APLICAÇÕES DA PSICOTERAPIA BREVE NA CLÍNICA-ESCOLA, NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO E EM PSICO-ONCOLOGIA HOSPITALAR * MARIA ALICE S. B. DE AZEVEDO Psicóloga, Psicoterapeuta, Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Saúde Mental, Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências, UNESP-Bauru. CRISTIANE ARAÚJO DAMETO Psicóloga, Psicoterapeuta, Especialista em Psicoterapia Breve. CARMEN MARIA BUENO NEME Psicóloga, Psicoterapeuta, Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Psicologia Clínica (Psicossomática e Psicologia Hospitalar), Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências, UNESP-Bauru. INTRODUÇÃO A entrada lenta, porém crescente de psicólogos em instituições de saúde, incluindo ambulatórios, hospitais gerais e de especialidades no Brasil, tem promovido e estimulado o desenvolvimento de técnicas psicoterápicas mais flexíveis e adaptadas a estas realidades, significativamente diferentes do protegido consultório. Em função disto, as técnicas breves de psicoterapia vêm ganhando espaço em nosso meio clínico. As Psicoterapias Breves podem ser aplicadas de diferentes formas, dependendo de seus objetivos e instrumentos, beneficiando amplamente e em diferentes níveis – do preventivo ao profundamente terapêutico - quase todas as pessoas, em diferentes momentos e condições existenciais. Visam proporcionar experiências emocionais capazes de levar o paciente a insigths predominantemente cognitivos, corrigindo distorções e fixações perceptuais, favorecendo o estabelecimento de relações compreensivas entre sua condição ou conflito atual e aspectos históricos e menos atuais de sua problemática, numa situação de interrelação humana não transferencial e não regressiva. Pesquisando a adesão de pacientes à psicoterapia em serviços públicos de Saúde Mental, Neme constatou que a maior parte dos terapeutas avaliou como abandonadores * IN: PSICOLOGIA DA SAÚDE. Perspectivas Interdisciplinares. Org.: NEME, C.M. & RODRIGUES, O.M.P.R. São Carlos: RiMa, 2003. prematuros muitos dos pacientes que consideravam já ter obtido os benefícios terapêuticos necessários com o tempo de tratamento realizado, demonstrando divergência de expectativas entre terapeutas e pacientes. Resultados de pesquisas nesta linha são consistentes em demonstrar a efetividade das Psicoterapias Breves, capazes de atingir objetivos limitados, porém não menos importantes e profundos para a vida dos atendidos. Neste capítulo são apresentadas experiências da prática de Psicoterapias Breves e de Intervenções Terapêuticas Breves em três situações distintas: Parte I - a Psicoterapia Dinâmica Breve em contexto de Clínica-escola; Parte II - a Psicoterapia Breve em Hospital Psiquiátrico; Parte III - a Psicoterapia Breve e Intervenções Breves em Psicooncologia hospitalar Parte I - A PSICOTERAPIA DINÂMICA BREVE NA CLÍNICA ESCOLA Maria Alice S. B. de Azevedo A Psicoterapia Dinâmica Breve desenvolveu-se a partir dos postulados psicodinâmicos da Psicanálise e é fruto da tentativa de se adaptar o procedimento terapêutico psicanalítico às necessidades individuais dos diferentes pacientes. Criada por Freud, a partir dos seus estudos e atendimentos a pacientes neuróticos, no final do século XIX e início do século XX, a Psicanálise atribui causalidade e significado aos fenômenos psíquicos, preenchendo, assim, lacunas até então inexplicáveis na vida mental do ser humano, tais como os sintomas psiconeuróticos, os sonhos, as parapraxias e os diferentes quadros psicopatológicos, até então não compreendidos, propiciando uma compreensão mais profunda e abrangente dos fenômenos mentais. Os seus conhecimentos difundiram-se de tal modo que, atualmente, a maioria dos profissionais da área da saúde mental que têm boa formação conhecem os seus conceitos básicos, aplicando-os nos mais variados contextos ou mesclando-os em abordagens ecléticas. No século XX ocorreu uma crescente valorização da dimensão psicológica do ser humano e conseqüente tomada de consciência de que a saúde mental das pessoas é tão importante quanto a sua saúde física, o que ocasionou um aumento na demanda por atendimento psicológico e psicoterápico nas instituições que prestam serviços às comunidades em nossa sociedade ocidental, em diferentes paises. Por outro lado, estamos vivenciando rápidas transformações e inovações tecnológicas, uma “cultura da pressa”, o que também tem contribuido e pressionado para o desenvolvimento de atendimentos mais ágeis e flexíveis, mais de acordo com o espírito da época e as exigências dos convênios de saúde pré-pagos. Em conseqüência disso, os profissionais da área da saúde mental viram-se defrontados com uma solicitação crescente por técnicas terapêuticas pragmáticas, flexíveis e economicamente viáveis, resultando no desenvolvimento de técnicas breves de atendimento psicológico em