CLARISSA REZENDE VIANA DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DO PERFIL DE PACIENTES DE UMA CLÍNICA-ESCOLA DE PSICOLOGIA: INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE FARMACOTERAPIA ASSOCIADO AO PROCESSO TERAPÊUTICO. Artigo apresentado ao curso de Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Profª. Drª. Graziela Furtado Scarpelli Ferreira. Brasília 2011 Dedico ao bem mais precioso que alguém pode ter: um filho. A você, Eduardo. AGRADECIMENTO Agradeço aos meus pais, Sandra e Mércio, que confiaram sempre na minha capacidade e me deram as melhores condições para um bom estudo e estrutura emocional para seguir em frente. Agradeço meus irmãos, Alisson, Edinho e Raquel pela força e coragem que passaram para mim como irmã caçula. Vocês foram o meu espelho. Agradeço ao Rafael, companheiro que está ao meu lado há alguns anos, me trazendo alegrias e que juntos tivemos o grande amor de nossas vidas, nosso filho Eduardo. Agradeço aos docentes de Psicologia pelo aprendizado e a minha formação, não só como Psicóloga, mas sim como Clarissa, um ser gente, com todas as subjetividades e vivências. Em especial, agradeço a professora Graziela, minha orientadora, que fazia de nossos encontros, momentos de ensino, mas também de conversas, escuta e boas risadas. Agradeço ao professor Luciano Espírito Santo pela oportunidade de poder fazer a pesquisa no Centro de Formação em Psicologia Aplicada, por ter aceitado ser a minha banca e pelo grande docente que ele representou para mim e que representa para o curso de Psicologia. Agradeço à Deus por todas essas oportunidades que Ele me concedeu. “Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro, e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele” (Carl Rogers). RESUMO Referência: OLIVEIRA, Clarissa. Avaliação do perfil de pacientes de uma clínica-escola de Psicologia: investigação do uso de farmacoterapia associado ao processo terapêutico. Monografia (Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2011. A associação entre terapias diversas, comprovadas empiricamente, para o tratamento de psicopatologias tem sido bem vista aos olhos da comunidade acadêmica. Isso porque o número crescente de transtornos psiquiátricos tem demandado dos profissionais da área de saúde maior capacidade de articulação multi e interdisciplinar. Contudo, parece haver uma banalização do uso de psicotrópicos nos diversos tratamentos psiquiátricos e, por vezes, os diagnósticos psicológicos e psiquiátricos são divergentes. Dessa forma, esse projeto teve por objetivo pesquisar, em uma Clínica–Escola de Psicologia da Universidade Católica de Brasília, o contingente de pacientes submetido aos dois tratamentos (farmacoterapia e psicoterapia). Além disso, essa pesquisa pretendeu determinar também, dentro desse montante de pacientes medicados, quais psicotrópicos são os mais prescritos para essa comunidade (que fazem psicoterapia na clínica-escola) e quais os principais diagnósticos pré-estabelecidos. Para tanto, foram avaliados 70 prontuários dos pacientes que estavam em tratamento psicoterápico no primeiro semestre de 2011. Foram observados também alguns aspectos secundários dos prontuários, tais como: a especialidade médica do profissional que prescreveu a medicação, se havia um diagnóstico satisfatório que justificasse o uso dos psicotrópicos prescritos. Os dados avaliados indicaram que a maior parte dos pacientes atendidos é do gênero feminino e está, em média, com 25 anos de idade. 56% da amostra estão fazendo uso de algum medicamento, paralelo ao tratamento psicológico. Desse grupo, 90% estão fazendo uso de psicotrópicos e, especialmente, de antidepressivos (50%). Assim, a despeito de apenas 40% dos pacientes possuírem um diagnóstico fechado que justifique o uso do psicotrópico, a grande maioria dos atendidos faz uso de remédio controlado, especialmente da fluoxetina (inibidor seletivo de recaptação de serotonina) e do clonazepam (benzodiazepínico). Vale ressaltar outros dados importantes, tais como o de que 28% dessa amostra fazem uso de benzodiazepínico e que apenas 31,4% dos medicamentos psicotrópicos foram prescritos por psiquiatras. Dessa forma, apesar dos dados não serem tão alarmantes quanto o esperado, é preocupante pensar que a população tem buscado, de forma cada vez mais intensa, apoio em medicamentos psicotrópicos, a despeito de não terem nem mesmo um diagnóstico bem estabelecido. Ademais, também é espantoso perceber o quão banalizado está o processo de prescrição de psicotrópicos, haja visto que até mesmo médicos sem especialização na área de psiquiatria estão indicando tais remédios para seus pacientes. Palavras-chave: Farmacoterapia. Psicoterapia. Psicotrópico. ABSTRACT Referência: OLIVEIRA, Clarissa. Avaliação do perfil de pacientes de uma clínica-escola de Psicologia: investigação do uso de farmacoterapia associado ao processo terapêutico. Monografia (Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2011. The association between various therapies, empirically proven, for the treatment of psychopathology has been well regarded in the eyes of the academic community. That's because the increasing number of psychiatric disorders has demanded of health professionals greater ability to articulate and interdisciplinary. However, there seems to be a trivialization of the use of psychotropic drugs in various psychiatric treatments and, sometimes, psychological and psychiatric diagnoses are different. Thus, this project aimed to investigate in a ClinicSchool of Psychology, Catholic University of Brasilia, the number of patients subjected to two treatments (pharmacotherapy and psychotherapy). Moreover, this research also sought to determine, within that amount of patients treated, which are the most frequently prescribed psychotropic for this community (who do psychotherapy in clinical school) and what the main pre-established diagnoses. Thus, we evaluated medical records of 70 patients who were in therapy in the first half of 2011. We also observed some secondary aspects of medical records, such as specialty medical professional who prescribed the medication, had a satisfactory diagnosis justifying the use of psychotropic drugs prescribed. Submitted data indicate that most patients seen is female and is on average 25 years of age. 56% of the sample are making use of a medication, parallel to psychological treatment. Of that group, 90% are making use of psychotropic drugs and especially of antidepressants (50%). Thus, despite only 40% of patients have a diagnosis justifying the closed use of psychotropic drug, the vast majority of those attended makes use of controlled medication, especially fluoxetine (selective inhibitor of serotonin reuptake) and clonazepam (benzodiazepine). It is worth mentioning other important data such as that 28% of the sample make use of benzodiazepines and that only 31.4% of psychotropic medications were prescribed by psychiatrists. Thus, although the data are not as alarming as expected, it is worrying to think that the population has sought, so more and more intense support in psychotropic medications, despite not having even a well-established diagnoses. Moreover, it is also amazing to realize how commonplace is the process of prescription of psychotropic drugs, knowing that even physicians without expertise in the field of psychiatry are indicating these medications for their patients. Keywords: Pharmacotherapy. Psychotherapy. Psychotropic drug. Sumário INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................................................. 