O PARADIGMA COMO UMA MUDANÇA DE OLHAR: uma proposta de discussão SUELI BARBOSA THOMAZ I - Introdução: buscando definições. Uma teoria não é o conhecimento; permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada. É a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema (Morin 1990, p. 256) Definir paradigma não é uma tarefa fácil e, talvez nem seja fundamental, como afirma Kuhn (1975) ao evocar Wittgenstein para lembrar que: não é necessário saber definir uma palavra para utilizar com certa eficácia, mas o que se percebe é que a não identificação do paradigma leva o pesquisador a não saber sobre o que está falando, uma vez que esse passa a fazer parte do inconsciente, tornando-se implícito e com isso, diz Paula Carvalho (1992, p. 47); elimina o caráter do diálogo, pois as pessoas deixam de falar uma com a outra passando a falar uma contra a outra e por não saberem desde onde falam, não sabem realmente o que falam. Desse modo, o discurso é acrítico, não existe uma comunicação ideal ficando, como afirma Chauí (1990) ao nível do discurso competente. O uso da noção de paradigma, enquanto definição de ciência em busca de autoridade científica, tem um grande prestígio e alguns abusos (Prado Coelho, 1982, p.21). Segundo Masterman (op. cit,1982), a palavra paradigma pode ter em Kuhn, entre outras, as seguintes acepções: designar uma realização científica universalmente conhecida; significa um mito; um modelo; aparece como analogia; como especulação metafísica; como capacidade produtiva; como ponto de vista epistemológico; como um campo específico da realidade . Nesse sentido, é necessário perceber o paradigma como modelo capaz de guiar uma investigação, sem imposições, como mudança de olhar, diferentes formas de olhar, procurando dar conta de uma faceta, de uma realidade. II- A Crise dos paradigmas. A partir do pensamento de Einstein sobre a relatividade e a simultaneidade, há um abalo das idéias de Newton sobre a questão do tempo e do espaço absoluto. A simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e em lugares distantes, passa a ser distinta e, o problema que se coloca é: como estabelecer a ordem temporal de acontecimento no espaço? Einstein redimensiona esse impasse, ao afirmar que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão somente ser definida. Com isso, relativizou as leis newtonianas no que se refere ao campo da astrofísica, se afastando dos velhos conceitos. Por outro lado, Heisenberg (1995) apresenta o conceito de probabilidade ( criticado por Einstein) ,ao afirmar que Deus não joga dados, querendo dizer que o jogo de dados se baseia no acaso e, que o conceito de chance ou probabilidade não é adequado em qualquer descrição científica. Para esse físico ( 1995), a função da probabilidade combina entre si elementos objetivos, subjetivos e as incertezas. As objetivas como conseqüência da descrição, em termos da física clássica e pelo fato de independerem do observador e as subjetivas na medida em que se referem ao nosso conhecimento incompleto do mundo. A função de probabilidade passa a conter os elementos objetivo e subjetivo, o que implica em um resultado que não pode ser predito como certeza. Ela não descreve uma situação específica, mas durante um processo de observação, um conjunto de acontecimentos possíveis. Não é possível medir simultaneamente, e conhecer a posição e a quantidade de uma partícula e, desse modo, nunca vemos as coisas exatamente como são (princípio de incerteza). O ato de observação muda a função de probabilidade de maneira descontínua, no momento em que seleciona o evento real que mudou. Daí usar a expressão salto quântico, para explicar que nosso conhecimento pode mudar o fato e, que a transição do possível ao real ocorre durante o ato de observação. Nesse aspecto, Heisenberg (1995) se aproxima de Bohm (1995) quando considera que não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem o alterar e, com isso, a relação sujeito-objeto perde o processo de ruptura. O estado total do sistema, antes de uma observação, é a de superposição, ou soma, dessas amplitudes, que definirá o estado encontrado, desaparecendo as outras, no que se chama redução do pacote de ondas. Santos (1987) coloca que outros fatores influenciaram a crise dos paradigmas, como o rigor da medição e o avançar do conhecimento nos domínios da microfísica, da química e da biologia. Morin (1996) lembra que presenciamos a derrubada da ciência clássica cujos expoentes, Descartes e Newton, concebiam o mundo como perfeito. Para esse autor, essa perfeição inexiste e, ficou provado quando percebeu-se que o mundo era constituído por átomos, num sistema constituído por partículas altamente complexas. Nesse aspecto, é a ciência clássica uma ciência limitada, presa a uma realidade determinista mecânica, que considera