diferentes abordagens teóricas. Atualmente, estamos presenciando uma explosão de técnicas breves, além da Psicoterapia Dinâmica Breve, tais como: junguiana, psicodramática, guestáltica, fenomenológico-existencial, cognitiva, operacionalizada, sugestiva, de grupo e do grupo familiar. No entanto, a Psicoterapia Breve de orientação psicanalítica foi a primeira a ser desenvolvida e tem sido a mais estudada e pesquisada de todas. O próprio Freud (1919), no início do século XX, com a sua genialidade e visão utopista, já vislumbrara a necessidade de, no futuro, os psicanalistas virem a adequar a técnica psicanalítica, encurtando a sua duração e fundindo o ouro da Psicanálise com o cobre dos outros métodos, para que a mesma pudesse vir a ser utilizada em maior escala, em atendimentos mais breves, para atender o enorme contingente existente de neuróticos e mitigar-lhes o sofrimento. Nas duas últimas décadas, gradativamente, a Psicoterapia Breve vem impondo-se no cenário da saúde mental no meio clínico brasileiro, por várias razões. Por um lado, devido à flagrante insuficiência dos métodos tradicionais em atenderem à crescente demanda por atendimento psicológico e às necessidades de assistência por parte de pacientes em situações que requerem pronto atendimento, em situações de crise ou problemas agudos de origem recente, casos neuróticos não-crônicos, que não justificam atendimentos prolongados; por outro lado, para atender as necessidades das classes menos favorecidas economicamente, que procuram instituições públicas de saúde mental, que oferecem serviços à comunidade. A Psicoterapia Dinâmica Breve apresenta-se como a alternativa psicoterápica mais viável para atender a demanda crescente por serviços psicológicos e para a expansão do Movimento de Saúde Mental Comunitária, ora em desenvolvimento no país. Atualmente, ela é utilizada com freqüência nos mais variados contextos: em instituições de saúde, de ensino, hospitais, clínicas-escolas, organizações e em consultórios. Ela pode ser sucintamente definida e compreendida como uma técnica psicoterápica ativa, de tempo e objetivos limitados, com a aplicação consciente e planejada de conceitos psicanalíticos, dentro de uma abordagem flexível e individualizada (AZEVEDO, 1988). Embora a mesma seja fundamentada nos conhecimentos da Psicanálise, ela é distinta da técnica psicanalítica clássica e tem as suas características próprias. Como docente e supervisora de estágio, sinto-me responsável pela formação de psicólogos comprometidos com a nossa realidade social, que compartilhem a filosofia do Movimento de Saúde Mental Comunitária de oferecer tratamento relevante e prático a todos os segmentos da comunidade e não apenas a uma minoria economicamente favorecida. Por isto, considero-a a técnica ideal para ser utilizada na Clínica Escola, no estágio de formação na área clínica. Como supervisora de estágio, desde 1992, no Centro de Psicologia Aplicada (CPA), da UNESP/ Bauru, SP., consoante o referencial teórico e ideológico de trabalho adotado (AZEVEDO, 1988), conduzo e desenvolvo o Estágio em Psicoterapia Dinâmica Breve, voltado para a realização de atendimentos breves para pessoas da comunidade de Bauru e cidades vizinhas, que se inscrevem para psicoterapia no CPA. Dele participam estudantes em seu último ano de formação, que optam pela área clínica. Muitos são os pacientes beneficiados e os estagiários têm a oportunidade de participar, como terapeutas, de um processo psicoterápico que tem começo, meio e fim. Além de beneficiar muitas pessoas da comunidade, contribui para a difusão de uma técnica psicoterápica de imenso valor social e indispensável aos profissionais que realizam atendimento clínico. Objetivos do estágio: 1. Propiciar a difusão e aprendizagem de um método terapêutico pragmático, aplicável em Centros de Saúde, Hospitais Gerais e na prática privada, abreviando o tempo de duração e o custo de um tratamento psicoterápico, contribuindo para o atendimento da demanda crescente pelos serviços terapêuticos. 2. Apresentar uma modalidade de psicoterapia indispensável ao arsenal terapêutico do profissional que milita na área de saúde mental. 3. Propiciar aos alunos uma situação de aprendizagem que lhes permita integrar os seus conhecimentos teóricos, já adquiridos, da teoria e psicopatologia psicanalíticas, com a prática clínica no atendimento direto ao paciente, paralelamente à aquisição de uma postura profissional. Características: 1. Duração: o estágio é semestral; porém, oferecido a duas turmas de estagiários, cada uma com 8 alunos, uma em cada semestre. 2. Número de pacientes atendidos por aluno: um ou dois por semestre. 3. Supervisão dos casos clínicos: é realizada em grupo, com a presença de todos os estagiários, semanalmente. 