10 MÉTODOS. ......................................................................................................................................... 10 RESULTADOS. .................................................................................................................................... 17 DISCUSSÃO. ....................................................................................................................................... 26 CONCLUSÃO. ..................................................................................................................................... 29 REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................................................................... 30 9 1. INTRODUÇÃO Os transtornos mentais têm sido motivo de investigação da humanidade desde os tempos mais remotos da história. Desde o período das primeiras civilizações, as questões emocionais sempre instigaram a curiosidade humana na busca por explicações que justificassem as diferenças entre pessoas de um mesmo grupo, bem como entre diferentes civilizações. Além disso, havia a necessidade de tratar pessoas que se mostrassem alteradas emocionalmente e que apresentavam claros sinais de sofrimento psíquico e, por muitas vezes, desadaptação social. A urgência pela explicação desses estados, bem como pela compreensão dos processos mentais demandou dos pesquisadores a investigação aprofundada de medicamentos e alternativas de tratamento que fossem eficazes na remissão dos sintomas apresentados pelos pacientes. Assim a descoberta de importantes psicofármacos e a comprovação da eficácia de numerosas técnicas psicoterapêuticas nas últimas décadas marcaram um grande avanço no estudo de transtornos mentais. As formas tradicionais de atendimento, baseadas em hospitais psiquiátricos e clínicas, ou com a prescrição exclusiva de psicofármacos ainda predominam como a principal intervenção nos quadros de transtornos mentais. No entanto, o aumento do uso e a banalização destas substâncias psicotrópicas também têm motivado vários estudos que levam em conta a participação das psicoterapias de apoio, que consideram três importantes dimensões: as drogas, o indivíduo e o meio. É importante ressaltar que, atualmente, a associação entre a psicoterapia e o uso de medicamentos já possui vasta literatura que comprova a eficácia dessa parceria terapêutica. Contudo, o uso isolado de cada uma dessas terapias (psicoterapia e farmacoterapia) também representa um fundamental meio de atendimento ao paciente em sofrimentos psíquico. Aliás, de uma forma geral, inicialmente, os pacientes costumam iniciar o tratamento de suas questões afetivas/sociais pelo medicamento (ou seja, com a farmacoterapia). A despeito de estarem bastante avançados, os estudos sobre os medicamentos continuam visando resultados, para os tratamentos, que sejam cada vez melhores e cujos efeitos colaterais sejam minimizados. Há, porém, ainda muita resistência no que se refere à psicoterapia, isso porque além de demandar uma disponibilidade emocional e financeira, a psicoterapia demora mais tempo para obter resultados, geralmente, do que a farmacoterapia. Nesse sentido, este projeto faz parte de um trabalho de conclusão do curso de psicologia onde a pesquisadora associada tem por objetivo avaliar o contingente de pacientes da clínica-escola de psicologia, da Universidade Católica de Brasília – UCB (Centro de Formação em Psicologia Aplicada – CEFPA), que está em processo psicoterapêutico e socioterapêutico associado ao uso de medicamento(s) psicotrópico(s). Dessa forma, pretende-se identificar o número de pacientes que fazem uso de psicofármacos concomitantes à psicoterapia para definir qual o perfil da clientela atendida nessa clínica-escola e, assim, poder preparar melhor os psicólogos em formação que farão os devidos atendimentos a esse público. A importância desta pesquisa, então, é a de obter e formalizar informações aos docentes de psicologia e psicoterapeutas em formação sobre quais medicamentos estão sendo mais utilizados pelos pacientes em tratamento 10 psicoterápico, procurando assim, estarem mais atentos acerca da ação terapêutica da droga, os mecanismos de ação, os efeitos colaterais que o paciente venha a ter. Além de esclarecer o psicoterapeuta, como um efeito secundário, esse projeto gerará cartilhas informativas sobre os medicamentos; estas poderão também ser utilizadas pelos psicoterapeutas para dirimir dúvidas dos seus pacientes sobre assuntos relativos aos medicamentos por eles utilizados. Por fim, esse projeto possibilita ainda o estabelecimento de correlação entre os dados sociodemográficos do público atendido e as principais medicações utilizadas. A pesquisa foi utilizada no primeiro semestre de 2011, utilizando um formulário composto pela pesquisadora contendo questões mistas com informações necessárias para quantificar e qualificar o uso de substâncias psicotrópicas concomitante à psicoterapia e processo socioterapêutico. A coleta de dados contemplou 70 prontuários de pacientes que estão em processo terapêutico no 1º semestre de 2011, incluindo todas as idades e gênero, encaminhados ou que vieram por espontânea vontade, desde que estejam em atendimentos individuais. 1.2 OBJETIVO GERAL Avaliar o contingente de pacientes de uma clínica-escola de psicologia que estão em processo psicoterapêutico e socioterapêutico e que fazem uso concomitante de medicamentos psicotrópicos. 1.3 Objetivos Específicos • Investigar qual a classe de medicamentos mais utilizada pelos pacientes em atendimento psicoterápico. • Comparar dados sociodemográficos e tipos de substâncias utilizadas para verificar correlação entre os dois fatores; • Criar cartilhas informativas sobre as substâncias mais utilizadas para consulta dos terapeutas em formação. 