a subjetividade como fonte de erro, ao mesmo tempo que exclui o observador e sua observação (Morin, 1996) mundo dos objetos, mundo dos sujeitos. O fato é que esse perfil de ciência expulsou o sujeito da psicologia, substituindo-o por estímulos, respostas, comportamentos. Expulsou também o sujeito da sociologia e da antropologia, valorizando apenas as estruturas, retornando com Foucault, Barthes (Morin,1996). Na educação as conseqüências são visíveis na separação das matérias, no pensar separado, na organização da escola preocupada com a estrutura, distanciada do sujeito, com forte especialização. É a força da razão, o grande mito unificador do saber, da ética, da política. Essa crise faz surgir um novo paradigma, uma nova estrutura de pressupostos que vão alicerçar uma comunidade científica ( Kuhn,1975). Esse olhar em nova direção, passa a dar corpo ao paradigma emergente, enquanto uma teoria capaz de abarcar a riqueza da ciência e do espírito a partir dos estudos de David Bohm, Pribram, Whitehead, Leibniz, Bohr, Bergson, Capra, Prigogine, Schorödinger, Planck e outros, Portanto, partindo da perspectiva da filosofia da ciência, especificamente da nova ciência, que envolve a teoria da relatividade e a mecânica quântica e do Novo Espírito Científico - NES, pensado por Bachelard, pode-se afirmar que a nova física contribuiu para relativizar verdades, para o corte das idéias newtonianas de tempo, espaço, matéria e causalidade. Surge, desse modo, uma realidade indeterminada, uma probabilidade onde tudo pode acontecer. A incerteza passa a ser para Heisenberg (1995), rotulada de subjetiva na medida em que se refere ao nosso conhecimento do mundo. A única coisa que pode ser prevista é a probabilidade. Probabilidade, portanto, assume o lugar da certeza. Por outro lado, Bohm (1995) afirma que o holograma é um ponto de partida para uma nova descrição da realidade: a ordem dobrada em que a realidade é sempre inteira, total e essencialmente independente do tempo, onde o todo se manifesta. Desdobra simplicidade até abranger a complexidade do universo. Afirma que o manifesto está dentro do não-manifesto, e que este é maior e que move o manifesto, captado pela armadilha do pensamento. Para Bohm(1995), aquilo que vemos de imediato é na verdade superficial, e que nossas idéias devem correlacionar-se com o que vemos de imediato. Constituem, portanto, suas idéias como lembra Santos (1987), uma base comum tanto à teoria quântica como à teoria da relatividade, concebendo a consciência e a matéria como interdependentes, sem estarem ligadas por nexo de causalidade, mas imbricadas. A ordem implicada, portanto, lida com o todo e nada tem a ver com a posição no espaço e no tempo, mas com uma qualidade diversa, o dobramento que significa subtendido, tácito ou que se acha envolvido mas não de modo evidente, onde a realidade é total independente do tempo. A certeza passa a ser produzida pela incerteza e pela probabilidade. Com isso, uma teoria científica não se limita mais à simples descrição do que é comum. Ela revela o incomum, que no dizer de Nicoleuscu (1987) tem apelado a uma nova racionalidade, fundada não mais somente sobre o aspecto quantitativo, mas sobre o aspecto qualitativo da realidade. As idéias de Nicoleuscu foram apresentadas no Colloque International: A Déclaration de Venise. Preocupado com o impacto da ciência sobre a vida individual e social, em função de que o homem não é mais separado do universo e, de que o universo é um conjunto de interações que o homem faz parte. Afirma, esse físico, que depois da chegada da física quântica a fronteira entre observador e observado é dinâmica, instável, mutável e que por outro lado uma teoria científica não se limita à simples descrição do que é comum. Ela participa, revela o incomum sendo, portanto, uma nova abertura da realidade onde a interação mundo e homem são duas faces da uma só realidade. À essa ciência do homem pode-se unir o pensamento de Bachelard, o denominado "Novo Espírito Científico" - o NES. Na obra do mesmo nome, Bachelard (1985) se propõe a apreender o pensamento científico em sua dialética, a mostrar a dicotomia e a dar ao espírito científico a flexibilidade necessária à compreensão das novas doutrinas. Para tanto, faz uso do que denomina caráter inovador do espírito científico contemporâneo presente, de um lado, pela física do século XVIII ou XIX e de outro a física do século XX, para ressaltar as novidades. Nesse aspecto, parte dos dilemas da filosofia geométrica considerando que o espírito científico pense em todas as possibilidades ins trumentais e, para isso, lembra Heisenberg, no momento em que este físico afirma o apoio sobre experiências fictícias, bastando que sejam possíveis. Acredita Bachelard (1985), que não há desenvolvimento das antigas doutrinas sobre