4. Clientela atendida: adolescentes e adultos ( de 15 a 60 anos) da cidade de Bauru e região, que procuram os serviços de psicoterapia do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da UNESP. Metodologia de trabalho: a - Objetivos do trabalho terapêutico: - Oferecer ao paciente uma experiência de crescimento emocional. - Abrir um espaço para o paciente refletir sobre si mesmo, proporcionando-lhe condições para se conhecer melhor. - Propiciar-lhe insights, levando-o a entender algumas das causas que desencadearam os seus problemas atuais. - Ajudar o paciente a desenvolver melhores recursos para lidar com a sua angústia e a sua realidade b – Critérios adotados para seleção e pacientes (AZEVEDO, 1988): São selecionados os pacientes que apresentam: - Uma boa estrutura egóica. - Uma história de vida livre de perturbações muito severas ou psicose. - Um problema central ou foco, passível de ser delimitado desde o início. - Boa motivação para a psicoterapia. c – Procedimento terapêutico: - Aos pacientes selecionados é oferecida uma terapia que engloba um total de 25 atendimentos individuais, cobrindo 2 entrevistas iniciais de diagnóstico e 23 sessões terapêuticas. - A freqüência do trabalho é de duas vezes por semana (sessões de 50 minutos cada) e o processo dura cerca de 4 meses ao todo. Em casos extraordinários, se for necessário, oferecemos algumas sessões a mais, com a devida orientação da supervisora. - Uma vez selecionados (da lista de espera), através dos seus prontuários, os pacientes são entrevistados para a coleta da sua história de vida. São realizadas duas entrevistas para isto. - A seguir, com base nos dados coletados, é elaborado o diagnóstico clínico-psicodinâco do paciente. - Em seguida, cada paciente recebe 23 sessões de psicoterapia individual. É dada especial atenção à questão da “separação” no final da terapia, a qual é trabalhada para favorecer o desligamento do paciente. - A maior parte dos pacientes beneficia-se de uma terapia de 25 atendimentos. Este número foi definido em função de trabalho de pesquisa anteriormente desenvolvido pela autora (AZEVEDO, 1988). Resultados: Ao longo dos nossos anos de trabalho, a maioria dos casos atendidos tem resultado em êxito, em função da adequada seleção inicial dos pacientes, supervisão bem conduzida e dedicação dos estagiários. Os casos que apresentam os melhores resultados são aqueles que: a - Por parte do paciente: - A motivação do paciente é alta desde o início - O paciente envolve-se em uma relação terapêutica - Estabelece-se uma boa aliança terapêutica - O paciente revela capacidade de “insight” e elaboração b - Por parte do terapeuta/estagiário: - Este é ativo desde o início, deixando claro que conta com a colaboração do paciente. - Mostra habilidade e tato terapêutico para captar e trabalhar adequadamente o material que surge nas sessões. Apresentamos, a seguir, um quadro com os dados dos atendimentos realizados, assim como dos alunos que cursaram o nosso estágio, de 1992 a dezembro/2003. NÚMERO DE PACIENTES ATENDIDOS E DE ALUNOS DO ESTÁGIO DE MARÇO/1992 a DEZEMBRO/2003 Pacientes Iniciou e Iniciou e Iniciou e No de atendidos completou abandonou desistiu Alunos estagiários Ano ♀ ♂ ♀ ♂ ♀ ♂ ♀ ♂ 1992 10 - 7 - 3 - - - 7 1993 20 9 8 4 7 3 5 2 8 1994 14 6 7 3 4 2 3 1 8 1995 8 1 3 1 5 - - - 6 1996 12 4 7 1 2 1 3 2 6 1997 6 5 1 - 1 2 4 3 6 1998 11 4 9 2 2 2 - - 6 1999 10 3 9 3 1 - - - 6 2000 8 1 7 1 1 - - - 8 2001 9 - 7 - 2 - - - 8 2002 13 3 10 3 3 - - - 15 2003 17 3 15 3 2 - - - 15 Total 177 111 43 23 99 Conclusões: O nosso trabalho tem nos proporcionado muitas satisfações profissionais e pessoais e os alunos, em geral, empenham-se em suas atividades com dedicação. O que constatamos é o seguinte: - A receptividade dos pacientes ao programa terapêutico é alta. - O trabalho, embora de tempo e objetivos limitados, traz muitos benefícios aos pacientes. - Os resultados terapêuticos obtidos são estimulantes, demonstrando claramente os méritos de um atendimento planejado à comunidade. - O estagiário-terapeuta sente que está sendo útil e produtivo, o que lhe eleva o moral e a dedicação ao trabalho. - O estagiário tem a oportunidade de realizar um atendimento completo, pois o trabalho fica nitidamente com um início, meio e fim. - A contribuição do nosso estágio para a formação clínica do psicólogo destaca-se por propiciar-lhe o aprendizado de uma técnica terapêutica pragmática, aplicável à realidade brasileira, instrumentalizando-o para trabalhar futuramente em instituições de assistência à comunidade, tais como Centros de Saúde, Hospitais Gerais e, também, na prática privada. - O estágio contribui para a formação de psicólogos conscientes da nossa atual realidade e socialmente comprometidos. Referências Bibliográficas: AZEVEDO, M.A.S.B. Psicoterapia Dinâmica Breve. Saúde Mental Comunitária. S.Paulo: Vértice, 1988, 152 p. FREUD (1919). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio deJaneiro: Imago, 1976.