2. REVISÃO DE LITERATURA Na busca de uma opção mais adequada para tratar patologias psíquicas existe grande discussão acerca do uso de psicoterapia e psicotrópicos. Hoje as duas opções oferecem uma grande variedade e acessibilidade para a população que precisa desses recursos (FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004). A psicoterapia, enquanto prática do psicólogo tem o objetivo de analisar e buscar intervenções para que o sujeito consiga elaborar seus sofrimentos acerca da sua subjetividade e alterar comportamentos que irão trazer benefícios para si e para sua rede social. O termo psicoterapia foi usado a primeira vez pelo médico Daniel Tuke em 1872, porém a popularização da psicoterapia, como uma intervenção positiva sobre a saúde mental dos pacientes, começou somente no século XX (BOA MORTE, 2009). Atualmente, existem mais de 400 modalidades de psicoterapias, 11 apenas como prática privativa do psicólogo, espalhadas pelo mundo (WEYTEN, 2002 apud CFP-RJ, 2009). O Conselho Federal de Psicologia criou, no Brasil, a resolução nº 10/00 que qualifica a psicoterapia como prática do psicólogo, divulgando os principios pelos quais o psicólogo deve seguir, com o intuito de aprimorar os serviços técnicos dos psicoterapeutas, quanto a defesa da população usuária, seguindo normas éticas e legais da profissão. Com o avanço das práticas psicoterápicas e das teorias que as embasam, diversas facetas de propostas de intervenção surgiu na perspectiva de melhorar a prática psicológica de atendimento às questões psíquicas. A exemplo disso, Prochaska et al. (1992) propuseram um modelo de processo psicoterapêutico estruturado em seis fases. A saber: 1) fase pré-contemplativa, em que o paciente não tem consciência do seu problema e não sente vontade de modificar seu comportamento; 2) a fase contemplativa: o paciente se dá conta dos problemas existentes, mas não sabe como reagir; 3) a fase de preparação, na qual ocorre a tomada de decisão de resolução das questões latentes; 4) a fase da ação: o paciente investe tempo, dinheiro e esforço para a mudança; é a fase da terapia propriamente dita; 5) fase da manutenção: o paciente procura manter o comportamento mais adequado que ele descobriu por meio da psicoterapia e, por fim, 6) a fase da estabilidade: o paciente elaborou de forma positiva as questões que lhe incomodam e o cercam e buscar se manter em processo homeostático no que se refere às questões trabalhadas. Em relação a outras perspectivas de tratamento das psicopatologias, tais como a farmacoterapia, estas sempre foram práticas exclusivas da classe médica, no entanto, cabe ao psicólogo ter conhecimento da função dos medicamentos, especialmente de seus efeitos desejados e colaterais, para que ele possa criar cartilhas informativas ao seu paciente acerca das dúvidas que ele tenha e até mesmo ter conhecimento para concordar ou não com o medicamento prescrito. Outras práticas alternativas para melhorar o sofrimento do sujeito ou como remissão de sintomas (tais como Florais de Bach, massoterapia, uso de cristais e de essências, búzios, cartas, tarôs), por não apresentarem os conceitos mínimos exigidos pela prática científica e por não terem comprovação de beneces no uso dessas terapêuticas, não é permitido ao exercício do psicólogo o uso dessas terapias. A interação da Psicoterapia e a Farmacoterapia pode ser percebida como muito positiva por permitir a estruturação do tratamento e alivío dos sintomas de alguns transtornos mentais. Enquanto os psicofármacos ajudam a equilibrar a concentração, a memória, a percepção, por exemplo, a psicoterapia ajuda o paciente a refletir nas questões pertinentes e por si só modificar o seu comportamento diante de si e do ambiente no qual convive (FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004). Existem vários dilemas sobre a associação entre a psicoterapia e a farmacoterapia, já que há a crença de que não é necessária a terapia e/ou de que o uso de medicamentos psicotrópicos obrigatoriamente gerará dependência e uso abusivo. Essas falácias tendem a afastar a população, de uma forma geral, da busca de ajuda profissional, reforçando mitos culturais de que as pessoas podem melhorar sem o auxílio do profissional da área médica e/ou psicológica. Por outro lado, os medicamentos psicotrópicos também constituem ferramentas poderosas para acabar com o sofrimento psíquico, além das práticas psicoterapêuticas. Eles produzem remissão de sintomas e prolongam vidas. Para Avom (1995), os medicamentos facilitam a convivência entre o indivíduo e sua enfermidade. Porém, esses psicotrópicos apresentam duas questões relevantes a 12 serem consideradas: a possibilidade do surgimento de doenças iatrogênicas,estas causadas por efeitos adversos e complicações resultantes do tratamento farmacoterápico, e, por outro lado, os constantes investimentos na descoberta de melhores substâncias que trazem bem estar e menos reações adversas nas pessoas. A introdução de novos medicamentos e o aumento da quantidade de informação sobre as drogas, provocou o que se chama de explosão de informação, que nem sempre é de boa qualidade. Como consequência dessa manobra da indústria farmacêutica, os profissionais da área de saúde tem dificuldade de se manterem atualizados. Para a solução deste problema, existe a formação de farmacêuticos treinados como disseminadores de informação sobre tais medicamentos. Além disso, pode-se considerar que o uso abusivo de medicamentos causam tanto males quanto o de drogas ilícitas, podendo causar dependência, síndrome de abstinência e distúrbios comportamentais. O uso indevido de medicamentos e mais particulamente dos psicotrópicos, é uma preocupação, pois ainda existem vários tipos de medicamentos com efeitos colaterais e indesejáveis reações. É necessário considerar ainda que a população de baixa renda, normalmente, faz uso de drogas mais baratas e muitas vezes até conseguir uma consulta na rede pública, o medicamento já foi interrompido; não houve o desmame correto e com isso, as reações psiquicas e físicas como a dependência e a abstinência podem acontecer (BITTENCOURT, 2008). Medicamentos anoregíxenos por exemplo, em sua grande maioria, aumentam a concentração e provocam o emagrecimento, porém, muitas vezes, incluem reações como ansiedade e irritabilidade. Usuários destas drogas ficam prisioneiros do próprio tratamento e podem se tornar pacientes psiquiátricos e, ao invés de fazer o efeito da perda de peso, a droga induz perda de qualidade de saúde mental. Na década de 1950, apareceram os primeiros psicotrópicos e, nas outras décadas seguintes, as drogas entravam na prática ambulatória e aumentaram também a polarização entre os campos “biológicos” e "psicológicos”. Com o avanço do diagnóstico e das metodologias de pesquisa, a medicina passou, cada vez mais, a ser baseada em evidências (FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004). A partir dessa revolução psicofarmacológica, Rodrigues (2003) buscou formas de investigar como e com que objetivo os recursos medicamentosos vem sendo utilizados na contemporaneidade, já que as promessas dos medicamentos são tão sedutoras como aconteceu com a fluoxetina, dada com a “pílula da felicidade”, que foi lançada no final dos anos 80 como a primeira substância inibidora seletiva da recaptação de serotonina, teoricamente tão eficaz como os antidepressivos tricíclicos, mas