as novas mas, ao contrário, envolvimento dos antigos pensamentos pelos novos. O pensamento científico contemporâneo tem se ocupado em assimilar as leis do acaso, das ligações probabilísticas dos fenômenos sem ligação real, no dizer de Bachelard (1985), despontando a idéia de complexidade essencial dos fenômenos, a partir da leitura do complexo real sob a aparência simples. Com isso Bachelard (1985), estabelece o ponto de ruptura inspirado na física newtoniana e a relatividade einsteiniana. A partir do NES tem início o período "pós-Bachelard" que procura ler o complexo real sob a aparência simples, encontrar o pluralismo sob a identidade, no sentido de que : quanto menor é o grão de matéria, mais realidade substancial apresenta; diminuindo de volume, a matéria se aprofunda (p.124). Ao lado da epistemologia, surge o poético de Bachelard acompanhado da imaginação simbólica, ultrapassando a imaginação formal, em busca dos símbolos ( água, ar, terra e fogo), longe da lógica mecanicista, com arquétipos universais. É o NES um corte epistemológico, uma mudança de paradigma que como afirma Morin (1990), vai além do que conseguiu pensar a epistemologia anglo-saxónica no momento que percebe que não há nada simples no universo, só há coisas simplificadas, porém complexas, e que a ação científica é, por excelência, complexa. A idéia da ciência complexa aparece nas obras de Morin (1977, p. 19), como o paradigma da complexidade, no momento em que defende: que se tenha um método capaz de articular aquilo que está separado e unir aquilo que está dissociado, capaz de detectar e não ocultar as ligações, as solidariedades, as implicações, as interdependências e as complexidades, recusando o discurso linear como ponto de partida e fim, e a simplificação abstrata. Lembra, ainda, esse autor , que por mais marginal que seja essa idéia, ela não surge como um aerolito vindo de outro céu, mas de um mundo científico em convulsão e da crise da ciência e que pode romper com o princípio de disjunção/simplificação, recusando a simplificação abstrata, respeitando as condições objetivas do conhecimento humano, que comporta sempre, algures, paradoxo lógico e incerteza. A crise não tem características separatistas, convive com as limitações de cada paradigma, sem exclusão, retirando de cada um os aspectos necessários, fundamentais e passando, como afirma Teixeira (1993) a ser acolhido até onde render com economia e profundidade(...) a partir da recondução aos limites. Capra (1995), em conversa com Renée Weber lembra, que a nova teoria não invalida a antiga de modo absurdo, simplesmente aperfeiçoa a aproximação e que a física newtoniana é o exemplo-padrão, o melhor modelo no domínio dos fenômenos físicos macroscópios, em tudo que se refere a máquinas, afirmando: toda vez que você constrói um carro, usa implicitamente a física newtoniana. Importa juntar as coisas que estão separadas, lutando contra a disjunção e a favor da conjunção. Essa relação é fruto da diferença, uma vez que se, por um lado, o paradigma da ciência clássica apresenta uma acentuada separação entre o sujeito e o objeto, a vida e a natureza, reduzindo o complexo ao simples, eliminando a incerteza, a ambigüidade, a contradição dentro de um pensamento simples e de uma razão fechada, num discurso estruturalista, digital, apoiando-se sempre numa ordem binária, forçando a escolha entre o "sim" e "não", como cita Prado Coelho (1988), por outro lado o paradigma emergente busca uma não dualidade desses aspectos, mas uma relação: complementar, concorrente e antagonista (Morin,1977). Esse paradigma ainda hoje é marginal e, por isso, instituinte, com as características: complexo, aberto, aceitando ao mesmo tempo o falso e o verdadeiro, sem desejar chegar a uma ordem absoluta. O paradigma clássico é o da simplificação ( Morin, 1982 ), que produz uma concepção simplificadora do universo, enquanto que o paradigma da complexidade incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e disjuntar, dando conta dos caracteres multidimensionais de toda a realidade. BIBLIOGRAFIA BACHELARD, Gaston. O Direito do Sonhar. São Paulo, Difel, 1985. BOHM, David. O Físico e o Mítico: É possível um diálogo entre eles? In: WILBER, Ken (org.) O Paradigma Holográfico e outros Paradoxos. São Paulo, Cultrix, 1995. CAPRA, Fritjof. O Tao da Física Revisitado. In: WILBER, Ken (org.) O Paradigma Holográfico e outros Paradoxos. São Paulo, Cultrix, 1995. CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. São Paulo, Cortez, 1990. HEISENBERG. Física e Filosofia. Brasíli, Editora da Universidade de Brasília, 1995. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo, Perspectiva, 1975. MORIN, Edgar. O Método I. A Natureza da Natureza. Lisboa, EuropaAmérica, 1977. ______. 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