475.
6 - Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial; Membro da Equipe de Odontologia Hospitalar do
Hospital Santa Isabel, atua no Serviço de Hematologia e Hemoterapia da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo. Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 65.357.
7 - Responsável pelo Ambulatório de Odontologia do Centro de Hematologia e Hemoterapia Universidade
Estadual de Campinas e Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 35.606.
8 - Professora Doutora da Disciplina de Patologia Geral da FOUSP. CROSP 52.772.
Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 51
Quadro 1. Principais mecanismos de ação dos bifosfanatos
e suas aplicações clínicas atuais
Efeitos biológicos
Aplicações clínicas
Não-nitrogenados
(metabolizados em
análogos do ATP):
Etidronato Clodronato
Tiludronato
Tipos de bifosfanato Mecanismo de ação
-Adsorção à
hidroxiapatita
- Incorporação
intracelular em
análogos do ATP,
resultando em
nucleotídeos nãohidrolizados
- Concentração em
regiões no tecido ósseo
com índice menor de
mineralização (ex.: lacuna
de Howship)
- Internalização em
osteoclastos por
pinocitose ou fagocitose
de complexos de cálcio
- Modificação e/ou ruptura
do citoesqueleto dos
osteoclastos
- Indução de apoptose
(principalmente
clodronato, pamidronato e
risedronato)
Com base na propriedade
de adsorção à
hidroxiapatita:
Escaneamento do osso em
exames de imagem para o
diagnóstico de metástases
e patologias ósseas
Com base na propriedade
de inibição da reabsorção
óssea:
Osteoporose: etidronato
Nitrogenados (nãometabolizados e
incorporados no
citosol):
Alendronato
Pamidronato
Risedronato
Zoledronato
Ibandronato
- Interferência na
via biossintética
do mevalonato,
responsável
pela síntese de
colesterol, de
outros esteroides e
lipídeos, bem como
do GTP
- Inibição da prenilação
de proteínas ligantes
de GTP, tais como Ras,
Rab, Rho e Rac, o que
interfere no citoesqueleto
do osteoclastos, na
sua capacidade de
proliferação, no tráfico de
vesículas em seu citosol
e na permeabilidade de
membrana plasmática
Com base na propriedade
de inibição da reabsorção
óssea:
Doença de Paget:
pamidronato, zoledronato
Metástases ósseas:
zoledronato, alendronato
Mieloma múltiplo:
zoledronato, alendronato
Osteoporose: alendronato,
risedronato, ibandronato
Osteogênese imperfeita:
pamidronato
Informações obtidas a partir de Rogers et al. (1997) e Russell (2007).
Quadro 2. Potência relativa de ação, via de administração, indicações e doses dos bifosfanatos
mais frequentemente observados nos casos de osteonecrose por bifosfanato (OIB)
Bifosfanato Potência de ação*
Via de administração
Indicação e Dose**
Baixo risco para OIB
Alendronato
1000
Oral
Tratamento de osteoporose:
70 mg/semana
Profilaxia de osteoporose: 35 mg/semana
Doença de Paget: 40 mg/dia por 6 meses
Risedronato
1000
Oral
Profilaxia e tratamento de osteoporose: 35
mg/semana
Doença de Paget: 30 mg/dia por 2 meses
Alto risco para OIB
Zoledronato
10.000
Intravenoso
Neoplasias malignas e hipercalcemia:
4 mg x 1 dose
Mieloma múltiplo e metastases ósseas:
4 mg cada 3-4 semanas
Doença de Paget: 5 mg x 1 dose
Tratamento de osteoporose: 5 mg/ano
Adaptado de AAOMS (2007).
* O bifosfanato de menor potência é o etidronato, com valor igual a 1 e o de maior potência é o zoledronato, com valor igual a 10000.