pelo seu caráter de seletividade no sistema de neurotransmissão serotoninérgico, demonstraram apresentar um número de efeitos colaterais e potencial de toxicidade significativamente menor. O autor cita então, que a “fluoxetina vulgariza o uso de antidepressivos“, pois a sua utilização passa a ser em tão larga escala e os seus efeitos são mitificados e propalados pela mídia (RODRIGUES, 2003). Segundo Rodrigues (2003), o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) marcou a opção tomada pela Psiquiatria de enxergar a doença como algo em si, tendo como reafirmação a sua identidade médica. Com isso, a doença não é mais compreendida como uma “experiência subjetiva de um determinado indivíduo, mas sim como uma entidade nosológica que o acomete”. O diagnóstico por muitas vezes é feito, sem levar em consideração que a experiência subjetiva, a identidade e as relações totais do indivíduo não podem ser mensuradas 13 ou quantificadas, pois ela escapa de qualquer possibilidade de precisão, o paciente é diagnosticado e o médico procurará o melhor tratamento, porém segundo Rodrigues (2003), a medicação é colocada em primeiro plano e a psicoterapia fica como um tratamento coadjuvante. Baroni et. al. (2010), faz uma crítica em relação ao diagnóstico, não como um direcionamento para reconhecer, discernir, distinguir, separar o que vem sendo investigado, mas como uma forma rígida de colocar ao sujeito que ele tem tal anormalidade, onde o paciente muitas vezes resiste em aceitar como sentença o seu estado patológico, se colocando em uma identidade de doente e voltado à medicalização passiva. Nesse sentido, o psicoterapeuta deve buscar formas de o paciente processar essa questão da melhor maneira possível, trazendo também assuntos relacionados ao seu sofrimento de um modo geral e/ou específico. Rodrigues (2003) coloca três pontos sobre o uso e desuso de medicamentos psicotrópicos. O primeiro ponto é que de que nenhuma pesquisa e nenhum clínico sério irá apoiar que uma substancia farmacológica será capaz de afirmar ao paciente que o seu estado de humor ou vontades retornará da mesma maneira que ele tinha ou deseja ter. Outro ponto que o autor coloca, é se o paciente faz uso da farmacoterapia, é importante considerar os fatores sociais e políticos do indivíduo, tematizando o que está em questão nas vivências do indivíduo e usando o medicamento como apoio em diminuir sintomas e dar auxílio ao seu sofrimento. O terceiro ponto é o papel desempenhado pela mídia, que aproxima muito das promessas milagrosas e na maioria delas são propagandas que mostram um ideal de tranqüilidade e serenidade que a medicação promete devolver, além das imagens serem acompanhadas com fotos de flores ou paisagens bucólicas, mostrando uma harmonização do homem com a natureza. Além dos antidepressivos que vem sendo utilizados em grande escala, outro medicamento que muitas vezes administrado com associação a outras substancias são os benzodiazepínicos, drogas com atividades ansiolíticas que tem efeitos sedativos, hipnóticos e relaxantes para pessoas com sintomas de ansiedade e dificuldades para dormir. O problema desta droga é o seu uso prolongado, podendo levar ao desenvolvimento de tolerância, dependência e abstinência, onde muitas vezes não há controle médico para tal, o desmame não é feito corretamente e o paciente em alguns casos não são informados sobre o que a droga pode acarretar (NOTO; ORLANDI, 2005). Outra droga que vem sendo usada de forma banal e avassaladora é o Metilfenidato, mais conhecido como Ritalina, o estimulante mais consumido no mundo, tanto para o tratamento do transtorno de déficit atenção e hiperatividade, como para melhorias cognitivas em pessoas saudáveis (ORTEGA ET AL, 2010). Porém o que mais impressiona é o uso dessas drogas em crianças que são encaminhadas pela escola, por se mostrarem desatentas e inquietas para seguirem uma rotina escolar. Nesses casos, se a criança for diagnosticada com o TDAH, o tratamento psicoterápico associado à farmacoterapia tem se mostrado útil, além de outras intervenções psicológicas nesse contexto, mas o que ocorre muitas vezes é um diagnóstico desfavorável para se fazer o uso de Ritalina e crianças acabam usando sem necessidade (SANTOS; VASCONCELOS, 2010). Vale ressaltar que o uso de medicamentos, seja ele de qualquer classe e/ou tipos são importantes e necessários para o paciente, principalmente como remissão dos sintomas, mas o que está em questão é o uso banal e falta de informação medicamentosa, e a psicoterapia como opção de segundo plano. 14 Outro problema encontrado é a resistência do paciente em usar o medicamento prescrito ou pelo fato de que as pessoas usam e param os psicotrópicos por conta própria, por causa dos efeitos adversos que ela venha causar. O papel do psicoterapeuta é reforçar ao paciente a importância do uso correto, se necessário, e levar o cliente a reflexão e conscientização em aderir ao tratamento. As autoras Leite e Vasconcellos (2003) colocaram várias questões acerca da não adesão ao medicamento, e o primeiro ponto a se pensar é a falta de acesso ao medicamento, já que o mercado farmacêutico está concentrado nos países economicamente mais ricos e voltado à classe econômica mais abastarda. Com isso, os altos custos dos medicamentos dificultam o seu uso e as autoras também falam da não adesão mesmo quando o medicamento é fornecido gratuitamente, pois exigem um grande empenho por parte do paciente em ir consultar freqüentemente, buscar os medicamentos no tempo certo, além de precisar adaptar a alimentação, horário e ritmo diário para cumprir o tratamento. Outro fator citado pelas autoras para a não adesão é a própria doença, pois quando é prescrito o medicamento, logo o paciente correlaciona o seu estado e compreende a sua enfermidade, a ponto de criar resistências e dizer que não precisa de tal tratamento. Rosa e Elkis (2007) falam sobre a não adesão ao tratamento para controle adequado em pacientes com esquizofrenia, já que a doença causa tanto sofrimento para o indivíduo e para a família, além de muitos pacientes terem comprometimento nas relações sociais de variadas maneiras. Weiden et al. (1995 apud ROSA; ELKIS, 2007) em uma pesquisa com sobre a adesão de tratamentos para esquizofrenia, relataram “a não adesão de 23% dos pacientes em um mês, 42% em seis meses e 46% em 12 meses após a internação.” Considerando esse número, sabe-se que a falha na adesão é um dos principais determinantes do prognóstico, aumentando assim a chance de recaídas e internações em alguns casos. Durante anos, psicanalistas acreditavam que a neurose era somente um problema psicológico, entendendo o tratamento biológico como inapropriado, já que causaria apenas o desaparecimento dos sintomas e por isso a medicação não agiria a favor da cura. Hoffman (1990, apud FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004) entendeu a necessidade de um padrão singular de tratamento, uma vez que “os transtornos mentais ocorreriam permanentemente sob uma matriz psicológica e biológica.” Marmor e Karasu (1981, 1982 apud FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004) chegaram a conclusão de que as medicações eram mais úteis no alívio dos sintomas a curto prazo, dando mais espaço ao paciente se tornar mais acessível à exploração psicoterapêutica. Os autores concluíram, ainda, que cada modalidade teria diferentes efeitos, já que as drogas entrariam na parte dos sintomas e a psicoterapia influenciaria nas relações interpessoais e no ajustamento social, com efeitos mais tardios e prolongamentos. Donovan e Roose (1995, apud FREY; MABILDE; EIZIRIK, 2004) fizeram um estudo ilustrando a realidade do uso de psicotrópicos e psicoterapia, com o objetivo de responder quantos pacientes tomaram medicação durante o uso do tratamento psicanalítico. Os autores enviaram questionários a todos os analistas do Centro de Treinamento e Pesquisa Psicanalítica de Columbia nos Estados Unidos e o resultado mostrou que 62% dos pacientes usavam psicotrópicos. Desta forma, receitar remédios durante a psicoterapia pode trazer “rico material do mundo interno do paciente a ser examinado no campo psicoterápico” (FREY; MABILDE E EIZIRIK, 2004, P. 122). Existe uma falsa crença de que um psicotrópico pode ser prescrito com ou sem uma psicoterapia formalmente 15 organizada, visto que uma relação psicoterápica é criada sempre que um indivíduo, em sofrimento mental, procura um médico e este lhe prescreve uma droga, já fazendo parte de uma relação interpessoal. Com isso, é importante ressaltar então que farmacoterapia deve ser feita sempre com cautela, dando prioridade à psicoterapia, e se possível e necessário, a associação entre a psicoterapia e o uso de medicamentos, para que os resultados de um tratamento sejam os melhores possíveis. Além disso, deve-se considerar sempre o uso de critérios como adequação na utilização de psicotrópicos, da administração, da verificação de reações e dos efeitos colaterais, além do desmame apropriado. O interesse de ser feito ou não a combinação da psicoterapia com o tratamento de doenças psiquiátricas com psicofármacos começou a partir de 1950. Segundo Liden e Manns (1980), somente depois da longa aplicação dos psicofármacos, em especial nos neurolépticos e depressivos, foi que surgiu uma discussão sobre os estudos das doenças e as causas sobre os vários princípios, gerando características polêmicas. Encontram-se vários problemas acerca da realização de estudos das combinações entre psicofármacos e psicoterapia, já que se exige um arranjo de ensaios que possibilita a determinação dos efeitos das duas medidas para cada droga, para cada patologia e para qualquer abordagem de terapia e sua possível interação. Faz-se necessário que o psicólogo enquanto psicoterapeuta saiba os fundamentos da psicologia e os embasamentos da psicofarmacologia para que ele prossiga de forma clara e até mesmo elaborando diagnósticos pré-definidos. Salim (1987) coloca que é necessário saber a psicofarmacocinética e psicofarmacodinâmica em sua totalidade, onde a primeira estuda a absorção, distribuição e eliminação dos psicotrópicos, bem como sua metabolização e ligação com proteínas e tecidos, além dos seus efeitos terapêuticos, colaterais e tóxicos. Sendo assim, para Salim (1987), “um dos alvos da psicofarmacocinética é determinar a ‘janela terapêutica’ de uma droga.” Já a psicofarmacodinâmica, estuda os efeitos bioquímicos e fisiológicos e os mecanismos de ação das drogas, interessando as modificações comportamentais que elas provocam no sujeito. Linden e Manns (1980) reiteram a idéia de que a combinação de psicofármacos e psicoterapia é mais efetiva que a psicoterapia isolada em pacientes com patologia grave, porém não mais ativas nesses pacientes que a psicofarmacoterapia isolada. O autor cita a experiência de observadores psicoterapeutas Koegler e Brill (1967 apud LINDEN; MANNS, 1980), que desaprovam os psicofármacos, porém várias discussões acerca deste tema mostram alguns autores como May (1971 apud LINDEN; MANNS, 1980), que acredita que a combinação não tem melhores efeitos que uma medida isolada e que “a psicoterapia não melhora os efeitos do medicamento”, enquanto os psicofármacos já conseguem melhorar os efeitos da psicoterapia. Para alguns psicólogos, esses resultados são decepcionantes, porém a psicoterapia tem o seu resultado a um prazo maior de tempo, comparado a farmacoterapia que age na ação da melhoria dos sintomas em curto prazo. A Organização Mundial de Saúde - OMS (2004) fala sobre a questão do excesso do consumo e da dependência de substâncias psicoativas e, para isso, existem vários tipos de tratamentos para conseguir se livrar de dependências farmacológicas. Para a OMS (2004), o tratamento mais eficaz passa pelas terapias comportamentais, mas também existem outros tratamentos, como o tratamento de 16 substituição, em que as substâncias simulam de algum modo os efeitos das sustâncias psicoativas, tirando alguns dos seus efeitos mais prejudiciais. A terapia comportamental para o tratamento de farmacodependências procura substituir a vontade de consumir substâncias, pela motivação em envolver-se em outros comportamentos. A OMS (2004) dá o exemplo do condicionamento utilizando o princípio do reforço positivo e punição para controlá-lo. Já as terapias cognitivocomportamentais auxiliam as pessoas a desenvolverem novas associações de estímulo-resposta que não provocam no consumo de substancias e são utilizados para o sujeito desaprender o comportamento relacionado com a dependência e aprender respostas mais adaptativas. 3. MÉTODOS 3.1 AMOSTRA • Participaram dessa pesquisa 70 dos 133 prontuários dos pacientes em atendimento psicoterápico e socioterapêutico na clínica-escola Centro de Formação em Psicologia Aplicada (CEFPA) da Universidade Católica de Brasília. Foram inseridos na pesquisa os prontuários de pacientes em atendimento no 1º semestre de 2011, incluindo todos os tipos de pacientes, de qualquer gênero e idade (adultos, adolescentes e crianças), sejam eles encaminhados ou não e sem qualquer distinção da escolha de qualquer abordagem ou modalidade de psicoterapia, desde que estejam em processo psicoterapêutico individual. Foram excluídos dessa pesquisa, prontuários de pacientes que não estavam freqüentando a psicoterapia ou que estivessem afastados do processo psicoterápico por quaisquer motivos. Não foram computados e nem lidos prontuários que não apresentaram termo de consentimento livre esclarecido (termo de compromisso do CEFPA). 