**Segundo tendências observadas nos EUA.
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alta adsorção às moléculas de hidroxiapatita. Têm baixa absorção intestinal (1-4%)
e alta seletividade pelo tecido ósseo.(8)
Possuem meia-vida plasmática curta (entre
20 min a 2-3h) e meia-vida longa no tecido ósseo (muitos meses a anos).(9) Além
de inibir a calcificação, os bifosfanatos
inibem também a reabsorção óssea. As
drogas disponíveis no mercado constituem
produtos melhorados dos pirofosfastos,
no sentido de potencializar seu efeito
inibidor da reabsorção óssea sem grande
interferência na calcificação.(10) Com isso,
está sendo possível aplicar, com grande
eficiência, esses metabólitos no controle
da osteoporose, das hipercalcemias e das
metástases ósseas. Essa potencialização
é obtida a partir da introdução de átomos
de nitrogênio em posições específicas da
cadeia lateral dos bifosfanatos. Assim,
duas características químicas distinguem
os tipos de bifosfanato: 1) sua capacidade
de interagir, por quelação, com os íons
cálcio da hidroxiapatita, que depende da
presença de um radical hidroxila na molécula; 2) sua capacidade de antirreabsorção, que é potencializada pela presença de
um radical do grupo amina na molécula.(10)
Os mecanismos de ação de bifosfanatos
contendo um radical amina são diferentes
daqueles somente com radical hidroxila.
Boa parte desses mecanismos de ação
ainda não está elucidada. O quadro 1
mostra os tipos de bifosfanato atualmente
mais indicados em termos clínicos e seus
supostos mecanismos de ação.
Os tipos de bifosfanato e suas dosagens/vias de administração mais frequentemente detectados nos casos de OIB
estão listados no quadro 2. Os compostos
nitrogenados mais potentes são os mais diretamente ligados ao aparecimento de OIB.
INCIDÊNCIA
Nos primeiros anos de relatos da OIB,
não foi possível precisar a sua incidência
em função do baixo número de casos e
da ausência de informações como um
Odontologia
todo dos usuários de bifosfanatos. Há
diferenças marcantes, contudo, ao se
comparar as vias de administração endovenosa e oral.
Considerando a via endovenosa, são
citadas frequências entre 1 e 12% de OIB
em usuários de bifosfanatos de uma maneira geral.(11) Essa variação depende da
posologia, da população estudada e da
doença primária. Durie et al.(12) sugeriram
uma frequência com base em um levantamento feito pela Web por intermédio da
International Myeloma Foundation, de pacientes com mieloma múltiplo e tumor de
mama. Os autores detectaram que, num
período superior a 36 meses de terapia,
haveria chance de 10% e 4% dos pacientes, usuários, respectivamente, de ácido
zoledrônico e pamidronato, apresentarem
OIB. Nesse estudo, foram estimados que
cerca de 13% dos pacientes com mieloma
múltiplo e que 12% dos pacientes com
neoplasias de mama usuários de bifosfanato teriam OIB. Outro estudo mostrou
frequência de 17% de OIB em pacientes
com mieloma múltiplo tratados com zoledronato via endovenosa.(13)
Para as terapias por via oral, trabalhos
de revisão sistemática mostraram uma
prevalência baixa de OIB (1/10.000 a
1/100.000 pacientes/ano).(14) Nos casos
de terapia para controle da osteoporose,
essa frequência também é baixa. Um estudo demonstrou que, entre os 368 casos
de OIB registrados, cerca de 4% eram
em mulheres usuárias de bifosfanato para
tratamento ou prevenção da osteoporose
(cerca de 92% ocorreram em pacientes
com mieloma múltiplo).(15) Essas estimativas envolvem na sua grande maioria casos
tratados com alendronato via oral, e não
com etidronato e ibandronato.(16)
PATOGENIA E MARCADORES
BIOQUÍMICOS
A origem da OIB é descrita considerando as propriedades inibidoras da
função osteoclástica dos bifosfanatos
Alguns marcadores
séricos têm sido
sugeridos para predizer
o risco de OIB em
pacientes submetidos
a cirurgias nos ossos
maxilares durante a
terapia com bifosfonatos
citados no quadro 1, bem como de sua
potencial indução de apoptose dessas
células, da inibição de seus precursores
na medula hematopoiética e de sua ação
antiangiogênica.(17) Particularmente a inibição das células endoteliais é bastante
enfatizada, fato que levou essa lesão a
ter a sinonímia de “necrose avascular por
bifosfanatos”. São descritos mecanismos
que envolvem distúrbios na microcirculação, com o surgimento de microtrombos
que impedem a vascularização no local,(18)