3.2 Instrumento • O instrumento utilizado foi construído pela pesquisadora com base nas informações necessárias a serem obtidas para quantificar e qualificar o uso de substâncias psicotrópicas associadas à psicoterapia. O formulário foi composto por questões mistas (10 questões objetivas e 9 subjetivas). As questões eram concernentes a dados sócio demográficos, queixa inicial, psicoterapias anteriores, início do tratamento na clínica-escola, diagnóstico, uso prévio e/ou atual de psicotrópicos/drogas ilícitas, medicamentos utilizados, ação terapêutica, freqüência de uso, efeitos colaterais e princípio ativo de eventuais medicamentos utilizados, conforme documento anexo 3.3 Procedimento • Após consentimento da Coordenação do Centro de Formação em Psicologia Aplicada (CEFPA) para aplicar o instrumento, a pesquisadora trabalhou com os prontuários em sala apropriada dentro da clínica-escola. Cada formulário que foi preenchido e identificado por um número correspondente e a pesquisadora, respeitando as normas e éticas da profissão, não saiu do local nem com os prontuários e nem com os formulários preenchidos, pois o primeiro era devolvido à 17 secretaria da clínica e o instrumento utilizado era recolhido pela professora orientadora de TCC, dentro de uma pasta apropriada e confidencial. Os dados preenchidos foram tratados respeitando o sigilo profissional, pois não constava identificação de nomes, modalidades e abordagens da psicoterapia e psicoterapeutas, e, a identidade do paciente em cada prontuário coletado, foi mantida em segredo, onde a pesquisadora foi devidamente orientada pela coordenação do CEFPA e Orientadora do TCC. Vale ressaltar que somente foram considerados prontuários nos quais o paciente, antes de começar o atendimento psicoterápico, tinha assinado um Termo de Compromisso, concordando e estando ciente de que as informações provenientes dos atendimentos poderiam ser utilizadas para fins de ensino e pesquisa, assegurados o sigilo profissional, a não identificação do usuário e o seu bem estar e privacidade, conforme a determinação do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Essa pesquisa não previa nenhum contato com o paciente, apenas com os prontuários, reduzindo riscos possíveis. Como benefício, essa pesquisa levantou dados desconhecidos, até a presente data, em relação ao público atendido pela clínica-escola de psicologia da Universidade Católica de Brasília e o uso de farmacoterapia. Com esses dados, a clínica-escola poderá ter folders explicativos sobre as principais substâncias utilizadas pelos pacientes, bem como promover uma melhor preparação dos psicólogos em formação para atenderem de forma mais aprimorada a demanda do local. 3.4 Análises dos dados • Após coletados, os dados foram tratados por meio de análise estatística descritiva. Dados quantitativos foram considerados para análise do programa Excel, de modo a também categorizar melhor as questões dispostas no instrumento utilizado. 4. RESULTADOS Diante da coleta de dados dos 70 prontuários, percebe-se que mais da metade das pessoas que fazem psicoterapia são do sexo feminino (69%), sendo que 31% do gênero masculino (Figura 01), e uma média de idade de 25,13 anos. 18 Figura 01. Porcentagem de pessoas do sexo masculino ou feminino da amostra (N = 70). Em relação ao estado civil dos pacientes, 70% a maioria dos pacientes dessa amostra é formada por solteiros (70%). O que condiz com a condição de 64% da amostra não possuir filhos (vide Figuras 02 e 03). Os resultados indicaram ainda que dos 36% de pacientes que possuem filhos, a média é de 1,84 filhos por pessoa. Figura 02. Porcentagem relativa ao estado civil da amostra (N = 70). 19 Figura 03. Porcentagem de pacientes com filhos na amostra (N = 70). Ainda sobre as informações sócio-demográficas, a maioria dos pacientes tem o ensino fundamental incompleto (32,9%) e a segunda maior porcentagem vem do Ensino Médio completo (22,9%), vide Figura 04. Além disso, 69% não exercem nenhuma profissão remunerada. Dos 31% de pacientes que trabalham 0,8% da amostra está afastada das atividades laborais pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS (Figura 05). Figura 04. Porcentagem referente ao nível escolar dos pacientes informado nos prontuários (N = 70). 20 Figura 05. Porcentagem de pessoas da amostra que trabalham (N = 70). Em relação ao encaminhamento dos pacientes, 69% são encaminhados, destes, 30% são encaminhados por médicos. Em segundo lugar (22,9%), os encaminhamentos são realizados pela Justiça (Conselho Tutelar, SEMA, Juizados). Nesse fator, a escola ficou somente com 1,4% da responsabilidade (Figura 06). Figura 06. Porcentagem de encaminhamentos distribuída pelos órgãos responsáveis (N = 48). 21 Os resultados indicaram que 56% da amostra fazem uso de medicamentos, sejam eles psicotrópicos ou não (Figura 07). Desses pacientes que fazem uso de remédios, 72% são do gênero feminino e, apenas, 28% são homens. Há que se ressaltar, também, que dos medicamentos utilizados, somente 10% não são psicotrópicos e o restante (90%) são medicamentos psicoativos controlados (Figura 08). Figura 07. Porcentagem de pessoas da amostra que fazem uso de qualquer medicamento (N = 70). Figura 08. Porcentagem de medicamentos usados versus psicotrópicos (N = 39). Diante das classes dos psicotrópicos utilizados, o maior uso ficou para os antidepressivos (50%) e os ansiolíticos (28,6%), sendo que 11,4% dessa amostra usam antipsicóticos. Os estimulantes e estabilizadores de humor são os menos 22 usados pelos pacientes (7,1% para cada classe de psicotrópicos), vide Figura 09. Na classe dos estimulantes, apareceu somente como uso, o Metilfenidato, conhecido como Ritalina. Figura 09. Porcentagem da classe de psicotrópicos utilizados (N = 39). Na classe dos antidepressivos, o maior uso ficou para os Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS), com 54,2% da administração. Em segundo lugar (28,5%), ficaram os antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos (ADTT). Os antidepressivos Atípicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) e os não especificados ficaram com 5,7% do uso para cada classe (Figura 10). Dentre os ISRS, o mais usado é a Fluoxetina (12,9%), seguido da Paroxetina (8,6%). Já para os antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos, o psicotrópico mais usado foi a Amitriptilina (8,6%), vide Figuras 11 e 12. Na classe, dos benzodiazepínicos, o medicamento mais usado foi o Clonazepam (12,9%) e, em segundo lugar, o Cloxazepam (7,1%). O Diazepam e Nitrazepam foram usados por 1,4% dos pacientes (Figura 13). Nos antipsicóticos/neuropléticos, 4,3% usam o Gardenal, 1,4% usam a Risperidona e 2,9% para a Carbamazepina e para o Haldol (Figura 14). Em relação à prescrição, os resultados apontam que o especialista que mais prescreveu os medicamentos foi o psiquiatra (31,4%), seguido do neurologista (10%), vide Figura 15. Da amostra, apenas 40% dos pacientes possuem diagnóstico especificado. Além disso, vale ressaltar que das 39 pessoas que usam medicamentos, 17 delas não tem diagnóstico, apesar de fazerem uso de medicamentos psicotrópicos, que equivale a 43,59% dessa amostra. 23 Figura 10. Porcentagem da classe dos antidepressivos utilizados pelos pacientes (N = 38). Figura 11. Porcentagem de antidepressivos ISRS utilizados (N = 19). 