bem como inibição de fatores angiogênicos, tais como do fator de crescimento
angiogênico vascular. (7) Allegra et al. (19)
demonstraram menor quantidade de
precursores de células endoteliais na
circulação sanguínea de pacientes com
osteonecrose induzida por bifosfanatos
administrados via endovenosa, bem
como maior índice de apoptose de células endoteliais circulantes em pacientes
com mieloma múltiplo tratados com
bifosfanato, com ou sem presença de
OIB. Esses índices apoptóticos provavelmente interferem não só na capacidade
angiogênica em mecanismos do reparo
ósseo, bem como na hemostasia, favorecendo elementos procoagulantes que
acarretam a agregação de neutrófilos e
plaquetas, o que induz episódios de isquemia e trombose. As modificações da
vascularização inerentes a OIB explicam
em parte por que a mandíbula é mais
afetada do que a maxila, uma vez que a
primeira possui anatomicamente menos
vascularização que a segunda. Os ossos
gnáticos, assim, em especial a mandíbula, seriam locais de eleição para a OIB
por que são os únicos ossos suscetíveis
a microtraumatismos constantes em
função da presença dos dentes, o que
estimula o turnover constante ósseo. Os
dentes por sua vez constituem porta de
entrada de micro-organismos patogênicos via endodôntica ou periodontal, o que
facilita a instalação de focos infecciosos
e inflamatórios cujo reparo é prejudicado
pelos bifosfanatos.(7,17,18,20)
Trabalhos ainda apontam o papel das
infecções bacterianas, sendo estas mais
importantes na OIB do que na osteorradionecrose.(20,21) São detectadas colonizações
por Actinomyces, Staphylococcus aureus,
Streptococcus sp(13) e por bactérias da flora
normal da cavidade oral.(7) Nesse sentido,
a terapia com antibióticos é fundamental
para o controle da doença.
Marx et al.(2) e Merigo et al.(9) consideram ainda outras propriedades dos
bifosfanatos que podem estar envolvidas
na patogenia da OIB, tais como inibição de
adesão das células tumorais sobre a matriz
óssea e inibição de metaloproteinases, o
que interferiria diretamente nos processos
de angiogênese e reabsorção óssea.
Cofatores não estão descartados
na patogenia da OIB, tais como fumo,
diabetes, uso de esteroides e outros medicamentos, anemia, hipóxia e disfunções
renais.(22)
Alguns marcadores séricos têm sido
sugeridos para predizer o risco de OIB
em pacientes submetidos a cirurgias nos
ossos maxilares durante a terapia com bifosfonatos. O telopeptídeo C do colágeno
tipo I (CTX) é considerado um marcador
importante da atividade osteoclástica
e pode ser indicado para monitorar os
níveis de reabsorção óssea nessas condições.(23,24) Lee et al.(23) verificaram não
haver alterações significativas nos níveis
de CTX, fosfatase alcalina específica do
Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010 53
osso, osteocalcina, paratormônio intacto,
T3, T4, TSH e vitamina D25 em 7 pacientes com OIB. Lazarovici et al.,(24) em
casuística maior com 78 pacientes submetidos a terapia oral e endovenosa com
bifosfanatos, com ou sem OIB, verificaram
haver associação entre baixos níveis de
CTX (menos que 150 pg/mL) e OIB, bem
como níveis significativamente menores
de fosfatase alcalina óssea em pacientes
com bifosfanatos administrados por via
oral portadores de OIB.
Filleul et al.,(27) em
revisão sistemática ampla,
observaram que 66% dos
casos citados na literatura
enquadram-se no estágio
II, 16%, no I e 18%,
no estágio III
Quadro 3. Características clínicas, radiográficas e história
dental associada aos casos de osteonecrose induzida por bifosfonato
Características clínicas
•Exposição do tecido ósseo, com
ou sem sequestro ósseo
•Focos de supuração intraoral
•Áreas de ulceração isoladas ou
múltiplas
•Sintomatologia dolorosa
•Parestesia*
•Manifestações extraorais de
fístula ou edemaciamento,
principalmente na região
submandibular
Características radiográficas
•Aspecto normal nos estágios
iniciais da osteonecrose
•Rarefação óssea irregular,
mesclada com pontos
radiopacos, sugestiva de
necrose óssea
•Imagem de sequestro ósseo
•Ruptura da cortical alveolar
História dental associada ao
aparecimento da lesão
•Extrações dentárias prévias
•Focos infecciosos de origem
endodôntica ou periodontal
•Próteses mal adaptadas
•Colocação de implantes ou
próteses sobre implantes mal
adaptadas
•Movimentações dentárias
ortodônticas
* Pode indicar envolvimento do nervo alveolar inferior.
Quadro 4. Principais medidas terapêuticas para a
ostenecrose induzida por bifosfanatos em função do seu estágio clínico
Estágio clínico
Medidas terapêuticas
0 – Sem evidência clínica de lesão,
porém com risco de desenvolvê-la.
•Monitorização dos cuidados orais, sem tratamentos
específicos
1 – Exposição de tecido ósseo necrótico,
porém sem sintomatologia.
•Monitorização e reforço dos cuidados orais
•Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%)
•Contraindicação de cirurgias orais
•Acompanhamento clínico periódico (a cada 4 meses)
2 – Exposição do tecido ósseo
sintomática, com ou sem infecção
secundária e supuração.
•Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%)
•Prescrição de antibióticos de amplo espectro (penicilina,
amoxicilina, clindamicina, cefalexina)*
•Controle da dor (com analgésicos ou outras vias)
•Debridamento superficial, retirando somente tecido ósseo
agressivo ao tecido mole
3 – Exposição de tecido ósseo
sintomática, ampla, com infecção
secundária, acompanhada de
algum dos seguintes itens: fratura
patológica, fístula extraoral e lise
óssea estendendo-se até a borda
inferior da mandíbula.
•Bochechos com antimicrobianos (por ex., clorexidina 0,12%)
•Antibioticoterapia com antibióticos de amplo espectro*
•Controle da dor
•Debridamento cirúrgico ou ressecção parcial
Adaptado de AAOMS (2007).
* O tempo de antibioticoterapia está em função da evolução clínica da lesão, sendo necessária por vezes a administração prolongada de antibióticos.
54 Prática Hospitalar • Ano XII • Nº 72 • Nov-Dez/2010
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
O quadro 3 resume as características
clínicas e radiográficas das lesões de OIB,
bem como a história dental associada a
elas. Ruggiero et al.(7) estabeleceram uma
classificação clínica das lesões com base
nos níveis de destruição do tecido ósseo
e da sintomatologia, apresentada no quadro 4. Filleul et al.,(27) em revisão sistemática
ampla, observaram que 66% dos casos
citados na literatura enquadram-se no
estágio II, 16%, no I e 18%, no estágio III.
Hutchinson et al.(28) descreveram as
características radiográficas dos pacientes
em estágio 0, ou seja, sem evidências
clínicas de lesão de OIB, porém com alto
risco para desenvolvê-la. Proeminência do
canal do nervo alveolar inferior, ruptura da
cortical óssea, pouco osso formado e cavidade alveolar persistente após a extração
foram achados frequentes.
O risco de OIB quando da colocação
de implantes dentários ainda é controverso
na literatura. Bedogni et al.(29) descreveram o décimo caso de OIB associado a
implante dentário citado na literatura em
um paciente usuário de alendronato para
tratamento de osteoporose. Enfatizaram
que esse risco não está descartado,
sendo fundamental o esclarecimento ao
pacientes desse risco, bem como orientações rigorosas de higiene oral. Não foram
estabelecidos também os níveis de risco
para OIB quando das movimentações
dentárias ortodônticas. Há relatos de que
os bifosfanatos impedem essas movimentações devido a sua ação inibidora sobre
os mecanismos de reabsorção e aposição
óssea.(30) Em função disso, naturalmente
esses pacientes têm um tratamento mais
prolongado, por vezes com alocação de
forças maiores para promover o deslocamento dentário. Esse fato, aliado a maior
concentração de bifosfanato em regiões
de alto turnover ósseo, como é o caso
do osso perirradicular submetido a tração
e pressão, pode significar maior risco de
desenvolver OIB.(30)
Odontologia
TERAPIA PREVENTIVA E CURATIVA
Terapia preventiva
A terapia preventiva para as OIB é
atualmente bastante enfatizada na literatura. A Associação Americana de Cirurgiões
orais e maxilofaciais propôs algumas diretrizes de tratamento em pacientes usuários
de bifosfanatos:(31)
• Previamente à instituição da terapia
por bifosfanatos, o paciente deve ter
orientação cuidadosa de cuidados
com a saúde oral, revisão do aparato
protético se houver, bem como eliminação de focos infecciosos, com
extrações dentárias se necessário.