24 Figura 12. Porcentagem de antidepressivos ADTT utilizados (N = 10). Figura 13. Porcentagem de ansiolíticos BDZs utilizados (N = 17). 25 Figura 14. Porcentagem de antipsicóticos utilizados (N = 8). Figura 15. Porcentagem relativa à classe médica que prescreveu os medicamentos (N = 39). 26 5. DISCUSSÃO Os resultados dessa pesquisa apontam para uma maioria de prontuários de mulheres analisados. Isso significa que, de acordo com a amostra, mais pessoas do gênero feminino estão em processo psicoterapêutico na clínica-escola da Universidade Católica de Brasília – UCB. Em concordância com esses achados vale ressaltar uma das características mais fortes da modernidade está, justamente, na oposição entre o presente e o passado, na qual a mulher vem exercendo vários papéis sociais e sua saúde mental vem sendo afetada pelo seu contexto de vida e fatores externos como aspectos socioculturais, econômicos, de infra-estrutura e/ou ambiental. Para Kohen (2000 apud PEGARANO; CALDANA, 2008), do ponto de vista epidemiológico, as mulheres apresentam índices mais altos de depressão, desordens afetivas, distúrbios de ansiedade generalizada, além de fobias e desordens alimentares, e, para a autora, algumas necessidades vem sendo descuidadas na área da saúde mental da mulher, como a atenção voltada na gravidez, no cuidado pós-parto, nas responsabilidades de trabalhar, ser esposa e boa mãe. Assim, não é de se estranhar que o adoecimento do gênero feminino seja maior, pois a sociedade não elaborou novas soluções consensuais para os problemas modernos; na verdade, houve abertura para novas experimentações como formas de “tentar equilibrar a vida pública e privada, a participação no mercado de trabalho e na produção doméstica de valores de uso, a liberdade individual e a responsabilidade para com os filhos, a igualdade e a diferenciação de papéis” (Durham 1983 apud SOARES; CARVALHO, 2003). Por outro lado, há que se considerar, que talvez se trate também de uma questão de gênero: o homem parece ser mais resistente a procurar ajuda para questões emocionais. Os resultados obtidos apontaram ainda para um público relativamente jovem (25,13 anos em média) que buscou psicoterapia. Esse dado pode justificar a baixa quantidade de pacientes com filhos (35% da amostra) e a quantidade de pessoas que exercem alguma atividade remunerada (31%). Há que se ressaltar, contudo, a grande quantidade de pacientes que está sendo medicada (56% da amostra) e dos psicotrópicos que estão sendo tomados (90% dos pacientes da amostra que fazem uso de qualquer medicamento). Medicamentos psicotrópicos são modificadores seletivos do Sistema Nervoso Central e segundo a Organização Mundial de Saúde, eles podem ser classificados em ansiolíticos e sedativos; antipsicóticos e/ou neuropléticos; antidepressivos; estimulantes psicomotores; psicomiméticos e potencializadores da cognição. Essa pesquisa indicou que várias classes de psicotrópicos são prescritas por médicos, principalmente psiquiatras (vide Figura 15), sendo que a maior classe de psicotrópicos usados é a de antidepressivos e seguida dos ansiolíticos. Contudo, é preocupante o fato de que parte desses medicamentos tem sido receitada por outras especialidades, como por exemplo, clínicos gerais (4,3%). O termo “Clínico Geral” é popularmente utilizado para designar o médico que não fez especialização. Segundo Mari e Jorge (2003 apud ANDRADE; ANDRADE; SANTOS, 2004), o clínico geral é o profissional que mais atua em saúde mental no Brasil, o que é um erro, já que ele tem o conhecimento acadêmico do curso de medicina, mas não se especializou em psiquiatria, que é o médico mais indicado para prescrever medicamentos psicotrópicos. Em geral, o paciente apresenta ao clínico geral as suas queixas através de um sintoma orgânico e acredita que o médico tem a expectativa de ouvir 27 sua queixa somática. Com isso, um clínico mal preparado tem mais “dificuldades de diagnosticar um transtorno mental, quando mascarado pelas queixas somáticas” (ANDRADE; ANDRADE; SANTOS, 2004). Isto pode refletir no consumo abusivo dos medicamentos controlados. Existem várias classes de antidepressivos, sendo que os primeiros antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos (ADTT) e inibidores de monaminaoxidase (IMAO) já existiam nos anos 80. Os IMAOS e os ADTTs surgiram trazendo bastantes efeitos colaterais como sedação, confusão, perda da coordenação motora e ganho de peso. Com isso, apareceram necessidades de surgir outras classes de antidepressivos como aconteceram com os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), os atípicos, e mais adiante, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN). Todos esses medicamentos chegaram ao mercado farmacêutico trazendo menos efeitos colaterais que os tricíclicos e os IMAOS e, por isso, fazem parte dos medicamentos mais utilizados (MORENO; MORENO; SOARES, 1999). Essa pesquisa indicou, corroborando os achados da literatura, que o maior uso de antidepressivos é o da classe dos ISRS (54,2%). Essa classe de medicamentos é resultado de pesquisa para encontrar remédios tão eficazes como os ADTTs, mas com menos problemas de tolerabilidade e segurança. Os ISRSs inibem de forma seletiva a recaptação de serotonina, potencializando a neurotransmissão serotonérgica e pela sua função seletiva, esses medicamentos apresentam perfil mais tolerável dos efeitos colaterais, existindo também diferenças nas reações adversas entre os principais ISRSs. Da classe de antidepressivos ISRS, o representante mais usado, apontado na pesquisa, foi a Fluoxetina, o primeiro antidepressivo desta classe que apareceu no final dos anos de 1980. Esse resultado da pesquisa corrobora com o autor Rodrigues (2003), que faz uma crítica às promessas dos medicamentos, mostrandose tão sedutoras como aconteceu com a fluoxetina; nomeada como “a pílula da felicidade” há época. Esse autor cita que a “fluoxetina vulgariza o uso de antidepressivos”, pois a sua utilização passa a ser em tão larga escala que seus efeitos são mitificados e propalados pela mídia (RODRIGUES, 2003). Em relação a outras classes de antidepressivos, a pesquisa aponta que nenhum médico prescreveu os IMAOs. Assume-se que esse achado pode estar correlacionado ao fato de que essas são drogas que causam bastantes efeitos colaterais e exigem dos pacientes restrição alimentar. Além disso, deve-se considerar que existem outros antidepressivos mais novos no mercado e mais toleráveis para administração. Ademais, outro antidepressivo que pouco foi prescrito é a Venlafaxina, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN). Trata-se de uma droga recente no mercado, com boa tolerabilidade e baixa incidência de efeitos, porém o valor desse medicamento ainda é alto, o que acaba dificultando seu uso para pessoas de baixa renda. Ressalta-se que, nessa pesquisa, foram considerados dados de pessoas que