No caso destas, o uso de bifosfanatos
deve ser adiado até que haja reparo
completo da mucosa e, preferencialmente, reparo adiantado do tecido
ósseo.
• Para os pacientes já usuários de bifosfanatos, deve-se evitar a colocação de
implantes em regimes de 4-12 aplicações de pamidronato ou zoledronato
por ano.
• Para os usuários de bifosfanatos
orais menos de 3 vezes ao ano sem
associação a outros fatores de risco,
como terapia com corticosteroides,
nenhuma alteração na rotina odontológica deve ser adotada. Quando da
necessidade de intervenções cirúrgicas, ao haver a associação de fatores
de risco (terapia com corticosteroides
e outros esteroides), deve-se interromper a terapia com bifosfanato 3 meses
antes e 3 meses depois da intervenção
odontológica.
A interrupção dos bifosfanatos deve
estar de acordo com as orientações do
oncologista, que avaliará as condições
sistêmicas do paciente para tal.
Terapia curativa
O quadro 4 resume as medidas terapêuticas em função do estágio clínico da
OIB. Vale dizer que na literatura grande
ênfase é dada aos insucessos dos trata-
mentos instituídos para OIB. Em boa parte
dos casos, o paciente demonstra remissão
satisfatória de sintomatologia dolorosa e de
parestesia, porém são raros os casos em
que há cura ou mesmo redução do tamanho da lesão. Em geral, são recomendados
antibioticoterapia principalmente com
amoxicilina e outros derivados da penicilina
por período prolongado, debridamento
das lesões, bochechos com clorexidina e
cirurgias para retirada do tecido necrótico,
tanto conservadoras quanto amplas.(5,18)
Em especial, alguns relatos não recomendam cirurgias amplas como um possível
tratamento, em função dos altos índices
de insucessos.(5,7) A reconstrução com
retalhos também é descrita como sendo
ineficaz. (7) Foi considerada também a
terapia com oxigênio hiperbárico, a qual
demonstrou insucesso nas OIB, sendo
contraindicada.(5,7)
A interrupção da terapia com bifosfanatos é controversa. Lenz et al.(18) enfatizaram a importância de não se interromper
essa terapia diante de OIB, uma vez que
os mecanismos dessa lesão, bem como
os fatores determinantes de seu aparecimento, ainda não eram conhecidos.
Merigo et al.,(9) por outro lado, realizaram
a interrupção do tratamento com bifosfanato, porém alertaram que não existem
evidências de que essa medida auxilie no
tratamento. Migliorati et al.(32) comentaram
que a interrupção dos bifosfanatos deve
ser decisão do oncologista, em função
do impacto dessa interrupção no controle
das neoplasias; porém não estão descartadas algumas vantagens da diminuição
dos teores da droga no tecido ósseo, tais
como menor inibição da angiogênese, o
que poderia ajudar na cicatrização das
lesões. Para os pacientes usuários de
bifosfanato por via oral, a Associação Americana de Cirurgiões Orais e Maxilofaciais(31)
recomenda a interrupção da terapia por
3 e 6-12 meses, respectivamente, para
situações de risco de OIB e quando há
presença da mesma. Por via endovenosa,
essa Associação afirma haver vantagens
da interrupção prolongada da droga para a
resolução da lesão, quando as condições
sistêmicas do paciente assim permitirem.
CONCLUSÕES
A alta morbidade da OIB e os níveis altos de insucesso terapêutico caracterizam
essas lesões como sendo de alto impacto
clínico para o paciente, interferindo de forma substancial na sua qualidade de vida,
bem como na cura de sua doença primária. Apesar de os estudos atuais indicarem
uma incidência baixa em usuários de bifosfanato por via oral, e média nos usuários
por via endovenosa, o risco da OIB não
pode ser negligenciado pelos oncologistas
e cirurgiões-dentistas, que juntos devem
prescrever medidas preventivas e esclarecer ao paciente as características do curso
clínico dessas lesões. t
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Prática Hospitalar • Ano
XII informações
• Nº 72 • Nov-Dez/2010
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