estão em processo psicoterapêutico em uma clínica-escola de cunho social; ou seja, de baixo custo. Inclusive, no instrumento original dessa pesquisa, a renda familiar seria computada para efeito de possível análise correlacional entre classe social/renda familiar e uso de medicamentos, mas esse fator foi descartado por ausência de informações necessárias nos prontuários avaliados. A pesquisa apontou um grande uso das pessoas por parte do ansiolítico, mais especificamente somente os benzodiazepínicos (BDZs). Para Nordon et al. (2009), os benzodiazepínicos são psicotrópicos que deveriam ser utilizados em casos de 28 ansiedade aguda, insônia recorrente e convulsões, mas não é o que ocorre, pois é a terceira classe de drogas mais prescritas no Brasil. São drogas não indicadas para tratamento a longo prazo e geralmente diminuem o seu efeitos ansiolítico ao longo do tempo (em geral 3 a 4 meses), pois produzem tolerância. Os BDZs podem causar dependência, abstinência e tolerância e, para Orlandi e Noto (2005), os perfis principais dos usuários crônicos dos benzodiazepínicos são formados por idosos em busca do efeito hipnótico e/ou por mulheres da meia idade, que procuram um efeito ansiolítico. Essa perspectiva da literatura está em conformidade com os achados dessa pesquisa, pois como segunda classe de medicamentos utilizados, os BDZs também são mais utilizados por mulheres. O Clonazepam apareceu na pesquisa como o medicamento mais usado na classe dos BDZs (12,9%), que além da sua função sedativa, ela apresenta ação anticonvulsivante, relaxante muscular e tranqüilizante. Além disso, ele é normalmente prescrito para casos de síndrome do pânico, distúrbio bipolar e depressão. Vale ressaltar também o significativo uso de antipsicóticos indicado na pesquisa (11,4%). Os antipsicóticos podem ser usados como estabilizadores de humor como foram apontado na pesquisa, em que se fez uma diferenciação do medicamento Carbamazepina para pessoas que usam o remédio como antipsicótico/neuroléptico e outros pacientes usam como estabilizador de humor. Os antipsicóticos são medicamentos inibidores das funções psicomotoras e atenuam também os distúrbios neuropsíquicos, alguns com funções sedativas, outros atuam nos sintomas psicóticos e ainda alguns com ações anticonvulsivantes. Vale ressaltar que os antipsicóticos podem causar reações adversas como o ganho de peso, já que eles e os estabilizadores de humor aumentam o apetite e estimulam a preferência por alimentos doces e gordurosos. Além disso, o paciente com superatividade das vias neuronais de dopamina costumam não sentir fome; com os medicamentos antipsicóticos, que atuam como antagonista de um receptor dopamina, diminuindo sua ativação, pode acontecer do paciente sentir mais fome e vontade de ingerir líquidos adocicados. A pesquisa indicou que dos 56% dos pacientes que usam qualquer tipo de medicamento, 90% deles usam psicotrópicos, sejam eles associados ou uso isolado de um só medicamento psicoativo. O mais interessante desta pesquisa é que das 39 pessoas que usam medicamentos, 17 delas não têm diagnóstico, o que equivale a 43,59%. Esses resultados coadunam com a idéia da banalização do uso dos medicamentos, já que elas estão sendo dedicadas a medicar qualquer sinal de sofrimento psíquico, com sintomas isolados, sendo rotulado como patologia cujo tratamento é a administração de psicofármacos. Para Ferraza et. al. (2010) a noção de medicalização remete a um fenômeno complexo e multifacetado que pode ser compreendido como o processo pelo qual o modo de vida do indivíduo é apropriada pela medicina e interfere nas construções de conceitos e regras. Para os autores, o saber psiquiátrico vem definindo novas rotulações e novas formas de tratamento para o sofrimento psíquico que se tornaram parte da linguagem cotidiana. Essa prescrição de medicamentos, seja ela com diagnóstico estabelecido ou não, pode ser explicada pelo conjunto de interesses envolvidos na indústria farmacêutica e o médico, onde existe pouca ou nenhuma relação com a saúde do paciente, já que o médico é recompensado financeiramente através da fidelidade do paciente em estar com ele por conta da prescrição do medicamento e o laboratório farmacêutico ganha também com a fidelização do médico. Pode-se considerar, então, que os resultados que mostram alguns pacientes usuários de medicamentos psicotrópicos sem diagnóstico fechado, mostram que a escuta da existência e história do paciente diante de qualquer desconforto, acaba sendo descartada, levando em conta somente os sintomas descritos pelo paciente, em que em muitos casos, não se faz necessário o uso de remédios e sim, o esclarecimento para o encaminhamento à psicoterapia, para que o paciente consiga elaborar e externalizar a sua 29 angústia, o sofrimento e qualquer desconforto psíquico. Correlacionando com os resultados da pesquisa o autor Rodrigues (2003) fala sobre o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) que foi fundamental para enxergar a doença como algo em si, tendo como reafirmação a sua identidade médica. Com isso, a doença não é mais compreendida como uma “experiência subjetiva de um determinado indivíduo, mas sim como uma entidade nosológica que o acomete”. Porém, segundo o autor, o diagnóstico quando feito, não leva em consideração que a experiência subjetiva, a identidade e as relações totais do indivíduo não podem ser mensuradas ou quantificadas, pois ela escapa de qualquer possibilidade de precisão, o paciente é diagnosticado e com isso,o médico procurará o melhor tratamento farmacológico e a psicoterapia fica como tratamento coadjuvante. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa realizada conseguiu alcançar os objetivos propostos, mostrando quais medicamentos são mais utilizados na clínica escola e mais ainda, avaliar o perfil destes pacientes em tratamento psicoterápico. Esta pesquisa direciona para outras pesquisas, voltadas neste contexto, em que todos os prontuários serão avaliados no próximo semestre, buscando melhores resultados acerca das literaturas citadas, corroborando ou não para a pesquisa realizada, possibilitando, ainda, uma análise correlacional mais aprofundada, via SPSS, para verificar as possíveis relações diretamente proporcionais dos perfis dos pacientes usuários de psicotrópicos. 30 REFERÊNCIAS ANDRADE, M.; F.; ANDRADE, C.; G.; A.; SANTOS, V. Prescrição de psicotrópicos: avaliação das informações contidas em receitas e notificações. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo, v. 40, n. 4, dez. 2004. BARONI, D.; P. ;M.; VARGAS, R.;F. ;S.; CAPONI, S. ;N. Diagnóstico como nome próprio: Psicol. Soc., Florianópolis, v. 22, n. 1, abr. 2010. BOA MORTE, S.; V.; R. A aliança entre a psicoterapia e a psicofarmacoterapia sob a ótica da psicoterapia cognitivo comportamental. Disponível em< www.perspectivasonline.com.br> Acesso em: 12 mar.2011. 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